Por que a indiferença no Brasil com a Copa do Mundo? (parte II)
4 de julho de 2018
Alex Brasil*
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A Era Collor e a seu correlato no futebol: a Era Dunga
O período posterior a segunda Copa do México mostrou a profunda crise que vivia o futebol brasileiro. O Campeonato Brasileiro de 1986 só terminou no ano seguinte e a CBF se declarou incompetente para realizar o novo campeonato nacional, o de 1987. Formou-se, então, aquilo que vinha se desenhando desde o início dos anos oitenta: uma articulação dos times de maior torcida no país (o Clube dos 13 com Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, Internacional, Grêmio, Atlético Mineiro, Cruzeiro e Bahia), que em aliança com a Rede Globo e a Coca-Cola tomaram para si a realização da Copa União. Foram convidados mais três times para o certame: Santa Cruz, Goiás e Coritiba.
O convite, por si só, não levava em consideração que o Guarani-SP tinha sido o vice-campeão do ano anterior e o America-RJ, o quarto lugar. Esses clubes tradicionais (o Guarani, campeão brasileiro de 1978, e o America, campeão do Torneio dos Campeões de 1978, que envolveu quase todos os grandes brasileiros) jamais iriam se recuperar do critério adotado pelo Clube dos 13 para realizar a Copa União.
Com o sucesso da Copa União, a Coca-Cola tentou botar a sua propaganda na camisa da seleção brasileira em um amistoso contra o Chile, em final de 1987. A repercussão foi extremamente negativa, mostrando o quanto a história da “pátria de chuteiras” era levado a sério. Mas, mesmo 100% nacional (os melhores jogadores continuavam indo jogar na Europa) a Seleção Brasileira não deslanchava, acompanhando a marcha do governo Sarney, que após índices elevados de popularidade, caiu em desgraça com o Plano Cruzado e chegou a decretar a moratória do pagamento da dívida externa. Mesmo com Romário, Bebeto, Jorginho, Mazinho e Taffarel (jogadores que seriam campeões mundiais em 1994) o time treinado por Carlos Alberto Silva foi medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, perdeu para a seleção soviética a final e ficou com o bi-vice olímpico.
Concomitantemente, iniciou-se o esvaziamento dos campeonatos estaduais, motor do futebol brasileiro dos anos 10 a meados dos anos 80. Criou-se uma nova competição nacional (a Copa do Brasil) e mais uma continental (a Supercopa das Libertadores) mostrando que o eixo do futebol passava a ser a televisão e não os estádios cheios, como já tinha mostrado a parceria do Clube dos 13 com a Rede Globo.
A violência nos estádios, produto do desemprego gerado pela chamada “década perdida”, trouxe uma nova concepção de torcidas organizadas ao estilo hooligans na Inglaterra e os barra-bravas da Argentina, com muitos torcedores profissionais a serviço da disputa de poder em um determinado clube.
O malogro do futebol brasileiro nas Olimpíadas em Seul se deu um pouco antes da chegada do empresário Ricardo Teixeira, genro de João Havelange à presidência da CBF, em janeiro de 1989. Um novo treinador foi tentado no comando do selecionado nacional, Sebastião Lazaroni. No melhor estilo de vocabulário do falecido capitão Coutinho (com os seus termos complicados como overlapping, ponto-futuro, polivalência etc.), porém sem a mesma qualidade no comando, Lazaroni, procurou personificar o novo no futebol brasileiro (bem ao estilo do candidato à primeira eleição presidencial no país, depois de 28 anos, Collor de Mello) e ganhou a Copa América de 1989.
Em seguida, enquanto o vencedor das eleições presidenciais, Collor de Mello – na esteira do desmonte das economias planificadas do Leste Europeu – iniciava o programa de privatização das estatais brasileiras e a desindustrialização da economia nacional, a chamada “Era Collor”.
Para a Copa de 1990, na Itália, a CBF chamou 12 atletas que atuavam no futebol europeu entre vinte e dois convocados e fez um contrato de propaganda com a Pepsi. Lazaroni montou um time defensivo, no melhor estilo italiano. A chamada “Era Dunga”, a partir da liderança do time de um jogador de recursos técnicos limitados, mas raçudo, fracassou retumbantemente, sendo o Brasil eliminado nas oitavas de final pela Argentina.
O treinador brasileiro foi acusado de, nas suas convocações, levar em conta as transações do treinador com agentes e empresário de jogadores. A mais medíocre Copa da história dos Mundiais foi vencida pela Alemanha. O triunfo foi usado como propaganda para a Alemanha unificada, símbolo de vitória da Alemanha Ocidental capitalista, por isso dita moderna e superior, sobre a Alemanha Oriental socialista, dita atrasada e inferior.
Lazaroni foi defenestrado do comando de futebol, assim como seria Collor de Mello, dois anos depois. Mas, antes, Collor, através do seu secretário de esportes, Arthur Antunes Coimbra (o Zico), partindo de um pleito justo levantado pelo craque rebelde Afonsinho, no início dos anos setenta, aboliu a lei do passe, o que acabou por enfraquecer os clubes de futebol e, consequentemente, o mercado interno.
A era FHC: o empresariamento do futebol brasileiro, duas Copas ganhas pragmaticamente jogando feio
O enfraquecimento dos clubes brasileiros foi visível no início dos anos noventa, com exceção de alguns: o Palmeiras que se aliou à multinacional Parmalat, inclusive alterando o layout da camisa; o São Paulo, que tinha um grande estádio próprio construído nos anos sessenta; e os times com dirigentes vinculados à bancada da bola no Congresso como o Vasco do deputado federal Eurico Miranda e o Cruzeiro do deputado Zezé Perrella. Não foi à toa que, tirando o Grêmio que também ganhou uma Taça Libertadores em 1997, foram estes clubes brasileiros que ganharam a Libertadores nos anos noventa, sendo que o São Paulo também ganhou dois mundiais interclubes, em 1992 e 93. O Flamengo, por exemplo, tentou uma parceria com a Internacional Sports License, em 2000, acabando por falir a ISL e por levar o presidente rubro-negro, Edmundo dos Santos Silva, à prisão.
Seguiu-se o enfraquecimento dos campeonatos estaduais e foram criadas novas competições como a Copa Conmebol (atual Sul-americana) e a Copa Mercosul (em substituição a Supercopa das Libertadores e com o sugestivo nome do mercado comum ao Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina) com o objetivo do futebol ser cada vez mais uma atração televisiva para propaganda, visando atrair patrocinadores de todo o tipo como cervejarias, bancos, empresas de material esportivo, etc. Dessa cultura de ver o jogo pela televisão foi-se desconstruindo o futebol como a principal expressão cultural brasileira que se materializava na participação dos torcedores em um espaço coletivo, os estádios.
O contexto do enfraquecimento dos grandes clubes brasileiros foi reforçado com a chegada de Fernando Henrique Cardoso com seu plano de estabilização da economia (o Plano Real), com uma privatização de estatais mais agressiva do que a feita por Collor de Mello e mais desindustrialização da economia nacional. No futebol, a aplicação desta cartilha foi a chamada Lei Pelé, criada pelo ministro Édson Arantes do Nascimento (que tem como base o projeto de Zico). O resultado não foi somente clubes debilitados, mas também um minúsculo grupo de jogadores milionários e uma imensa massa de atletas precarizados ou desempregados.
Um pouco antes da Lei Pelé o Brasil disputou a Copa de 1994, nos EUA. Os jogos, para atender os interesses da televisão, eram disputados no início da tarde sob sol escaldante e prejudicial aos atletas. Havelange, sem sentir mais a mesma segurança de que seria presidente da FIFA por muito tempo, sabia que se o Brasil perdesse o Ricardo Teixeira, seu aliado, também poderia perder o comando da CBF, o que ameaçava os negócios de ambos.
Contraditoriamente e de forma maquiavélica, Havelange liberou do exame antidoping Diego Armando Maradona, para que o mesmo superasse a má forma física e pudesse atuar, a base de moderadores de apetite, no Mundial. Havelange precisava de um grande astro para motivar a Copa e Maradona ainda era o jogador com maior fama internacional. Entretanto, frente ao excelente desempenho da Argentina no início da competição e com medo que ganhasse a Copa, o presidente da FIFA descumpriu a sua palavra e os exames antidoping flagraram, obviamente, Maradona, o afastando da Mundial ainda na primeira fase. A Argentina seria eliminada em seguida.
O Brasil seguiu o seu percurso pragmático: depois de eliminatórias complicadas (foi a primeira vez que o Brasil perdeu um jogo nessa fase da competição), a CBF descartou a hipótese de trazer Telê Santana de volta ao comando do futebol depois do sucesso no São Paulo e insistiu com a dupla Carlos Alberto Parreira e Mário Jorge Lobo Zagallo no comando.
Com metade dos jogadores convocados atuando em clubes do exterior, o selecionado foi jogando de forma defensiva, com poucos gols (11 no total de 7 jogos), escorado no talento de pouquíssimos craques (em particular, Romário). Assim, o Brasil se tornou pela quarta vez campeão mundial, depois de 120 minutos de um jogo horroroso e de disputa de penalidades contra uma Itália defensiva como sempre. Já não existia mais diferença entre a escola de futebol brasileira e a italiana.
Após um novo malogro nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996 (foi eliminada pela futura campeã olímpica, Nigéria), o selecionado brasileiro chegou como um dos favoritos à Copa da França, de 1998, depois de ter ganhado a Copa América do ano anterior. Era a última competição com 24 seleções e a despedida de João Havelange da presidência da FIFA. Ele se tornaria “presidente honorário” da entidade assumindo em seu lugar o suíço Joseph Blatter, seu aliado de ideias e práticas. A CBF passou a eleger como patrocinador prioritário (como tinha sido a AmBev em 1994) a fornecedora de materiais esportivos norte-americana, a Nike. Foram convocados 14 jogadores que atuavam em clubes do exterior e oito somente de clubes brasileiros.
Justamente com a principal patrocinadora do selecionado nacional se daria a maior polêmica da Copa de 1998. A seleção brasileira fez uma campanha irregular, chegando à final com a seleção dona da casa. Poucas horas antes da partida, o craque brasileiro Ronaldo “Fenômeno” teve convulsões, não tendo as mínimas condições para entrar na decisão e chegou a ser substituído na escalação inicial por Edmundo. Uma reviravolta surpreendente aconteceu por ordens superiores (suspeita-se da intervenção da Nike) e Ronaldo entrou na final, de forma pífia. O Brasil acabou sendo goleado por 3 X 0 pelos franceses, comandados pelo craque Zinedine Zidane.
O segundo mandato de FHC, reeleito no primeiro turno, iniciou-se em seguida e pegou a crise da economia russa (1999), fenômeno típico da mundialização da economia. Seus efeitos foram logo sentidos: crise de energia elétrica, epidemia de dengue, alta do dólar, arrocho e desemprego. Turbulências também atingiram em cheio o futebol brasileiro: o campeonato brasileiro de 2000 para ser realizado teve que recorrer ao artifício de chamar Copa João Havelange com 116 clubes, pelo fato de a FIFA proibir os clubes de recorrerem à Justiça comum e o brasiliense do senador Luís Estevão ter driblado essa determinação e ter recorrido ao Judiciário contra o seu rebaixamento em 1999.
Tempestades também para o selecionado nacional que se classificou para a Copa do Japão-Coréia do Sul (a primeira com 32 seleções e também a primeira a ser realizada em dois países) da pior forma possível: perdeu muitas partidas, jogou mal e teve quatro treinadores (Wanderley Luxemburgo – afastado por suspeita de que suas convocações visavam os seus interesses como empresário de futebol – Leão, Candinho e Luís Felipe Scolari). A desidentificação com a seleção brasileira crescia: no Congresso Nacional, a CPI sobre a relação da CBF com a Nike virou “pizza” e foi arquivada em 2001. O ministro de Esportes, Pelé, se silenciou, pressionado por denúncias de irregularidades envolvendo o seu sócio Hélio Vianna na empresa Pelé Sporting e Marketing Ltda.
O futebol se tornava cada vez mais negócios, parte fundamental da indústria do entretenimento: no início de 2001, depois de 41 anos, a FIFA se mostrava disposta a assumir um Mundial de Clubes tendo um projeto piloto de competição, sendo disputada no Brasil, com o Corinthians como campeão e o Vasco como vice.
Já o selecionado brasileiro chegou desacreditado no Mundial da Ásia com 13 jogadores convocados que atuavam em clubes brasileiros e 10 no exterior. Foi enfrentando seleções sem tradição (Turquia, Costa Rica e China) e com a providencial ajuda da arbitragem em dois jogos (o primeiro contra a Turquia e as oitavas de final contra a Bélgica), que o Brasil se sagrou pentacampeão mundial novamente se ancorando no futebol de alguns poucos craques (Ronaldo Fenômeno, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho) e fazendo mais uma vez um jogo pragmático.
Tempos de lulopetismo, de “arenas” futebolísticas e de um Brasil exportador de commodities, inclusive, no futebol
A conquista da Copa não conduziu o candidato de FHC, José Serra, à presidência, em 2003. Depois de quatro tentativas foi o petista Luís Inácio Lula da Silva que chegou. Diferentemente do que muitos esperavam, Lula se aliou a setores do agronegócio, às empreiteiras e se ligou ao capital chinês. Quanto às diretrizes da “Lei Pelé” nada foi alterado e o futebol brasileiro, assim como o agronegócio, virou exportador de commodities. Só que essas commodities, ao invés de jogadores maiores de idade, passaram a ser jogadores adolescentes das divisões de base cada vez mais saindo para o mercado externo (futebol europeu, chinês, japonês, árabe etc).
Já o Corinthians, clube mais popular de São Paulo, para se adequar a esses “novos tempos”, acabou por se aliar a Media Sports Investment (MSI) do anglo-iraniano Kia Joorabchian e montou um super elenco para conquistar o campeonato nacional de 2005. Acabou conseguindo após a anulação de vários jogos de forma questionável pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Luiz Zveiter, sob alegação de comprovação de suborno nos jogos citados, envolvendo o árbitro Edílson Pereira de Carvalho. Registre-se: a MSI era suspeita de envolvimento com a Máfia russa e o Corinthians pagaria caro por esse envolvimento, sendo rebaixado dois anos depois.
Mas, com todas essas querelas internas para a Copa de 2006, na Alemanha, o Brasil surgia como franco favorito ao título, justamente por ter uma seleção “globalizada”. Apesar de não ter se classificado para as Olimpíadas da Grécia, o selecionado brasileiro vinha embalado pelas conquistas da Copa América de 2004, da Copa das Confederações em 2005 e pelo título do Mundial de Clubes, do São Paulo, em 2005.
O comando da seleção brasileira tinha voltado às mãos de Carlos Alberto Parreira e Mário Jorge Lobo Zagallo. Os dois convocaram para a Copa 20 jogadores de clubes no exterior e 3 somente atuando em clubes brasileiros. Em suma: o selecionado brasileiro virou uma reunião dessas commodities caras vendidas para o mercado externo, com pequena cota para os atletas que atuavam nos clubes brasileiros.
Entretanto, o futebol brasileiro fracassou e foi eliminado nas quartas de final pela França. A Copa do Mundo foi vencida pela quarta vez pelo jogo defensivo e pragmático da Itália, que não deixou saudades. A partir desta edição na Alemanha, o caminho escolhido pelos dirigentes da FIFA foi retomar o percurso de 2002: o rentável negócio de construção de estádios para alegria de empreiteiras. Aliás, as escolhas dos países sedes, seja da Copa do Mundo seja das Olimpíadas, tiveram esses critérios. E a compra de votos, suborno, tráfico de influência foram importantes para fazerem prevalecer esses critérios, envolvendo inclusive “cartolas” com um passado bonito nas quatro linhas, ex-craques, o treinador alemão Franz Beckembauer e o ídolo francês Michel Platini.
O Brasil já tinha conseguido um pequeno aperitivo do quanto poderia ser interessante e rentável para as corporações a realização em solo nacional da Copa do Mundo com os Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Portanto, por política do governo Lula, o Brasil seria escolhido como país-sede da Copa de 2014 (sucedendo a África do Sul) e das Olimpíadas de 2016 (no Rio de Janeiro). No campo, entretanto, o futebol brasileiro minguava em conquistas só conseguindo o título do Mundial de Clubes, no final de 2006, com o Internacional-RS batendo o Barcelona, a Copa América em 2007 e a sempre enganosa conquista da Copa das Confederações em 2009.
Para o Mundial da África do Sul, o treinador escolhido foi o ex-jogador Dunga com pouca experiência na função, que seguiu o critério da pequena cota para os jogadores de times brasileiros (somente 3 convocados) sendo os 20 atletas restantes de clubes do exterior. Com dez patrocinadores (Seara, Nike, Nestlé, AmBev, dentre outros) a seleção brasileira com seu futebol pouco convincente acabou sendo derrotada pela seleção holandesa nas quartas de final. Esta perderia o título na prorrogação para a Espanha e o seu pragmático futebol “tic-taca”.
Essa conquista permitiria que, no início da presente década, a Espanha reforçasse a visão de ser uma “Meca” do futebol graças também aos seus dois super times (Barcelona e Real Madrid), duas “seleções” globalizadas. De onde vinha tanto dinheiro para formar esses times? Javi Poves “cria” das bases do Atletico de Madrid, jogador profissional do Sporting Gijon, decidiu encerrar a carreira aos 25 anos, em 2011, deu a pista: “Quando se vê por dentro, o futebol internacional é só dinheiro e corrupção. É capitalismo, e o capitalismo é a morte. Não quero estar em um sistema que a base para ganhar dinheiro é a morte dos outros na America do Sul, África, Ásia. Meu interior me impede em seguir no futebol”.
Porém, mesmo os críticos mais conceituados e sérios da imprensa esportiva brasileira não deram ênfase a essa denúncia. Obviamente, estavam embriagados com que o futebol-negócio lhes oferecia de oportunidades, oportunidades estas turbinadas pela realização da Copa das Confederações em 2013 e pela Copa do Mundo em 2014: ora programas e mesas-redondas na tevê, ora colunas em jornais, ora encomenda de livros, enfim, diversas oportunidades de trabalho, em que o próprio jornalista virava um popstar.
Concomitantemente e de forma escancarada, uma profunda operação ocorria no futebol brasileiro com a substituição dos velhos e amplos estádios do período anterior (Maracanã, Mineirão, Fonte Nova etc.) por arenas modernas, menores, mais compactas, seletivas e envolvendo grandes construtoras. Se intensificava um processo de elitização do público, de limpeza étnica racial, conjugados aos programas de sócios torcedores: o antigo frequentador dos velhos estádios (o povo pobre, negro, nordestino, favelado e da periferia que fez desse esporte o mais popular do país) foi empurrado para fora das novas “arenas”. O mesmo teria que se contentar em ver o jogo de dentro de um bar.
A economia no governo da presidente eleita, a petista Dilma Rousseff, sentia os efeitos da crise econômica do capitalismo, aberta em 2008, nos EUA. Da mesma forma, o velho futebol brasileiro claudicava. O Fluminense, campeão brasileiro de 2010 e 2012, entrou em declínio depois de perder o patrocínio da UNIMED, relembrando o fim da parceria do Palmeiras com a Parmalat nos anos noventa. O Santos, depois de ter ganhado a Libertadores, foi goleado em 2011 na final do Mundial de Clubes, pelo Barcelona. Somente o Corinthians ganhou o Mundial de Clubes (já no formato FIFA), em 2012. Já o Atlético-MG, vencedor da Libertadores, ficou somente em 3º lugar em 2013. Nesse mesmo ano, o Santos foi goleado em um amistoso com o Barcelona por humilhantes 8 X 0, mostrando a real dimensão de como estava o nosso futebol dentro do campo. E fora do campo não ia melhor: João Havelange, antes de falecer, já tinha se afastado da presidência de honra, em 2011, em função das denúncias de corrupção na CBF que o atingiam assim como ao seu ex genro Ricardo Teixeira, que renunciaria à presidência da CBF em 2012.
Ainda assim e após perder pela terceira vez uma final de Olimpíadas – em 2012 , em Londres, para o México – a seleção brasileira (tendo no comando os ícones das conquistas dos títulos de 1994 e 2002, Carlos Alberto Parreira e Luís Felipe Scolari em substituição a Mano Menezes) venceu mais uma vez a Copa das Confederações, dando novamente uma falsa impressão de favoritismo. Tudo isso em meio aos violentos protestos das Jornadas de Junho, anticopa, contra a farra da construção de novas arenas superfaturadas em detrimento a investimentos públicos em saúde, Educação e transporte de massas, o que provocou a declaração cínica e estúpida de Ronaldo Fenômeno, hoje empresário de futebol: “Copa não se faz com hospital, mas com estádios”.
Cumprindo a cartilha das “cotas”, estabelecida em 2006, a dupla Scolari e Parreira convocou somente 4 jogadores de clubes brasileiros para a Copa de 2014 sendo os 19 restantes de clubes estrangeiros. Com uma campanha medíocre o Brasil, aos trancos e barrancos, chegou a semifinal e foi eliminado de forma vergonhosa pela Alemanha (os famosos 7 X 1, que acabaram redimindo tardiamente o injustiçado time de 1950, responsável pelo maior vexame do futebol brasileiro).
E agora?
De 2014 para cá, José Maria Marin, substituto de Ricardo Teixeira na presidência da CBF, foi preso na Suíça por corrupção e afastado de todas as suas funções de dirigente esportivo. Seu substituto, Marco Polo Del Nero, também foi banido pela FIFA das atividades relacionadas ao futebol. Porém, Del Nero conseguiu fazer o novo presidente da CBF Rogério Caboclo, bem dentro do espírito corrupto e entreguista do atual governo Temer. E a FIFA? Acusado de corrupção, Joseph Blatter foi substituído por Gianni Infantino na presidência. Infantino foi pupilo de… João Havelange.
Já o futebol brasileiro teve a sua última conquista com a medalha de ouro contra a Alemanha nas Olimpíadas do Rio de 2016, logo depois do impeachment de Dilma Rousseff. Entretanto, esta competição foi disputada por seleções concorrentes secundárias, só o Brasil levou a sério a disputa e, hoje, a conquista brasileira é muito pouco lembrada.
E a grande maioria da imprensa brasileira, aquela com espírito de vira-lata, a mesma que exaltou o futebol brasileiro pragmático vencedor de 1994 e 2002, criou novas “Mecas” do futebol: além da Espanha, obviamente a Alemanha foi incorporada nesse patamar assim como o futebol inglês. Resta saber como se portará depois da eliminação precoce de duas dessas “Mecas” da Copa da Rússia de 2018, a Alemanha e a Espanha.
Por fim, ainda que um certo entusiasmo com a Copa traga de novo algum apoio popular à seleção brasileira, do craque artificial Neymar, sem dúvida alguma coisa ficou no meio do caminho: o verdadeiro e genuíno futebol brasileiro. Essa ausência de identificação já tinha sido sentida nas conquistas brasileiras de 1994 e 2002 e veio da derrota histórica do futebol-arte brasileiro, em 1982-86. Este último fazia do torcedor um homem comum participante de um entusiasmo coletivo que criava não somente a beleza nos gramados, mas, paixões, polêmicas e até pensadores do esporte como os ex-jogadores Afonsinho e Sócrates e o jornalista João Saldanha, o “João Sem Medo”. Essa ausência de magia somada à mercantilização e à corrupção que tomou o futebol, explica o porquê da ausência de identificação com o selecionado nacional e com a Copa, antes desta última começar.
*Militante do Movimento de Organização Socialista e torcedor do Flamengo