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Jornal 22: Setembro/Outubro de 2007


3 de janeiro de 2009

Leia as matérias online:

 

Crise financeira: a última?

Alexandre José Ferraz (professor da rede estadual de SP e integrante do Espaço Socialista)

alexandrejoseferraz@bol.com.br

A crise atual diferencia-se das anteriores do período iniciado com a globalização, pois nenhuma havia tido essa amplitude nem profundidade. Desta vez, não só temos uma crise com os EUA no centro, envolvendo todos os países centrais e sua periferia mais próxima, como também podemos afirmar que a crise já ultrapassou a barreira do que se poderia chamar de uma crise apenas financeira, restrita às bolsas de valores. Ela já atingiu a esfera produtiva e terá reflexos no mundo inteiro, trazendo a diminuição do crescimento econômico mundial, embora não estejam claras as proporções.

Os mercados vinham batendo recordes históricos desde 2003, no entanto, de 4 meses para cá, a partir da queda das ações na China, teve início uma tendência de apreensão cada vez maior a respeito dos rumos, não apenas do mercado financeiro, mas da própria economia global.

Os olhos dos investidores estavam voltados para a economia americana, particularmente para o seu mercado imobiliário que é, sem dúvida, a parte mais inflada da imensa bolha mundial de endividamento e especulação que se formou nos últimos anos. E foi justamente de lá que vieram as notícias que levaram à queda simultânea de todas as praças financeiras importantes do mundo.

A crise começou com a constatação de que grande parte dos norte-americanos estavam com problemas para pagar as prestações mensais dos empréstimos pelos quais hipotecaram suas propriedades.

As hipotecas foram feitas com juros menores que 1% nos anos de 2001 e 2002, mas nos últimos dois anos, o FED (Banco Central dos EUA) veio aumentando paulatinamente as taxas, até atingirem os atuais 5,25% ao ano. Parece pouco, principalmente quando comparado aos juros no Brasil, mas a questão é que, sobre a taxa básica de 5,25%, as financiadoras ainda colocam seus lucros e a previsão de riscos, o que aumenta bastante os juros finais dos empréstimos.

Um aumento de juros dessa magnitude sobre empréstimos de 200 a 300 mil dólares, combinado com salários estagnados, corte de direitos sociais e aumento de impostos, significa um aperto a mais que as famílias não estão em condições de suportar.

“Cynthia e Joe Esperaza têm dois filhos e vivem em Santa Clarita, Califórnia. Tomaram um empréstimo da Countrywide, a maior empresa de crédito imobiliário dos EUA, há três anos atrás. Os Esperaza obtiveram uma taxa de juros de ‘incentivo’ de 1% nos primeiros dois meses do empréstimo. Mas, então, de acordo com eles, a taxa subiu em degraus de 2,8% no início, até chegar a 8% atualmente. Com o tempo, alcançará 9,5%. Para os Esperaza, significa que emprestaram US$ 326 mil há três anos e hoje devem US$ 344 mil. Na Califórnia, onde fica a sede da Countrywide, as execuções de hipotecas aumentaram 800%, pois os mutuários não conseguem pagar as prestações.

Outra família , cujo empréstimo foi fixado em 5,9%, passados dois anos desse período de ‘incentivo’ teve sua taxa de juros aumentada para 8,9%. E vai aumentar um ponto percentual a cada seis meses até alcançar 12,4%. ‘Eles não nos disseram que isso ia acontecer’, diz o pai da família. (FSP 18/08/2007)”

Mais além do problema de endividamento das famílias, há também o das empresas que tomaram muito dinheiro emprestado para investir no ramo da construção civil. Com a super-oferta de imóveis e a retração das compras, devido aos juros mais altos, grandes investidores também estão com dificuldades para pagar os empréstimos contraídos.

A crise financeira se propaga para a esfera produtiva…

A declaração da Countrywide no dia 24 de julho, de que seu lucro no segundo trimestre sofrera queda de 33%, foi considerado o estopim da atual instabilidade das Bolsas. As ações da financiadora caíram 12,96% em 15/08 e cerca de 50% apenas neste ano (FSP 16/08/2007).

Na mesma data, O banco francês BNP Paribas, um dos maiores da Europa, havia impedido seus clientes de sacarem dinheiro de três fundos, por falta de reservas em caixa, medida que fez aumentar fortemente as preocupações dos investidores sobre o crédito.

Assim, o que começou como uma crise do mercado imobiliário e financeiro norte-americano, propagou-se imediatamente e levou à queda, por mais de 15 dias, das bolsas de valores das principais economias do mundo, pois, de alguma forma, são credores dos financiamentos feitos nos EUA e, mais do que isso, no fundo, os demais países centrais enfrentam o mesmo problema de endividamentos e riscos cada vez maiores, mesmo que em graus diferentes.

Com a crise do mercado financeiro, os bancos e as financiadoras já alertam que ficarão mais seletivos, o que significa que vão oferecer menos empréstimos e cobrar juros mais altos logo de cara para compensar os riscos. Isso já está levando à redução drástica do número de compras, não apenas de novos imóveis, mas de qualquer bem que exija financiamento a médio ou longo prazo.

Além disso, as empresas ligadas ao setor de “subprime” (crédito imobiliário para pessoas com histórico ruim de pagamento) começaram a demitir: três delas anunciaram cortes de funcionários, totalizando 3.200 demissões. (FSP 23/08/2007).

Ora, o endividamento cada vez maior das famílias, empresas e principalmente do estado tem sido justamente o que tem segurado a economia americana, comprando de vários países a níveis insanos e, por essa via, mantendo a economia mundial com certo crescimento. Com o nível desse endividamento, dando provas de que não há mais como se sustentar, é lógico que o consumo norte-americano tende a cair, diminuindo suas compras e arrastando assim a economia mundial para um nível de crescimento menor, ou talvez até para uma recessão (crescimento zero).

No início do ano, a queda das bolsas na China já expressava essa preocupação por parte dos especuladores, mas agora, as expectativas de redução do consumo nos EUA podem estar se confirmando, e assim ameaçando o próprio crescimento chinês e o restante a economia mundial. “Em 2006, 35% do crescimento mundial foi determinado por EUA e China, umbilicalmente ligados por uma relação comercial e financeira, na qual os americanos gastam e os chineses os financiam. (FSP 22/08/2007)

Ora, 18% das exportações brasileiras vão para os EUA. A China também se tornou mais importante para o Brasil, com as exportações subindo de 1,8% para 6,1% de 1998 para cá. (FSP 22/08/2007)

Assim, a possibilidade de redução no crescimento Chinês levou à queda dos mercados de commodities – matérias-primas como minérios, metais e alimentos –, que são justamente os produtos que compõem a pauta de exportações do Brasil e são um termômetro das expectativas de aumento ou não da produção mundial.

Esses fatores explicam porquê durante apenas duas semanas, 316 empresas listadas na BOVESPA (Bolsa de Valores de São Paulo) registraram perdas no seu valor de mercado de US$ 273,6 bilhões, segundo levantamento feito pela consultoria Economática.

A queda não atingiu apenas o Brasil. Nas sete principais economias da América Latina, a perda chegou a US$ 415,1 bilhões, envolvendo 775 empresas. Nos Estados Unidos, fonte do estresse atual vivido no mercado, 1.204 empresas pesquisadas perderam, em um mês, US$ 1,612 trilhão do seu valor (FSP – 17/08/2007).

Agora, até mesmo John Lipsky, o número dois do FMI, afirmou que “Isso {a instabilidade nas Bolsas} sem nenhuma dúvida restringirá o crescimento econômico mundial.” (FSP 17/08/2007)

Uma crise econômica que expressa as dificuldades da estratégia norte-americana e a resistência antiimperialista

A causa mais aparente dessa crise é a hipertrofia financeira que, ao longo dos anos 80 e 90, pressionou e obteve de governos submissos e seus agentes o máximo grau de liberdade para circular, se interconectar em tempo real e desenvolver formas sofisticadas de riscos (“derivativos de créditos” e “securitização”), que permitem empacotar as dívidas dos clientes e passá-las adiante, a aplicadores finais que, via de regra, nem sabem qual a exata composição de sua “carteira de riscos”, que fez a massa de capital especulativo atingir a soma impensável de US$ 200 trilhões. Essa massa de capitais especulativos percorre diariamente o mundo em busca de maiores lucros e hoje tem o poder de ditar rumos econômicos, provocar crises e arrasar economias inteiras em poucos dias ou semanas. Essa nova realidade traz elementos de enorme potencial destrutivo que não existiam nas crises dos períodos anteriores.

No entanto, a crise financeira é apenas a ponta do iceberg de uma crise muito mais profunda, uma crise econômica cujas contradições não resolvidas nos anos anteriores foram apenas jogadas para a frente. Seu principal elemento é o endividamento enlouquecido, o fato de que para manterem a economia crescendo de forma artificial, os EUA e os outros países centrais gastam muito, mas muito mais do que podem de fato pagar. Ultimamente, essa tem sido a forma de fazer a economia americana e mundial funcionar.

Estamos diante dos sinais claros do esgotamento do ciclo iniciado a partir de 2001, quando os EUA, para fazer frente à sua crise de 2000 gerada pelo estouro da bolha especulativa das empresas de Internet, jogaram os juros no chão e promoveram a expansão alucinada do endividamento, como forma de alavancar um novo ciclo de crescimento econômico. Ao mesmo tempo traçaram para si mesmos um papel e uma missão muito acima de suas possibilidades. Uma ambição de se constituir como o Estado mundial do capital (Mészáros), ou como um super-imperialismo, ou até mesmo um império, segundo as várias designações de cada autor.

Conforme explica o economista argentino Jorge Beinstein:

“A estratégia do governo Bush pode ser sintetizada como a combinação de duas operações que, apoiando-se mutuamente, deveriam ter relançado e consolidado o poderio imperial dos Estados Unidos: a expansão rápida de uma bolha consumista-financeira para produzir um forte arranque econômico associada a uma ofensiva militar sobre a Eurásia que lhe daria a hegemonia energética global e daí a primazia financeira, encurralando as outras potências (China, União Europeia, Rússia). A partir de 2001 apostou numa contundente vitória das suas forças armadas que lhe permitiria controlar militarmente a faixa territorial que vai desde os Balcãs no Mediterrâneo Oriental até o Paquistão, atravessando a Turquia, a Síria, o Iraque, o Irão, as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, a Bacia do Mar Cáspio, o Afeganistão, atapetando-a de implantações militares que vigiariam um complexo leque de protectorados. Os preparativos da ofensiva haviam-se desenvolvido ao longo dos anos 1990 sob governos republicanos e democratas: a primeira Guerra do Golfo, os intermináveis bombardeios sobre o Iraque ao longo de toda a década, a guerra do Kosovo. Tratou-se de uma ‘política de Estado’ que incluiu os dois partidos governantes e o conjunto do sistema de poder. Eles sabiam que a borbulha económica lançada paralelamente à ofensiva militar não podia sustentar-se muito tempo, os desajustamentos financeiros acumular-se-iam e a borbulha de créditos estimulando a especulação imobiliária acabaria por desinchar: 2005-2006 aparecia como uma barreira temporal intransponível. Mas nesse momento, apostavam os falcões, a vitória militar do Império permitiria redefinir as regras do jogo económicas do planeta, os cowboys do Pentágono chegariam just-in-time para auxiliar os magos das finanças. Mas tudo saiu errado; os cowboys atolaram-se no Iraque, a ofensiva fulminante sobre a Eurásia fracassou na primeira batalha importante, enquanto o globo especulativo entrou em crise e já nenhum punho de ferro pode salvá-lo.” Estados Unidos: a irresistível chegada da recessão emhttp://resistir.info/

Podemos agregar a essa análise aguda as dificuldades dos EUA em impor a ALCA na América Latina, bem como o estouro de um ciclo de rebeliões sociais que, bem ou mal, impuseram aos EUA um nível menor de receitas do que o esperado para tampar pelo menos uma parte do rombo do endividamento.

Mesmo nos países em que não ocorreram rebeliões, como no Brasil, Chile e Peru, os governos que entraram tiveram que contemplar também os interesses de outros setores como as burguesias nacionais, o imperialismo europeu e até algumas políticas assistencialistas que, mesmo sendo migalhas, custaram um dinheiro do qual os EUA não tinham pensado em abrir mão.

A China, embora vantajosa para as empresas norte-americanas e européias que lá estão, começou a se tornar um problema para os EUA, ao invadir seu mercado com produtos a baixos preços e provocar um saldo devedor ainda maior para a economia americana.

O orçamento militar dos EUA foi aumentado, atingindo agora a soma astronômica de 600 bilhões de dólares, tanto pela necessidade de manter e aumentar o domínio sobre outros países e regiões – o que têm se tornado mais difícil –, como pela pressão do complexo militar industrial, responsável por puxar boa parte da economia. Assim, a continuação da política belicista por George W. Bush elevou os déficits externo e fiscal para US$ 7 trilhões, que são financiados pela emissão de dívidas do Tesouro americano, papéis de empresas e débitos das famílias (casa própria, automóvel etc).

Para fazer frente a isso sem abrir mão se seu projeto, os EUA recorreram a dois expedientes que eles sempre recriminaram para os outros países: a emissão febril de dólares e o rolamento das dívidas através de uma série de expedientes financeiros (derivativos, créditos de risco, etc). Hoje, nos EUA, o volume de crédito na economia equivale a quase 150% do PIB (quase US$ 17 trilhões). No Brasil, ainda é de cerca de 35% do PIB.

Porém, esses expedientes têm suas limitações. A emissão desenfreada de dólares acabou levando à sua desvalorização frente a todas as demais moedas e à perda de sua confiabilidade como moeda mundial. A inflação começou a subir nos EUA e muitos países começaram a migrar para o euro. Além disso, o nível excessivo de endividamento começou a trazer desconfianças quanto à capacidade dos EUA seguirem pagando futuramente os juros de seus empréstimos.

O que os EUA fizeram então? Precisando atrair mais capitais para empréstimos e vendo que os credores se tornavam mais resistentes, preferindo emprestar a outros países, deram início a um aumento progressivo das suas taxas de juros até atingir o patamar de 5,25% atuais ao ano. No primeiro trimestre de 2007 os sintomas já se apresentavam na redução do crescimento econômico, que foi de apenas 0,6%.

A economia da zona do euro também elevou sua taxa de juros para 4% e acredita-se que o BCE (Banco Central Europeu) vá aumentá-la para 4,25% no próximo mês. Assim, a Europa se desacelerou no segundo trimestre deste ano, crescendo 2,5% na comparação com o mesmo período do ano passado -a expansão nos três primeiros meses de 2007 foi de 3,1%. A União Européia também apresentou queda no seu crescimento: de 3,3% para 2,8%. (FSP 15/08/2007).

É justamente esse quadro mais geral de tendência à redução do crescimento econômico, e portanto das oportunidades de lucro, o pano de fundo da crise que apenas dá seus primeiros sinais.

A crise estrutural do capital iniciada nos anos 70…

A crise econômica que ora se esboça representa mais um momento de agravamento da crise econômica estrutural que o capital enfrenta desde início dos 70. Uma crise de superprodução de capitais e mercadorias que expressa o aumento da capacidade produtiva da sociedade de forma nunca vista, mas que ao mesmo tempo não consegue encontrar mercados suficientes por onde escoar os capitais e a produção de forma lucrativa.

Não se pode esquecer que a tendência de expansão geográfica do capital possibilitou historicamente que os centros imperialistas transferissem seus problemas e contradições para esferas mais externas e em novos patamares, como forma de enfrentar suas crises, protelando assim o dia do acerto de contas. À medida, porém, que o capital  alcançou e subordinou a totalidade dos países e povos aos seus interesses de acumulação, sua arena de expansão quantitativa se esgotou.  

Com o desenvolvimento atual e incessante da tecnologia e sua utilização em prol do lucro, ocorre cada vez mais o enxugamento e barateamento da mão de obra, o que, por sua vez, reduz o poder de compra dos trabalhadores e da classe média, levando à limitação do crescimento dos mercados consumidores e, conseqüentemente, dificultando a absorção de tudo o que pode ser produzido. Isso acarreta maior competição entre as corporações, fusões e aquisições, demissões, nova limitação dos mercados consumidores, etc e o ciclo segue se agravando.

Assim, a crise estrutural é a dificuldade cada vez maior de o capital ser reinvestido na produção de forma lucrativa, devido à contradição entre o aumento da capacidade produtiva e o lento crescimento dos mercados, em relação ao que seria necessário.

A crise estrutural tem tido ciclos de 5 a 6 anos de relativa melhoria, logo seguidos pelos extertores que vêm à tona sempre de alguma maneira diferente, mas com o mesmo significado. O nível atual de desenvolvimento da tecnologia impossibilita que ao capital os índices de crescimento econômico capazes de permitir a geração dos empregos necessários e, por essa via, gerar os mercados de que precisa. Por isso, autores como Chesnais utilizam a expressão de “tendência ao continuum depressivo”, quer dizer que os períodos de bonança tendem a se tornar mais curtos, e as crises mais violentas, refletindo o agravamento da crise estrutural que está no coração do sistema.

A hipertrofia do capital financeiro representa a impossibilidade de que a totalidade do lucro que sobra nas mãos dos empresários possa ser novamente investida na produção, indo então parar na esfera financeira, onde o que há é apenas ganho e perda de dinheiro, mas não geração de valor. No entanto, por mais que a esfera financeira seja uma conseqüência direta da crise estrutural do capital, ela se tornou ao mesmo tempo a forma mais eficaz de impor aos trabalhadores e aos povos dos países dominados taxas ainda maiores de exploração, pois agora trata-se de remunerar lucrativamente não apenas o capital produtivo investido, mas também o financeiro. A forma financeira do capital (dinheiro) lhe dá maior liberdade de movimento e resgate imediato em caso de dúvidas quanto à segurança ou lucratividade.

Porém, não nos esqueçamos de que o capital financeiro tem suas próprias regras e tempos, aumentando assim seu tamanho e sua voracidade muito mais rapidamente do que o capital produtivo. Isso acontece até que a mais-valia produzida na esfera produtiva – a única esfera que de fato produz valor – não seja mais suficiente para garantir a lucratividade conjunta do capital produtivo e do capital especulativo. Os endividamentos e as especulações se demonstram excessivos, sobrevem a quebradeira e com ela a crise. Como, porém, as esferas produtiva e especulativa do capital estão umbilicalmente ligadas, possuindo as empresas sempre grande parte e muitas vezes a maior parte de seu capital na esfera especulativa, os efeitos passam rapidamente, em maior ou menor grau para a esfera da economia real. Não há uma separação mecânica e muito menos uma oposição de interesses gerais entre o capital financeiro e o produtivo: ambas são parte integrante do mesmo sistema, e só existem em relação de dependência mútua.

Portanto, no fim das contas, o capital financeiro constitui um fator de agravamento da crise estrutural, ao requerer para si uma parte de leão da mais-valia produzida, levando a estragos maiores e mais profundos na destruição da economia e dos empregos.

Essa situação, extremamente grave do ponto de vista estrutural, faz com que o capital não possa mais oferecer reformas ou concessões significativas aos trabalhadores e nem abrir espaço para o desenvolvimento de países como o Brasil de forma independente no mercado mundial.

Caso o capital, enquanto “modo de controle do metabolismo social” (Meszáros), não seja superado, a luta entre as corporações e entre os estados que lhes dão sustentação pelos mercados e recursos naturais ainda existentes, bem como a destruição compulsiva do ambiente, apontam para a barbárie ou mesmo para o holocausto nuclear da humanidade. Mais do que nunca, a alternativa socialista é a única capaz de controlar as enormes forças produtivas desenvolvidas, evitando a destruição da humanidade e da vida, e colocando-as a serviço do bem- estar humano.

Quais as perspectivas imediatas e a médio prazo?

Os EUA estarão cada vez mais colocados perante o esgotamento do ciclo de super-endividamento aprofundado a partir de 2001, que agora está se esgotando, já que a outra parte da estratégia – a dominação do Oriente Médio e da América Latina, que pudesse trazer uma nova hegemonia econômica dos EUA perante o mundo – não conseguiu se concretizar, pelo menos por enquanto.

Se os EUA insistirem em manter a atual taxa de juros, terão um aumento do montante da dívida do estado, das famílias e das prestações dos financiamentos. Para se ter uma idéia, a construção de casas novas nos EUA já caiu 6,1% em julho e atingiu o menor nível desde janeiro de 1997. Ante julho do ano passado, esse índice registrou queda de 21%. Novas quebradeiras irão ocorrer até que grande parte da massa de capital excessivo se desfaça, e o sistema volte a proporcionar uma taxa média de lucros razoável. Isso vai levar, sem dúvida, a uma diminuição do crescimento econômico, ou talvez a uma recessão, pois até o sistema purgar grande parte do capital especulativo, grandes corporações terão quebrado.

Outro problema que poderia se combinar com a possibilidade de recessão econômica e agravá-la é a tendência de manutenção ou mesmo o aumento do preço do petróleo para além de 80 dólares por barril. Esse cenário caracterizaria a estagflação, ou seja, a combinação de estagnação econômica com inflação. Uma combinação extremamente complicada para a economia e para os empregos em particular.

Se, porém o FED resolver baixar as taxas de juros, os efeitos imediatos podem ser de melhoria, mas às custas do aumento da inflação, pois com juros menores o estado terá dificuldade de atrair empréstimos e assim, terá que emitir dólares ou tentar rolar a dívida mais para frente, na expectativa de poder relançar uma contra-ofensiva mais bem sucedida do que a de agora. Mas o principal problema será o crescimento ainda maior da bolha do endividamento e da especulação que poderia então estourar de uma vez, trazendo o cenário de uma depressão.

Talvez ocorra um meio termo entre essas duas possibilidades, com os EUA, Europa e Japão injetando dinheiro no mercado para socorrer as grandes corporações, e deixando quebrar as médias e pequenas empresas, para tentar evitar pelo menos que a economia dos EUA e, por extensão, a economia mundial entrem em recessão. Até agora, os EUA já jogaram 300 bilhões de dólares e em nível mundial, algo próximo de 450 bilhões de dólares no ralo do mercado financeiro, sem perspectiva de retorno. Só a Countrywide pegou US$ 11,5 bilhões em empréstimos emergenciais para tentar retomar a sua liquidez. (UOL, 17/08)

Em qualquer dos casos, porém, podemos ter certeza que a burguesia e os estados não vão ficar olhando tudo isso acontecer sem fazer nada. A burguesia sempre coloca o estado a serviço de buscar sangue novo (mais-valia) do único lugar de onde ele pode surgir: do aumento da exploração dos trabalhadores. Podemos esperar uma nova rodada de ataques redobrados para as condições de vida dos trabalhadores e dos países dominados. É previsível, porém, que desta vez os países centrais tenham que aprofundar os ataques à sua própria classe trabalhadora, até hoje as menos afetadas pelas últimas crises econômicas. Quais serão as repercussões disso? Só o tempo dirá, mas provavelmente um aumento das lutas nos países centrais, com grandes e concentrados batalhões de trabalhadores e com alto nível cultural e de tecnologia.

Quais as conseqüências para a américa latina e brasil ?

Nem é preciso dizer que os estados – principalmente os dos países dominados – redobrarão sua preocupação com o pagamento dos juros da Dívida Pública. No Brasil, só neste ano, a Dívida Pública cresceu R$ 105 bi e atingiu R$ 1,325 trilhão em junho, mesmo o setor público tendo pago neste mesmo ano R$ 79 bi em juros. (FSP 27/07/2007). Portanto, o governo Lula tem tido uma atuação elogiável aos olhos dos agiotas internacionais, e seu objetivo é ainda mais ousado: chegar ao déficit nominal zero, isto é, conseguir pagar a totalidade dos juros anuais e não “apenas” 70% deles, como é hoje.

Aos compromissos com a Dívida, somam-se cada vez mais as isenções de impostos e empréstimos a juros baixos e prazos longos aos empresários.

Para garantir essa agenda de sustentação do capital, o governo pretende manter a cobrança da CPMF, a desvinculação de 20% das receitas da união, e intensificar a cobrança de impostos dos trabalhadores e da classe média.

No Brasil, a arrecadação de impostos e contribuições federais atingiu nos sete primeiros meses do ano R$ 332,8 bilhões (valores correntes, sem descontar a inflação), mais um recorde da Receita Federal para o período janeiro-julho, com alta de 10,34% sobre 2006.(FSP 22/08/2007). Nada mais contrário aos preceitos neolibeais de não intervenção do Estado na economia…

Outra conseqüência será o aumento da pressão pelas “reformas estruturais”. Com as reformas, o objetivo é respaldar e impulsionar o movimento, que já está acontecendo, de precarização dos direitos trabalhistas, queda dos salários e dos investimentos sociais, com vistas a aumentar os lucros patronais.

O ministro Guido Mantega já resumiu sua receita: o aumento do aperto fiscal, com o objetivo de garantir que a dívida pública não saia do controle em caso de alta do dólar e/ou dos juros, combinado com um conjunto de projetos – como a reforma da Previdência –, e o limite a 1,5% por ano da expansão dos gastos com pessoal acima da inflação. “(FSP 18/08/2007)

Levantar um programa socialista dos trabalhadores contra a crise

Aos trabalhadores, só há a alternativa de enfrentar a crise com suas lutas. A crise econômica que se anuncia, apresentará cada vez mais a possibilidade de os trabalhadores perceberem os horrores provocados pelo sistema do capital, buscarem uma alternativa para a situação e estarem abertos às propostas socialistas. Porém, apenas isto.

São as próprias organizações socialistas que devem se colocar à altura dos acontecimentos, no sentido de disputar a consciência dos trabalhadores com a burguesia e seus meios de alienação, apontando uma política e um programa justos para o momento, que possam levar os trabalhadores a entenderem a necessidade de assumirem o poder e o destino da sociedade. Caso contrário, o sistema irá superar sua crise – mesmo que momentaneamente – pela destruição de grande parte das forças produtivas, de seres humanos e da natureza, como parte de sua estratégia de se tornar novamente rentável.

O período que estamos adentrando exigirá cada vez mais o tensionamento de nossas forças e a capacidade de combinarmos a máxima unidade nas lutas, com a organização de base e a disputa da consciência dos trabalhadores no sentido de retomar a luta pelo socialismo e pela revolução.

Diante deste panorama, propomos:

– Não pagamento da dívida pública, interna e externa. Investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer;

– Estatização do sistema financeiro, sob controle dos trabalhadores, para acabar com a especulação e impedir a remessa de divisas e a fuga de capitais;

– Reestatização das empresas privatizadas, sob controle dos trabalhadores, com reintegração dos demitidos;

– Redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução do salário;

– Carteira de trabalho e direitos trabalhistas para todos, em todos os ramos da economia, da cidade e do campo. Fim das terceirizações e do trabalho precário;

– Salário mínimo do DIEESE (R$ 1.564,52) para todos os trabalhadores;

– Que as empresas que intencionarem fugir ou fechar sejam expropriadas e fiquem sob controle dos trabalhadores;

– Reforma agrária sob controle dos trabalhadores. Fim do latifúndio. Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica, voltada para as necessidades da classe trabalhadora;

– Por um governo socialista dos trabalhadores, baseado em suas organizações de luta;

– Por uma sociedade socialista. 

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Previdência Social: um olho no passado e outro no futuro

Uma conquista das lutas

A Classe trabalhadora, proprietária apenas da sua força de trabalho, sobrevive de sua venda. Mas, o que fazer quando o único instrumento de sobrevivência lhe falta? Onde se socorrer quando a doença, a velhice ou os acidentes de trabalho, agravados pela superexploração capitalista, lhe colocam para fora do mercado de trabalho?

Pensando nisso, os trabalhadores buscaram uma proteção coletiva, mas enquanto os trabalhadores alemães conquistaram o primeiro sistema de previdência social da história em 1881, no Brasil, apenas com o Decreto Nº 4.682, de 24/01/1923 se implantou a Previdência Social, criando as “caixas de aposentadorias e pensões” para empregados de empresas ferroviárias, contemplando-as com os benefícios de aposentadoria por invalidez, aposentadoria ordinária (que seria atualmente a nossa aposentadoria por tempo de contribuição), pensão por morte e assistência médica. Aos poucos, esses benefícios foram estendidos aos empregados das empresas portuárias, de serviços telegráficos, de água, energia, transporte aéreo, gás, mineração, entre outras, e, por fim, todas essas “caixas de categorias” foram unificadas na Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos. Certamente, esses benefícios não foram um presente do Estado, mas fruto de mobilização, reivindicação e luta dos trabalhadores. Só com o fortalecimento da organização desses trabalhadores é que a conquista desses direitos tornou-se possível.

A Constituição Federal de 1988 reafirmou o direito dos trabalhadores a essa proteção, e decidiu que o custeio da seguridade social, que inclui aposentadorias, auxílio doença, entre outros, é de responsabilidade tripartite – Estado, patrões e trabalhadores ativos: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (Constituição Federal, art. 194)

O papel do governo Lula, PT, CUT e UNE

A ironia da história é que esses direitos conquistados a duras penas estão prestes a sofrer um ataque histórico por um ex-metalúrgico e dirigente sindical, apoiado pelo partido que diz ser dos trabalhadores, por uma central sindical entreguista, e por uma entidade estudantil que há muito abandonou as lutas em troca de dinheiro público. Falamos, respectivamente, do PT, da CUT e da UNE.

No bojo das reformas preparadas pelo governo Lula está o fim do FGTS, da licença maternidade, da aposentadoria de trabalhadores rurais que não contribuíram para a previdência, idade mínima para aposentadoria de 65 anos igual para homens e mulheres, entre outras medidas. Em 2003, o governo Lula fez, com apoio do PT e da CUT, uma mini-reforma da previdência, afetando os trabalhadores do setor do funcionalismo público. Agora, o governo vem com toda força – e a CUT terá o mesmo comportamento – contra os direitos trabalhistas para “economizar mais”, e assim manter as altas taxas de lucro da burguesia.

Esse ano, o ataque do governo começou com o PAC, que colocou em risco o dinheiro dos trabalhadores, os recursos do FGTS. Esse fundo é uma garantia para o caso de demissão sem justa causa, e agora este governo, ou outro pior que o suceder, poderá utilizar até 80% dos recursos do fundo, sem qualquer garantia ou contra-partida da burguesia. Esse dinheiro dos trabalhadores será usado para construir estradas e hidrelétricas. E para os trabalhadores? Sobrará luz elétrica mais cara e pedágios absurdos, ou então algum outro buraco de metrô. Sob o pretexto da geração de empregos, a CUT apóia o PAC, escondedo o altíssimo custo para a geração de tão poucos cargos, e além do mais, sem a contra-partida de investimentos da burguesia.

A burguesia da construção civil ficou irritada com o uso do FGTS para a construção da infra-estrutura, mas vence quem tem maior influência sobre o governo. Briga entre setores da burguesia à parte, o histórico de governos burgueses de utilizar dinheiro dos trabalhadores não vem de agora. Nos anos 70, o governo militar usou dinheiro da Previdência para fazer obras que favoreciam as multinacionais – entre elas a Ponte Rio-Niterói e Itaipu –, causando, para alguns, a origem do alegado “déficit” da previdência.

Como vemos, o governo só é bondoso com os donos das grandes empresas, construindo a infra-estrutura para que a burguesia possa explorá-la e explorar-nos melhor. Não há porque estranhar a presença de tantas construtoras e bancos na lista milionária de doadores do governo Lula – são eles os maiores beneficiados com o Proer e com inúmeras isenções e refinanciamentos concedidos.

Para mostrar-se “responsável” perante os organismos de financiamento internacional, o governo Lula se revela irresponsável quanto ao futuro da classe trabalhadora. Lula deseja a qualquer custo atingir o chamado “superávit primário”; para tanto, quer reduzir o investimento do governo na área social, e já elegeu seu principal alvo – a Previdência Social. Suas medidas vão desde dificultar o acesso ao benefício da aposentadoria, até o aumento para 65 anos da idade mínima para aposentadoria para qualquer pessoa. Mas, enquanto ataca nossos direitos, o governo continua concedendo isenção fiscal, renegociando dívidas, concedendo Proer e fazendo vistas grossas para a sonegação da burguesia. O argumento de que “o brasileiro está vivendo mais” não se sustenta, pois o brasileiro começa a trabalhar bem antes do que o europeu ou americano: enquanto nos EUA ou Europa o jovem primeiro termina a faculdade, aqui já começamos aos 13, 14 anos, na lavoura ou em subempregos.

Os Patrões não querem contribuir para a Previdência social para não afetar as taxas de lucro. E para aumentá-las continuam sonegando, pilhando e sugando o governo.

Talvez a maior injustiça que será realizada por essa reforma é o fim da aposentadoria para um dos setores empobrecidos da classe trabalhadora, que não tiveram condições de contribuir para a Previdência, e que, na velhice, sobreviverão com um mísero salário mínimo: os trabalhadores rurais.

Defendendo direitos

Esses ataques da burguesia, assumidos e promovidos pelo governo Lula, exigem uma resposta organizada e unitária dos instrumentos da classe trabalhadora. Não há espaço para disputas de aparatos ou bases, sob pena de a classe trabalhadora brasileira sofrer uma derrota gigantesca, com reflexos duradouros e nefastos. Acreditamos que as últimas ações unitárias da vanguarda da classe têm dado algum alento na luta.

Já vimos que o discurso do déficit da previdência não passa de falácia, que o problema está no fato de o governo utilizar recursos do INSS indevidamente, dar muitas isenções e incentivos onerosos, e não fiscalizar quem deve para a Previdência.

Por isso, propomos quatro medidas básicas para enfrentar esse problema:

Que cada um cumpra sua parte – Estado, patrões e trabalhadores ativos –, e que o governo acabe com a farra da renúncia fiscal e coíba a sonegação e o calote ao INSS, algo ainda dentro do modelo capitalista, até que consigamos suplantá-lo. Dados mais modestos dão conta de que o calote das empresas com o INSS ultrapassa os R$ 200 bilhões (dados da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social – ANASPS, 2004). A ANASPS também denuncia que são fortes a sonegação e a evasão fiscal no meio rural – além da renúncia fiscal do governo que os beneficia –, e que o setor do agronegócio contribui com apenas 2,5% sobre a comercialização dos seus produtos, contra 22% dos setores da indústria, comércio e serviços, sendo um dos maiores beneficiários das renúncias da Previdência Social em 2004: 40% dos R$ 15 bilhões, cerca de R$ 6 bilhões.

Que se anule o leilão de privatização da Vale do Rio Doce, utilizando os lucros da empresa integralmente na área social e no desenvolvimento sustentável, contra o agronegócio, que é nocivo aos interesses do povo e do meio ambiente.

Que se suspenda imediatamente o pagamento das dívidas externa e interna, utilizando seus recursos para atender as necessidades básicas da classe trabalhadora.

Que a Previdência Social e o FGTS sejam direitos garantidos dos trabalhadores, sob o controle e a administração direta dos mesmos, e sem a presença das centrais sindicais entreguistas.

 Concluímos fazendo um chamado a todos – trabalhadores e estudantes – para participarem das atividades preparatórias e do próprio Plebiscito Popular: 1º) rejeitando a Reforma da Previdência do Governo; 2º) exigindo a anulação do leilão de privatização da Vale do Rio Doce; 3º) posicionando-se contra o pagamento das dívidas externa e interna, e 4º) sendo contra o aumento das tarifas públicas ocasionadas pelas privatizações do saneamento básico, da água e da luz.

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Agências reguladoras: o lobby institucionalizado

Pistas de pouso e decolagem inadequadas, defeitos mecânicos em aeronaves, incorreções em dados gerados por computador para o monitoramento do tráfego aéreo, controladores denunciando a falta de controle e, de repente, o descontrole, o último vôo e a trágica e tenebrosa explosão que iluminou o céu de São Paulo e reacendeu o debate acerca da crise aérea. Porém, desta vez as fagulhas atingiram, de forma mais avassaladora, o órgão ligado ao Ministério da Defesa que tem por finalidade regular e fiscalizar as empresas de transporte aéreo, a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

Como de praxe no governo Lula, surgem os problemas, trocam-se os ministros. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, Nelson Jobim, foi alocado no cargo de ministro da defesa e, diante do descaso da ANAC perante os usuários e as vítimas do acidente com o avião da TAM, a grande mídia, apontando a total incompetência da Agência na defesa do interesse público, pressionou o governo para que demitisse o agora ilustre Milton Zuanazzi, diretor-presidente da ANAC. Todavia, Zuanazzi não permitiu que sua cabeça fosse servida na bandeja do Jornal Nacional e defendeu-se com o argumento de que não poderia legalmente ser retirado do cargo pelo presidente da república, como o foi o anterior ministro da defesa, porque foi legitimamente eleito e as agências reguladoras não são subordinadas, mas apenas vinculadas aos respectivos ministérios. E de fato é procedente tal defesa, pois a legislação relativa às agências reguladoras somente possibilitam a revogação pelo presidente dos mandatos de diretor das agências em casos especiais explícitos na lei, muito embora sejam escolhidos pelo presidente a partir de uma lista tríplice eleita pelo Senado Federal.

O episódio Zuanazzi e a ineficiência da ANAC na sua missão institucional (pelo menos na missão formal), associada à crise aérea e ao acidente da TAM, que abalaram moralmente os setores médios da população – que são a maior parcela dos usuários do transporte aéreo comercial, e que historicamente representam grande peso político –, influenciaram a grande mídia, que focou a questão da autonomia das agências reguladoras de conjunto, culminando em projetos de lei em tramitação no parlamento que buscam criar mecanismos para flexibilizar a autonomia desses órgãos.

As agências reguladoras no âmbito federal surgiram a partir de 1996, ano em que foi instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Atualmente, são 9 (nove) as agências reguladoras federais no Brasil, quais sejam, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP; a Agência Nacional de Águas – ANA; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL; a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT; a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; a Agência Nacional do Cinema – ANCINE; a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. As agências reguladoras são autarquias especiais federais, quer dizer, são pessoas jurídicas de direito público vinculadas a administração central federal, mais especificamente aos respectivos ministérios, e que gozam de independência administrativa e funcional e de autonomia financeira. Isso significa que, embora sejam ligadas ao governo central e dele recebam verbas, as agências têm poder de decisão no que se refere a sua administração, gestão de recursos financeiros e, sobretudo, na sua área de atuação, que é a regulação e controle de determinados setores do mercado.

Portanto, as agências reguladoras são órgãos cujo objetivo é a regulamentação – criação de princípios, diretrizes e normas –, e o controle ou fiscalização de partes do mercado, que se constituem principalmente de serviços próprios do Estado cuja execução foi privatizada ou de alguma forma entregue ao capital privado.

A partir da década de 90, com a reestruturação produtiva de um lado, e o aprofundamento das políticas neoliberais pelos Estados nacionais alinhados ao Consenso de Washington de outro, iniciou-se um processo progressivo de privatizações, sobretudo na infra-estrutura. O Brasil, seguindo os ditames do capital globalizado, durante o governo FHC privatizou vários setores da infra-estrutura, como rodovias, exploração de ferrovias, distribuição de energia elétrica, telefonia, transportes e outros segmentos econômicos para além da infra-estrutura, como as instituições financeiras, a exemplo o BANESPA, e empresas estratégicas para a economia como a CIA Vale do Rio Doce. Esse fenômeno de desestatização e desregulamentação do Estado visa fornecer ao mercado globalizado novas possibilidades de acumulação de capital, enaltecendo o conceito de Estado mínimo, o qual deve conceder ou delegar a execução de determinadas funções para o capital privado e resguardar para si apenas o poder de controlar a execução desses serviços. Mais ainda, o Estado, dentro da lógica neoliberal, deve tornar o mercado atrativo para os investidores externos. Para isso, deve garantir segurança jurídica, lucratividade e assegurar a competitividade.

E para possibilitar essas garantias, o país deve estabelecer marcos regulatórios definidos, ou seja, determinar diretrizes basilares fortes para o mercado, viabilizando contratos duradouros e bem estruturados para a exploração econômica e a livre concorrência. É justamente para propiciar marcos regulatórios que foram instituídas as agências reguladoras, que além de garantir lucro para os empresários, devem zelar pelo interesse público, ou seja, conciliar os interesses dos setores envolvidos no mercado, que são o Estado, as empresas e a população. Isso, a partir da perspectiva do desenvolvimento sustentável e da teoria pós-moderna de que as finalidades sociais se realizam na empresa, seria um modelo excelente. Porém, essa teoria ignora contradições do sistema capitalista que colocam em conflito classes sociais antagônicas e distorções de poder nos Estados decorrentes da influência dos grandes monopólios transnacionais e dos oligopólios nacionais. Ora, os serviços privatizados como a energia elétrica e os demais setores regulados pelas agências – a exemplo o de medicamentos e alimentos no caso da ANVISA –, são estratégicos e estão sob o controle do grande capital: vejamos, por exemplo, o caso dos medicamentos, cuja fabricação e distribuição são realizadas por laboratórios controlados por grandes grupos transnacionais como a Roche; no setor da telefonia, a Telefônica, que é uma das maiores operadoras do país, tem seu capital majoritariamente nas mãos da Espanha.

É estratégico para a burguesia a reestruturação da infra-estrutura, tanto para potencializar a produção e circulação de mercadorias e serviços, como também para implementar formas mais eficientes de extração de mais-valia, viabilizadas por meio das políticas neoliberais. A exploração da infra-estrutura pelo capital privado é altamente rentável, não somente por conta da sua dimensão, mas, sobretudo, pelos baixos salários pagos pelas empresas prestadoras aos trabalhadores, sendo comumente terceirizada parte de seus serviços a outras empresas, aumentando assim a precarização das condições de trabalho. Tomemos o exemplo das concessionárias de rodovias, que são fiscalizadas pelas ANTT: elas faturam absurdamente mais do que o necessário para a conservação das malhas rodoviárias concedidas, e as concessões são precedidas de reformas modernizadoras executadas pelo próprio Poder Público, diminuindo o valor dos investimentos privados e aumentando, dessa forma, o lucro das empresas.

Contudo, a privatização da infra-estrutura é parte de um processo maior de privatizações regido pelo capital mundial, este personificado na figura da ONU e das instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI, as quais fixam metas para que os países, sobretudo os denominados emergentes – como o Brasil, México, Chile e Argentina, para citar a América Latina –, as cumpram, sob pena de não mais receberem recursos desses fundos e sofrerem sanções ou embargos. O núcleo central dessas metas são os programas de privatizações dos serviços e empresas públicas e os marcos regulatórios para os investimentos privados internacionais. O governo Lula, seguindo o caminho traçado pelo governo anterior, tem aprofundado essas políticas, sob a justificativa de um necessário crescimento econômico sustentável, mas que na prática amplia o abismo entre a classe proletária e a dominante. Ora, em países onde a desigualdade e a exploração do trabalho assumem patamares elevados como no Brasil, a diminuição dos serviços prestados diretamente pelo Estado, além de acabar com postos de trabalho públicos, cujos salários e condições são melhores, aumenta a exclusão social, pois impossibilita que uma parcela cada vez maior da população tenha acesso a esses serviços essenciais, principalmente por causa das tarifas e preços altos. E nesse contexto, as agências reguladoras não representam o papel de proteger a população, mas, por outro lado, realizam parte de sua missão, que é garantir o lucro das empresas. A exemplo, a ANEEL, cuja missão (formal) é regular e fiscalizar as concessionárias e permissionárias que exploram a infra-estrutura elétrica do país, publicou resolução que permite a empresa prestadora do serviço interromper o fornecimento de energia elétrica em caso de não pagamento da conta. Ora, a energia elétrica é serviço essencial, cuja interrupção pode comprometer a vida humana.

Parece que as agências reguladoras, que são tendência nos países do ocidente, são estratégicas não apenas porque atuam em segmentos altamente relevantes da economia, mas também porque são aparelhos estatais que propiciam maior interação por parte da burguesia nas políticas do Estado sobre o mercado, em outras palavras, as agências, por serem órgãos dotados de grande poder decisório e autonomia perante a administração central, são utilizadas pelos grandes monopólios e oligopólios, concessionários e permissionários ou integrantes de outra forma de mercados regulados, como mecanismos de manipulação direta de elementos de regulação e controle do mercado, influenciando de maneira brutal na fixação das tarifas públicas, na forma de execução dos serviços, na qualidade, na segurança da população, nos preços das mercadorias, na circulação de mercadorias e na relação trabalho/capital. Outros fatores facilitadores do controle do grande capital sobre as agências – que deveriam os controlar –, são a falta de capacitação técnica dos servidores, sobretudo das gerências e chefias, cujos cargos seguem critério políticos e não técnicos; problemas salariais e de condições de trabalho. Esse cenário cria condições mais favoráveis para a corrupção, que parece corroer esses órgãos, levando-nos a poder dizer de forma literária que as agências reguladoras são jardins do lobby.

Talvez agora se torne mais lúcido por quê a ANAC não consegue resolver de forma eficiente o problema da insatisfação dos setores médios. Na verdade, essa agência está muito compenetrada na elaboração de planos para inchar as contas bancárias das empresas aéreas, e também lembremos que o ilustre Zuanazzi tem por hábito entregar o comando do AIRBUS ANAC para o co-piloto da TAM. A tragédia da TAM realmente abalou o país, porém, o que continua inquietante é o fato de que a grande mídia não se importa com os milhares que morrem anualmente em acidentes terrestres, que se abatem sobre passageiros de ônibus que circulam em condições precárias pelo Brasil, por causa da enorme deficiência de um serviço o qual é atribuição da ANTT fiscalizar. Claro, são trabalhadores! E o pior ainda está por vir, já que agora a discussão é viabilizar a privatização no setor da água, que é atribuição da ANA.

Embora, após o caso TAM, esteja sendo discutida a redução da autonomia das agências, o projeto inicial é a ampliação do seu poder decisório, e certamente a burguesia brigará pelo seu projeto de dominação. Aos proletários está colocada a tarefa de lutar contra esse programa de privatizações do governo Lula e seus parceiros transnacionais e nacionais burgueses, pela extinção desses órgãos e a imediata incorporação de seus servidores pelos respectivos ministérios.

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Agronegócio: super-exploração e danos ambientais

Os problemas associados à questão da terra no Brasil não são recentes. Possuem suas origens no Brasil Colonial, mais precisamente em 1534, quando a Coroa portuguesa criou a Lei das Sesmarias, dividindo a colônia brasileira em 14 Capitanias Hereditárias.

Irei me deter no momento mais recente, em que a agricultura moderna, através do agronegócio, tem destaque na agenda de políticos, economistas e de uma elite brasileira mesquinha.

Aclamado pela mídia brasileira pelos recordes de exportação, pelas divisas geradas, e apresentado como a saída econômica para o desenvolvimento, o agronegócio no Brasil esconde uma realidade bem distinta daquela que é mostrada para a população brasileira.

A expansão de monoculturas (cana-de-açúcar, café, fumo, laranja, soja) voltadas para a exportação, avança sobre regiões do Pantanal e da Amazônia, utilizando trabalho escravo, trocando trabalhadores por máquinas e provocando impactos ambientais até então nunca vistos. Além de destruir a pequena e média propriedade, que têm um papel importante no abastecimento do comércio local, essa expansão traz consigo a monopolização da produção e venda de sementes transgênicas pelas multinacionais.

Se as multinacionais conseguirem impor o uso das sementes transgênicas por completo, a independência dos países na produção de alimentos e a sobrevivência dos camponeses ficará ameaçada. No mundo, dez multinacionais controlam a distribuição de sementes. No Brasil, duas se destacam: a Cargil e a Monsanto. A produção e a comercialização de grãos, carnes, leite e outros alimentos em todo o mundo é controlada por 11 companhias, com destaque para Cargil, Bunge, Dreyfus, Conagra, IBP, Nestlé, e Unilever.

Por trás da euforia do governo Lula em torno dos biocombustíveis, encontramos a super-exploração de trabalhadores rurais. Só no estado de São Paulo entre 2005 e 2006, 17 trabalhadores morreram – 13 só no ano passado – por exaustão, no agro-negócio do álcool e do açúcar. No Pará, no dia 30 de junho deste ano, fiscais do Ministério do Trabalho libertaram 1108 trabalhadores em situação de escravidão na Fazenda Pacrisa ( Pará Pastoril Agrícola S/A), única propriedade no estado que cultiva cana-de-açúcar para a produção de álcool (Repórter Brasil, acesso em 23/ago/2007).

Outro aspecto importante, também omitido pelo governo Lula, diz respeito à alta do preço dos alimentos. Segundo Frei Beto, “os grãos deverão aumentar de 30% a 50%. No Brasil, a população pagou três vezes mais pelos alimentos no primeiro semestre deste ano se comparando com o mesmo período de 2006.”

O principal economista do FMI, Simon Johnson, também avalia que os preços dos alimentos têm subido mais do que esperado em muitos países, em parte devido à mudança na produção para o etanol.

O agronegócio também diminuiu a variedade de alimentos. Em 1960, “havia a opção de 35 tipos de grãos para a alimentação dos brasileiros. Hoje, as empresas padronizaram o consumo de alimentos em cinco variedades de grãos: trigo, soja, milho arroz e feijão. (Isaura Conte, Brasil de Fato, março de 2007).

Por fim, o agronegócio causa danos irreversíveis ao meio ambiente e à biodiversidade, pois a monocultura é colocada no lugar de milhares de espécies de plantas, animais e microorganismos que são exterminados; o uso de agrotóxicos e fertilizantes, polui os cursos d`água e os lençóis freáticos.

A ganância em obter lucros com os biocombustíveis, está expandindo a fronteira agrícola sobre a Floresta Amazônica, acentuando ainda mais o desmatamento e comprometendo o modo de vida dos povos da floresta.

Além disso, 97% das sementes transgênicas existentes no mercado têm sua utilização casada com o uso necessário de algum tipo de agrotóxico, herbicida, inseticida, etc, produzido pela mesma empresa que vende a semente transgênica. “Muitas sementes transgênicas possuem o componente “terminator”, que as esteriliza para a utilização como sementes no ano seguinte. Isso obriga os agricultores a ficarem dependentes da empresa fornecedora. São as chamadas sementes suicidas”. (Stédile, Caros Amigos, março de 2003).

Diante do exposto, fica evidente que o agronegócio é um mal que precisa ser combatido pelos trabalhadores. É preciso levantarmos um programa anticapitalista e socialista para a agricultura que tenha como pontos centrais:

 – Reforma Agrária sob controle dos trabalhadores, sem indenização, e com o fim do latifúndio

– Expropriação do agronegócio e sua colocação sob controle dos trabalhadores

– Mudança para uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora.

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Bancários enfrentam patrões, CUT e governo

Começa mais uma campanha salarial dos bancários. A categoria, mais uma vez terá que se indispor não somente contra os patrões, como também contra os sindicatos ligados à CONTRAF-CUT, e contra o governo.

 Por meio dos fóruns viciados promovidos pela burocracia sindical, a CONTRAF-CUT impediu a participação da base, evitando que a categoria pudesse montar uma pauta de reivindicações que não só contemplasse aumento real do salário, mas também colocasse na mesa de negociação as reivindicações históricas dos bancários da rede privada e das estatais federais e estaduais; tais como reposição de perdas salariais desde julho de 1994, estabilidade de emprego, em especial para os trabalhadores da rede privada; plano de carreira, respeito à jornada de trabalho de 6 horas, etc.

 A novidade no comportamento pelego do braço sindical do governo neoliberal é que a pauta de reivindicações apresentada pela primeira vez contempla a reivindicação patronal de remuneração variável, tendo como base de pagamento a venda de produtos e arrecadação de tarifas bancárias, aumentando, assim, o assédio moral para o cumprimento de metas intangíveis. Abandona-se a bandeira de reajuste real dos salários, como forma de dar uma vida digna aos trabalhadores, contribuindo para que a pressão por venda de produtos e índices de adoecimento continue por aumentar.

Isso muda a qualidade da relação dos bancários com a sociedade: a categoria deixaria de ser aliada da sociedade para ser aliada dos patrões, opondo-se à qualquer aumento de despesas para melhor atender população, como mais contratações para as agências e aumento de caixas para a diminuição das intermináveis filas que martirizam a população mais pobre, que depende dos serviços bancários.

 Possibildade de mudança

Apesar da aparente desvantagem em que a categoria bancária começa a campanha salarial deste ano,  o Movimento Nacional de Oposição Bancária (MNOB,) junto aos sindicatos que não estão alinhados com o governo, montou uma pauta de reivindicações  que, além de trazer a bandeira de aumento real dos salários, contempla a questão da reposição das perdas da categoria desde o início do plano real. Há também outras novidades que contemplam reivindicações históricas da categoria.

a) Fim da mesa única –  A “unidade” que os pelegos tanto apregoam nada mais é do que uma manobra para rebaixar a proposta dos bancários, e esconder o governo Lula da atribuição de principal causador disso, pois o PT pressiona os bancos privados a conceder um reajuste menor o possível para ter a “desculpa” de não dar a correção devida aos bancos federais. Conseqüência disso é que os bancários da rede privada acumulam perdas desde o início do governo Lula e da unificação das perdas. Com o fim da mesa unificada de negociação, os bancos privados não terão o empecilho do governo para rebaixar o índice de negociação; além do que, o governo não terá mais a mesa da FENABAN (Federação Nacional dos Bancos) como proteção a atender as reivindicações dos trabalhadores dos bancos estatais.

b) Reposição de perdas – É uma reivindicação histórica dos bancários, sobretudo dos bancários estatais. Cada setor da categoria tem um índice diferente necessário para a reposição de perdas salariais decorrentes da política do plano real de arrocho salarial. Para os bancários privados, o índice é de 29%; para os bancários do Banco do Brasil é de 90%; e para os bancários da Caixa Econômica Federal, o índice necessário é de 103%. A CONTRAF-CUT não contempla este item, seguindo as orientações do governo do PT.

c) Estabilidade no emprego – proíbe a demissão imotivada durante a vigência da Convenção Coletiva. Trata-se de uma questão estratégica para os bancários do setor privado que sofrem com as freqüentes demissões em massa, por dar mais segurança para que este setor da categoria possa se mobilizar sem ter a demissão como retaliação política do patrão.

d) Jornada de trabalho de 5 horas – Tal medida garantiria mais contratações de bancários, além de permitir o aumento do período de abertura das agências de 6 para 10 horas, porém, com dois turnos de 5 horas. Isso daria uma melhor qualidade de vida para o trabalhador, bem como atenderia ao clamor da população pela extensão do horário bancário. É bom ressaltar que a redução da jornada de trabalho se dará sem a redução de salário. Este item também não está na pauta patronal da CONTRAF-CUT.

O MNOB entregará a pauta de reivindicações diretamente para os patrões e para o governo, entendendo que a CONTRAF-CUT não tem mais legitimidade para falar em nome da categoria, haja vista as seguidas traições nos últimos quatro anos. Será necessário que as bases sindicais de todo o país se rebelem diante do governismo dos sindicatos cutistas e elejam, em assembléia, os bancários comprometidos com a luta, para comporem um Comando Nacional de Base, independente de patrões e do governo.

Sabemos que os traidores da categoria trabalharão o tempo todo, junto aos patrões e ao governo, para que a campanha seja derrotada mediante a aprovação de um índice rebaixado e de uma pauta retrógrada. No entanto, para se evitar a bancarrota da campanha, bem como a aprovação da pauta alternativa, é necessária a presença massiva da base nas assembléias, como forma de tomar a direção das negociações para a uma campanha vitoriosa.

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Da FIARI ao FELCO: por uma arte revolucionária independente

Michel Silva

Vemos, nos últimos anos, surgir e se organizar na América Latina uma produção artística estreitamente ligada às lutas e rebeliões que vêm ocorrendo no continente. O Festival Latino-americano de la Clase Obrera (FELCO), cuja primeira edição foi realizada em Buenos Aires, em 2004, tem grande importância neste processo. Não apenas as salas de cinema e as universidades servem de cenários para o festival, mas principalmente as sedes dos movimentos piqueteros, os sindicatos e as fábricas recuperadas. O FELCO está se consolidando como uma iniciativa vitoriosa em criar um espaço de organização dos artistas que lutam pela transformação radical da sociedade capitalista.

O FELCO é parte da tradição de organização do cinema político na América Latina, com seus locais de exibição alternativos, festivais e espaços de debate político. Mas o FELCO também busca inspiração na experiência da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI), cujo documento de fundação é o manifesto Por uma arte revolucionária independente, redigido em 1938 pelo poeta surrealista francês André Breton e pelo dirigente revolucionário russo Leon Trotsky. A vida curta da FIARI se deve, principalmente, a uma conjuntura difícil, com a proximidade de uma guerra que viria a arrasar o mundo, e com o aparato stalinista dominando as principais organizações artísticas do mundo, na defesa da burocracia que governava a União Soviética.

O manifesto da FIARI teve algumas de suas partes superadas pelo tempo. Exemplos disso são o fascismo e o stalinismo, que não têm hoje a mesma força política e ideológica que então possuíam. Era uma conjuntura na qual se eliminava todo e qualquer movimento artístico associado às vanguardas. Nenhuma arte independente tinha espaço para surgir, pois os artistas eram ou caçados e mortos ou coagidos a aceitar estéticas que cumprissem o papel de ideologias do Estado. Como afirma o manifesto, “o fascismo hitlerista, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas que expressaram em alguma medida o amor pela liberdade (…) obrigou aqueles que ainda podiam consentir em manejar uma pena ou um pincel a se tornarem os lacaios do regime e a celebrá-lo de encomenda (…) Exceto quanto à propaganda, a mesma coisa aconteceu na URSS durante o período de furiosa reação que agora atingiu seu apogeu”.

Hoje não temos mais o aparato stalinista e sua corte de puxa-sacos ocupados em fazer apologia a seus líderes, enquanto estes assassinavam toda oposição. Também não temos o nazismo, que condenava as vanguardas e se ocupava de fortalecer uma arte que priorizasse a propaganda. Outro aspecto diferente da conjuntura atual é a não iminência da guerra mundial, que o manifesto da FIARI previa. Mas as mudanças conjunturais não tiram a atualidade do manifesto, pois a forma capitalista de produção da vida ainda persiste e é dominante. Outro aspecto a se considerar é que o fascismo nada mais é que uma face autoritária do regime de classes burguês. Ou seja, a burguesia pode utilizar um regime com características fascistas como resposta a uma crise do capitalismo ou ao ascenso de alternativas radicais para a sociedade. Além disso, o manifesto não apenas previa a guerra que se avizinhava, como também apontava que a burguesia ameaçava o mundo com suas armas e modernas técnicas de morte. Mesmo num período supostamente de paz, a burguesia colocava em risco o mundo, através dos armamentos que produzia para garantir a manutenção de sua ordem. Portanto, embora se trate de conjunturas diferentes, estamos falando do sistema mundial dominado pelo capital. Embora mudem os governos e mesmo as formas de governo, estamos falando de uma dominação de classe que a cada conjuntura pode assumir as mais variadas faces.

Também a questão do stalinismo, embora seus aparatos estatais tenham ruído, não perdeu sua atualidade, pois persiste ainda uma de suas políticas mais nefastas e poderosas: as frentes populares. Esse tipo de governo, baseado na unidade política de um partido operário com setores da burguesia, no que se refere à arte assume uma postura de eleger uma cultura “popular” para transformá-la em mercadoria. Sob o discurso de preservar a “tradição” – mesmo que ela seja machista, sexista, racista etc. – esses governos traçam uma política que privilegia manifestações culturais que, não sendo produtos criados pela indústria cultural, supostamente expressam o “povo” e as formas locais de “cultura”. Essa “cultura”, contudo, expressa muito mais a dominação de classe do que as manifestações culturais de grupos sociais tradicionais. Confunde-se cultura e arte, valorizando apenas a arte qualificada como “popular”, cria-se artificialmente identidades comuns ao “povo” e transforma-se patrimônios históricos em chamariz turístico, ou seja, em mercadoria.

Contudo, o que há de mais atual no manifesto da FIARI é a defesa da liberdade da arte, opondo-se a qualquer coerção externa: “a arte não pode consentir sem degradação em curvar-se a qualquer diretiva estrangeira e a vir docilmente preencher as funções que alguns julgam poder atribuir-lhe, para fins pragmáticos, extremamente estreitos”. Reivindica-se para o artista a livre escolha de temas, sem restringir o campo de exploração de sua criatividade. “Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino”. No manifesto opõe-se, diante das pressões para que o artista consinta que a arte seja “submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com seus meios, (…) uma recusa inapelável e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte”. Esse é o único caminho para se chegar a uma arte que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje. Essa arte precisa ser revolucionária, “tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade”, mesmo que seu objetivo seja apenas “libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado”.

O capitalismo não pode dar qualquer liberdade para a arte. Sua lógica interna, de intensa valorização de mercadorias e reprodução da mais valia, permite às dissidências apenas que se adaptem e se tornem produto vendável. No manifesto afirma-se que, “na época atual, caracterizada pela agonia do capitalismo, tanto democrático quanto fascista, o artista, sem ter sequer necessidade de dar a sua dissidência social uma forma manifesta, vê-se ameaçado da privação do direito de viver e de continuar sua obra pelo bloqueio de todos os seus meios de difusão”. Está claro que o declínio da sociedade capitalista provoca uma exacerbação insuportável das condições sociais, traduzindo-se em contradições individuais, que dá origem a uma exigência ainda mais exaltada de uma arte libertadora. O capitalismo decadente é incapaz de oferecer condições mínimas para o desenvolvimento de correntes artísticas. Nesse sentido, segundo o manifesto, o que a arte conserva de individualidade, “naquilo que aciona qualidades subjetivas para extrair um certo fato que leva a um enriquecimento objetivo”, tudo isso “aparece como o fruto de um acaso precioso, quer dizer, como uma manifestação mais ou menos espontânea da necessidade”.

Os autores do manifesto têm clareza de que a função da arte na sociedade capitalista define-se por sua relação com a revolução. Nesse sentido a “oposição artística”, segundo o manifesto, é “uma das forças que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana”. Em nossa época “a tarefa suprema da arte (… ) é participar consciente e ativamente da preparação da revolução”. Mas “o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior”.

O outro aspecto atual do manifesto da FIARI tem a ver com a organização dos artistas. Os autores do manifesto partiam do diagnóstico de que “milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cuja voz é coberta pelo tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no mundo”. O fascismo difamava como “degenerada” toda a tendência progressiva que reivindicava a independência da arte, enquanto toda criação livre era declarada fascista pelo estalinismo. Nesse sentido, o manifesto chama a arte revolucionária independente a unir-se contra as perseguições, em defesa do seu direito de existir, sendo tal união a proposta central de organização da FIARI. O objetivo do manifesto era “encontrar um terreno para reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir à revolução pelos métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da revolução. Estamos profundamente convencidos de que o encontro nesse terreno é possível para os representantes de tendências estéticas, filosóficas e políticas razoavelmente divergentes”.

Décadas depois, as palavras do manifesto parecem estar ainda mais coloridas, seja em função das belas imagens da América Latina exibidas no FELCO, seja pela degradação crescente da arte, produzida em massa pela indústria cultural, e seja pela marginalização dos movimentos e artistas que não se submetem à lógica do capital. Ontem e hoje, a unidade dos artistas que reivindicam a liberdade de criação, e que buscam uma transformação radical da sociedade capitalista, é tão fundamental quanto necessária. Mas esse movimento organizado tem de estar colado aos trabalhadores, não se resumindo a mostrar suas lutas, mas fazendo parte delas. Mais do que nunca, em todo o mundo os artistas precisam fazer correr por suas veias o sangue da revolução. Realista ou abstrata, surrealista ou concreta, subjetiva ou descritiva, enfim, não há qualquer limite estético para a arte que se coloca ao lado da revolução. Como afirma-se no manifesto da FIARI: “a revolução comunista não teme a arte”.

Contamos hoje em nosso continente com a vitoriosa construção do FELCO, que a cada ano cresce, transformando-se em referência para os artistas que se colocam como parte da luta dos trabalhadores. Em sua curta e vitoriosa trajetória, o FELCO colocou na ordem do dia dois grandes debates. Primeiro, sobre a necessidade de organização política dos artistas, que devem se reunir tanto para exibir sua produção quanto para discutir e deliberar sobre suas lutas políticas principais. Segundo, sobre o papel do artista num contexto de lutas sociais radicais dos explorados, onde o poder estatal da burguesia e a propriedade privada são ameaçados, tendo o artista de se colocar de um lado ou de outro da trincheira. Se o FELCO vem sendo vitorioso, não é apenas por estender suas fronteiras para vários países além da Argentina, como Bolívia e Brasil, mas também por manter colaboração com cineastas ativistas de outros lugares do mundo, como Ásia, Europa e Estados Unidos.

Da mesma forma que a FIARI deve seu primeiro passo à IV Internacional, também o FELCO é produto dessa tradição política. Toda a história da FIARI e do FELCO liga-se à batalha por um espaço onde a arte revolucionária possa se expressar artisticamente e construir uma organização política. Em conjunturas diversas e de diferentes formas, as duas experiências foram vitoriosas, mas está claro que hoje o FELCO precisa avançar ainda mais. Esse avanço passa tanto pela construção de um Festival Mundial da Classe Obreira como pela reorganização da FIARI.

Faz-se urgente um chamado mundial a toda a arte revolucionária independente para que, tomando a experiência concreta do FELCO como ponto de partida, possa-se caminhar para a construção de uma organização mundial que aglutine os artistas comprometidos com a transformação radical da sociedade. Faz-se necessário, unindo a arte revolucionária independente dispersa pelo mundo, erigir uma vez mais a FIARI.

Florianópolis, 23 de julho de 2007

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A atualidade da revolução nos 90 anos de outubro

Quem domina o presente domina o passado; quem domina o passado domina o futuro

George Orwell, in “1984”

 “Só conhecemos uma Ciência, a Ciência da História

Marx e Engels, in “A Ideologia Alemã”

 A Revolução Russa é o acontecimento mais importante da História da Humanidade. Pela primeira vez a classe trabalhadora tomou o poder em todo um país e conseguiu manter-se. Aquilo que os explorados, os oprimidos, os humilhados e ofendidos de todas as épocas tentaram, os operários russos conseguiram em 1917. Desde os escravos com Spártacus, passando pelas revoltas dos camponeses medievais na Europa, dos indígenas e quilombolas nas Américas, dos dominados em todos os continentes, pelos radicais de 1524, de 1647, de 1792, de 1848, até os comunardos de 1871; todas as vezes em que as classes subalternas ousaram levantar a cabeça contra a opressão, terminaram cruelmente afogadas no próprio sangue pela vingança implacável dos poderosos.

Outubro de 1917 mostrou que a História poderia ser diferente e os vencidos podem também vencer. A Revolução Russa é diferente também qualitativamente, porque inaugurou a época histórica da Revolução Socialista. A época em que vivemos não é a das revoltas cegas contra a opressão e as infâmias da sociedade de classe, é a da luta pela afirmação consciente de um projeto alternativo de sociedade, a ser construído a partir da potência criadora do trabalho socializado. Nesta época, está colocada a tarefa da destruição do capitalismo e da construção de uma sociedade sem classes, sem opressores nem oprimidos. Tarefa grandiosa: pôr fim à exploração do homem pelo homem e emancipar todas as forças criativas do trabalho, da ciência, da cultura, da arte, da subjetividade, da sexualidade, criando um mundo digno de ser chamado Humano.

Mas esta tarefa é também problemática, pois em nossa época o capital mais e mais aprofunda seu domínio feroz sobre todas as dimensões da vida. O sistema do capital arremessa o mundo na barbárie da guerra, da degradação ambiental, do desemprego, da miséria, da fome, das doenças, da ignorância, das neuroses; no limite, compromete a própria sobrevivência da espécie humana. Reconstruir a perspectiva da transformação socialista é pois uma tarefa também cada vez mais urgente e vital. Uma das frentes de batalha fundamentais dessa luta é a disputa pela interpretação da História. Do ponto de vista do capital, vivemos precisamente o “Fim da História”, ou seja, não existe “outro mundo possível”, apenas o mundo tal como o conhecemos, o mundo do capital. O imperialismo, sob sua nova face de capital financeiro globalizado, se oferece como horizonte definitivo da civilização, além do qual “não há alternativa”. Para tornar essa hipótese sedutora, nosso imaginário é

saturado com imagens reluzentes do consumo, ícones do culto à forma mercadoria, chamarizes vulgares de uma falsa felicidade, artificial, plastificada, sem conteúdo; disfarce insultuoso para a tétrica barbárie em que definham 90% dos seres humanos.

A apologia vulgar da ordem estabelecida é uma necessidade crucial para as classes dominantes, pois a sociedade de classes não se sustentaria se os dominados tivessem consciência da sua capacidade de agir e de transformar a realidade. Exatamente por isso, é preciso negar a possibilidade de mudar radicalmente o mundo, é preciso apagar todos os traços dessa consciência, todos os vislumbres dessa possibilidade, todos os momentos de inquietação em que a imaginação criativa ameaça romper com a hedionda banalidade do existente. É preciso sitiar aguerridamente o passado, controlar cuidadosamente sua narração, fabricar convenientemente a História.

A História é sempre contada pelos vencedores. Do ponto de vista dos vencedores, a História só pode conduzir justamente à situação em que são vencedores. O passado é transformado em apologia e justificação do presente. O mundo é tal qual é, porque não poderia ser de outra maneira. Tudo aquilo que, no passado, poderia conduzir a um desfecho diferenciado, ou seja, a uma situação em que a atual classe dominante não estivesse no poder, é tratado como desvio, acidente, equívoco, absurdo, crime. É esse o caso da Revolução Russa. A ousadia dos revolucionários de Outubro precisa ser convertida em via para o desastre, de modo que a Revolução não seja jamais imitada.

Na concepção burguesa de História, os acontecimentos se sucedem como uma fileira de causas e conseqüências mecanicamente justapostas. Os resultados da ação dos sujeitos históricos corresponderiam exatamente às suas intenções. Ou seja, na Revolução de Outubro já estaria contido automaticamente o terror stalinista, a ditadura burocrática, o fracasso do “socialismo real”. Não haveria contradições, conflitos, lutas, avanços e retrocessos, nuances de consciência e inconsciência, claridade e obscuridade. Nessa concepção distorcida, o passado é sempre inevitável, é o reino da fatalidade, dos impasses e dilemas insolúveis.

A compreensão científica da História, pelo contrário, consiste exatamente no resgate das forças vivas que moldaram os acontecimentos, atuando com toda a riqueza das suas possibilidades criativas, articulando-se na complexa dialética dos seus condicionamentos recíprocos. Os agentes históricos, que são as classes sociais em luta, vivem os seus problemas com toda a dramaticidade do momento presente, no qual devem fazer suas escolhas decisivas. À medida em que aquele momento presente se afasta no tempo e se torna passado, fica mais difícil para nós, os pósteros, localizar no labirinto das escolhas passadas o fio de Ariadne daquelas que forjaram o nosso próprio presente e que podem iluminar as trilhas do futuro. A História é vivida em aberto, mas é narrada como algo fechado. Reconstituir a sua abertura, trazendo à tona os conflitos, as contradições, com toda sua intensidade, é o desafio para quem se propõe a alcançar a compreensão da forma mais fiel possível do passado.

O desafio da compreensão científica da História não será superado com o recurso aos métodos próprios da historiografia burguesa. Não será com uma narrativa unilateral, unívoca, uniforme, unilinear, que se terá um retrato fiel da Revolução Russa. A concepção burguesa da História é a da inevitabilidade; a dos socialistas é a da abertura e da possibilidade. “As idéias dominantes de uma época são as idéias da classe dominante”, advertiram Marx e Engels nA Ideologia Alemã. Romper com o domínio material da burguesia exige romper também com suas idéias e seu modo de pensar.

Situar a Revolução Russa como uma etapa da Revolução Socialista em escala mundial é a via que permite reatar o fio que dá sentido aos acontecimentos. A Revolução Socialista em processo é o pano de fundo que nos unifica a Outubro de 1917, e nesse processo histórico multissecular é natural que sejam experimentados ritmos variados de desenvolvimento nos diferentes níveis da realidade. O movimento contraditório da totalidade sócio-histórica constantemente redefine os contornos da situação nas diferentes esferas que a conformam: modificam-se as problemáticas econômicas, políticas, sociais, culturais, psicológicas e, conseqüentemente, modificam-se as estratégias de enfrentamento correlatas.

É, pois, como parte desse movimento contraditório que a Revolução Russa deve ser situada. Resgatar a Revolução Russa não equivale simplesmente a enaltecê-la ou fazer algo geometricamente oposto ao que os intelectuais da burguesia produzem, invertendo o sinal de suas invectivas e imprecações. A tarefa que se coloca é a de superar qualitativamente este método, apresentar a realidade como síntese contraditória de tendências e contra-tendências em luta constante. Sem isso, não se pode compreender como o processo da Revolução Socialista foi tragicamente interrompido imediatamente após ser deflagrado de maneira tão inédita e heróica pelos eventos de Outubro de 1917 na Rússia. Sem essa compreensão, não se conseguirão tirar lições válidas da história e contribuir materialmente para desbloquear a Revolução no presente.

Alcançar a compreensão científica de um evento como Outubro, não é, para os socialistas, um objeto de curiosidade diletante. Do ponto de vista de quem se propõe a desenvolver hoje a luta revolucionária, a compreensão científica do passado é um imperativo absolutamente vital. Para os revolucionários, apenas a verdade nua e crua é útil, completamente despida da mescla das ilusões auto-complacentes e sentimentalismos retóricos. Reviver os momentos decisivos de 1917 não significa canonizar os seus protagonistas como heróis infalíveis (esse é o método da burguesia em relação aos seus heróis), significa observá-los como seres humanos concretos, enfrentando desafios extraordinários, impulsionados por qualidades também extraordinárias e tolhidos por obstáculos os mais inesperados e desconcertantes. É desse modo que tais protagonistas podem nos servir de exemplo.

A burguesia não se cansa de celebrar seus heróis, os grandes estadistas, políticos, militares, etc. Aqueles a quem a burguesia chama de heróis, porém, para a classe trabalhadora, não passam de carrascos. Estes são na verdade os responsáveis pelo rol de horrores que preenche a maior parte da História: guerras, genocídios, massacres, assassinatos, torturas, violências, estupros, saques, roubos, profanações, imposturas, com o corolário da odiosa escravidão do trabalho e da subjetividade até hoje vigente. No entanto, esses heróis são apresentados como “nossos heróis”, como guias da “civilização”, e tudo o que fizeram, seus crimes infindáveis, aparecem como condutores, “apesar de tudo”, para o “bem comum”, razão pela qual merecem ser absolvidos. Ora, a “civilização” celebrada pela história oficial com seus “heróis” não passa de uma monumental e monstruosa espoliação da maioria da humanidade, privada até mesmo da condição de constituir-se em efetivamente Humana, em

benefício exclusivo das classes dominantes em cada momento.

Em contraponto, a classe trabalhadora deve aprender também a celebrar os seus heróis, seus revolucionários, seus mártires, seus gênios; mas deve acima de tudo celebrar as massas anônimas que, estas sim, carregam o fardo mais pesado da História. Só o movimento de toda uma classe consciente, como eram os operários russos de 1917, pode produzir líderes como foram os bolcheviques. Reconstruir a história de Outubro é, em grande parte, reconstruir essa relação extraordinária entre a classe revolucionária e seus líderes.

Num momento histórico como o atual, em que a Revolução Socialista parece distante no horizonte, resgatar os feitos heróicos dos trabalhadores no passado é parte fundamental do esforço de rearmamento teórico da esquerda no presente. Uma vez que a revolução que nos cabe fazer é a “afirmação consciente de um projeto alternativo de sociedade”, o resgate da História é também, necessariamente, um estudo crítico. Não basta repetir mecanicamente, 90 anos depois, os nomes, bandeiras e palavras de ordem da Revolução Russa, é preciso medir-se cientificamente, criticamente, com a realidade passada e presente, para que esses símbolos retomem seu significado, importância e valor prático, revigorando seus traços de continuidade no presente.

O Espaço Socialista impulsionou a construção da Revista PRIMAVERA VERMELHA, partindo do entendimento de que a reorganização da militância socialista demanda necessariamente a reativação do trabalho teórico, do esforço de pesquisa, estudo, reflexão, elaboração, crítica e debate. Tal era o método do partido bolchevique, portanto, nada mais adequado, para homenagear a tradição inaugurada pelos bolcheviques, do que dedicar a edição de lançamento da revista aos 90 anos da Revolução Russa. Remetemos os leitores a este primeiro número e ao estudo da história da Revolução Russa no intuito de fazer com que este estudo seja um instrumento a serviço da qualificação do debate e da militância socialista no presente.

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