Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Jornal 24: Janeiro/Março de 2008


3 de janeiro de 2009

Leia as matérias online:

 

 

Fidel renunciou, mas nós não renunciamos à revolução

Para não deixarmos nenhuma dúvida: Defendemos os trabalhadores e o povo cubano contra qualquer tentativa de intervenção americana!

Consideramos que a Revolução Cubana foi um dos maiores feitos do povo latino-americano por derrubar o ditador sanguinário Fulgêncio Batista, por expulsar os americanos que tratavam a ilha como um bordel em alto mar e por estatizar, mesmo que não fosse a intenção imediata de Fidel, a economia e abrir caminho para a construção de um sistema público de saúde e de educação que garante o acesso a todos.

O sistema de saúde e de educação do povo cubano foi obtido com um baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas no país. Isso mostra a força de uma economia estatizada e sem propriedade privada, em que o produzido fica nas mãos do Estado. A Revolução Cubana teve esse mérito de obrigar suas direções a estatizar. Foi exatamente a estatização que permitiu o desenvolvimento da saúde e da educação até transformarem-se em referências para o mundo.

A propriedade privada representa a apropriação, por uma pequena parcela da sociedade que nada produz, do trabalho realizado pela classe trabalhadora. É a causa maior de todos as desigualdades no mundo. Por isso qualquer revolução que exproprie a burguesia, por mais limites que tenha, merece nosso apoio militante.

A força histórica do socialismo se mostra na medida em que ao serem retirados os meios de produção das mãos dos capitalistas é proporcionado à humanidade condições de vida, em suas várias dimensões, jamais sonhadas.

Assim, depois da enfermidade de Fidel e com a renúncia – mesmo sem ocupar papel central nas decisões do Estado cubano, subsistindo apenas o mito – retornou a ganância do imperialismo americano e dos contra-revolucionários mafiosos sediados em Miami contra as conquistas do povo cubano.

Defender Cuba de todo e qualquer ataque do imperialismo

Derrotado, durante o processo revolucionário, pela mobilização de milhões de trabalhadores e depois pela heróica resistência militar na tentativa de invasão da Baia dos Porcos, o sanguinário imperialismo americano, com a cumplicidade de todos os governos capitalistas, impôs ao povo de Cuba um bloqueio econômico que dura mais de 40 anos. Coerente com a sua ânsia de destruição e dominação dos povos do mundo, o imperialismo apelou para bloqueio econômico na tentativa de matar o povo cubano de fome.

O imperialismo se caracterizado através da dominação do mundo exercida por monopólios (domínio de um determinado ramo da economia capitalista por um único grupo) e oligopólios (domínio de poucos, mas fortes, grupos capitalistas). Como a produção capitalista envolve várias etapas que vão desde a matéria prima até a circulação, controlá-las torna-se fundamental para esse domínio. A combinação de produção e controle do mercado (nacional e mundial) demarca a força desses grupos imperialistas.

Nesse sistema o controle político, direto ou indireto, sobre os Estados Nacionais é o eixo político central sobre o qual gira a política do imperialismo, uma vez que as colônias (em seu sentido moderno) vão servir tanto para o fornecimento de matéria prima (as já existentes e as descobertas futuras) como para a expansão de mercado.

De maneira combinada com o eixo político está a brutal exploração da força de trabalho. O imperialismo busca impor sobre os povos do mundo o aumento máximo de seu lucro a partir do aumento da extração da mais-valia. Essa é a base para a redução de custo de seus produtos, o que vai lhe facilitar a disputa do mercado. Isso significa maior exploração do trabalhador, menor custo da mercadoria e consequentemente mais condições de competir no mercado mundial. A exploração da força de trabalho mundial constitui-se, portanto como o eixo econômico da dominação imperialista.

Assim, o controle político dos diversos Estados Nacionais é fundamental para o imperialismo. Esse controle é exercido através da criação de leis (que reduzem impostos para determinadas operações financeiras ou para determinados produtos, Reformas trabalhistas, da previdência, etc.) que facilitam a movimentação de capitais e mercadorias no mercado interno. É por isso que quando os trabalhadores de um país resolvem não deixar mais isso acontecer os capitalistas ficam furiosos, pois uma de suas fontes de lucro secou.

A independência de um país em relação ao imperialismo constitui-se como um elemento positivo para o proletariado porque em termos práticos significa um enfraquecimento do imperialismo, é um golpe em suas pretensões. Entendemos por independência o conceito cunhado por Lênin: analisando as condições histórico-econômicas dos movimentos nacionais, então chegaremos inevitavelmente á conclusão: por autodeterminação das nações entende-se a sua separação estatal das colectividades nacionais estrangeiras, entende-se a formação de um Estado Nacional independente. (Lênin, OE, v.1, p. 512).

Ante o ataque imperialista – econômico, político ou militar – contra qualquer país que ousou declarar a sua independência é dever de todo revolucionário se colocar contra o imperialismo e do lado do povo e dos trabalhadores desses países. No caso concreto de Cuba, de imediato lutamos contra toda e qualquer interferência imperialista. São os trabalhadores cubanos que devem decidir o seu destino.

Como marxistas na luta contra o imperialismo não escolhemos se queremos ser explorados pelos capitalistas nacionais ou imperialista. Somos contra a exploração capitalista, seja a realizada por Antonio Ermírio ou pela Coca-Cola. Por isso a luta contra o imperialismo e pelo direito a autodeterminação dos povos não significa apoio incondicional às suas direções, quando essas se tornam obstáculo para uma verdadeira independência. Em uma luta por autodeterminação ou por independência nacional atuaremos para que se desenvolva uma luta anticapitalista e socialista.

Historicamente as lutas por independência ou autodeterminação têm sido realizadas por setores da burguesia que reclamam a democracia burguesa. No caso cubano os limites foram de um regime político burocrático.

A defesa da Revolução de Cuba e do povo cubano não nos leva a apoiar o regime que hoje tem à frente Raul Castro. São várias as razões. Uma delas está no fato de o PC cubano e sua direção trataram de excluir os trabalhadores das decisões de seu destino. Outra razão está no fato de Raul Castro, contraditoriamente, representar uma ameaça à defesa da soberania e independência de Cuba. Tanto o chamado a Lula (que tem apresentado completa submissão ao imperialismo americano) para que faça a mediação entre Cuba e EUA, quanto o distanciamento de Hugo Chávez (que embora tenha mais retórica do que prática, possui um forte discurso antiamericano) demonstram claramente a disposição do PC em manter relações cordiais e amistosas com os americanos. É obvio que cordialidade e amistosidade para o imperialismo americano significam abrir as fronteiras para os seus interesses.

Qualquer política de aproximação com os EUA é uma ameaça à soberania dos trabalhadores cubanos e coloca em risco o caráter independente do estado cubano em relação imperialismo.

Fidel renuncia o mandato, mas já havia renunciado a revolução

Profundamente marcado como direção dos povos americanos e amparado no processo revolucionário mais importante da América latina, Fidel Castro sempre oscilou entre o discurso antiamericano e os acordos com setores imperialistas que não aderiram ao bloqueio econômico americano. O discurso antiamericano e a orientação política de conciliação com as burguesias nacionais dos diversos países do continente passaram a vigorar após a morte de Che Guevara.

A aplicação dessa orientação política pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua, e pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, em El Salvador, levaram à derrota. Ao fazerem acordos com as burguesias desses países tanto a FSLN quanto a FMLN abriram mão da expropriação da propriedade privada, o que permitiu a reorganização da burguesa e a contra revolução.

A melhor defesa de uma revolução é exatamente a sua expansão. Uma das primeiras medidas dos revolucionários russos foi a reorganização de uma internacional revolucionária que pudesse servir de aporte para as revoluções, principalmente na Europa. Lênin não cansou de dizer que a sorte da Revolução Russa estava nas mãos do proletariado mundial. Essa também era a idéia de Che Guevara na frase façamos um, dois, mil Vietnã. E esse não foi o caminho que Fidel percorreu.

A sorte da revolução está justamente naqueles que estão distantes dos centros de decisão da política: os trabalhadores. Sem a participação dos trabalhadores como sujeitos o destino da revolução fica nas mãos daqueles que representam a ameaça, pois procuram em primeiro lugar atender os interesses da burocracia estatal.

Há uma necessidade urgente do desenvolvimento de formas independentes e democráticas de organização dos trabalhadores para enfrentar tanto a burocracia cubana quanto o imperialismo e defender as conquistas da revolução avançando em um tipo de Estado em que os trabalhadores organizados decidam todos os rumos da sociedade.

Quando falamos de democracia e liberdade não falamos como valor da democracia burguesa que defende o direito de explorar e oprimir trabalhadores. Falamos de democracia operária em que a burguesia não terá liberdade e nem democracia. Em que não haverá liberdade e nem democracia para a propriedade privada. Em que não haverá liberdade e nem democracia para a diplomacia secreta de Estado. Em que as decisões passem por organismos controlados pelos trabalhadores e não por parlamentos democráticos formados por quem tem maior poder econômico.

Para enfrentar a intervenção americana é fundamental a mobilização internacional em defesa dos trabalhadores de Cuba e das conquistas da Revolução. Por esta e por outras razões o Encontro Latino Americano que será realizado logo após o congresso da CONLUTAS adquire ainda maior importância.

Fora Imperialismo! Rechaço a intervenção de qualquer via imperialista sobre Cuba!

Fora exército imperialista da base de Guantanamo, pela imediata restituição do território ao povo cubano!

Fora burguesia cubana alojada em Miami! Nenhuma restituição aos gusanos cubanos.

Socialização de todos os meios de produção expropriados pela revolução!

Liberdade aos 5 cubanos presos em Miami!

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Mulher trabalhadora, ou seja, guerreira

Tuca Fontes

Iraci Lacerda

O grau de exploração de um pequeno grupo social sobre a grande massa da população mundial, composta por trabalhadores, assumiu proporções incríveis ao longo do século XX. Isso mostra-nos que Marx já estava correto no século XIX ao afirmar em sua análise histórica do capitalismo que livre concorrência gera concentração da produção que, por sua vez, ao atingir certo nível de desenvolvimento, leva ao monopólio. Esta situação gera aumento do lucro de poucas grandes empresas sob aniquilação de muitas pequenas empresas.

Sabemos que a história dos homens é construída através das ações práticas dos indivíduos num quadro econômico e social que, final do século XX e começo do XXI, era de extrema desigualdade social e opressão efetiva da minoria sobre a maioria. Para as mulheres tal opressão se concretiza de modo especialmente cruel, já que recai sobre elas um incontável número de atribuições e funções sociais cuja face, muitas vezes, é assustadora.

Tal como na Inglaterra do período da Revolução Industrial, atualmente, em várias partes do globo, mulheres são mortas e/ou violentadas aos milhares para que o capitalismo continue sendo cada vez mais o que é, ou seja, um sistema no qual a produção de mercadorias atinge um desenvolvimento tão elevado que a própria força de trabalho, as pessoas, portanto, se tornam mercadorias, conforme analisa Lênin em O Imperialismo, fase superior do capitalismo.

Há uma herança histórica que se perpetua no que se refere à exploração por gênero. Em todas as regiões do planeta há situações que chamam a atenção para a situação das mulheres perante o caos social engendrado pelo capitalismo.

Na fronteira do México com os Estados Unidos a exploração sobre as mulheres é atualmente um nervo exposto. Os acordos de livre comércio abriram irrestritamente as portas do México às multinacionais estadunidenses, que em sua insaciável busca pelo lucro, as empregam em suas linhas de produção pagando uma miséria de salário. Para essas mulheres predominantemente jovens, oriundas de famílias cuja terra foi extorquida pelo governo, o trabalho semi-escravo nas fábricas é a única chance de não morrerem de fome. Nessas cidades fronteiriças, como Juarez, há milhares de casos de estupros e assassinatos de mulheres operárias, fato que ambos os governos insistem em tentar manter escondido, tudo para não comprometer o bom desempenho financeiro dessas corporações sujas e parasitárias. Nessa região a alienação do trabalho atingiu níveis tão pitorescos que é impossível para aquelas pessoas enxergarem saída. Não há nenhum tipo de proteção às mulheres trabalhadoras e os casos de assassinatos de mulheres são investigados pelas próprias mães das vítimas, pois se não for assim os desaparecimentos nem são registrados.

O chamado tráfico de pessoas é outro exemplo. Mulheres e crianças, predominantemente, são comercializadas para exploração sexual em todas as regiões do planeta. São milhares de brasileiras prostituindo-se em países estrangeiros, sendo que há um número irrisório de condenações de traficantes de pessoas.

Seja em canaviais brasileiros, em fábricas mexicanas, em periferias nicaragüenses, porto-riquenhas, asiáticas, africanas, no leste europeu ou nos bordéis da Europa e Estados Unidos, as mulheres são sempre a linha de frente dessa face mais cruel e desumanizadora do sistema capitalista.

No Brasil, nos deparamos claramente com a impossibilidade deste sistema resolver os seus graves problemas através de suas instituições.

A Lei Maria da Penha que deveria reduzir a violência contra a mulher a aumentou. Segundo matéria publicada no Estado de São Paulo, de 28/05/07, o número de denúncias por lesão corporal caiu em 18,8%. Este fato, atribuído à impossibilidade da mulher retirar a denúncia e ao risco de ter de pagar a fiança do próprio bolso, demonstra que continua recaindo sobre a mulher o ônus de ter sido agredida.

O Estado burguês, que não consegue esconder instituições machistas e autoritárias, apresenta-nos a todo o momento casos como o do juiz de Minas Gerais/Sete Lagoas, contrário a Lei Maria da Penha por tornar o homem um tolo (Folha de São Paulo, 21/10/07); como o da menina estuprada sistematicamente numa prisão do Pará/Abaetetuba; ou até mesmo o caso da campanha da fraternidade da CNBB/2008 que prega a vida negando a morte de milhares de mulheres por aborto clandestino.

Estes casos de violência contra a mulher evidenciam a mulher da classe trabalhadora. O caso da menina de Abaetetuba é um exemplo disso. A delegada, a juíza e a governadora do PT Ana Júlia, autoridades envolvidas no caso e responsáveis pela situação do sistema carcerário no estado, demarcam claramente uma fronteira existente entre nós trabalhadoras e as mulheres dispostas a manter o sistema opressor de exploração capitalista.

Há, contudo, na história, processos de resistência contra tal opressão que contaram com personagens femininas louváveis, sem as quais a situação das mulheres trabalhadoras e da classe operaria em geral, seria muito mais grave. A histórica luta no campo pelo direito de trabalhar na terra tem sido um fértil terreno para o surgimento de lideranças femininas cuja importância extrapola tal instância, refletindo a própria luta de classes da sociedade.

Nesse sentido é que Margarida Maria Alves, uma paraibana de Alagoa Grande, que nasceu no dia 5 de agosto de 1943, representa a força e o gigantismo das mulheres contra esse sistema que oprime a classe trabalhadora de modo fenomenal. Ela foi a primeira mulher eleita presidente de sindicato rural no estado da Paraíba, função que ocupou por 12 anos, nos quais travou uma guerra contra o poder do latifúndio nordestino, sempre a favor da implantação de um modelo de desenvolvimento rural e urbano que privilegiasse a agricultura familiar. Em seus anos de luta à frente do sindicato foram movidas cerca de 600 ações trabalhistas contra usineiros e coronéis de engenho, sendo todas vitoriosas para o trabalhador rural.

Margarida Maria Alves, como tantas outras lideranças femininas, lutou arduamente pelos direitos dos trabalhadores rurais, pelo décimo terceiro salário, registro em carteira, por redução da jornada de trabalho para 8 horas, por férias obrigatórias remuneradas, enfim, pelos direitos básicos humanos de alimentação e moradia. Diante das constantes ameaças e intimidações que sofria, fazia questão de torná-las públicas, respondendo-as com firmeza e coragem. Essa guerreira da luta campesina brasileira foi assassinada na frente de sua casa, com tiros no rosto, no dia 12 de agosto de 1983, aos 40 anos, por pistoleiros a mando do latifundiário José Buarque Gusmão Neto, absolvido pelo Tribunal de Justiça de João Pessoa.

Só a luta da mulher trabalhadora é capaz de mudar a situação da mulher. Só a luta unitária de homens e mulheres da classe trabalhadora é capaz de construir uma sociedade justa e humana.

LENIN, V. O imperialismo, fase superior do capitalismo. São Paulo: Global editora, coleção bases, 1979.

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Quando a torcida deve ir à luta

Daniel M. Delfino

No dia 13 de outubro de 2007 comemoraram-se os 30 anos da histórica conquista do Campeonato Paulista de 1977 pelo Corinthians, numa final contra a Ponte Preta. Era o primeiro título oficial depois de uma longa fila de 23 anos, desde o lendário Campeonato do IV Centenário de São Paulo, de 1954.

Nesses 30 anos entre 77 e 2007, o Corinthians conquistou 10 Campeonatos Paulistas (que somaram-se aos 15 anteriores para fazer do clube o maior vencedor da competição), 2 Copas do Brasil, 4 Brasileiros e 1 Mundial. Ou seja, os últimos 30 anos, ou mais especificamente os últimos 15, foram o período mais vitorioso da história do clube, quando se acumularam mais e mais importantes títulos do que em toda a vida precedente da agremiação. Se já era um dos clubes mais tradicionais e dono da 2ª maior torcida do país, o Corinthians tornou-se também um dos mais vitoriosos.

Entretanto, os torcedores que estiveram no Pacaembu na tarde de 13 de outubro de 2007 para a comemoração dos 30 anos e para o jogo contra o Internacional/RS pelo Brasileiro do ano passado não estavam vislumbrando a possibilidade de novas conquistas e sim, ao contrário, angustiados com a ameaça de rebaixamento do time para a 2ª divisão nacional. O rebaixamento acabou se concretizando, ao fim do certame, em dezembro, não sem antes expor a nação corintiana ao vexame de ver o presidente do clube afastado em meio a um escândalo policial. As investigações da justiça sobre a origem do dinheiro que a então parceira MSI investia esbarraram em lavagem de divisas do crime organizado internacional, especificamente da máfia russa, de quem a MSI seria fachada.

Na esteira dos escândalos e do afastamento da direção, organizaram-se às pressas eleições para uma nova diretoria, ao final das quais os remanescentes do mesmo grupo dirigente permaneceram no comando, tornando-se depositários duvidosos da complicada tarefa de recolocar o clube no caminho das conquistas.

A lembrança do título de 1977 é fundamental porque nos leva a um passado não tão distante, em que era possível um time ficar 23 anos sem ganhar um campeonato importante, e mesmo assim ver sua torcida crescer ao invés de diminuir. Esse fenômeno paradoxal merece uma explicação sociológica.

A torcida do Corinthians é a 2ª maior do país, mas está fortemente concentrada no Estado de São Paulo e em especial na região metropolitana da capital. O crescimento da torcida esteve indissoluvelmente ligado ao próprio crescimento da metrópole paulistana nas décadas de 1950, 60 e 70, período de forte urbanização e industrialização, e que coincide com boa parte da fila corintiana.

Naquelas décadas, trabalhadores de todas as partes do país e em especial do Nordeste emigravam em massa para São Paulo. Ao estabelecer-se, incorporavam juntamente com outros caracteres da sociabilização proletária o hábito de torcer para o Corinthians, time fundado por operários em 1910. Nada mais natural para essa população sem terra, sem teto, favelada, lutadora, do que torcer para um time sem teto, já que o Corinthians não tem estádio. Torcer para um time que não é campeão é uma expressão peculiar de uma certa atitude geral perante a vida, um espírito de luta, de irmandade na dificuldade, de alegria na tristeza. O corintiano se define como maloqueiro e sofredor graças a Deus. Os adversários, naturalmente, não compreendem esse elogio da condição de sofredor, e zombam dela como se se tratasse de uma apologia da derrota. Falta-lhes o nexo que nos corintianos liga a atitude perante o futebol à atitude perante os companheiros de torcida, de bairro, de vivência, e porque não, de classe.

Diz-se que o Corinthians não é um time que tem uma torcida, mas uma torcida que tem um time. Diz-se que essa torcida vai a campo mais para festejar a si mesma do que ao jogo. Diz-se que a torcida corintiana é o 12º jogador e que praticamente entra em campo para empurrar o time. Não é à toa que ficou conhecida como fiel torcida (fidelidade atestada por feitos surreais como a inacreditável invasão do Maracanã em 1976). Todos esses ditos são verdadeiros, embora sua origem esteja ligada a um passado mais romântico do futebol. Hoje praticamente todas as torcidas são iguais, todas tem suas facções organizadas, seus gritos de guerra para empurrar o time, suas escolas de samba, etc., embora ainda caiba à fiel o inquestionável mérito da originalidade e da autenticidade.

A originalidade corintiana e sua identidade proletária manifestaram-se não só no fenômeno extraordinário e paradoxal do crescimento num período de jejum de títulos, mas também no excepcional movimento da democracia corintiana, no início dos anos 1980. Naquela quadra histórica, em que se vivia o fim da ditadura, o proletariado brasileiro protagonizou um dos maiores ascensos de sua história, desencadeando um forte ciclo de lutas sociais e construindo fortes organismos de massas, como o PT e a CUT.

Não há é claro uma relação direta e automática entre identidade de classe, mobilização política e opção futebolística (ou seja, nem sempre proletário e corintiano é sinônimo de grevista). Entretanto, alguma relação existe, pois somente isso pode explicar a coincidência temporal entre as lutas operárias e a democracia corintiana. Nessa experiência sui generis promovida por uma geração de jogadores talentosos, vitoriosos e engajados, implantaram-se práticas coletivas auto-gestionárias e libertárias jamais vistas no futebol, como a decisão sobre contratações, regime de treinamentos, abolição das concentrações, valorização da responsabilidade e da autonomia dos jogadores; práticas que apontavam um modelo para o conjunto da sociedade, que então clamava por democracia. Trata-se do mais importante movimento político da história do futebol brasileiro e um dos mais importantes do mundo.

Também não é coincidência o fato de que os dirigentes do ciclo de lutas da década de 80 (ou seja, o PT) estejam hoje servindo como prepostos do capital financeiro internacional e conduzindo a espoliação do país na nova divisão do trabalho internacional da fase globalizada do imperialismo; assim como os dirigentes do Corinthians fizeram do clube um balcão de negócios do futebol globalizado e suas máfias de empresários e investidores.

É evidente que o rebaixamento não é o fim do mundo para um clube da grandeza do Corinthians, que certamente voltará a vencer. Mas o episódio serve como um exemplo eloqüente da falência de um certo modelo de gestão do futebol. O personalismo, a perpetuação de dirigentes, a falta de transparência, a caixa preta das finanças, os contratos nebulosos envolvendo empresários de jogadores, intermediários, publicitários e todos os tipos de parasitas; tudo isso precisa ser superado para que o Corinthians tenha não apenas uma mera troca de nomes dos dirigentes, mas uma mudança estrutural na sua administração. Por isso propomos:

  1. Afastamento imediato de todos os dirigentes comprometidos com os atos criminosos da gestão anterior;
  2. Auditoria externa independente em todas as contas, contratos e departamentos do clube e responsabilização criminal e patrimonial dos culpados pelas irregularidades encontradas;
  3. Eleições diretas para a direitoria, com o direito de votar e ser votado estendido a todos os sócios;

O caso do Corinthians não é uma exceção; na verdade o modelo falido de administração do alvinegro é a regra entre os grandes clubes do Brasil. Por isso, esses pontos de programa são aplicáveis a todos os clubes, federações e confederações do futebol e do esporte brasileiro em geral. Em função de seu enorme potencial de atrair a atenção das massas, o esporte e especialmente o futebol brasileiro tem sido mantidos sob controle de indivíduos e grupos oligárquicos, autoritários, corruptos, mafiosos, que enriquecem às custas da paixão popular.

A administração predatória e irresponsável desses dirigentes colabora para o enfraquecimento do futebol brasileiro, o êxodo dos atletas, o esvaziamento dos campeonatos, a descaracterização da seleção nacional, a queda do nível técnico, a diminuição do público, o sucateamento dos estádios (da qual o maior exemplo foi a morte de 7 torcedores no estádio da Fonte Nova, em Salvador, em 25/11/07, no que deveria ter sido a festa pelo acesso do Bahia à 2ª divisão), etc.

Ao invés de enfrentar-se com esse modelo, o governo Lula optou por dar-lhe sobrevida (como de resto fez com todos os demais aspectos do atraso brasileiro). Acaba de ser aprovada a Timemania, loteria que vai injetar uma fortuna prevista em R$ 114 milhões (segundo O Globo online, matéria de 19/02/08) nos clubes brasileiros. Esse rio de dinheiro vai ser entregue aos clubes como forma de facilitar a quitação de dívidas fiscais e previdenciárias, sem que se exija deles nenhuma contrapartida real em termos de afastamento e responsabilização criminal e patrimonial dos culpados pelo descalabro em que se encontram, de transparência administrativa e financeira, reorganização e democratização interna, renovação completa dos atuais quadros dirigentes, etc. Trata-se de mais uma conciliação do governo Lula com um dos setores mais incompetentes, predatórios, corruptos, autoritários e reacionários do país, em troca do apoio venal da bancada da bola.

Com uma administração desse quilate é inconcebível que o Brasil tenha sido escolhido para sediar o evento máximo do futebol, a Copa do Mundo de 2014. Está armado o cenário para mais manipulação da paixão popular, mais ufanismo oportunista dos políticos e parasitas, mais chauvinismo e também mais tramóias, corrupção, repressão (como a que os moradores de favelas do Rio experimentaram na época do Pan) e tragédias.

Sem as necessárias mudanças estruturais no futebol e na sociedade, a Copa de 2014 tem tudo para ser a apoteose do pão e circo para as massas. A menos que as torcidas deixem de ser espectadoras passivas do espetáculo político e entrem de vez no campo da luta social.

Fora do futebol os falsos dirigentes, os aproveitadores, os sanguessugas, os empresários, os corruptos, os ladrões, os mafiosos, os criminosos!

Salve(m) o Corinthians!

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Venezuela e Bolívia: ir além de Chavez

Marcelo Marques

Se a dinâmica de enfrentamento da luta de classes fosse capaz de definir o mapa da América Latina, ele teria formas muito diferentes da que conhecemos hoje e países como Venezuela, Bolívia e Colômbia ocupariam maior parte de nosso continente latino.

A força política representada por Chávez e Evo Morales tem sido capaz de evidenciar a pluralidade de posições e o grau de divergências das diversas organizações de esquerda.

Ao participar desse importante debate evitamos simplificações que rotulam de Revolução Bolivariana realidades tão diversas como as experiências venezuelana e boliviana e que buscam viabilizar a exportação do modelo de Socialismo do Século XXI para os demais países da América Latina. Tais simplificações aumentam a confusão ideológica da classe trabalhadora latino-americana, permitindo que organizações que defendem políticas meramente antineoliberais e coligações eleitorais com setores da burguesia nacional possam se esconder sob o manto de esquerda revolucionária simplesmente por apoiar incondicionalmente o discurso antiimperialista de Chávez.

Na Venezuela, com o chavismo nem casamento…

A confusão ideológica alimentada por Chávez tem como base as reformas sociais financiadas pelo alto valor internacional do preço do petróleo, que permite beneficiar setores populares historicamente empobrecidos e que recebem uma rede de proteção social. Essas camadas alcançaram acesso aos serviços de saúde, educação e segurança alimentar que antes não havia para a população pobre. Soma-se a esse real investimento social uma dura retórica antiimperialista e de confronto com os EUA. Dura retórica, mas apenas retórica.

O estado Bolivariano da Venezuela segue firme no cumprimento dos contratos, no pagamento da dívida externa, na defesa da propriedade privada e das instituições sob regime democrático burguês. Além disso tenta tolher a iniciativa e a independência do movimento operário ao pressionar que as organizações dos trabalhadores adentrem ao recém criado partido do governo, o PSUV.

Os chavistas mais afoitos se apressam em apoiar todos esses atos, argumentam sobre os limites conjunturais por ser a Venezuela um país pobre, pressionado pelos EUA e enfatizam o não real e efetivo apoio das potencias regionais (Brasil e Argentina). Afirmam ser Chávez um reformador (aprovou a jornada de trabalho de 6 horas diárias para 2010), um impulsionador de políticas antiimperialista e, dentre outras medidas, estar armando o povo (milícias bolivarianas). Reconhecem essa liderança como a principal promotora da independência latino-americana, portanto, devemos defendê-lo intransigentemente pois criticar é fazer coro com a burguesia imperialista e contra revolucionária.

Participando dessa opinião renegaríamos o marxismo, as intensas experiências históricas que custaram a vida de gerações de revolucionários e aceitaríamos o papel de coveiros da classe operária e seus aliados.

Não podemos esquecer que somente os trabalhadores são capazes de sua própria emancipação, portanto qualquer avanço social ou reformador está fundamentado no fôlego das lutas populares. O papel dos revolucionários deve ser o de incansável impulsionador das lutas. Para isso é imprescindível que atuem no sentido de remover qualquer obstáculo ao avanço de consciência e de ação dos trabalhadores.

Nesse sentido, medidas que vão contra a independência de classe devem ser repudiadas. Não se pode fazer parte de um partido que governa um Estado burguês. Uma milícia que reconhece apenas a liderança de Chávez e não se submete a nenhuma instância do movimento operário deve ser encarada com desconfiança. Apoiar esperanças de que tal ou qual líder, por mais retórico que tenha, será capaz de resolver os problemas históricos da classe trabalhadora ou ao menos garantir sozinho os direitos conquistados é colaborar com a ilusão e não com a consciência.

Também é extremamente perigoso propagandear que um estado organizado em sólidas instituições parlamentares, policiais, judiciárias ficará de braços cruzados quando testemunhar a evolução crescente da consciência proletária com ações que deixarão para trás séculos de opressão aos trabalhadores.

O sangrento período chileno foi suficiente para deixar profundas marcas na história de nosso continente e demonstrar que infelizmente não há atalhos em política, nem espaços vazios de poder. Quanto maior for o processo de organização da classe trabalhadora maior será a violência empregada pela burguesia para retomar seu chicote e exercer seu poder de classe dominante.

Por essa perspectiva acreditamos que de todos os frutos envenenados que o apoio incondicional a Chávez possam render, talvez o mais pernicioso seja a vinculação direta das organizações dos trabalhadores ao Estado. Tal medida, na prática, retira dos trabalhadores a capacidade e iniciativa de liberar suas forças criativas que gerariam novos instrumentos e formas de poder além de manter intacto o Estado burguês e todas as instituições que, ao primeiro sinal de cansaço da classe trabalhadora, irá se aproveitar para retomar qualquer palmo de liberdade e autonomia duramente conquistadas.

…nem divórcio, no momento.

Apesar de todos os questionamentos apontados acima não devemos esquecer que Chávez expressa um movimento de reforma e tem refletido a mobilização popular que possibilitou importantes avanços sociais. Atrás do chavismo ainda caminham setores importantes da classe trabalhadora que lhe dão sustentação. Portanto, os revolucionários devem impulsionar as lutas, apontar os perigos de aceitar as estreitas margens da legalidade burguesa e reivindicar melhorias econômicas combinando tudo isso com propostas políticas que garantam a independência de suas organizações e demonstrem na prática de onde vem o poder, se das massas trabalhadoras ou das lideranças militares.

Dessa maneira acreditamos que foi um acerto dos setores de esquerda a abstenção no referendo de dezembro de 2007, pois deu relevância política ao fato de que é o Chavismo que depende dos trabalhadores e não o contrário. Demonstrou-se também que existe amplo setor de trabalhadores capaz de manifestar apoio às reformas chavistas, que melhoram as condições de vida da população venezuelanas. Não podemos confundir os resultados com a retórica à moda BUSH (de quem não está a favor está contra) tão pouco cair na propaganda do imperialismo e de parcelas da burguesia venezuelana (impulsionadores do NÃO ao referendo). A maturidade política da população venezuelana demonstrou que há espaço à esquerda do chavismo (a abstenção de 6 milhões de eleitores no referendo é o mesmo número que garantiu a enorme margem de votos na reeleição de Chávez).

Acreditamos também que o termômetro para o posicionamento frente a Chávez deve ser o do grau de resistência que ele oferece ao desenvolvimento da consciência e da organização dos trabalhadores. Portanto, qualquer sinal de repressão à população significará o esgotamento do chavismo como companheiro de viagem de nossa classe e deverá ser combatido duramente.

Na Bolívia…

O processo boliviano e o que conduziu Chávez ao poder na Venezuela tem a semelhança que seus líderes esforçam-se para dar. Ambas expressam a tentativa de conter dentro da legalidade burguesa todo o ímpeto das forças populares que impulsionam a dinâmica da luta de classes no sentido de mudar o centro de poder da sociedade boliviana em direção aos trabalhadores.

Diferentemente da Venezuela, a Bolívia viveu nas décadas de 70, 80 e 90 um forte movimento de setores reacionários da burguesia para inverter as pequenas conquistas da revolução nacionalista de 1952.

Nos trinta anos subseqüentes o vento da espoliação dos recursos naturais e das reservas de energia varreu a Bolívia, mesmo com a grande resistência oferecida pelos mineiros bolivianos e suas dinamites. Nesse período a situação dos trabalhadores piorou ainda mais, culminando em várias rebeliões populares como a Guerra da Água, a Guerra do Gás, o afastamento de presidentes e a eleição de Evo Morales baseada nas organizações indígenas e dos trabalhadores.

Sua eleição tem como pano de fundo o fortalecimento da identidade indígena, a busca de um projeto boliviano para se colocar frente ao mercado globalizado, o esgotamento das minas de cobre, o conseqüente empobrecimento e desemprego dos mineiros, a retomada das empresas estatais e o controle real sobre o último recurso natural abundante no país, o gás natural. Tanto Evo Morales como Chávez representam grupos políticos que buscam sustentar-se como mediadores das classes em luta e que necessitam do apoio de forças políticas que vão além das suas bases de apoio incondicional. Tais forças políticas têm reivindicações próprias, o que obriga Morales e Chávez a manter sempre a iniciativa política e buscar esvaziar, a todo o momento, o conteúdo das disputas entre as classes.

As semelhanças

O que assemelha Chávez e Evo Morales é a incessante busca por soluções constitucionais alicerçadas na democracia burguesa e suas instituições de Estado. O maior obstáculo para tal cálculo político é que a burguesia não faz questão de sua democracia, nem do mito da unidade nacional. Chávez já sofreu o golpe e Morales não está longe dessa possibilidade. Sob o discurso de autonomia das províncias, a região da meia lua (Santa Cruz de La Sierra, Pando, Beni e Tarija) levantou, em dezembro de 2007, a possibilidade real de independência e secessão do país caracterizando um grave risco para todos aqueles que depositam esperanças na democracia burguesa. Não podemos ser inocentes. A separação de tais províncias do Estado boliviano será seguida de violenta repressão ao movimento popular dessas regiões, que atualmente está desarmado. Portanto, por mais que se diga que não há possibilidade de armar as organizações dos trabalhadores é imprescindível tomar medidas que torne viável tal tarefa e garanta ao proletariado condições de exercer a autodefesa.

Com o início de 2008 nota-se um momentâneo recuo na proposta de independência das regiões, que devido ao pouco apoio externo encontrou resistência em setores da burguesia ligada ao mercado mundial e que, por enquanto, pouco se beneficiaria da independência, uma vez que está fora da região em questão. Além disso, a burguesia boliviana fora da meia lua não vê com bons olhos a possibilidade de setores do movimento popular se apoiar no discurso separatista para impor ações muito mais radicalizadas, as quais até agora o movimento, em seu conjunto, tem levado a efeito.

Dentro de tal cenário acreditamos que a política dos revolucionários bolivianos assemelha-se a dos venezuelanos no sentido de seguir intransigentemente na defesa de medidas reformadoras ao mesmo tempo em que aponta e combate os limites da democracia burguesa respeitada por Chávez e Morales, lutando pela independência das organizações dos trabalhadores e por instrumentos de poder que estejam fora do estado burguês.

  1. Total independência da classe trabalhadora frente ao Estado venezuelano!
  2. Todo apoio às conquistas do povo venezuelano!
  3. Contra qualquer tentativa de golpe separatista das elites bolivianas!
  4. Pela organização armada do povo boliviano!

 

A guerrilha colombiana apresenta suas armas

Qualquer militante conseqüente de esquerda defende o direito dos trabalhadores se armarem para se defenderem dos ataques da burguesia e de suas forças armadas em qualquer parte do mundo. Na América Latina não poderia ser diferente. Durante muito tempo o continente foi palco de lutas guerrilheiras e algumas até alcançaram a vitória militar como em Cuba e Nicarágua, enquanto outras foram derrotadas ou cooptadas pelo regime democrático burguês, mas há ainda organizações guerrilheiras que sobreviveram aos ataques e ao tempo. A defesa intransigente da guerrilha como braço armado das organizações populares não significa o silêncio frente às contradições, que se não forem superadas podem caminhar para a derrota da guerrilha ou para o genocídio. Esse é um debate importante sobre a FARC-EP.

As Forças Armadas Revolucionárias Colombianas/Exército do Povo nasceram com o ideal de ruptura com o poder burguês constituído na Colômbia. Ao longo de anos de contínuo conflito a estratégia revolucionária esmaeceu e se manteve vigorosa a tática de financiamento da luta pela negociação com narcotraficantes e por meio do seqüestro de militares e civis. Esse método debilita politicamente a disputa contra as forças do Estado, pois não consegue avançar no processo de consciência dos trabalhadores uma vez que são bombardeados ideologicamente pela grande mídia, facilitando o estabelecimento de políticas fascistas pelo governo de Uribe.

Atualmente o governo dos EUA mantém estreitas ligações com Uribe e é responsável por alimentar a força armada colombiana por meio do Plano Colômbia. Esse plano foi capaz de investir aproximadamente 4 bilhões de dólares no período de 2000 a 2006. Assumiu publicamente a bandeira de combate ao narcotráfico, mas na prática se revela como estratégia militar para desestabilizar os grupos armados de esquerda na Colômbia, que são as FARC e o Exercito de Libertação Nacional. Estabeleceu na Colômbia uma área de influência militar para favorecer a política imperialista norte- americana de controlar geopoliticamente o cone sul, cujas evidências estão no aumento de tropas americanas no território colombiano. E tenta cunhar o status de organização terrorista às FARC e ao ELN, o mesmo concedido às organizações de resistência no oriente médio.

O esforço da grande mídia de classificar as FARC como organização terrorista e Hugo Chávez como pivô de um golpe atentando contra a soberania da Colômbia corrobora com o entendimento da CIA (agência central de inteligência americana) de classificar a Venezuela como eixo do mal, ou seja, coloca o país entre aqueles que fornecem suporte a organizações terroristas que causam desestabilização na ordem mundial. É a grande mídia lançando mão de seu marketing político baseada no maniqueísmo.

Atualmente, as FARC exigem a desmilitarização das áreas próximas aos municípios de Pradera e Floridas, próximas cerca de 50 km da cidade de Cali, como condição para discutir a libertação de outros 750 prisioneiros dos quais estão parlamentares colombianos e a ex-candidata a presidência Ingrid Betancort, cidadã francesa que permite à França a condição de parte diretamente interessada.

Para a esquerda latino-americana e especialmente para a esquerda colombiana está colocada a dura necessidade de construir uma estratégia socialista de ruptura com as estruturas de poder nacionais e com a atual ordem mundial. Também a necessidade de reorganização da classe trabalhadora para que as lutas armadas na América Latina não nos conduzam a mais uma vitória do capital.

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A difícil tarefa da militância feminina

Quando a mulher trabalhadora adquire consciência de classe e se propõe a lutar e desenvolver sua militância política e/ou sindical, essa militância já está sobrecarregada. Pesa sobre nossos ombros todas as atividades que a mulher trabalhadora não militante executa: responsabilidades das tarefas domésticas; responsabilidades com filhos, família, trabalho, etc.

Precisamos estar dispostas a vencer os preconceitos e discriminações, dar conta de todos os compromissos e ainda superar intolerâncias, seja na família, no ambiente de trabalho ou, algumas vezes, no interior do próprio grupo de militância.

A mulher reproduz na sociedade aquilo que a própria sociedade determinou. Nesta sociedade, cuidar da casa, dos filhos, preocupar-se com alimentação e limpeza são atributos considerados como prolongamento do ser mulher. Quando saímos para trabalhar ou para participar de compromissos com a militância, carregamos a casa e os filhos na cabeça e nos ombros. Se o filho fica na creche ou na escola, a preocupação é se terá leite suficiente para ele em casa, se vai dar tempo de comprar o que falta, lavar a louça, fazer o jantar, e assim por diante. Dificilmente quando o homem sai para trabalhar carrega as mesmas preocupações que a mulher. A emancipação da mulher, entre outras coisas, significou um acúmulo ou acréscimo de tarefas. A idéia de que isso facilitou a nossa vida é falsa. Na realidade, a construção social que determina essas funções como sendo de natureza feminina é usada para manutenção da dominação do ser humano feminino. A partir da década de 70, com a globalização econômica, cada vez mais a força de trabalho feminina serviu ao sistema capitalista que se apoderou da suposta liberdade adquirida pela mulher. Na verdade, foi a necessidade de manter o sustento da família que nos deu condições de competir profissionalmente em pé de igualdade com o homem. No entanto, passamos a sofrer ainda mais as opressões do sistema, tornando-nos um dos pilares de sua dominação. Estabeleceu-se, em muitos casos, a emancipação financeira, mas com a crueldade de recebermos em média 15% menos para igual trabalho desenvolvido por um homem.

Políticas públicas de igualdade de gênero

Os programas governamentais falam em liberdade e igualdade de direitos. Fazem propaganda de que houve avanços para a emancipação feminina. Mostram estatísticas de que as mulheres estão em maior número nas esferas de poder público. O governo Lula criou a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, no entanto, a realidade mostra que nada mudou. As Reformas prevêem cortes em direitos historicamente adquiridos, como a Licença Maternidade e o 13° Salário. Fomentam ainda mais a incidência do trabalho informal (sem carteira assinada) com a terceirização da mão de obra. Objetivam cortes em despesas com vínculos empregatícios (FGTS, PIS, INSS). Essas políticas não atingem somente as trabalhadoras, atinge toda a nossa classe, mas é sobre nós (mãe, filha, avó, etc) que recai a liderança da família com a responsabilidade do sustento e educação.

A mulher no sindicato

Diante dessa situação podemos observar, como exemplo, a categoria de professores em São Paulo. Dos mais de 100.000 integrantes do quadro do magistério, 92% são professoras. Ao observarmos a atuação no sindicato (APEOESP) podemos perceber a dura luta da mulher trabalhadora. Sendo uma categoria quase que exclusivamente feminina e diante das dificuldades de militância, encontramos na direção do sindicato um número reduzido de mulheres, longe de representar proporcionalmente a sua base. Assim, os problemas enfrentados pela mulher trabalhadora são restritos a um Grupo de Trabalho. Somemos a isto as péssimas condições de trabalho nas escolas, os baixos salários e uma diretoria sindical governista e machista, para termos noção da atuação política feminina no meio educacional. Essa realidade ainda favorece os menos politizados que atentam moralmente contra companheiras que se destacam na luta e no calor dos debates. Essa prática, que deve ser severamente condenada e abolida do meio sindical, marcou o Congresso da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE) realizado no mês de Janeiro em Brasília. Incapaz de defender a política de destruição da educação mantida no governo Lula, um representante da Articulação Sindical, corrente petista que está na direção estadual do sindicato há mais de 20 anos, partiu para a agressão verbal contra companheiras da CONLUTAS a fim de ofendê-las moralmente e desestabilizá-las no momento em que defendiam a criação da Secretaria de Mulheres e GLBTT na Confederação. Para a CONLUTAS/Oposição Alternativa esta Secretaria assumiria a importante tarefa de organizar e conduzir a luta da categoria contra a opressão da mulher, a exploração, o machismo e a violência sexista. No entanto, por trás da prática desse representante esconde-se o modo petista de governar, adotado nos governos e nos sindicatos cutistas em que as diversas conseqüências de atos de violência contra a mulher recaiam também sobre ela própria. Isso se confirma com a negativa da diretoria majoritária da CNTE em assinar a moção de repúdio contra os atos violentos de seu representante. E se reafirma com a negativa em assinar uma moção de repúdio contra a prisão da menina de Abaetetuba/Pará. Enquanto age assim, a atual direção restringe as ações do sindicato ao ato do 8 de março. E questões específicas como tripla jornada, creches públicas, licença gestante e tantas outras sequer são apresentadas para o debate na categoria. O que observamos até aqui é uma pequena demonstração de como a mulher trabalhadora, que decide ser militante, sobrevive nesse sistema. São situações como essas que nos fazem lutar e defender:

  1. A redução da jornada de trabalho sem redução do salário, com cotas proporcionais para mulheres negras, sem dupla ou tripla jornada;
  2. A licença gestante de 06 meses. Redução da jornada, após a volta ao trabalho, para amamentação;
  3. Creches públicas, gratuitas, com qualidade educacional. Funcionamento 24 horas e fins-de-semana. Nos locais de trabalho e estudo. Enquanto não temos essas creches exigimos o Auxílio Babá;
  4. Que durante as atividades militantes os sindicatos devam criar condições (contratar babá ou creche) para a participação de mães trabalhadoras e pais com a guarda dos filhos;
  5. Cotas proporcionais, ao número de mulheres nas categorias, nos órgãos de direção;
  6. A descriminalização e legalização do aborto;
  7. Que a mulher decida sobre o seu próprio corpo, em todos os sentidos;
  8. Carteira assinada e direitos trabalhistas a todas as mulheres trabalhadoras;
  9. Diminuição da idade de aposentadoria para todas as mulheres que trabalham dentro ou fora de casa;
  10. A abolição do padrão estético bulímico e anoréxico;
  11. União civil homossexual com direito à adoção;
  12. Uma sexualidade livre dos preconceitos religioso, de raça, de orientação sexual e não submetida ao capital;
  13. O fim da ditadura do parto normal e fórceps na rede pública de saúde e do parto cesariana nos hospitais conveniados;
  14. Um programa específico para a saúde da mulher negra para tratamento de doenças com anemia falciforme;
  15. O fim da discriminação à mulher trabalhadora nos livros didáticos;
  16. A inclusão da disciplina de orientação sexual no currículo escolar.

É com toda essa dificuldade, e por causa dela, que nós mulheres trabalhadores assumimos também a nossa militância. Não aceitamos essa realidade injusta! É isso que nos leva a lutar pela transformação da sociedade e por uma sociedade socialista!

Conforme palestra de Ivone Guebara em 16/05/97. Depto de Geografia/USP.

Moção de Repúdio ao machismo ocorrido no XXX Congresso da CNTE, Caderno de Moções. p. 25 e 26.

Caderno de Teses para o XXII Congresso Estadual da Apeoesp. Novembro de 2007. São Paulo: Serra Negra.

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Encarte Rebeldia Socialista – Número 04

Felicidade! Passei no vestibular. mas a faculdade é particular! Ela é particular… (Martinho da Vila em Pequeno Burguês)

Nos últimos vinte anos ouvimos dizer que o estado deveria deixar de custear as atividades econômicas, pois sua função era priorizar áreas como saúde e educação. Esse argumento foi amplamente utilizado para convencer o povo brasileiro a apoiar as privatizações de empresas estatais, pois, dessa forma, o estado brasileiro tornar-se-ia mais ágil e capaz de investir em áreas sociais.

Outro discurso muito utilizado era o de que, ao subordinar as empresas estatais às regras de mercado elas se tornariam mais competitivas, mais eficientes e forneceriam serviços e produtos melhores e mais baratos (foi assim com a telecomunicação, eletricidade, Vale do Rio Doce, etc).

Até aqui não há nada de novo, a novidade aparece quando as regras do jogo se tornam obstáculos para quem as formula. Aí a situação muda de figura e as regras, que antes eram sagradas, dão espaço à inovações modernizadoras.

Atualmente os donos de universidades e faculdades podem explorar um ramo privilegiado do mercado, a educação superior. Aqui é possível contratar mão-de-obra qualificada, pagar baixos salários, oferecer um serviço de qualidade duvidosa, não se preocupar com a fiscalização estatal, além de contar com dinheiro público para financiar suas atividades.

Diferentemente do que pregam os capitalistas, quem lucra com o ensino superior não corre o risco das oscilações de mercado, não sofre a efetiva fiscalização do estado se oferecer um produto de má qualidade, e nem arca com os prejuízos de uma eventual inadequação às leis de oferta e procura ao oferecer cursos que não respondem as necessidades sociais.

Falta dinheiro às universidades federais, sobra recurso público para o setor privado

Estamos falando de um ramo de atividade que explora 78%[1] das vagas de graduação no país e que conta com diversos programas que subsidiam a existência do ensino superior privado como a única tábua da salvação para o estudante filho de trabalhador. Entre esses programas, talvez o de maior impacto e mais lucrativo para os donos de universidades seja o PROUNI (Programa Universidade Para Todos) que atualmente subsidia as mensalidades (integrais ou parciais) de 300 mil estudantes em graduação superior em todo o país, e que se propõe a atingir a meta de 400 mil até o fim do mandato do Presidente Lula, a um custo médio de R$ 7 a 8 mil/ano[2] cada bolsa. Esse número significará 10% dos estudantes do ensino privado que atualmente é de 4 milhões, ou seja, um décimo da rede privada será subsidiada com dinheiro público.

Sabemos que o funil da educação superior no Brasil não se resolve do dia para noite e que muitos estudantes utilizam o Prouni como única forma de estudar um curso de 3º grau, mas não podemos esquecer que o critério utilizado pelas faculdades para disponibilizar os cursos é a baixa procura de quem pode pagar, muitas vezes motivadas pela baixa qualidade ou irrelevância acadêmica.

Já na rede pública, o orçamento das universidades federais é de R$ 10 bilhões ao ano para investir em 600 mil vagas, esse número reflete o valor de R$ 16,6 mil por aluno ao ano[3], conta com 85% de professores com dedicação exclusiva, em sua maioria doutores, além de custear laboratórios, pesquisa, extensão universitária e uma ampla rede de atendimento à comunidade. Esse modelo faz da universidade pública brasileira referência latino-americana quando o assunto é pesquisa e pós-graduação.

Apesar da excelência das públicas sobre as privadas, e sem cair na armadilha dos números, não bastaria investir o dinheiro público gasto com o Prouni para abrir mais vagas nas universidades federais se o nosso objetivo é atender os filhos da classe trabalhadora, pois mais uma vez seríamos postos para fora no funil dos vestibulares. Mais do que uma discussão matemática sobre os recursos e investimentos, a decisão é eminentemente política e está subordinada a lógica perversa do capital de subordinar toda e qualquer necessidade da sociedade à sua própria lógica do lucro.

Para o jovem estudar ele precisa arrumar um emprego. Para ser contratado ele precisa estar estudando.

Conforme dados do DIEESE em 2007, dos 3,5 milhões de desempregados nas seis regiões metropolitanas pesquisadas (São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Recife), 46,4%, portanto quase metade, são jovens de 16 a 24 anos. Nessa idade, o jovem que deveria estar cursando uma faculdade está procurando trabalho. É um momento da vida que faz parecer uma saída providencial quando se consegue cursar uma faculdade particular sem pagar no ato.

A lógica que faz do jovem mão-de-obra barata e subempregada é a mesma que lucra com o PROUNI, e para sermos conseqüentes devemos enfrentar o problema pela raiz. Somente um conjunto de medidas políticas que abarcam todo o conjunto da sociedade poderá reduzir o flagelo e desespero da juventude trabalhadora, invertendo a lógica mercantil das universidades para que elas possam ser utilizadas na busca de soluções para a satisfação das necessidades humanas produzindo mão-de-obra e serviços que beneficiem toda a sociedade, e não apenas quem vive do trabalho de alunos, estagiários e recém formados.

Para tanto defendemos:

  1. O fim do vestibular, por vagas em escolas públicas para todos. Que a admissão em escolas técnicas públicas e universidades públicas considere como critério de seleção a proporção regional de alunos de escolas públicas e privadas.
  2. Educação em período integral (8h), com investimento financeiro que propicie um ensino e equipamentos de qualidade, combinado com atividades culturais e de lazer.
  3. Gestão paritária. Que os alunos tenham possibilidade real de interferir na construção do conteúdo que estudam nas escolas e faculdades.
  4. Cotas proporcionais à população negra e indígena em todos os processos seletivos das escolas técnicas públicas e universidades públicas.
  5. Implementação da lei 10639, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Literatura Africanas em todas as escolas e universidades, bem como a história de resistência dos negros na África, no Brasil e no mundo.
  6. Redução da jornada de trabalho do jovem para 06 horas/diárias, por menos horas de trabalho, por novas contratações.
  7. Que se respeite a proporcionalidade de afrodescendentes e indígenas em cada região nas ofertas de vagas de trabalho.
  8. Pelo fim do trabalho precarizado, que todo jovem tenha direitos trabalhistas. Fim do estágios como forma de precarizar o trabalho do estudante.
  9. Fiscalização dos estágios por organismos de base do movimento estudantil, que o estágio esteja a serviço do aprendizado e não seja forma de precarizar o trabalho do estudante.
  10. Mínimo do Dieese como referência salarial a ser aplicado ao cálculo da remuneração proporcional dos estágios.

    Referências

    [1] Centro de Estudos sobre Educação Superior e Políticas Públicas (Cespe)

    [2] idem

    [3] idem

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