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Jornal 33: Outubro/Novembro de 2009


2 de novembro de 2011
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Leia as matérias online:

 

Um novo elemento na realidade: as greves

As fases da crise

Conforme temos afirmado nos últimos meses, a crise mundial, que caracterizamos como uma verdadeira crise societal global por conta das suas múltiplas dimensões, segue se desenvolvendo. Ao contrário de haver se resolvido, como diz unanimemente a imprensa burguesa e a propaganda estatal, ela apenas mudou de fase. Compreender exatamente o que está se passando na economia mundial e nacional, em que momento estamos do processo da crise, é fundamental para entendermos o tipo de desafios que estão colocados para a classe trabalhadora.

No atual momento histórico de crise estrutural (iniciada na década de 1970), a contradição fundamental do capitalismo, a superprodução de mercadorias, não pode se desdobrar na forma de uma crise aberta como a de 1929, que precipitou o mundo na Grande Depressão e na II Guerra Mundial. A destruição de capital ao estilo clássico não é mais aceitável. Assim, a crise estrutural se manifesta de outras formas, como a financeirização, o endividamento, a mundialização, a formação de um mercado mundial de força de trabalho e de um exército industrial de reserva em escala mundial. Esses expedientes de que o capital se utilizou para administrar sua crise estrutural exigiram medidas políticas (neoliberalismo) e ideológicas (“fim da história”, “morte do socialismo”, pós-modernismo, etc.) capazes de redefinir o papel de cada economia nacional e impedir a resistência organizada e conseqüente da classe trabalhadora.

Esses processos diluem o impacto das crises cíclicas, ao mesmo tempo em que precipitam uma crise cada vez mais séria para o futuro. A financeirização chegou a um ponto em que os títulos negociados nos mercados financeiros alcançam um valor total mais de dez vezes maior que o do PIB mundial, que é de cerca de US$ 50 trilhões. O grau de artificialidade e irracionalidade desse mecanismo ultrapassou o limite e a aberração começou a vir a tona na atual crise. A crise financeira iniciada com a inadimplência das hipotecas estadunidenses em 2007 e tornada global no final de 2008 é apenas a ponta de um iceberg. A paralisação do mercado financeiro provocou uma paralisação do crédito, que provocou uma reação em cadeia na economia, resultando em diminuição do consumo, do comércio, da produção, e aumento explosivo do desemprego.

 

O papel do Estado e das economias periféricas

A coincidência da eclosão da crise econômica com a irrupção de uma série de problemas mais ou menos crônicos nas esferas energética, ambiental, alimentar, política, militar, cultural, etc., explicitando a crise societal global, acendeu o sinal de alerta dos gestores do sistema, pois permitiu que se vislumbrasse de um relance toda a irracionalidade do capitalismo e a necessidade da superação desse sistema. Antes que isso se tornasse evidente na consciência dos trabalhadores, a burguesia reagiu e usou o Estado, comitê gestor dos seus negócios, para apagar o incêndio. Governos do mundo inteiro, a começar por Obama (um providencial messias sob encomenda da burguesia), lançaram pacotes de trilhões de dólares de ajuda ao mercado financeiro e ao grande capital para que a economia pudesse continuar respirando.

Esses pacotes representam apenas uma fração ínfima da montanha de US$ 500 trilhões em capital fictício ainda em circulação (ou seja, estão longe de poder resolver um problema na verdade insolúvel), mas já representam um custo insustentável para o orçamento público de qualquer país, mesmo os Estados Unidos. O déficit público estadunidense em 2009 está estimado em US$ 1,8 trilhão, o que equivale a 13% do PIB. Essa porcentagem é duas vezes maior que o déficit recorde anterior em tempos de paz (números do Boletim Crítica Semanal, agosto de 2009). Para cobrir esse déficit, o governo estadunidense precisa absorver dinheiro do mundo inteiro, o que faz emitindo títulos de dívida pública, que são comprados principalmente pelos países que exportam para os Estados Unidos (China, Japão, tigres asiáticos, Brasil, etc.).

Entretanto, para continuar comprando títulos da dívida estadunidense, esses países precisam continuar acumulando reservas, que se formam com o saldo das exportações que fazem para os países centrais, boa parte destinada aos próprios Estados Unidos. Ou seja, os países exportadores precisam que os consumidores estadunidenses continuem importando. Os pacotes de ajuda do governo podem reaquecer o crédito e o consumo na principal economia do planeta, mas isso não se dará de forma imediata. O governo estadunidense precisará continuar se endividando para estimular o consumo, alimentando um círculo vicioso. Há estimativas de que esse endividamento venha a dobrar nos próximos 10 anos. Esse processo pode levar a que os compradores dos títulos do governo estadunidense deixem de acreditar no valor desses ativos, o que significaria o fim do dólar como reserva de valor. Sinais desse processo já se manifestam na desvalorização do dólar em face das outras moedas (como o euro e o próprio real) e especialmente em relação ao ouro.

Para além das dificuldades estruturais descritas acima, que impedem uma retomada sustentada do consumo e da produção, a possibilidade de colapso do dólar é a verdadeira ameaça que paira sobre a economia capitalista, por trás da aparente estabilização verificada nos últimos meses. Se a curto prazo é improvável uma descambada para a depressão global, também é improvável uma retomada imediata do crescimento, por mais que as bolsas de valores e mercados financeiros em geral, narcotizados pelo “dinheiro fácil” do Estado, estejam em alta nos últimos meses, sonhando com a volta de um ciclo especulativo aos moldes do que se encerrou com a atual crise. A atual fase de incerteza deve se prolongar pelos próximos anos, com picos alternados de aceleração e desaceleração, conforme as tendências estruturais da crise se expressem politicamente na luta de classes, que afinal de contas determina quem suporta o impacto da crise e quem dirige a sua superação.

As conseqüências para os trabalhadores

A retomada do crescimento da economia capitalista depende de que os Estados Unidos continuem consumindo manufaturas do mundo inteiro. Mas há uma classe social que não vai poder ajudar na retomada do consumo nos Estados Unidos e também na Europa e Japão, que é exatamente o proletariado. No processo da crise, as empresas realizaram demissões em massa, a tal ponto que a taxa de desemprego chegou a níveis próximos de 10 % nas três economias acima. Por conta dos cortes de salários e de direitos, os trabalhadores que permanecerem empregados também terão que reduzir seu consumo. Além disso, terão que trabalhar mais, pois a burguesia se aproveita dos momentos de crise para realizar ajustes estruturais, impondo um ritmo de trabalho mais acelerado. A intensificação do trabalho (mais-valia absoluta) e o aumento da produtividade (mais-valia relativa), por meio da inovação tecnológica, são duas das formas clássicas de superação das crises periódicas do capitalismo.

De fato, o sistema pode continuar funcionando sem que os trabalhadores aumentem o seu consumo (ou mesmo que diminuam), pois existem outras formas improdutivas de absorver a superprodução crescente de mercadorias, tais como o consumo de luxo da burguesia e o consumo de armas pelo Estado em suas guerras. O problema dessas duas soluções é que elas aprofundam os contrastes sociais, tornando mais nítida a divisão de classe. Na realidade, o capital precisa nivelar por baixo as condições de vida do proletariado mundial, impondo aos trabalhadores dos países desenvolvidos o mesmo padrão de superexploração hoje já vigente na China e sudeste asiático. O aumento do desemprego e a queda generalizada nas condições de vida da classe trabalhadora, ou seja, o aumento da miséria, levará aos países imperialistas problemas típicos dos países periféricos. A crise das hipotecas já provocou o aparecimento de milhões de sem-teto nos Estados Unidos. Resta saber o quanto os trabalhadores estadunidenses, europeus e japoneses suportarão de retrocesso sem lutar. Já aconteceram lutas importantes este ano, em especial na Europa, demonstrando que não será tão fácil impor esse nivelamento.

Os países periféricos e o Brasil

Quanto aos países periféricos, o Estado precisou compensar a queda das exportações, em particular daquelas destinadas aos Estados Unidos, por meio de medidas de incentivo ao mercado interno. Países como o Brasil não tiveram que arcar com o custo dos pacotes de ajuda para resgatar o capital fictício, pois seus sistemas financeiros subdesenvolvidos estavam menos comprometidos com a especulação desenfreada. Assim, o Estado pôde investir diretamente na reativação da economia. O Estado brasileiro cumpriu o seu papel de muleta do capital, entregando muito dinheiro aos bancos e grandes empresas, por meio de medidas de facilitação do crédito:

“Um ano depois do agravamento da crise financeira internacional, as medidas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro somam R$ 483 bilhões, o que, na visão de economistas, mostrou-se ‘suficiente’ para blindar a economia nacional de um impacto maior. Desse total, R$ 15 bilhões sairão diretamente do caixa do governo, por meio da redução de impostos. Outros R$ 6 bilhões de gastos para construção de casas também estão previstos no orçamento deste ano. (…) Cerca de R$ 289 bilhões foram colocados à disposição do mercado pelo Banco Central (BC), principalmente pela redução do compulsório bancário – dinheiro que pertence às instituições financeiras que fica retido pelo BC.”(BBC Brasil, 15 de setembro de 2009).

Apesar do foco dos gastos ter sido diferente, os resultados no nível de endividamento do Estado foram semelhantes aos dos países centrais: “O déficit nominal do setor público consolidado mais do que dobrou para 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 12 meses até julho, ante 1,3% em setembro do ano passado. Em parte pelas medidas agressivas de gastos e corte de impostos, a dívida líquida do setor público subiu para 44,2% do PIB em agosto, frente a 36% no final do ano passado.”(Agência Brasil, 15 de setembro de 2009).

 

A estratégia do governo Lula

A burguesia brasileira reagiu de modo exagerado logo no início da crise, na virada de 2008 para 2009, quando houve cerca de 1,5 milhão de demissões. Além disso, aproveitando-se do pânico gerado pela gravidade da crise, a burguesia praticamente encostou o governo contra a parede, exigindo a liberação de crédito mais fácil e incentivos fiscais para tocar seus negócios e manter a taxa de lucro. Assim como nos países imperialistas, a intervenção do Estado brasileiro produziu resultados no plano imediato, pois houve um aumento expressivo das vendas de automóveis, eletrodomésticos e materiais de construção ao longo do 2º e 3º trimestres de 2009. Isso se refletiu nas estatísticas, com o recuo dos índices de desemprego e um aumento do nível de atividade (produção e comércio), freando a queda do PIB. Entretanto, tomando-se os índices de 2008 como base para comparação, a suposta recuperação em curso ainda não colocou a economia de volta ao mesmo patamar anterior ao da crise. Mesmo assim, esses resultados parciais são aproveitados pela propaganda governista para alimentar o discurso ufanista de que “o Brasil venceu a crise”.

As notícias sobre essa recuperação fictícia nos últimos meses dividiram espaço com a chamada crise política no Senado. Foram revelados atos de corrupção praticados pelo presidente da casa e ex-presidente da República José Sarney, um dos principais caciques do PMDB, partido da base de apoio do governo Lula. Isso deu munição para a oposição de direita do PSDB e do DEM atacar o governo Lula, tentando desgastar sua popularidade. Para não perder o apoio do PMDB, crucial para as eleições de 2010, Lula interveio e abafou as investigações sobre a corrupção no Senado. Isso serviu para evidenciar a profundidade do acordo entre Lula e o PMDB, que representa parte dos setores mais reacionários da burguesia brasileira, como as oligarquias do Norte e Nordeste.

Para não ficar na defensiva, o governo Lula anunciou o projeto de exploração das reservas de petróleo do pré-sal, vendido para a opinião pública como uma vitória do modelo estatal e da soberania nacional. Na verdade, trata-se de uma forma de continuar entregando o petróleo ao capital internacional (acionistas privados, inclusive alguns estrangeiros, são maioria na própria Petrobrás), mas de modo que a burocracia do Estado consiga reservar sua parte. Essa fatia sob controle do Estado será fundamental para o financiamento dos programas assistenciais que amarram a base eleitoral do atual governo e seus aliados. O governo já lançou um projeto de lei regulamentando a exploração do pré-sal o qual prevê que a fatia dos royalties (que chegaram a um total de R$ 23 bilhões em 2008) a ser distribuída para os estados não-produtores de petróleo passaria dos atuais 0,86% para 4% (Agência Brasil, 15 de setembro de 2009).

A (suposta) superação da crise e a exploração do pré-sal serão o carro-chefe da campanha eleitoral da ministra Dilma Roussef, candidata de Lula e seu bloco de apoio para 2010, enquanto que as denúncias de corrupção contra o atual governo serão um dos motes da oposição de direita.

 

A classe trabalhadora entra em luta

A estratégia da burocracia lulista depende da não ocorrência de novos abalos na economia mundial, que poderiam vir na forma de uma crise do crédito público e da moeda, precipitada pelo endividamento explosivo de praticamente todos os principais Estados. Também depende da habilidade do governo em propagandear as promessas de riqueza do pré-sal, já que o início da produção de petróleo proveniente dessa região ainda demorará anos para ocorrer. Será preciso ainda cooptar a burocracia estatal dos partidos políticos (como o PMDB) e do próprio aparato das instituições (tecnocracia), que também exigirá sua parte no bolo para apoiar o atual bloco no governo.

Por último, será preciso manter a classe trabalhadora sob controle, papel que tem sido desempenhado pela burocracia sindical que comanda a CUT (e demais centrais satélites como FS, CTB, UGT, NCST, CGTB, etc.) e pelas lideranças burocratizadas de outros importantes organismos de luta da classe, como MST, UNE, pastorais sociais, etc. O controle petista sobre esses organismos tem sido fundamental ao longo do governo Lula para evitar que a classe trabalhadora entrasse em luta com todo seu peso nos últimos anos. Além de controlar o setor mais organizado da classe por meio da burocracia e cooptar o setor mais pauperizado por meio do assistencialismo, tem havido um endurecimento generalizado da repressão. Atestam esse endurecimento o tratamento dado à greve da USP no primeiro semestre e o aumento da repressão policial sobre os mais pobres, verificada em episódios como o assassinato de trabalhadores sem-terra e os conflitos recentes nas favelas de Paraisópolis e Heliópolis.

Entretanto, conforme havíamos apontado em nosso jornal anterior, que indicava a possibilidade de uma retomada das lutas no segundo semestre por ocasião das campanhas salariais, a classe trabalhadora brasileira está reagindo. Na terceira semana de setembro os metalúrgicos das montadoras e auto-peças, setor estratégico concentrado no Sudeste, e os trabalhadores dos correios, categoria com mais de 100 mil integrantes no país, entraram em greve. Na semana seguinte, será a vez dos bancários, outra categoria com peso nacional. Ainda resta a campanha salarial dos petroleiros, setor que está no centro das atenções por conta da importância que o pré-sal assumiu na conjuntura.

Essas greves são determinadas por dois aspectos relacionados à crise. Em primeiro lugar, o aumento do grau de exploração, por conta dos ajustes estruturais realizados pela patronal. Tanto as demissões quanto a intensificação do trabalho impõem uma sobrecarga aos trabalhadores que ficaram nas empresas. Em segundo lugar, a retomada da taxa de lucro das empresas e a propaganda maciça do fim da crise faz com que os trabalhadores sintam que podem reivindicar a sua parte na produção da riqueza social.

No atual momento as greves tem limites importantes, como o fato de serem obrigadas a lutar contra as direções da CUT e satélites, além da própria patronal e do governo. E também o fato de que o nível de consciência dos trabalhadores ainda não alcança uma compreensão abragente da situação, uma visão da crise do capitalismo no Brasil e no mundo. A tarefa dos militantes classistas é participar e apoiar todas as lutas que surgirem, fortalecendo as alternativas anti-burocráticas de organização, ajudando os trabalhadores a perceber que é possível lutar, e que é necessário lutar, e também apontando uma perspectiva ideológica oposta à da burguesia e do Estado. Cabe à nossa classe se organizar para construir uma alternativa societária ao capitalismo e suas crises, sua miséria, guerras e barbárie, uma alternativa socialista.

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O retorno das greves: uma oportunidade para construir um movimento político dos trabalhadores

No jornal passado, apresentamos aos ativistas e militantes do movimento social a proposta de construção de um Movimento político dos trabalhadores como parte de uma política voltada para recolocar os trabalhadores na cena política. Esse movimento, diferente da proposta de frente de esquerda apresentada pelo PSTU, tem objetivos maiores do que a disputa eleitoral de 2010. Este movimento é parte de uma resposta classista às crises econômica e política e à própria intervenção da esquerda revolucionária no processo eleitoral. Também difere no método, pois pela nossa proposta as discussões do programa e a formação ocorreriam em um amplo processo de discussão com os trabalhadores e não em discussões de cúpula com as direções dos partidos.

O objetivo principal desse movimento é colocar a classe trabalhadora no cenário político, respondendo aos ataques da burguesia a partir de uma perspectiva socialista, combinando as lutas imediatas e econômicas com uma perspectiva socialista. Historicamente, as lutas com caráter estratégico exigem uma consciência que vai além da economicista, ou seja, os trabalhadores incorporam reivindicações políticas que vão contra a burguesia e o governo capitalista.

 

As lutas em curso: superar o economicismo

As greves dos trabalhadores do correio, dos metalúrgicos de Campinas (que arrancaram 10% de aumento), do Paraná e da GM de São José dos Campos e São Caetano do Sul, metalúrgicos das autopeças do ABC ( a burocracia cutista foi obrigada a impulsionar a mobilização) e a possibilidade de bancários irem a greve (também contra a vontade da burocracia cutista) demonstram que objetivamente há um importante processo de lutas e de mobilizações nas principais categorias, surgindo uma oportunidade, a partir da unidade da esquerda, para avançar na construção desse movimento pela base.

Toda luta tem desafios imediatos (como a conquista das reivindicações) que precisam de muita força para serem superados e todos os esforços dos revolucionários devem ir no sentido de que o movimento alcance essas reivindicações, mas isso não significa que sejam suficientes esses limites intrínsecos à luta econômica. A partir dessas lutas econômicas deve-se procurar superar as barreiras ideológicas e avançar para lutas contra a sociedade burguesa de conjunto.

Quando os trabalhadores estão em luta, as condições para desenvolver a sua consciência são maiores e melhores (essa é uma das razões pela qual a burguesia treme por conta das greves), a experiência com as direções pelegas se aprofunda (uma das razões da burocracia tremer com as greves) e para os revolucionários é a oportunidade de apresentar as propostas do socialismo, contribuindo para que os trabalhadores avancem na consciência e compreendam que as lutas por salários são muito importantes. É preciso, porém, avançar para as lutas políticas, uma vez que a própria lógica de funcionamento do capitalismo faz com que logo o aumento do salário seja engolido pelo aumento do preço das mercadorias.

Colocamos a questão desse modo porque compreendemos que a luta pelo desenvolvimento de uma consciência socialista do conjunto da classe trabalhadora é uma necessidade urgente na luta contra o sistema capitalista.

O lamentável é que a esquerda de conjunto abandonou essa ligação do imediato com o estratégico, se contentando em responder ao imediato e secundarizando o estratégico, que são as lutas políticas com reivindicações dirigidas aos poder político e ideológico da burguesia.

Partimos do fato de que essa tarefa não pode ser realizada por qualquer dos grupos ou partidos de esquerda de forma isolada, substituindo uma tarefa que é do conjunto da classe. Mesmo em processo de mobilização por reivindicações econômicas, se os trabalhadores não se colocarem como sujeitos, não serão uma organização ou partido que o farão, como se fossem portadores de uma verdade e de todas as soluções e pudessem substituir a ação direta dos trabalhadores. O que os grupos e partidos de esquerda podem e devem fazer é disputar a consciência dos trabalhadores, apresentando propostas que permitam que a luta possa avançar em direção à luta política contra a burguesia e o capitalismo.

Considerando esses elementos e a crise estrutural do capital, o atual ciclo de luta é ainda mais importante porque podem ser indício de um processo mais geral, em que a classe trabalhadora brasileira esteja retomando as grandes lutas. A combinação da crise do capital, a necessidade de uma resposta mais estrutural dos socialistas e esse processo de lutas pode criar, enfim, um campo fértil para os socialistas revolucionários. Por isso entendemos que há, na realidade, elementos importantes que criam as condições para a construção desse movimento político dos trabalhadores.

 

Eleições 2010: a burguesia está escalando seu time

A luta política tem outra batalha em curso, que é a tentativa da burguesia e da burocracia de desviar todos os descontentamentos para as ilusões na democracia burguesa e para as eleições. Não temos nenhuma ilusão no processo eleitoral controlado pela burguesia, mas também não nos abstemos desse debate. A burguesia aponta para desviar as lutas e nós entendemos que é preciso disputar a consciência dos trabalhadores com a burguesia. Se não fazemos essa disputa, o caminho fica livre para a burguesia e seus agentes desenvolverem as aspirações e ilusões burguesas. A questão é como travar essa batalha e não cair nas armadilhas das eleições burguesas e como não capitular às ilusões e a própria democracia burguesa.

No nosso modo de ver, o centro deve ser uma política que coloque a independência de classe e as reivindicações políticas dos trabalhadores no sentido de uma participação dos trabalhadores enquanto classe, demonstrando que o capitalismo é a causa dos males que aflige os trabalhadores e por isso é preciso lutar pelo socialismo. Os revolucionários participam do processo eleitoral (o que não significa que necessariamente apóie um candidato) para desmascarar a burguesia e suas pretensões, organizando os trabalhadores e desenvolvendo a consciência socialista.

O debate eleitoral está a pleno vapor, mesmo faltando mais de um ano. Serra, Aécio, Dilma e agora a indefinição de Heloísa Helena, que praticamente explodiu a proposta de frente de esquerda – negociada entre as direções do próprio PSTU, do PSOL e do PCB – feita pelo PSTU e o lançamento da candidatura de Marina Silva. A burguesia está com seu time quase completo e os partidos de esquerda segue a mesma lógica e postura das eleições passadas, procurando resolver tudo “por cima”.

A “novidade” (museu de grandes novidades, como diria Cazuza) é a candidatura de Marina Silva, que se esforça para se apresentar como de esquerda e em oposição ao governo Lula. Essas duas questões, que parecem simples, na verdade abrem outras preocupações que os revolucionários devem responder, pelo fato de que no mínimo essa candidatura causou algumas confusões em alguns setores da classe trabalhadora e de ativistas. O fato de Heloísa Helena defender Marina Silva como “um dos principais quadros da esquerda brasileira” é uma das expressões da confusão que essa candidatura pode causar.

A primeira questão é que Marina Silva não é de fato oposição ao governo Lula e suas recentes divergências estão restritas à questão ambiental, onde a política do governo se aproximou do que tem de mais reacionário no campo. Durante todo o primeiro mandato de Lula, Marina foi uma das principais figuras do governo, aplicando a fundo a política neoliberal.

Outro elemento que demonstra o perfil dessa candidatura é a ida para o PV, demonstrando que a saída do PT não representou de fato uma ruptura com o “jeito de fazer política” do PT. O PV é um partido de aluguel e no seu interior tem figuras ultrarreacionárias, como é o caso de Zequinha Sarney, que só pelo sobrenome dispensa qualquer comentário.

No processo eleitoral, a burguesia tem várias armas e possibilidades, podendo sempre lançar mão de alguma candidatura que cause confusão ou mesmo iluda os trabalhadores, como é o caso de Lula, por exemplo. Assim, combater todas essas “falsas alternativas” deve ser um dos centros da política revolucionária e nesse momento o combate à candidatura de Marina Silva (junto com as demais) deve ser uma das prioridades da nossa política, combinando a denúncia com a apresentação de propostas dos revolucionários para a sociedade.

A burguesia já colocou os jogadores em campo. É preciso que respondamos a esse processo com uma política bem precisa do ponto de vista revolucionário, colocando em marcha os nossos jogadores, que é a classe trabalhadora. Para isso, é preciso uma política do conjunto da esquerda, construindo unitariamente um movimento e um programa pela base.

 

Jogar com as nossas armas: construir um movimento político para além das eleições

Faz falta a presença dos trabalhadores enquanto classe, na atual situação política do país. O apoio das principais centrais ao governo Lula e o freio que as direções burocratas exercem na luta de classes são demonstrações importantes do papel que a direção governista cumpre no movimento. Estão para cumprir o papel de conciliação de classes, de colocar os sindicatos e as centrais, sob sua direção, à serviço dos interesses do capital. Quando acenam com uma pequena mobilização, o objetivo é pressionar a patronal para alguma negociação. É o sindicalismo de resultados. Dessas direções não podemos esperar nada, só traições aos trabalhadores.

As burocracias são elementos objetivos da realidade e o desgaste que sofrem junto aos trabalhadores ainda não é suficiente para completar a experiência e fazer com que sejam varridas das organizações dos trabalhadores. Ainda há um longo trabalho para ser realizado no sentido de ganhar os trabalhadores para uma política contra a burocracia e de apontar que há o caminho das lutas, o único capaz de arrancar conquistas duradouras.

Mas essa alternativa não passa por qualquer uma das organizações ou partidos, tanto pelo peso político, como pela própria inserção nos movimentos da classe, o que faz com que os trabalhadores de conjunto não sejam representados. Pensamos que o desenvolvimento de uma alternativa política passa pela construção de um movimento que possa representar o conjunto da classe e que ela própria, enquanto sujeito social, possa realizar as tarefas históricas que estão reservadas para o proletariado.

A proposta de construção desse movimento se diferencia da proposta de frente de esquerda, principalmente na relação com o movimento dos trabalhadores, nos seus objetivos e no seu método. Com relação a essa proposta, espera-se que esse movimento não se limite às respostas eleitorais e às lutas imediatas, mas que seja um movimento com objetivos estratégicos, ou seja, parte da luta pelo socialismo. Com relação ao método, a diferença central é que através da nossa proposta, a definição do programa e das tarefas deve ocorrer em um amplo processo de discussão com os trabalhadores, e não por acordo entre as direções das correntes.

Assim, reforçamos o nosso chamado às correntes da esquerda revolucionária para levarmos em frente a construção desse movimento político dos trabalhadores.

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Uma escola para administrar os problemas sociais no capitalismo em crise

A perspectiva social que o capitalismo já está produzindo é de aumentar o contingente de inadaptados, marginalizados, expulsos da sociedade de consumo. Está em curso o aprofundamento no país de um processo de guetização, que antes estava mais explicito na cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, uma clara delimitação para garantir a liberdade de consumo daqueles que podem.

Isso explica as ações da polícia paulista na cidade de São Paulo. Os últimos confrontos envolvendo a polícia e moradores de grandes favelas (Paraisópoles, Heliópoles, Filhos da Terra) são incidentes que poderão marcar o próximo período e delinear o papel, em especial que a polícia, a da educação pública.

Enquanto isso os Estados emitem dinheiro, se endividam e os empresários realizam “ajustes estruturais” para tentar retomar suas taxas de lucro com a desculpa da crise. Mas, nos planos da burguesia, os trabalhadores demitidos não serão mais contratados, os salários rebaixados não serão reajustados e os direitos retirados não serão mais concedidos. Esses são os efeitos mais catastróficos e persistentes dessa crise e recaem nos ombros da classe trabalhadora.

Na situação atual, os patrões buscam se apossar do trabalho manual dos funcionários e de seu trabalho intelectual através das chamadas habilidades e competências. Presenciamos isso quando vemos o que sobra dos nossos alunos à noite depois de um dia de trabalho. O capital exige vorazmente que o Estado prepare essa mão de obra barata de que precisa e que está em constante renovação nas empresas. Assim, a burguesia reforça o discurso de que a Educação é fundamental para o desenvolvimento do país.

A outra questão é que a fatia da mão de obra mais qualificada passou a ser formada nas ETE’s, SENAI, FATEC`s ou em Universidades Técnológicas.

Devido ao processo de informatização e robotização o Brasil se insere na economia mundial como fornecedor de matérias primas ou produtos de pouca tecnologia. Além disso, há uma tendência de rebaixamento dos salários e direitos. Assim, o mercado de trabalho precisa de alguns especializados com habilidades e competências mínimas combinado com um grupo que tenha capacidade de adaptação e sujeição à instabilidade dos vínculos empregatícios.

Do ponto de vista dos empresários e do sistema de conjunto uma educação plena e de qualidade para os filhos dos trabalhadores aparece como custos absolutamente desnecessários e como gastos esbanjadores.

Para o capitalismo e seu Estado, a função prioritária que a escola deve cumprir passa a ser de contenção e doutrinamento, para que esse setor de jovens aceite ideologicamente que não há outra saída e que a culpa por estar nessa situação é de cada um  individualmente, ao não se esforçar o bastante pelas suas metas. Isso traz graves conseqüências para os jovens e para o trabalho docente.

Um exemplo é a situação de precarização social e educacional a que esse setor de mão-de-obra juvenil está sujeito, fazendo com que com que as possibilidades de superar essa situação apareçam como muito difíceis e acarrete a perda de perspectiva de um futuro melhor e, portanto, a perda de estímulo dos jovens para estudar.

Nesse contexto surge a Reforma do Ensino Médio. Dando ênfase às matérias tecnicistas busca criar nos alunos e pais a idéia de que poderão se destacar no mercado de trabalho, enquanto os patrões se preparam para explorar ainda mais essa mão-de-obra formada nos precários cursos “profissionalizantes”.

É necessário desvendarmos e combatermos o projeto educacional do capitalismo em sua totalidade, nossa luta é global a fim de envolvermos os professores, alunos, pais e demais trabalhadores. A luta contra a destruição da Educação pública e por um novo projeto tem que ser de todos os trabalhadores!

A educação como mecanismo de controle social e ideológico

Chegamos ao ponto que o sistema necessita: administrar, mediar e amortecer os conflitos sociais provocados pelo capitalismo.  Com base nisso, as políticas de “Educação inclusiva” e assistencialista passam a ser o centro da atenção dos governantes. Diz a Proposta Curricular do Estado de São Paulo:

“Outro fator relevante diz respeito à precocidade da adolescência, ao mesmo tempo em que o ingresso no trabalho se torna cada vez mais tardio. Tais fenômenos ampliam o tempo de permanência na escola…”.

“… nesse mundo que expõe o jovem desde muito cedo às práticas da vida adulta – e, ao mesmo tempo, posterga a sua inserção profissional-, é fazer da experiência escolar uma oportunidade para aprender a ser livre e ao mesmo tempo respeitar as diferenças e as regras de convivência”.

A educação, no marco da crise do capitalismo, assume dessa forma, o papel de manter a dominação e a acomodação social.

Os problemas de toda ordem são jogados para a escola resolver: gravidez na adolescência, violência urbana, questões ambientais, dentre outros. A educação passa a ter também um caráter assistencial e de controle ideológico ao mesmo tempo em que a educação voltada para a emancipação humana é esquecida. Vivenciamos isso com a suspensão das aulas motivada pela gripe suína. Por diversas vezes foi mostrado na mídia situações em que os pais não tinham onde deixar seus filhos e a ausência da merenda escolar estava comprometendo a alimentação. Daí a inflexibilidade na manutenção dos 200 dias letivos, mesmo frente à situação de pandemia, pois é preciso manter “o acesso e a permanência dos jovens na escola”, mesmo que não estejam aprendendo.

Esse discurso aparece de forma aberta nas entrevistas e conferências de intelectuais ligados ao PSDB, ao governo Lula (PT) e até mesmo no discurso de “sindicalistas”, como a presidente do sindicato dos professores que fez de tudo para que a entidade não entrasse com uma Ação Pública e uma Liminar contra o trabalho aos sábados.

Se o ensino para os filhos de trabalhadores não precisa ter qualidade logo não é preciso que haja valorização dos profissionais da Educação. As leis recentemente aprovadas e o novo concurso para professores demonstram o nível de precarização desde o regime previdenciário passando pelo salário e pela perda de direitos conquistados em anos de luta, como a questão da estabilidade.

O autoritarismo dentro das escolas para controlar o professor e precarizar as condições de ensino-aprendizagem

Sem investimento necessário e com a falta de perspectiva social dos jovens os resultados das avaliações externas são previsíveis. No entanto, o Estado e os meios de comunicação jogam a culpa sobre os professores a fim de jogar a população trabalhadora contra os professores (maior categoria dentro do funcionalismo estadual) e aumentar os mecanismos de controle e repressão tanto contra os professores como contra os estudantes da periferia.

Além dos vários mecanismos de avaliação aumenta a quantidade de tarefas e responsabilidades atribuídas aos professores com graves casos de assédio moral vindos de membros das “equipes gestoras” empenhados em anular a liberdade de cátedra.

Uma outra ação dos governos agentes do capital é jogar para população a responsabilidade cada vez maior pela manutenção das escolas através da cobrança de taxas de APM, bem como do incentivo à realização de parcerias com empresas que usam o espaço escolar, os alunos e os pais como clientes. Enquanto o Estado se desobriga da responsabilidade, empresas vão abrindo novos campos de atuação.

 

A saída deve ser a partir do ponto vista dos trabalhadores

É preciso superar essa lógica com uma grande campanha contra esse projeto de Educação dos governos municipal, estadual, federal.

Os nossos desafios aplicam-se também às correntes de esquerda que atuam na categoria de professores. O combate imediatista e fragmentado frente a um sistema que ataca de forma global tem obtido resultados cada vez mais limitados. Permanecem presas aos limites das lutas por categoria, mesmo quando negam essa realidade.

Precisamos superar as respostas limitadas que temos hoje. Precisamos fazer um grande trabalho de conscientização e atuação que ligue os problemas da Educação aos demais problemas que estamos enfrentando nessa sociedade. É preciso aumentar nossa luta e organização nas escolas!

Essas tarefas exigem um movimento sindical de novo tipo, estruturado a partir das escolas, combativo e com uma perspectiva ideológica classista e socialista. Alguns podem argumentar que esse tipo de trabalho mais ideológico é um trabalho que cabe apenas aos partidos. Mas isso não é verdade. Hoje, se os sindicatos quiserem continuar cumprindo até mesmo seu papel mais rebaixado de defender as conquistas já existentes, terão que avançar cada vez mais para um posicionamento político de rompimento com as diretrizes da ordem capitalista e por um novo poder organizado democraticamente pelos trabalhadores.

É fundamental redobrar os esforços para envolver as demais categorias de trabalhadores na luta por uma educação de qualidade para os nossos filhos.

A Educação deve ser tratada em todos os níveis, como um bem coletivo, um dos instrumentos de transformação social e como um espaço de produção de conhecimento e desenvolvimento humano.

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 Pré-sal: socialização dos custos e privatização dos lucros

Márcio Cardoso

 

As reservas de petróleo descobertas pela PETROBRAS no fundo do oceano, na camada geológica de pré-sal, aumentam a importância do Brasil no cenário mundial da produção petrolífera. A demanda mundial pelo petróleo continua aumentando, na medida em que países como a China e a Índia se industrializam, e outros como Estados Unidos, Europa e Japão mantém seu elevado consumo. Ao mesmo tempo, a quantidade de reservas economicamente viáveis diminui, pois o petróleo é um recurso natural finito. Por isso, as reservas do pré-sal brasileiro têm grande importância estratégica. Podemos assegurar a auto-suficiência do país em relação a um recurso cada vez mais escasso e portanto mais caro. Não foi mera coincidência o fato dos Estados Unidos terem reativado sua IV Frota assim que se anunciou a descoberta do pré-sal.

A grande questão está em determinar quem vai se beneficiar da riqueza gerada por esse recurso natural. Grande expectativa foi criada em torno do potencial de riqueza do pré-sal, que está na mira dos interesses do grande capital privado e também da burocracia petista no governo.

 

A falsa polêmica sobre o “novo” marco regulatório do petróleo

Há algumas semanas o governo Lula anunciou o chamado “novo marco regulatório” para a exploração do pré-sal, dando início a uma falsa polêmica com a oposição de direita. Desde a quebra do monopólio estatal da exploração do petróleo pelo governo FHC, em 1997, o capital privado tem tido a possibilidade de extrair petróleo do subsolo brasileiro, atividade antes exclusiva da PETROBRAS, que por sua vez foi sendo progressivamente privatizada. A PETROBRAS apresenta hoje uma composição societária em que apenas 32% das ações pertencem à União, de modo que apenas por força de uma lei o governo tem a prerrogativa de indicar a direção da empresa. A maior parte das ações está pulverizada entre acionistas diversos, inclusive estrangeiros.

O projeto anunciado por Lula não reverte a quebra do monopólio. Ele cria uma empresa, a PETRO-SAL, encarregada de administrar a exploração do pré-sal, a qual será feita em regime de partilha, em lugar do regime de concessão em que foram leiloados outros blocos de reservas petrolíferas. O modelo de partilha garante à PETROBRAS 30% de participação na exploração dos novos blocos do pré-sal. O restante poderá ser explorado por empresas privadas, inclusive estrangeiras. A PETROBRAS terá que disputar leilões como qualquer outra empresa, mas precisará de parcerias com essas empresas para financiar a construção dos equipamentos necessários para a extração.

A PETROBRAS é líder mundial na tecnologia de exploração de petróleo em águas ultra-profundas, como é o caso do pré-sal, e entrará nessa sociedade com o “know how” e a tecnologia, enquanto que as empresas estrangeiras entrarão com o capital para financiar os equipamentos. Ou seja, na prática a PETROBRAS vai funcionar como uma espécie de “terceirizada”, realizando a extração do petróleo graças a uma tecnologia que ela própria desenvolveu, um petróleo cuja prospecção ela realizou (a pesquisa para descobrir jazidas de petróleo é a parte mais cara do processo), mas que será vendido pelas gigantes petrolíferas internacionais a ela associadas.

O projeto foi feito sob medida para que as gigantes petrolíferas internacionais se apropriem do petróleo brasileiro. O tão propalado “novo marco regulatório” na verdade mantém o modelo neoliberal entreguista que dilapida as riquezas nacionais. A criação da PETRO-SAL para administrar o pré-sal não passa de um embuste, pois essa empresa estatal não fará exploração nenhuma, apenas a gestão. A extração de fato será feita pela PETROBRAS, que é cada vez menos estatal. Mas a PETROBRAS não estará sozinha, pois as empresas estrangeiras também poderão extrair petróleo do pré-sal, estejam associadas ou não à (ex)estatal.

O embuste eleitoral

A oposição de direita protestou contra esse modelo, alegando que é um “retrocesso” em relação às medidas privatistas anteriores. Na verdade o que o PSDB e o DEM temem são os dividendos eleitorais que o pré-sal poderá render para Lula e os partidos do seu bloco de apoio. Antes que o petróleo do pré-sal comece a jorrar, o governo já conta com o dinheiro a ser recebido nos leilões dos blocos de exploração, o qual servirá para financiar a campanha de Dilma Roussef, candidata do PT e seus aliados à presidência. O governo Lula já anunciou também a intenção de aumentar a parcela dos royalties do petróleo destinada aos estados não produtores (medida que beneficiará seus aliados locais). Anunciou ainda um “Fundo social” a ser criado com a renda gerada pelo pré-sal, o qual será uma fonte certa de recursos para financiar o assistencialismo estatal, o qual garante a base eleitoral dos partidos governantes junto à população mais pobre.

Para evitar que Lula e seus aliados se beneficiem eleitoralmente, PSDB e DEM lutam para impedir a aprovação desses projetos no Congresso, tentando ganhar tempo, para que o governo não tenha o dinheiro dos leilões do pré-sal antes de 2010, mas de um modo que a própria oposição possa ter esses recursos quando chegar a sua vez de governar. Ao mesmo tempo, o governo avança na propaganda dos hipotéticos benefícios do pré-sal. A APEOESP (sindicato dos professores do ensino público do estado de São Paulo), filiada à CNTE/CUT e dirigida pela corrente petista Articulação, já anunciou que o pré-sal vai financiar a educação. Esse é um exemplo de como o setor governista agirá em todas as categorias para desmontar as mobilizações. Ao invés de organizar os trabalhadores para lutar por suas reivindicações, a burocracia sindical da CUT/PT e aliados vai iludí-los para que peçam ao governo verbas vindas do pré-sal, apresentado como panacéia universal. Em lugar de ir à luta, os trabalhadores vão ficar numa eterna posição de súplica ao governo de plantão.

Além de assegurar o apoio dos partidos fisiológicos (como o PMDB) e das burocracias sindicais, o projeto do pré-sal será usado também para cooptar a burocracia estatal de carreira, os funcionários da máquina do Estado, das empresas estatais e demais instituições. A versão de que o governo Lula defende o fortalecimento do papel do Estado será usada para combater o espantalho da volta da direita tradicional, unindo a burocracia estatal (tecnocracia) à burocracia político-partidária e sindical num grande bloco político.

As riquezas naturais sob a ótica dos trabalhadores

Ora, exatamente o exemplo do pré-sal serve para desmentir essa propaganda do suposto fortalecimento do papel do Estado. Conforme dissemos acima, embora a direção da PETROBRAS seja indicada pelo governo, a empresa funciona com uma lógica de gestão de empresa privada, que visa dar lucro para seus acionistas. A auto-suficiência (capacidade do país de produzir dentro de seu território todo o petróleo que consome, sem a necessidade de importar) deveria possibilitar que os derivados fossem vendidos a preço de custo, o que tornaria mais baratos o gás de cozinha consumido nos lares brasileiros, a gasolina nos postos, etc. Mas isso não acontece porque a PETROBRAS acompanha aproximadamente os preços do petróleo no mercado mundial, para beneficiar seus acionistas.

Além disso, como a PETROBRAS está inserida numa lógica neoliberal, mesmo a parcela dos lucros destinada ao Estado não é usada em benefício dos trabalhadores, mas dos banqueiros nacionais e internacionais que especulam com a dívida pública interna e externa, que consome o superávit primário do Estado.

O anúncio dos projetos do governo relativos ao pré-sal foi feito de modo a criar uma falsa expectativa nos trabalhadores de que sua vida vai melhorar por causa dessa riqueza, quando na verdade esse mesmo governo permitirá que as empresas privadas explorem as jazidas encontradas pela PETROBRAS. Não há qualquer sinal de que o governo Lula mude essa lógica.

Para que as riquezas oriundas dos recursos naturais do país sejam usadas em proveito dos trabalhadores, é necessário que o povo tenha o controle político do governo. No caso do petróleo, é necessário que a PETROBRAS seja 100% estatal e sob controle dos trabalhadores. As ações dos acionistas privados devem ser expropriadas sem indenização (salvaguardando-se a poupança dos trabalhadores que investiram em ações da empresa via FGTS). É necessário restaurar o monopólio estatal do petróleo e cancelar todos os leilões das reservas, impedindo a exploração do nosso petróleo pela burguesia, cujos empreendimentos devem ser expropriados sem indenização. Todas as fontes de energia devem ser monopólio estatal, sob controle dos trabalhadores, especialmente num momento histórico em que será preciso fazer a transição em direção a uma nova matriz energética.

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A luta pela democracia no movimento estudantil

Alex (FSA) e Daniel M. Delfino

Entendemos como movimento estudantil a organização dos estudantes na luta por suas reivindicações, através de entidades como os grêmios nas escolas e diretórios acadêmicos nas faculdades. Os estudantes não são uma classe social, são uma categoria transitória a qual pertencem os alunos de escolas e faculdades vindos de todas as classes sociais. Defendemos um movimento estudantil classista, ou seja, que se posicione em relação à divisão de classes na sociedade. A burguesia e o proletariado são as classes fundamentais da sociedade capitalista (sabemos disso desde o Manifesto Comunista de 1848), aquelas que possuem projetos de sociedades opostos, que são o capitalismo e o socialismo respectivamente. Defendemos um movimento estudantil que apóie a luta dos trabalhadores pelo socialismo. Mesmo porque, a luta pelas reivindicações dos estudantes, que envolvem uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, é parte da luta contra o capitalismo. Para a burguesia não interessa conceder esse tipo de educação, pois o capitalismo não necessita de trabalhadores bem educados, e sim de mão de obra barata e submissa, sem pensamento crítico e sem visão geral do mundo.

A luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos passa também por uma luta para democratizar as instituições educacionais. O projeto político pedagógico das escolas e universidades deve contemplar as demandas e necessidades da maioria da sociedade, ou seja, da classe trabalhadora, dedicando-se aos seus problemas. Para isso, os estudantes, servidores da educação e professores devem ser os verdadeiros autores de um projeto de educação, que enfrente a concepção tecnocrática emanada do Estado burguês e seus burocratas.

Nos últimos anos o movimento estudantil brasileiro voltou ao primeiro plano do cenário político desenvolvendo importantes lutas, com o movimento das ocupações de reitoria, que conseguiu questionar o projeto de educação do governo Lula e dos governos estaduais e municipais, com importantes vitórias, ainda que parciais, como a derrubada do antigo reitor da Fundação Santo André e em outras universidades. Entretanto, esse movimento ainda foi restrito, não envolveu a grande massa dos estudantes e não criou uma continuidade.

Existe um setor dos estudantes que se coloca contra esse tipo de atividade política, argumentando que o movimento estudantil está “contaminado” por supostos “interesses escusos” dos partidos, e que tudo não passa de “disputa de poder”, de luta pelo controle dos aparatos, das entidades, etc. Argumentam ainda que os partidos e organizações são autoritários, anti-democráticos, cerceiam a liberdade individual, a criatividade, etc. Por isso, se recusam a militar e participar das atividades.

Respeitamos as críticas e reconhecemos uma certa dose de razão. Mas como princípio, consideramos que, para democratizar as universidades, é preciso democratizar primeiro o próprio movimento estudantil. É preciso que os estudantes que tem críticas à atuação dos partidos e das entidades participem do debate. É preciso que coloquem o seu desejo de liberdade e de expressar a criatividade no interior do próprio movimento. Só assim será possível oxigenar o debate, envolver os estudantes, combater os vícios dos partidos e organizações que impedem o avanço do movimento.

Além disso, não há nada mais autoritário, anti-democrático, burocrático, tedioso, do que a própria sociedade burguesa. Deixar de participar do movimento por conta da falta de democracia é um contra-senso. A falta de democracia está dada dentro e fora das escolas e universidades, dentro do mundo do trabalho, em todas as esferas da vida controladas pela ideologia burguesa. Apenas a luta e o movimento organizado podem combater essa falta de liberdade e de possibilidades de expressão dos indivíduos. É apenas através da luta coletiva que os indivíduos podem verdadeiramente se realizar, crescer, se expressar, aprender, improvisar, elaborar, criar, se construir.

Mas para isso, é preciso que os movimentos de luta sejam de fato democráticos. E a democracia passa pelo respeito aos espaços de decisão. Defendemos a participação de todos os estudantes no movimento, estejam ou não organizados em partidos. Somos parte de uma organização política, o Espaço Socialista, porque entendemos que os militantes têm o direito de se agrupar em partidos e organizações a partir de uma visão comum da realidade e de um conjunto de propostas que se materializam num programa. E os partidos e organizações tem o direito de levar suas propostas a todos os fóruns do movimento estudantil. O que não pode acontecer é que os partidos e organizações se considerem “donos” de uma determinada entidade ou fórum, “donos” de um diretório acadêmico, usando essa entidade para impor a política da sua organização ao conjunto dos estudantes.

O método de discussão é fundamental nesse caso. É preciso que haja uma separação entre o que é a política dos partidos e organizações e o que é a política de uma entidade do movimento que pertence ao conjunto dos estudantes. Os partidos e organizações devem se submeter aos fóruns de decisão do movimento, aos fóruns que representam o conjunto dos estudantes. Da mesma forma, os estudantes independentes, que não fazem parte de partidos e organizações, também podem e devem levar suas propostas e concepções ao movimento, e devem também respeitar as decisões coletivas. Defendemos uma forma de funcionamento das entidades, dos centros acadêmicos, em que as decisões tomadas coletivamente sejam encaminhadas coletivamente.

Entre os vícios dos partidos e organizações que precisam ser combatidos está o de se aproveitar dos fóruns do movimento para fazer críticas, lançar palavras de ordem, defender linhas de atuação que são exclusivas do seu grupo, usufruindo dos espaços democráticos que existem no movimento, e depois deixar de acatar as deliberações do coletivo. Fazem críticas, mas não querem aceitar as decisões. Propõem tarefas, mas não querem arregaçar as mangas, pôr a mão na massa e ajudar a construir o movimento. Gostam de disputar o microfone nas assembléias, mas se abstém de disputar a consciência dos estudantes na base, de fazer as panfletagens, de falar em sala de aula, de construir os atos e a luta em geral. Recebem a tarefa de escrever um panfleto, mas aparecem com um resultado diferente do que foi deliberado. Exigem a democracia no momento do debate, mas não acatam a responsabilidade que advém da participação. Trata-se de uma democracia pela metade.

Defendemos a democracia por inteiro, o debate aberto e a responsabilidade com aquilo que se fala e se propõe. Não existe “receita de bolo” nem “fórmula mágica” para envolver os estudantes, para fazer com que todos se sintam atraídos pelas atividades do movimento estudantil. Mas um princípio fundamental deve ser o respeito ao coletivo. Radicalizar a democracia deve ser uma das bandeiras principais do movimento. Reconhecer que somente construído com a base e pela base o movimento ganhará a força necessária para atender as demandas que lhe são impostas e a legitimidade para lutar por avanços mais significativos.

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Ao invés do sol, o fogo ardeu sobre heliópolis

A. Bender

 Bairro Cité-Soleil, favela de Porto Príncipe, Haiti.

Heliópolis, favela de São Paulo, Brasil.

A semelhança entre as duas não está apenas em terem o mesmo nome. Maioria negra, pobre, e acossada pela violência policial. Da primeira, não temos mais notícias. O exército da ONU, dirigido pelo governo Lula, continua “pacificando”. Por aqui, é a tropa de choque que tenta “pacificar”.

Essa realidade não é privilégio nosso, aqui do “terceiro mundo” (sic). O mesmo ocorre nas periferias da “Cidade Luz”. Imigrantes, na maioria negros, maiores vítimas da crise econômica e da política xenófoba que grassa na Europa, rebelaram-se nas periferias de Paris contra a falta de oportunidades e a violência.

Nas duas situações o Estado brasileiro reprime os trabalhadores e explorados.

Heliópolis é a maior favela de São Paulo, com cerca de 100 mil habitantes. E nos dias 1º e 2 de setembro foi palco de uma rebelião popular. Barricadas, vários ônibus queimados, e muita violência policial. Cenário de guerra. Moro em Heliópolis há 9 anos, desde julho de 2000. Mas, acompanho de perto sua realidade, desde 1996, quando me mudei para o Ipiranga. Mesmo ano, aliás, de um grande incêndio que destruiu dezenas de casas, construídas nos esqueletos de um prédio de apartamentos abandonados da CDHU.

Se há um histórico de incêndios e violência, há também um histórico de lutas aqui na favela. Heliópolis já resistiu a várias tentativas de reintegração de posse, e sua organização de moradores – a UNAS – já esteve entre as mais combativas. Resistiu à Jânio e Maluf na prefeitura. Até o momento que a UNAS passou a praticar um tipo de “movimento de resultados”, que levou a antiga e combativa organização popular a se transformar numa ONG que administra recursos privados, doados por organizações como GM, OMO, entre outras. Seu principal ato político – além de lançar candidatos “amigos da favela” em cada eleição – é fazer uma “Caminhada pela Paz”, que já passa da décima edição. É aquele tipo de caminhada pela “Paz sem voz”.

Mas, os eventos do último dia 1º e 2 de setembro têm pouco a ver com esse passado de lutas da organização de moradores. Foi uma explosão espontânea de um povo que está cansado de apanhar. A violência que praticaram contra a adolescente mãe que voltava da escola, não é caso isolado. Em julho uma criança foi vítima de bala “perdida” dos revólveres da polícia, que reiteradamente entra na favela atirando. Aliás, a tal prática do “atira primeiro pra depois perguntar”, parece primeira regra nas cartilhas da polícia, seja ela civil ou militar.

E os ônibus queimados? Fácil de compreender, pois o ônibus lotado todo dia, na ida e na volta do trabalho, é mais uma prova concreta da exploração da trabalhadora e do jovem.

E a única resposta que governos e políticos dão é “manda a polícia pra cima”. Para os problemas decorrentes da crise? Polícia! Contra a greve? Polícia! Falta de moradia e trabalho? Polícia. Manifestação de trabalhadores e estudantes? Polícia. Parece que a velha máxima de Washington Luis continua em voga: que movimento operário (ou afim) não é questão social, mas, é questão de polícia.

Como sabemos que a crise econômica está longe de acabar – mesmo que o discurso oficial seja diferente – podemos prever que a crise econômica trará ainda mais preocupações, desemprego e uma onda de rebeliões, manifestações e greves, no Brasil e no mundo. E com isso, mais repressão. Historicamente é assim que a classe dominante responde quando os explorados se levantam.

Só há uma alternativa para isso, a auto-organização de trabalhadores e estudantes.

– Construir comitês contra o desemprego, que unam trabalhadores e estudantes, semelhantes ao Comitê que está sendo construído no ABC, e que pode ser reproduzido nos bairros, e junto às empresas ameaçadas de falência ou que demitam em massa;

– Reunir os setores combativos do Movimento Operário numa nova central que organize a luta dos trabalhadores;

– Construir a ANEL regionalmente, para impulsionar o movimento estudantil pela base

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O império contra ataca

Marcelo Marques

 

Depois dos questionamentos à hegemonia política, econômica e militar que a “era Bush” gerou em todo o mundo, das dificuldades de vencer a Guerra do Iraque e Afeganistão e das rebeliões protagonizadas por diversos povos da América Latina, o lema de Barack Obama para as eleições (“Nós podemos mudar”) começa a revelar todo seu sentido.

Quem ignorou as alianças eleitorais compostas por Obama e as nomeações de reconhecidos conservadores comprometidos com as gestões de Bush (tanto o pai quanto o filho), ou ainda, tinha alguma ilusão de que os Democratas fossem portadores de um projeto que não contivesse guerra, genocídio, golpe de estado, desrespeito ao meio ambiente e as convenções internacionais já não pode mais se iludir. A IV Frota Naval e o anúncio da instalação de sete novas bases militares na Colômbia não deixam dúvidas a ninguém quanto ao fato de que os EUA têm um Projeto de Estado quanto à sua posição hegemônica mundial. Isso significa dizer que independentemente do partido que controla a Casa Branca não haverá mudança no que se refere às estratégias globais estadunidenses quanto à política econômica, diplomática e militar.

Já apontamos em edições anteriores que o grande show de mídia para eleger Obama tinha como objetivo reconstruir a legitimidade dos EUA, possibilitando ao império realizar novas jogadas no grande tabuleiro da política internacional e reverter o rechaço ideológico e o sentimento popular anti-EUA no mundo. Ou seja, troca-se o baralho para continuar com o mesmo jogo. E, nesse caso, trocou-se apenas a carta do rei, já que várias outras continuam (Paul Volcker – FED, Robert Gates – Defesa e outros).

Na época da Guerra Fria a doutrina do combate ao comunismo era o pretexto usado pelo imperialismo estadunidense para legitimar todas as suas intervenções, como a quebra unilateral do padrão ouro nas finanças mundiais (1971), o apoio aos golpes de estado e às ditaduras na América Latina, aos assassinatos e à repressão às lutas dos trabalhadores, etc. Tudo isso visava lançar os EUA como única superpotência, dando fim à ordem mundial bipolar.

Hoje a elite política e econômica norte-americana tem na doutrina de combate ao terrorismo e ao narcotráfico seu sustentáculo para seguir um Projeto de Estado no qual os EUA é o centro de poder e definidor dos rumos econômicos e políticos do globo. Apesar do crescimento chinês, da mal ensaiada independência política européia e da crise econômica mundial afetar primeiramente a economia dos EUA, não podemos ter dúvidas de que o império estadunidense fará tudo para seguir sendo o “nº. 1, dar as cartas e ficar com o lucro da banca”.

Se não bastasse tropas no Iraque (sem Saddam, sem armas atômicas e sem Al-Quaeda), reforço de tropas no Afeganistão (ainda sem o paradeiro do Bin Laden e com aumento na produção da papoula que os Talibãs tinham praticamente extinto), cortina de mísseis balísticos em volta da Rússia, constante presença militar em treze bases por toda a América Latina (Cuba, Porto Rico, Curaçao, El Savador, Honduras, Costa Rica, Peru Paraguai e Colômbia), o império “Gestão Bush” anunciou ano passado a reativação da IV Frota Naval e a “Gestão Obama”, fiel ao projeto de estado, declarou oficialmente a instalação de mais sete bases militares na Colômbia.

Não é mais possível esconder: a antiga Doutrina Bush agora se chama DOUTRINA OBAMA.

 

A IV Frota Naval e sua capacidade

Negociada com Getúlio Vargas, a IV Frota surgiu 1943 para dar segurança aos navios mercantes brasileiros e suporte às ações militares aliadas na costa oeste da África. Em 1950, devido a Guerra Fria e a adoção da Doutrina de Combate ao Comunismo, foi desativada e incorporada à II Frota (responsável pela patrulha norte do atlântico).

Como qualquer frota da marinha norte-americana, a IV Frota é composta por um conjunto variável de navios que normalmente incluem um porta-aviões, do tipo Nimitz, capaz de deslocar até 104 mil toneladas de carga, equipado com 2 reatores nucleares e 90 aviões de guerra embarcado para proteção à frota e poder de projeção sobre terra, navios-escoltas com capacidade de defesa aérea sobre superfície e anti-submarina a longa, média e curta distância além de navios de apoio logístico (combustível, mantimentos, munição, etc.) e de, no mínimo, dois submarinos nucleares na defesa submarina.

Sua reativação teve como justificativa oficial o combate ao terrorismo e ao narcotráfico. Só estranha o fato de que, ao sul da linha do Equador, somente existe costa brasileira neste lado do Oceano Atlântico. Inclusive, não podemos esquecer que o governo estadunidense é um dos poucos que só reconhece 12 das 200 milhas marítimas da costa brasileira e que, portanto, oficialmente sua IV Frota não precisa respeitar a soberania brasileira sobre essas águas. Isso significa que a área de exploração econômica a partir da 12º milha pode ser reivindicada por quaisquer pais do mundo, inclusive por aquele que é dono da maior potencia militar naval e que coincidentemente está navegando por toda a área em questão nesse momento. A descoberta recente de imensas reservas de petróleo que dará ao Brasil um bilhão de barris entre os anos de 2013 e 2014, demonstra que pode haver muito mais riqueza sob o mar dentre a 12º e a 200º milha marítima, do que pode supor a conveniente displicência da grande mídia nacional, pois não é só de petróleo que se alimenta a cobiça imperialista, da biodiversidade marítima também. Além da costa brasileira ser a rota de 90% das transações comerciais, ela também concentra um gigantesco celeiro de reprodução da fauna e flora marítima a ponto da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico – ICCAT – externar a existência de grande massa pesqueira que se desloca permanentemente na área marítima da zona econômica exclusiva brasileira.

As bases militares na Colômbia

Ao assumir a Doutrina Bush, Obama dá prosseguimento ao seu programa de espalhar bases militares no subcontinente, e com as sete novas bases militares na Colômbia, os EUA atingirão em breve a capacidade de operação de ataque e logística em 20 pontos da América Latina. Mas não pára por aí: faz parte da desculpa de combate ao terrorismo e ao narcotráfico instalar ainda mais quatro bases militares (em Alcântara, no Brasil, na Bolívia, na Argentina e na fronteira da tríplice aliança entre Brasil, Argentina e Paraguai, sobre o Aqüífero Guarani).

Em curto prazo, as bases militares permitirão que as forças estadunidenses dêem maior suporte ao combate contra as forças insurgentes na Colômbia (FARC, ELN), apóiem qualquer medida de repressão contra processos de mobilização popular na região, além de servir como elemento de pressão sobre as medidas populares de Chavez e ao processo de integração capitalista de Cuba. Em longo prazo, caso a crise econômica leve a uma polarização na luta de classes em nível mundial e a América Latina continue sendo esse histórico barril de pólvora para os interesses capitalistas, as bases militares juntamente com a III (responsável pelo leste e norte do Oceano Pacífico) e a IV Frota Naval poderão formar uma rede de ataque por sobre todo o território abaixo da fronteira sul dos Estados Unidos. O tamanho poder de alcance da aviação militar estadunidense, tanto a baseada em terra quanto nos porta-aviões e inclusive a capacidade de abastecimento em pleno vôo, não deixa dúvidas: em termos militares é impossível pensar em segurança do espaço aéreo brasileiro ou de qualquer outro país da América Latina.

Quem não quiser se surpreender com as medidas tomadas por Obama precisa considerar a idéia de Projeto de Estado construído e conservado pela elite estadunidense. Esse projeto estratégico está a serviço de manter os EUA como centro de decisão econômica, política e militar mundial surgida no fim da 2º Guerra e que desde então se utiliza de diversas doutrinas para consolidar e manter sua hegemonia. O que há de diferente é a crise de reprodução do capital que se manifesta desde a década de 70 e a emergência de novos concorrentes como a China e Rússia que relançaram a disputa pelas fontes de energias e mercados em escala global. É neste cenário que se coloca a necessidade dos EUA “fecharem o portão de seu quintal” e garantirem o controle sobre os recursos naturais e mercados consumidores e de mão de obra da América Latina.

As rebeliões populares na região, o sentimento anti-americano e o naufrágio da ALCA (Aliança para o Livre Comércio das América) na “Era Bush” possibilitaram o surgimento de governos que buscaram melhor posição de negociação no mercado mundial e conseguiram diversificar suas relações exteriores, mas agora com a eleição de Obama o império se sente capaz de lançar uma ofensiva e retomar o tempo perdido.

 

Precisamos pensar além da questão militar

Por mais importante que seja o debate a respeito da necessidade de autodefesa dos povos não podemos cair na simplicidade da defesa de uma corrida armamentista. A segurança dos países sob o arco de ataque das bases militares e das Frotas Navais estadunidenses está no terreno da política, não no milita, uma vez que todas as bases (com exceção de Guantánamo, em Cuba) contam com o apoio dos governos locais, além de que a história demonstra (Vietnã, Cuba, Coréia) que só a luta dos trabalhadores pôde derrotar a maior máquina de guerra da história. Isso quer dizer que as burguesias que governam os países da América Latina não levarão uma luta antiimperialista às últimas conseqüências, pois fazem parte da mesma classe burguesa mundial e têm os mesmos interesses de explorar os trabalhadores de seus países. Qualquer dúvida é só lembrar que não houve um só movimento golpista na América Latina sem o respaldo dos EUA. A divergência é somente quanto à parte que cada um explora.

Não podemos confiar nossa segurança e de nossos países a líderes que assistem à instalação de bases militares sem medidas concretas, ou como no caso brasileiro, envia tropas para reprimir trabalhadores no Haiti. Precisamos fomentar a discussão e a troca de informações sobre o perigo das bases militares e da IV Frota, construir comitês de denúncia e realizar campanhas que sejam capazes de mobilizar os trabalhadores. As fontes de energia e recursos naturais devem estar a serviço das necessidades humanas para construir escolas, hospitais, garantir a redução da jornada de trabalho e condições de vida digna para todos.

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