Jornal 68: Maio/Junho de 2014
28 de maio de 2014
- Nosso caminho, construir a luta e retomar a consciência socialista
- A teoria marxista da dependência e o subimperialismo
- Carta de Ernesto, trabalhador da Mercedez
- Professores lutam contra a precarização dos serviços público
- Oposição pela base, por um sindicato autônomo e combativo!
- Dimensões da precarização do ensino superior
- Enquanto se organiza a Copa…. a juventude é assasinada
- Marco civil da internet: mais repressão contra os trabalhadores
- Guerra às drogas, tráfico internacional e proibicionismo
Nosso caminho: Construir a luta e retomar a consciência socialista
No mês de abril o Espaço Socialista realizou sua Conferência Nacional, analisou e debateu sobre a situação política internacional e nacional, bem como as tarefas políticas que decorrentes. De forma bem resumida (os textos aprovados serão editados e disponibilizados) apresentamos abaixo as principais conclusões políticas:
INTERNACIONAL
– Os dados econômicos apontam para a permanência de crise na economia mundial. No marco da crise estrutural do capital, os índices positivos de algumas das principais economias do mundo não são suficientes para a superação dos problemas econômicos que a burguesia mundial enfrenta e busca transferir para os trabalhadores;
– A solução definitiva dessa crise passaria pela imposição de uma derrota de grande envergadura ao proletariado mundial. As lutas em várias partes do mundo, principalmente nos países imperialistas, as rebeliões explosivas da juventude mundo afora e as greves gerais que voltaram a fazer parte da paisagem política mundial são obstáculos objetivos a essa necessidade do capital;
– Avaliamos que, como consequência desta crise, os problemas econômicos e sociais vão continuar se aprofundando, jogando centenas de milhões de trabalhadores (principalmente os mais jovens) ao desemprego, à miséria e à fome de modo que não há outra alternativa que não seja a luta. O fundamental é constatar que o capitalismo mundial – impossível de satisfazer as necessidades básicas da humanidade – não tem como fazer qualquer tipo de concessão mais duradoura, ou seja, os problemas sociais vão continuar se aprofundando;
– No entanto, em que pese tantas lutas, do lado dos trabalhadores ainda convivemos com o problema do atraso da subjetividade da classe trabalhadora mundial que se expressa na falta da alternativa socialista e em formas de organização próprias. Luta-se muito, mas a classe ainda não conseguiu transformar essas lutas em questionamentos aos pilares do sistema. Esse atraso na subjetividade permite que processos como o egípcio e o da Primavera árabe sejam dirigidos pela direita e desviados para alternativas mais facilmente controláveis pelo sistema (eleições e guerras civis) em detrimento de alternativas de esquerda;
– Para nós, processos como o sírio ou o ucraniano não são revoluções sociais e nem “democráticas”.A ausência de objetivos contra o sistema, a ausência de parcela importante da classe trabalhadora como sujeito e o papel da direção política destes processos os transformam em uma guerra civil entre os inimigos dos trabalhadores, no caso da Síria, ou, no caso da Ucrânia, em golpe fascista. Em ambos os casos coloca-se a tarefa imperiosa da necessidade de se construir uma alternativa dos trabalhadores independente de todas as forças burguesas envolvidas;
BRASIL…?
– Em relação à economia brasileira, mesmo com toda propaganda governamental e da imprensa burguesa, o dito crescimento econômico não chegou e nem chegará para os trabalhadores, pelo contrário, contamos somente as migalhas. Prevalece a concentração de riqueza e de renda nas mãos de poucos, a intensificação da exploração e a ampliação da pauperização material (absoluta e/ou relativa) da classe trabalhadora. Ainda que os dados apontem para uma mobilidade em relação à pobreza absoluta, as políticas sociais (bolsa família, etc.) não são suficientes para retirar as pessoas da pobreza relativa, pelo contrário, a perspectiva é de que a miséria continue assombrando a classe trabalhadora brasileira;
– Há uma retomada da entrega de empresas e serviços públicos para o capital privado. O jeito petista de privatizar chama-se concessão. Estradas, campos de petróleo, portos, aeroportos foram para as mãos de empresas que encontraram um novo espaço para a reprodução de seu capital. A consequência é que a classe trabalhadora vai ser mais uma vez extorquida com o pagamento de pedágio, aumento de taxas e os serviços públicos oferecidos à classe trabalhadora continuarão sendo de péssima qualidade;
-Mesmo com o aumento das contradições (restrição ao crédito, o aumento do endividamento estatal, etc.) avaliamos que, pelo menos neste momento, não deva haver um estouro da dívida. Os gastos com os eventos esportivos, as privatizações citadas acima, a margem (ainda que cada vez menor) para o crédito, a demanda internacional por commodities garantem uma lucratividade para o capital e transferem para um pouco mais adiante as contradições;
– No campo, o agronegócio é o principal beneficiário do histórico modelo de concentração de terras. O financiamento público dos grandes grupos visa tão somente a produção de commodities que atendem não as necessidades da população mas a demanda do mercado internacional. Como as exportações de commodities são um dos pilares do modelo econômico petista, o governo Dilma se aproxima cada vez mais deste setor, um dos mais reacionários do país;
-Neste cenário a questão da dívida pública tem um peso decisivo na medida em que é um dos principais mecanismos de transferência de dinheiro público para os agiotas e banqueiros. Ano após ano são bilhões de reais que alimentam esse setor parasitário do capital, retirando dinheiro dos serviços públicos. Só no orçamento de 2014 estima-se que serão destinados R$ 1 trilhão, ou 42% de todo o orçamento federal, para o setor;
– Na esfera da política, o campo de alianças do governo Dilma e do PT é cada vez mais amplo envolvendo a burocracia sindical, as igrejas e até a extrema direita. São alianças que se articulam contra os interesses e as reivindicações da classe trabalhadora. É um governo completamente comprometido com os interesses do capital;
– Há uma nova situação política no país e que exige da esquerda se colocar como alternativa para a classe trabalhadora. As jornadas de junho, impulsionadas especialmente pela juventude trabalhadora, serviram de impulso a novas mobilizações. Aumenta o número de greves e mobilizações. Greves que passam por cima das direções sindicais e enfrentam a repressão policial. As ocupações urbanas ocupam as avenidas dos principais estados. Essa deve ser a tendência desse ano, com os trabalhadores e a juventude aproveitando os problemas que o governo enfrenta (inquietação na base aliada, denuncias de corrupção, etc.) e o próprio processo eleitoral para obrigar algumas mediações;
– No entanto, essa necessidade encontra uma realidade com muita descrença (e com razão) nas organizações políticas, sindicais, estudantis e até mesmo nos partidos de esquerda. O problema é que essa insatisfação pode ir para qualquer lado, até mesmo para a direita. Assim, a disputa política (de programa e de projeto para o país) está no centro das tarefas atuais da esquerda. É preciso ganharmos a classe trabalhadora para um projeto de ruptura com o capital.
SUBTÍTULO…QUAL?
-Retomamos e aprofundamos a discussão do caráter dependente da economia do Brasil: caracterizada como uma economia com níveis de crescimento instáveis, alta dependência de capital externo, intensa concentração de renda e riqueza e, grande vulnerabilidade às oscilações da economia mundial. É parte de um todo que é a economia mundial na qual as economias desenvolvidas têm esse status por conta da exploração que exerce sobre as economias dependentes e essas – por serem dependentes – são ligadas às desenvolvidas por laços de dependência.
Assim, a lógica do capital se coloca em movimento produzindo o desenvolvimento em uma parte do mundo e, necessariamente, o subdesenvolvimento em outra parte;
A relação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos (sempre com vantagem para os imperialistas) ocorre principalmente pela transferência de valor entre os países (com os menos industrializados exportando produtos com menor valor agregado e importando outros com mais valor incorporado), remessa de valor das regiões dependentes para os países centrais sob a forma de juros, dividendos, royalties, repatriação dos lucros das grandes empresas multinacionais, a dívida pública e a dependência tecnológica que também é meio de transferência de valor das economias periféricas para as desenvolvidas.
Esse processo se combina com uma superexploração do trabalho, forma de acumulação interna de capital, garantindo à “burguesia nacional” uma fatia na apropriação do excedente produzido.
– Mas não é um processo linear em que o mundo se separa entre países desenvolvidos e periféricos. É um processo mais contraditório, pois em alguns países dependentes o capitalismo chegou ao estágio dos monopólios e do capital financeiro. Deste processo emergiram subcentros econômicos e políticos. São os chamados países subimperialistas, entre os quais o Brasil ocupa papel de destaque.
Não se trata de uma “conquista” da forma de gestão do capital, mas sim consequência de uma especificidade do desenvolvimento da produção capitalista, ou seja, é resultado de um processo objetivo.
A partir da segunda metade do século XX, a internacionalização da produção permitiu a transferência de certas etapas da produção industrial para alguns países periféricos, transformando-os em potências capitalistas médias. Industrializados, mas com baixa tecnologia.
Essa força econômica permite que o Brasil consiga se impor econômica e politicamente aos vizinhos (e até em outros continentes) mais frágeis que não lograram alcançar as condições objetivas que pudessem torná-los nações de desenvolvimento médio ou avançado. Neste contexto, o Brasil, enquanto potência subimperialista, estabelece uma hegemonia regional baseada em três pontos fundamentais: 1) Controle sobre a produção de matérias primas na região, 2) Pressão sobre as nações vizinhas para que se tornem mercado consumidor dos produtos manufaturados produzidos por aqui e, 3) Estabelecimento de uma divisão regional desigual do trabalho.
Como exemplo do papel subimperialista do Brasil podemos citar o peso e as iniciativas de empresas como a Petrobrás, várias construtoras que atuam em África e em países da América do Sul, a intervenção militar no Haiti, a pressão sobre o preço das tarifas de energia elétrica em Itaipu, entre outros exemplos.
Ser subimperialista não muda o fato de a burguesia brasileira continuar sendo dependente, apenas lhe dá uma relativa autonomia, que permite negociar com o imperialismo em condições “menos piores”.
Também é importante destacar que, por sua condição de “associação dependente” os interesses da burguesia brasileira não se opõem aos interesses do imperialismo, pelo contrário, ambos são aliados contra os trabalhadores, pois é da exploração destes que se extraem seus lucros. Desse modo, consideramos impossível a burguesia brasileira ter qualquer postura de enfrentamento ao imperialismo.
Campanhas políticas:
A partir dessas caracterizações da luta de classes a necessidade de ganharmos a classe trabalhadora para um projeto classista e socialista coloca-se como uma das principais tarefas políticas do momento. Assim vamos procurar combinar o apoio e a atuação nestas lutas com uma política e práticas que ajudem no desenvolvimento da consciência socialista entre a classe trabalhadora.
Resolução de Conferência, em relação às lutas: “Participamos e as apoiamos, tomando-as como são(dirigidas por burocratas, com consciência sindical, reivindicação parcial) porque não somos nós quem definimos o seu estágio político. Mas ao mesmo tempo,não nos limitamos ao seu nível de consciência. No seu interior, lutamos para ganhá-las para um programa classista, partindo das reivindicações mais sentidas, e formulando um programa para ir além das reivindicações mínimas e se elevar ao plano político(enfrentando o governo e o regime), de modo que ajude na auto-organização da classe (criar organismos próprios da classe) e enfrente as direções pelegas e burocráticas”.
Uma das formas de contribuirmos para as lutas é a realização de campanhas políticas como instrumento importante de diálogo com o conjunto da classe trabalhadora, partindo de suas inquietações mais imediatas e contribuindo para avançar nas lutas políticas, que só se expressam a partir do momento em que a classe incorpore reivindicações que questionem a lógica do sistema político.
Nesse sentido, propomos as seguintes campanhas políticas: a) Para responder à crise histórica do capital e a disputa da consciência: “socialismo ou barbárie”; b) Aos problemas que os trabalhadores e os pobres enfrentam no país: “contra o pagamento da dívida pública”; c) Como eixo democrático: “contra a repressão e criminalização aos movimentos sociais”; d) “Sem direitos, sem copa” como parte da luta contra os gastos da Copa.
Essas são necessidades reais para avançarmos na luta que podem ser discutidas e implementadas em todas as frentes e lutas, uma vez que os problemas enfrentados pelos trabalhadores podem ser explicados por essas questões, ou seja, eixos que podem ser incorporados em todas as lutas travadas pela classe trabalhadora brasileira na atualidade em que enfrenta a burocracia, a patronal, o regime político, o governo, etc.
POR QUE ESSES TEMAS?
a) “Socialismo ou barbárie: A crise societal (ambiental, social, econômica, etc.) e os desastres produzidos pelo capitalismo conduzem no mundo inteiro à generalização da manifestação de elementos de barbárie (marginalização, fome, miséria, guerras, etc.) impossíveis de serem solucionados pelo capitalismo.
Para nós, historicamente, a humanidade está diante de uma encruzilhada histórica: ou expropriamos a burguesia para construir uma nova sociabilidade ou o capitalismo vai levar a humanidade para a barbárie.
Não nos referimos somente às “questões econômicas”, mas ao próprio modo de vida que o capital oferece à humanidade e que joga bilhões de pessoas na depressão, na falta de cultura, etc. Por isso é decisivo ganhar a classe trabalhadora para a luta pelo fim do capitalismo e pelo socialismo.
b) “Contra o pagamento da dívida pública”: Nas últimas décadas uma imensa soma de dinheiro foi deslocada para a compra de títulos públicos (papéis que os próprios governos venderam no mercado por endividamento) com rendimentos seguros e vantajosos, construindo o que chamamos da dívida pública.
Para“honrar” esses compromissos uma parte significativa dos orçamentos públicos é destinada para esses credores (a maioria banqueiros e agiotas), diminuindo a capacidade de o Estado suprir as necessidades básicas da população.
No Brasil, esse valor foi ficando tão alto que nos últimos anos mais de 40% do orçamento federal foi destinado para o pagamento dessa dívida, que somente com os juros, já foi paga várias vezes. Em 2014 serão mais de 1 trilhão de reais.
A pauta das jornadas de junho por mais hospitais, escolas, transporte públicos somente poderá ser efetivada se deixar de pagar essa dívida fraudulenta. Enquanto isso não ocorrer o governo vai ficar tampando o sol com a peneira.
Tratamos essa questão com a importância de uma campanha política pela necessidade e pelo potencial revolucionário dessa bandeira política. Somente não ocorrerá o não pagamento da dívida com uma luta gigantesca da classe trabalhadora porque significa a ruptura com o capitalismo, com um de seus principais mecanismos de reprodução do capital.
A partir desse tema é possível explicar à classe trabalhadora as razões de os serviços públicos serem tão ruins e demonstrar que se todo esse dinheiro fosse para os serviços públicos, ao invés de pagar os banqueiros, poderíamos ter hospitais, escolas, transporte, etc. públicos, gratuitos e de qualidade.
c) “Contra a repressão e criminalização aos movimentos sociais”: Para levar adiante o projeto de exploração o capital precisa criar mecanismos de repressão. São processos judiciais, mobilização do aparato policial, demissões, perseguições, assédio moral e tantas outras formas para tentar impor o medo e a pressão aos que lutam.
As jornadas de junho impuseram nas ruas a importante conquista do direito à manifestação, mas essa conquista está em risco porque os governos (federal e estaduais) se reorganizam e têm adotado várias medidas de ofensiva contra os movimentos sociais.
Consideramos fundamental essa campanha que deve ser realizada com a mais ampla unidade porque se prevalecer a força da repressão as conquistas democráticas mínimas estarão em risco.
d) “Sem direito, sem copa”: A realização da Copa do Mundo no Brasil foi um grande negócio para vários setores da burguesia. Foram bilhões de reais retirados dos serviços públicos e destinados à construção de estádio, à isenção tributária para a FIFA e tantos outros benefícios. Milhares de trabalhadores foram desapropriados para construir estádios ou avenidas que facilitam seus acessos e para “limpar a área” antes ocupada por favelas. Vários trabalhadores foram mortos na construção de estádios por falta de condições mínimas de segurança no trabalho. E mesmo com tudo isso, pelo preço dos ingressos, é praticamente impossível trabalhadores irem aos estádios assistirem jogos da Copa. Enfim, definitivamente, essa Copa não é do povo.
ORGANIZAR AS CAMPANHAS
Temos a plena consciência das dificuldades que encontraremos. São também desafios da realidade. Por isso é importante a preparação política e contar com ativistas e simpatizantes que desenvolvam conosco cada uma dessas campanhas.
Construiremos atividades, formação, debates, textos explicativos, etc. para contribuírem no fundamental que é a construção de atividades junto à classe trabalhadora, nas escolas, universidades, nos bairros, enfim, que as campanhas fortaleçam as lutas em curso num movimento político pela base e para avançar a consciência socialista dos trabalhadores.
Nesse sentido, abriremos a discussão nas lutas e fóruns do movimento para que se transformem em bandeiras não do Espaço Socialista, mas da classe trabalhadora. Essas campanhas são parte de uma batalha política pela consciência da classe e elas só podem mostrar a sua força se forem apropriados pela classe trabalhadora dando-lhes força material.
Temos a consciência de nossas limitações e se depender somente de nossas forças os limites de alcance dessas campanhas são bem estreitos. Por isso, desde já fazemos o chamado a todos e todas para que nos ajudem a preparar as campanhas e também a levá-las a classe trabalhadora.
A TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E O SUBIMPERIALISMO
Também retomamos e aprofundamos a discussão do caráter dependente da economia do Brasil: caracterizada como uma economia com níveis de crescimento instáveis, alta dependência de capital externo, intensa concentração de renda e riqueza e, grande vulnerabilidade às oscilações da economia mundial. É parte de um todo que é a economia mundial na qual as economias desenvolvidas têm esse status por conta da exploração que exerce sobre as economias dependentes e essas – por serem dependentes – são ligadas às desenvolvidas por laços de dependência.
Assim, a lógica do capital se coloca em movimento produzindo o desenvolvimento em uma parte do mundo e, necessariamente, o subdesenvolvimento em outra parte;
A relação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos (sempre com vantagem para os imperialistas) ocorre principalmente pela transferência de valor entre os países (com os menos industrializados exportando produtos com menor valor agregado e importando outros com mais valor incorporado), remessa de valor das regiões dependentes para os países centrais sob a forma de juros, dividendos, royalties, repatriação dos lucros das grandes empresas multinacionais, a dívida pública e a dependência tecnológica que também é meio de transferência de valor das economias periféricas para as desenvolvidas.
Esse processo se combina com uma superexploração do trabalho, forma de acumulação interna de capital, garantindo à “burguesia nacional” uma fatia na apropriação do excedente produzido.
– Mas não é um processo linear em que o mundo se separa entre países desenvolvidos e periféricos. É um processo mais contraditório, pois em alguns países dependentes o capitalismo chegou ao estágio dos monopólios e do capital financeiro. Deste processo emergiram subcentros econômicos e políticos. São os chamados países subimperialistas, entre os quais o Brasil ocupa papel de destaque.
Não se trata de uma “conquista” da forma de gestão do capital, mas sim consequência de uma especificidade do desenvolvimento da produção capitalista, ou seja, é resultado de um processo objetivo.
A partir da segunda metade do século XX, a internacionalização da produção permitiu a transferência de certas etapas da produção industrial para alguns países periféricos, transformando-os em potências capitalistas médias. Industrializados, mas com baixa tecnologia.
Essa força econômica permite que o Brasil consiga se impor econômica e politicamente aos vizinhos (e até em outros continentes) mais frágeis que não lograram alcançar as condições objetivas que pudessem torná-los nações de desenvolvimento médio ou avançado. Neste contexto, o Brasil, enquanto potência subimperialista, estabelece uma hegemonia regional baseada em três pontos fundamentais: 1) Controle sobre a produção de matérias primas na região, 2) Pressão sobre as nações vizinhas para que se tornem mercado consumidor dos produtos manufaturados produzidos por aqui e, 3) Estabelecimento de uma divisão regional desigual do trabalho.
Como exemplo do papel subimperialista do Brasil podemos citar o peso e as iniciativas de empresas como a Petrobrás, as construtoras que atuam em África e em países da América do Sul, a intervenção militar no Haiti, a pressão sobre o preço das tarifas de energia elétrica em Itaipu, entre outros.
Ser subimperialista não muda o fato de a burguesia brasileira continuar sendo dependente, apenas lhe dá uma relativa autonomia, que permite negociar com o imperialismo em condições “menos piores”.
Destaca-se também que, por sua condição de “associação dependente” os interesses da burguesia brasileira não se opõem aos interesses do imperialismo, pelo contrário, ambos são aliados contra os trabalhadores, pois é da exploração destes que se extraem seus lucros. Desse modo, consideramos impossível a burguesia brasileira ter qualquer postura de enfrentamento ao imperialismo.
ERNESTO: “OS LUCROS DAS EMPRESAS SÃO TRATADOS COMO ALGO SAGRADO, INTOCÁVEL”
É nas montadoras – um dos setores mais beneficiados pelo governo Dilma/PT – que o emprego dos trabalhadores está sofrendo mais pressão. São demissões, férias coletivas, Layoff (licença remunerada com salários pagos pela empresa e pelo governo) e PDV (plano de demissão voluntário). Todas essas medidas contam com o apoio dos sindicatos pelegos e do próprio governo.
A Mercedes Benz é uma dessas empresas que, aproveitando a redução da produção, quer demitir 2 mil trabalhadores somente da planta de São Bernardo do Campo. Fala-se que já foram mais de 700 demissões (a maioria aposentados), outros tantos estão em licença e a pressão para aceitar o PDV é intensa.
O normal seria que o sindicato se colocasse contra as demissões e organizasse a luta para resistir aos planos da empresa. Mas, não foi nada disso que ocorreu. A burocracia sindical cutista, aliada da patronal, tem feito o contrário e fecha os olhos para as demissões. Publicamos abaixo a Carta de um Trabalhador Ernesto (codinome, por razões de segurança) desta empresa que expressa bem a realidade dos trabalhadores.
CARTA DE ERNESTO, TRABALHADOR DA MERCEDES
Companheiros, como sabemos, nós da classe trabalhadora sempre pagamos a conta pelos problemas da sociedade. Isso ficou muito evidente nos últimos anos com a perda de direitos, diminuição do poder de compra, aumento da concentração de renda, etc.
O cenário atual mostra que a sociedade capitalista em que vivemos está diante de uma profunda crise estrutural. Os governos têm muita dificuldade para administrar as contradições geradas por uma sociedade que tem como único objetivo o lucro de uma minoria.
A violência em todos os espaços sociais, a crescente pobreza e a crise ambiental em que vivemos, por exemplo, são efeitos colaterais de uma sociedade desigual, desde a sua base.
Como consequência dessa crise estrutural mais ampla surgem crises como a econômica que enfrentamos desde 2008. e que ainda não foi superada.
Dentre outros fatores, as crises econômicas são essencialmente crises de superprodução. É fácil para nós percebermos, por exemplo, que não há mais onde enfiar tanto carro no Brasil.
Entretanto, nos últimos anos foi feito de tudo para que os lucros dos patrões não fossem afetados. Nos últimos anos, vimos o governo deixar de arrecadar muito dinheiro com essas empresas em forma de isenção de impostos, facilidades para exportação e empréstimos através do BNDES com juros baixíssimos. Ainda assim, se seguiu a choradeira dos empresários.
Todos estamos cansados de ver a imprensa conservadora insistindo nas questões da baixa produtividade do trabalhador brasileiro (o que é falso) e da falta de estrutura do país, como falta de estradas, etc.
O governo federal “come na mão” dos empresários e para o povo só as migalhas. Cada vez fica mais evidente que o governo do PT também não está do nosso lado.
Agora, está ficando muito claro que a próxima estratégia de governo e dos empresários será o ataque brutal à classe trabalhadora, com retirada de direitos, demissões e a tentativa de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Os companheiros que trabalham nas montadoras já estão sentindo na pele esse ataque.
Nas últimas semanas, tivemos milhares de companheiros demitidos ou afastados de seu trabalho através de licenças, férias coletivas, folgas, etc.
Sabemos que, nos últimos anos, as montadoras se deram muito bem no Brasil. Foram recordes em cima de recordes, bilhões de dólares enviados às suas matrizes ($3,3 bilhões só em 2013). Enriqueceram muito à custa de nosso suor. E no primeiro sinal de queda na produção a primeira coisa que falam é em demissão.
O povo não pode pagar a conta da crise, de novo. Os lucros das empresas são tratados como algo sagrado, intocável. Muitas vezes os números das empresas são inacessíveis. Já foi comprovado que a margem de lucro das empresas no Brasil é muito maior do que em qualquer outro lugar do mundo. Por que ninguém questiona isso?
É preciso resistir! Mas somente quando a luta precisa voltar para as mãos do conjunto dos operários. Hoje, o trabalhador não se sente mais representado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Só faz acordos às portas fechadas e avisa o trabalhador depois. Estamos vivendo o pior momento da categoria nos últimos anos e não vemos o sindicato chamar uma greve!
Está muito evidente que os sindicatos dirigidos pela CUT abandonaram a luta há muito tempo. Por exemplo, a Comissão de Fábrica da Mercedes não está resistindo diante das demissões, inclusive, dizem que as demissões são inevitáveis. Além do mais, joga sujo com o trabalhador: os companheiros que foram demitidos procuraram a Comissão de Fábrica e ouviram que era para “ficar tranquilo” e que “iam resolver”. Passaram dias e ficou claro que a intenção era dar uma canseira até o companheiro perceber que estava isolado e que não restava alternativa senão assinar o PDV. No final das contas, a Comissão não sai com a imagem ruim e parece que foi vontade do trabalhador sair da empresa.
Agora, estão comemorando um acordo de licença remunerada. É um acordo muito ruim para nós, porque quem sai fica mais fácil para a empresa demitir e para quem fica a pressão só aumenta. Não tem sentido nenhum para nós esse acordo: Vão pagar esse trabalhador para ficar em casa sendo que ele fará falta na fábrica. A única explicação é política. Se não está compensando para a empresa trabalhar com a capacidade máxima que diminua a jornada sem diminuir os salários e mantenham todos trabalhando. É disso que precisamos agora, manter os nossos empregos!
DILMA/PT PREPARA MAIS ATAQUES…
O governo, em um plano acordado com as montadoras (e que contam com o apoio da patronal de conjunto) está preparando um novo pacote de ataque aos direitos trabalhistas, com mais flexibilização da jornada de trabalho e redução dos salários.
Mesmo sendo negociado com as grandes empresas o rebaixamento salarial pode valer para todas as categorias.
Chamado, ironicamente, de Programa Nacional de Proteção ao Emprego a proposta, do governo e da patronal, é que a jornada possa ser reduzida pela metade e com redução nos salários em que a empresa paga a metade e o restante é complementado por recursos do FGTS e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), ou seja, com dinheiro dos próprios trabalhadores.
Quem trabalha 8 horas por dia e ganha R$ 4 mil, por exemplo, teria uma jornada de quatro horas, recebendo R$ 2 mil da empresa e o complemento com os recursos do FGTS, com um teto estabelecido. Ou seja, com a existência de um teto haverá redução salarial para os maiores salários.
Em um quadro político e econômico com demissões em várias empresas essa medida mais uma vez vai favorecer os patrões e jogar nas costas dos trabalhadores os efeitos da crise.
Nesse momento em que estão acontecendo várias lutas é fundamental a construção de um dia nacional de lutas e paralisações que coloquem em suas reivindicações a estabilidade no emprego, a redução da jornada de trabalho sem redução do salário para que todos tenham emprego. Essa tarefa cabe fundamentalmente às centrais sindicais de esquerda (CSP e Intersindical), pois nenhuma das centrais governistas fará.
PROFESSORES LUTAM CONTRA A PRECARIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
A construção da greve dos servidores públicos federais em 2014 foi iniciada pela FASUBRA (17/03/14) e seguida pelo SINASEFE (22/04/14). A pergunta recorrente é sobre os motivos de uma nova greve dos servidores públicos nesse ano. E, novamente, podemos afirmar que boa parte dos problemas estruturais que motivaram as greves de 2011 e 2012 não foi resolvida.
São condições precárias no que diz respeito à infraestrutura, disparidades e distorções nas carreiras até a ausência da data base, a criação da FUNPRESP e, ainda, a privatização dos serviços públicos com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Outro elemento importante a considerar é a corrosão do nosso poder de compra a cada mês por conta da inflação, pois, retira dos trabalhadores o direito de manter uma vida digna. Enquanto boa parte dos trabalhadores possui sua data base, os servidores públicos federais ficam à mercê dos governos para mínimas concessões como a reposição da inflação.
A falta de infraestrutura adequada está ligada à expansão precária da rede federal de ensino realizada pelo governo, instalando campus em várias partes do país sem as mínimas condições de funcionamento. Com isso o governo cria uma situação degradante para os trabalhadores e para os filhos dos trabalhadores que estudam nessas instituições: salas de aulas superlotadas, imposição de carga horária excessiva em sala de aula, falta de professores, precariedade de instalações.
Vários campi espalhados pelo país funcionam em espaços cedidos por prefeituras, salas improvisadas, sem laboratórios, equipamentos e instalações adequadas. A resposta do governo e de seus gestores tem sido marcada pela falta de diálogo e pelo funcionamento nada democrático dessas instituições. A fórmula do governo é bastante simples: ampliação inadequada de vagas, redução dos investimentos nas áreas sociais, repasse de verbas para o setor privado e aumento da pressão e do controle sobre os trabalhadores com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isto é, Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para os grandes empresários do agronegócio, empreiteiros, banqueiros e especuladores do mercado financeiro.
Segundo o Ministério do Planejamento, as despesas com pessoal e encargos sociais caíram de 4,8 % do PIB em 2002 para 4,2% em 2014. Entre 2001 e 2010 os tributos cobrados pelos governos cresceram 265%, frente a uma inflação de 90% (IPCA). Segundo a LDO para o ano de 2014, a previsão de crescimento da receita é de 14%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, não crescerá. Além disso, o governo anunciou um corte de R$ 44 bilhões no Orçamento Geral da União para 2014. Em 2013, o corte total foi de R$ 38 bilhões; em 2012, de R$ 55 bilhões; em 2011 de R$ 50 bilhões. Os sucessivos cortes no orçamento servem para continuar beneficiando os especuladores financeiros através do superávit primário, que recebem quase 47% do orçamento da União que é de R$ 2,36 trilhões. Além disso, em virtude da pressão de diversos setores que sustentam o governo, não podemos esquecer as isenções fiscais para a indústria automobilística que ultrapassam R$ 145 bilhões/ano.
O Brasil sediará uma das Copas mais caras de todos os tempos. A Copa do Japão e da Coréia (2002) custou 4,6 bilhões de dólares; a da Alemanha (2006), 3,7 bilhões de euros; e a da África do Sul (2010) 3,5 bilhões de dólares. Em janeiro de 2010, o Ministério do Esporte estimou o gasto total com a Copa em R$ 20,1 bilhões. Em 2014, a estimativa é que esses gastos já aumentaram significativamente.
A greve no setor da Educação federal segue crescendo, a Caravana da Educação/Marcha dos servidores federais, nos dias 06 e 07 de maio, demonstram a necessidade de um fortalecimento da luta. O bloqueio do acesso ao Ministério do Planejamento, na madrugada do dia 07 realizado pela FASUBRA e SINASEFE, impediu a realização do expediente no ministério obrigando o governo a receber as entidades em greve.
Portanto, para enfrentar a intransigência do governo e a degradação dos serviços públicos é necessária mais do que uma greve de categoria, é necessário uma greve geral dos trabalhadores. Esses problemas enfrentados pelos servidores federais também são os mesmos dos demais servidores pelo país. Precisamos articular nossas lutas e reivindicações para enfrentarmos os ataques do governo, dos patrões e de seus gestores.
OPOSIÇÃO PELA BASE: POR UM SINDICATO AUTÔNOMO E COMBATIVO!
Foi no contexto de precarização das condições de trabalho e dos serviços públicos e também das lutas de resistência e enfrentamento contra esses processos – nas greves de 2011 e 2012 – que nasceu o grupo político Oposição pela Base – OPB. Surgiu na reunião de trabalhadores da Educação do Instituto Federal de Alagoas, que diante da situação degradante e dos ataques do governo não encontraram na direção do SINTIETFAL um espaço de luta ou uma trincheira na defesa de nossos direitos. Ao invés disso, com os ataques que eram lançados contra nossas condições de trabalho, a direção do sindicato permanecia numa profunda inércia política. Completamente afastada dos interesses e anseios da categoria, alheia aos problemas que afligiam os trabalhadores a diretoria era pautada por uma atitude burocrática, uma condução política apaziguadora, tentando sempre conciliar o inconciliável.
A necessidade de construir o grupo Oposição pela Base emergiu justamente porque o sindicato do IFAL (SINTIETFAL) não vem se mostrando combativo na defesa dos direitos dos servidores, já não representando uma trincheira na luta contra a precarização que atingiu o IFAL a partir do processo de expansão mal planejado. Além disso, não reage contra os atos de assédio moral que existe em nossa instituição e não se empenha em questionar a falta de democracia presente em muitas instâncias decisórias do IFAL (inclusive no próprio sindicato).
Em consequência de não dispor de um sindicato organizado e forte que sirva de apoio e referência de luta aos seus representados há uma intensa desarticulação dos servidores do Instituto Federal de Alagoas. A questão que colocamos é: se o atual sindicato não cumpre suas tarefas políticas, organizativas e estatutárias (falta de transparência na prestação de contas, por exemplo), o que resta à categoria? Ficar parada vendo a banda passar? NÃO! Devemos lutar contra a desesperança, a indiferença e o conformismo. Façamos nossas as palavras de Bertold Brecht: nada é impossível de mudar! O SINTIETFAL atualmente está mergulhado em uma questão judicial que já se prolonga por meses e que paralisa e esvazia o sindicato. Acreditamos que o SINTIETFAL, com sua estrutura burocratizada, já não tem mais legitimidade para ser o órgão de defesa dos nossos interesses.
Não acreditamos que é possível construir algo novo e melhor a partir da mesma estrutura do velho e que já não atende as nossas necessidades. Nesse sentido, o que propomos concretamente é um processo de politização, que pressupõe um amplo debate com a base da categoria para que professores e técnicos deixem de ser plateia apática para tornarem-se os agentes principais do processo de reconstrução do SINTIETFAL. Por isso, defendemos um movimento de Refundação sindical que faça nascer um novo e mais forte instrumento de defesa dos interesses dos trabalhadores do IFAL, mas sem os antigos vícios burocráticos e práticas antidemocráticas. Este novo órgão sindical deve pautar-se pelos seguintes fundamentos:
1) Autonomia e combatividade, que defenda a ideia de que só a mobilização da categoria é capaz de manter os direitos e abrir caminhos para novas conquistas significativas e duradouras;
2) Independência política, sem cair na perspectiva da neutralidade deve-se buscar o resgate do sindicato como efetivo instrumento de luta pelos direitos dos servidores, sem qualquer relação de submissão com gestores do IFAL ou governos, quaisquer que sejam.
3) Democracia direta e autodeterminação, única forma de assegurar autonomia e soberania da categoria e o controle, por todos os servidores, das decisões e encaminhamentos deliberados em suas instâncias.
Para construirmos um órgão sindical efetivamente novo é necessário, antes de tudo, a participação de todos os companheiros, professores e servidores técnico-administrativos. Um sindicato não se faz com uma única pessoa, ou com um grupo de “iluminados”. Todos nós devemos assumir esta responsabilidade, JUNTOS! O reconhecimento dos servidores de que o atual SINTIETFAL já não nos serve e a disposição para construir, de forma coletiva, um sindicato realmente novo é o primeiro passo. A isto deve se seguir a realização de um congresso estatutário no qual todos os servidores (independente de serem ou não sindicalizados) seriam chamados a participar. E desse congresso lançaríamos as bases para a construção de um verdadeiro instrumento de defesa de nossos interesses, realmente democrático e combativo, fiel aos princípios expostos anteriormente.
A grande tarefa diante dos desafios postos é desenvolver um trabalho de construção política para que possamos ir além das lutas por questões especificas salariais sintonizadas com as lutas gerais do conjunto da classe trabalhadora, desenvolvendo assim o combate cotidiano contra toda forma de opressão e discriminação e assim reafirmar a luta pela Educação pública gratuita e de qualidade.
Trata-se de uma luta cotidiana contra uma cultura de despolitização e letargia que teremos que travar contra nós mesmos, muitas vezes. Porém é uma tarefa que pode ser levada a bom termo, se atuarmos com firmeza, com paciência, mas com muita perseverança.
Dessa forma, reafirmamos o pensamento de Rosa Luxemburgo: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”.
DIMENSÕES DA PRECARIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO E OS DESAFIOS DA ESQUERDA
Danilo Amorin
Darcy Ribeiro, nos anos finais da década de 1970, já dizia que a “crise” da Educação brasileira não era verdadeiramente uma crise, mas um projeto – competentemente implantado e dirigido pela classe dominante brasileira a fim de sustentar um sistema social de “prosperidade restrita e progresso contido”, que reproduzia a miséria como condição mesma de sua reprodução.
O ensino superior brasileiro ao mesmo tempo reflete as características gerais desse projeto, nunca efetivamente superado, e retém algumas especificidades, em primeiro lugar sua acentuada privatização. Das 2365 instituições de ensino superior no Brasil, 2081 são particulares (88%) – que representam 73% dos alunos, 5,34 milhões em números absolutos.
Por sua vez, a acelerada expansão mercantilizada do ensino superior privado brasileiro, a partir da gestão FHC-Paulo Renato de Souza (entre 1995 e 2010 o número de matrículas nesse setor aumentou 262%), explicitou ainda que se trata de um projeto extremamente lucrativo.
Apenas para tomarmos um exemplo recente: o fundo de investimentos GP Investiments “comprou 20% da Estácio [terceiro maior grupo educacional privado do Brasil] em 2008 por 5,5 reais a ação e vendeu a sua participação em setembro do ano passado por 17,6 reais, com um ganho total de 56,5 milhões de dólares” (“Mercado nota 10”, Carta Capital, 14/05/2014). Quatro dos cinco maiores grupos educacionais (a exceção é o conglomerado Objetivo-Unip) contam com a participação de fundos de investimentos em sua gestão.
Nos últimos onze anos, esse setor converteu-se numa síntese das contradições e dilemas da estratégia conciliatória dos governos petistas (que vem sendo caracterizado como lulismo), sendo eixo de uma das principais “parcerias público-privadas” efetivas e, não por acaso, bandeira recorrente de suas campanhas eleitorais.
De um lado, temos a monopolização e a lucratividade sustentadas pela apropriação privada do fundo público: segundo o jornal Valor Econômico, 31% do total de matrículas do ensino superior privado (1,66 milhão de alunos no total de 5,34 milhões) são beneficiados por algum programa governamental – ou o Programa Universidade para Todos (Prouni) ou o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). É notório que as grandes universidades incentivam a adoção do Fies pelos estudantes, os prendendo à instituição, com a garantia de matrículas e de recebimento da mensalidade pelo governo (ainda que os alunos assumam uma dívida, muitas vezes, posteriormente impagável). Tem-se assim uma política pública diretamente voltada ao grande capital (em especial quando se recorda a participação dos fundos de investimento na gestão dessas empresas).
Confirmando esse caráter (seu privilégio ao grande capital), tal lucratividade sustentada através da apropriação do fundo público realiza um verdadeiro estelionato educacional. Em suma: aos trabalhadores que, agora, obtêm o acesso ao ensino superior (antes efetivamente inacessível) não é garantida uma real educação. Tais grupos privados não oferecem nem ao menos a formação profissional que prometem (dentro de seus limites mercantis), que dirá, então, uma Educação de qualidade. Sem controle ou fiscalização efetivas por parte do governo federal, as universidades privadas vêm aligeirando e precarizando a formação superior, repetindo um quadro conhecido: os alunos passam cada vez mais tempo nos bancos escolares, sem que tenham acesso ao saber científico historicamente elaborado (função essencial da educação escolar).
Já nesse ponto, a expansão do ensino superior privado nos últimos anos explicita um dos dilemas da esquerda frente à estratégia lulista: a “incorporação” de setores da classe trabalhadora brasileira através do mercado, reproduzindo e impulsionando sua despolitização e individualismo. Com efeito, como lembra mesmo o economista petista Marcio Pochmann: há mais de um milhão de novos estudantes universitários, aumento que não se expressa na correspondente ampliação do movimento estudantil, claramente inexistente nessas instituições.
A queda da qualidade se mostra, aliás, como um objetivo explícito. As grandes instituições vêm se caracterizando por uma espécie de “padronização” das atividades docentes: o professor deixa de ser efetivamente responsável por sua aula/disciplina. Os planos de aula, as leituras a serem realizadas pelos alunos, os tipos de avaliações são pré-determinados pela própria instituição, em geral com a meta clara de simplificação do conteúdo e seu aligeiramento.
Esta dimensão da mercantilização impacta diretamente na dimensão subjetiva (que grandemente contribui à sua precarização) do trabalho docente ao acentuar o estranhamento do professor em relação ao seu trabalho, sua atividade vital.
Outra dimensão da precarização do ensino superior, na determinação da redução da qualidade do ensino-aprendizagem, corresponde, porém, à precarização objetiva do trabalho docente aí desenvolvido, refletindo a precarização geral do trabalho, nos tempos neoliberais, e especificamente do trabalho docente em todas as suas variantes.
Com efeito, nos últimos anos vive-se a associação de dinâmicas e processos que significaram um incremento significativo da mais-valia absoluta dos docentes: ao mesmo tempo através do aumento da jornada de trabalho e da redução salarial.
O aumento da jornada de trabalho se realiza de diferentes maneiras (assumindo tarefas de caráter administrativo, por exemplo), mas pode ser expressa pela relação entre discentes e docentes nessas instituições: “em 1997, as instituições privadas tinham uma relação de 72 docentes para cada grupo de 1000 discentes; esse número caiu para 57 por 1000 em 2010” (Gaspar, p. 11). O aumento do número de alunos nas salas de aula e, por conseguinte, da quantidade de atividades que devem ser realizadas, implicam, ao professor, que o mesmo se ocupe mais tempo (fora da instituição) com seu trabalho.
E dedica mais tempo recebendo menos. Quanto à redução salarial, um caso é exemplar. Em 2001, a Unicastelo contratava um professor com a titulação de mestre por R$22,00 h/a. Em 2010, sem grandes contestações pelo Sinpro-SP, a mesma instituição implanta um plano de carreira que a permite contratar professor de qualquer titulação (mestre ou doutor) pelos mesmos R$22,00 h/a.
São várias as instituições que realizaram tal aplicação de “planos de carreiras”, que implicaram, na prática, uma agressiva redução salarial, ainda que as convenções coletivas (formalmente) tenham garantido aumentos anuais. A redução salarial se realiza, no entanto, principalmente pela alta rotatividade: mais de 10% dos docentes permanecem menos de 6 meses em uma instituição privada, e cerca de 40% não ultrapassam 2 anos no mesmo vínculo empregatício. Restabelecendo-o, em outra instituição, usualmente por menor valor h/a.
Nesse sentido, a precarização lida, ainda, com a inércia do aparato sindical, em geral restrito a questionamentos de caráter jurídico-institucional. Exemplo recente foi a chamada de uma “revolucionária” greve no domingo da semana do dia dos professores, ano passado, pelo Sinpro-ABC.
ENQUANTO SE ORGANIZA A COPA… A JUVENTUDE É ASSASSINADA
Deise Santana e Iraci Lacerda
Não é de hoje que a juventude é assassinada no Brasil, especialmente a juventude negra e da periferia.
Poderíamos repetir aqui todos os números já publicados diariamente na mídia que indicam o verdadeiro extermínio, mas o que a gente tenta entender são os motivos que levam um país a exterminar seus jovens sem que a nossa reação seja suficiente para nos manter todos vivos numa vida sem injustiças.
As manifestações ainda estão acontecendo em todos os cantos, as muitas greves voltaram a acontecer e mais ocupações por moradia também. Mas, nenhum passo tem sido dado pelo governo para deixar de desviar o nosso dinheiro para os ricos. Além disso, esses mesmos ricos ainda recebem do governo o apoio para fazer a gente trabalhar mais, para pagar salário baixo sem nenhum direito e para ameaçar de mandar embora ou cortar o “contrato”.
É duro pensar que o emprego para a maioria dos jovens, especialmente nós negros, tem sido o tal do precarizado, o que significa que dificilmente vamos ter carteira assinada (agora é contrato, que fica mais fácil e mais barato para mandar embora) e que não vamos ter os mesmos direitos que os trabalhadores mais antigos (tipo: 13º salários, máximo de 40 horas de trabalho por semana, FGTS, férias, plano de saúde, etc.).
Nas escolas e nas universidades a nossa situação também não é nada tranquila. As ações racistas e machistas vão ficando cada dia mais visíveis e às vezes é entre nós mesmos. Mas, na maioria do nosso tempo de vida o racismo e machismo vão tentando destruir a nossa juventude e impondo situações de todas as formas: através das condições que temos para estudar, da quantidade de verbas para a Educação (que não possibilita o aumento do número de vagas nas universidades públicas e nem a manutenção apropriada das que já existem, a construção de laboratórios, de salas de informática, de restaurantes e moradias universitárias, etc.), da sobrecarga de trabalho e baixos salários dos professores, da repressão dentro dos campus ou no entorno das escolas.
Tudo isso vai dificultando a nossa sobrevivência. Além de termos empregos precarizados, para continuar os nossos estudos, ficamos reféns das Bolsas do Prouni ou do Sisu que, muitas vezes, representam os cursos menos lucrativos para as faculdades ou os menos concorridos nas universidades, ou seja, aqueles que quase ninguém quer, porque o mercado de trabalho não paga bem e que as faculdades ainda tem condição de lucrar, acaba ficando para nós, bolsistas.
Mesmo assim a vida para uns vai seguindo e para outros vai ficando no caminho. Isso tudo, consequências do sistema capitalista, tem feito a depressão aumentar entre a juventude. Temos menos tempo para amar, para estar com as pessoas e para fazer as coisas que a gente gosta.
Mas, o que tem acabado mesmo com a nossa vida é essa necessidade de calar a nossa voz, de nos tirar da luta, de destruir a nossa criatividade e rebeldia. O assassinato da juventude, do jovem negro e da periferia tem servido para isso! O sistema capitalista não consegue nos oferecer quase nada e ainda tira a nossa vida. É o governo dos ricos nos estados e municípios juntamente com Dilma, são os ricos e a Polícia que sustentam isso. Não aceitam a nossa participação nas lutas para transformar essa sociedade!
MAS… MEXEU COM UM, MEXEU COM TODOS
A Copa do Mundo não nos ilude mais: Jogadores milionários e distantes da nossa realidade, times ricos e que dificultam a nossa entrada nos estádios, patrocinadores que só querem lucrar, mídia que mente e esconde a situação do trabalhador brasileiro e as péssimas condições dos serviços públicos. Organizar o país para a Copa tem significado “impedir de se manifestar quem é contra tudo isso”, mesmo que tenha que exterminar a parcela que já não tem mais nada a perder.
A juventude da classe trabalhadora, precarizada, da periferia, negros e pardos não aceitamos o que reservaram para nós. Estamos nessa luta com todos os outros trabalhadores pelo fim da nossa exploração e dos lucros que deixam os ricos cada vez mais ricos, contra a Copa que está sugando dinheiro público e contra os governos que não governam para revolucionar a vida de quem precisa trabalhar para sobreviver!
Não nos calarão! Não lutamos somente no dia de manifestação, não queremos somente construir o nosso partido, não acreditamos nos movimentos estudantis que se juntaram ao governo para impedir a nossa luta, não aceitamos sindicatos que negociam com governo e com ricos contra os direitos que outrxs lutadorxs arrancaram nas lutas do passado. Contra o assassinato da juventude e extermínio da juventude negra, fortalecemos as nossas fileiras! Nenhum a menos!
Nós não queremos muito, queremos a transformação dessa sociedade: Queremos uma sociedade justa – governada por quem precisa trabalhar para sobreviver e que produz toda a riqueza que a humanidade possui – sem exploração, sem opressão e sem racismo!
MARCO CIVIL DA INTERNET: A OFICIALIZAÇÃO DA REPRESSÃO CONTRA OS TRABALHADORES.
No final de abril de 2014 foi aprovado e sancionado pela Presidência da República o Marco Civil da Internet (Lei 12.965) que foi apresentado para toda a sociedade brasileira como a consagração da proteção da privacidade e da liberdade no ambiente da rede mundial de computadores. Diversas ONGs e setores da “sociedade civil” apresentaram a referida lei como vitória dessas garantias.
Infelizmente é exatamente o contrário, pois apresenta uma série de dispositivos legais que permitem que o Estado fique bisbilhotando o que os internautas fazem na rede podendo, inclusive, incriminá-los não somente em nome da segurança nacional (ou seja, a partir de agora qualquer atividade de organização dos trabalhadores na INTERNET vai ser monitorada pela repressão). Isto é, aquilo que deveria ser a garantia de direitos e da liberdade passa a ser a oficialização da repressão cibernética pelo Estado e em nome da propriedade privada (direitos autorais).
O texto de lei apresenta-se como muito simpática à opinião pública, garantindo uma série de direitos, como o direito a todos fazerem uso da internet como condição para exercer a cidadania, fala-se da universalização da rede e tudo mais. Mas, tudo não passa de uma carta de boas intenções, pois não traz nada de concreto para que tais direitos sejam garantidos, fiscalizados e implementados. E mais, tudo que é consagrado como “direito inédito” com o Marco Civil não passa de um engodo, pois as relações comerciais e civis citadas na lei já são reguladas pela Constituição,Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Então, por que tanto holofote sobre esta lei?
A REPRESSÃO É ALGO INÉDITO COM ESSA LEI
Ao contrário do que os ideólogose da mídia burguesa dizem, não havia comoção social para a promulgação de uma lei que regulamentasse a internet no país. Pelo contrário, quando o debate vinha à tona, a discussão passava por mais liberdade e mais privacidade. Construiu-se a tal “comoção social” para legitimar a oficialização da repressão contra os trabalhadores virtualmente. Agora, o Estado poderá vigiar o que cada um de nós fazemos e nossas ações. Ao contrário dos direitos que são tratados de forma genérica, a repressão é bem concreta, pois:
Exige-se que os dados de navegação fiquem registrados nos servidores dos sites de 6 meses a 1 ano armazenados obrigatoriamente, sob pena de responsabilização civil e criminal;
A autoridade policial e o Ministério Público poderão requisitar que os dados fiquem armazenados por um tempo maior do que previsto em lei, mediante autorização judicial;
Atingem em cheio aqueles que somente têm acesso a livros, filmes e músicas por meio de “downloads” gratuitos das obras pela internet,
Permite que se corte o sinal de internet do usuário por falta de pagamento, apesar de a própria lei dizer que a internet é um direito de todos;
Os dados pessoais dos internautas podem ser acessados pelas autoridades competentes sem qualquer autorização judicial, bem como a localização de seu terminal (aqui entendido como smartfones ,notebooks, desktops e tablets);
O ambiente de “Big Brother” não é novidade na luta de classes e nunca dependeu de lei alguma. A diferença é que o Estado burguês procura a legitimidade da repressão por meio de uma lei que, falsamente, garante direitos e liberdade ao internauta. Qualquer atividade suspeita como convocar os trabalhadores para um ato de protesto, por exemplo, seria o suficiente para que todos aqueles que se manifestarem na rede o seu interesse na participação seja mapeado pela Polícia, sem qualquer questionamento legal. Está claro que o Marco Civil não serve aos interesses dos trabalhadores.
E não é à toa que o Marco Civil foi aprovado num momento que pululam lutas e protestos contra a Copa do Mundo, em que a divulgação e a convocação dos atos pela internet têm sido crucial. Esses serão os primeiros alvos da arapongagem legal nos termos da lei recém-sancionada pela Presidenta Dilma do PT (que lutou contra a ditadura civil e militar da década de 60). Fica mais uma vez provado que não há qualquer saída institucional para os trabalhadores.
A INTERNET DEVE ATENDER AOS INTERESSES DOS TRABALHADORES, QUE PRODUZEM TODO TIPO DE RIQUEZA
Se realmente houvesse alguma preocupação com os “direitos e garantias” de acesso a internet para a classe trabalhadora seria necessário que:
O sinal de internet fosse universal, gratuito e sem fio;
Liberdade absoluta e privacidade absoluta;
Abolição da franquia de dados;
Abolição de acesso “seletivo” de conteúdo dos sites (só tem acesso quem paga)
Abolição da “propriedade intelectual” e propriedade privada. Acesso aos materiais culturais e acadêmicos de forma ampla, geral e irrestrita.
GUERRA ÀS DROGAS, TRÁFICO INTERNACIONAL E PROIBICIONISMO
A busca da humanidade por substâncias que alteram a percepção, o humor, o comportamento e os estados da consciência é tão antiga quanto sua capacidade de deixar registros. Provas dessa relação estão nas referências ao vinho na bíblia, ao uso de Ayahuasca pelos nativos da bacia amazônica desde há mais de 4 mil anos, da folha da coca por nativos andinos que datam 2500 anos antes da era cristã, da maconha há mais de 3 mil anos antes de Cristo na Ásia.
O convívio da humanidade com as “drogas” em rituais religiosos, usos recreativos, místicos, esportivos e medicinais desenvolveu-se saudavelmente até o início da fase imperialista do capitalismo. É nesta etapa que explode a Guerra do Ópio, primeiro caso de tráfico internacional de drogas e do uso comercial, por parte de um estado soberano, de substâncias psicoativas em escala industrial para aumentar lucros e influência. Nessa ocasião, a Inglaterra desconsiderou todos os protestos das autoridades chinesas e incentivou o consumo de ópio cultivado na Índia (colônia inglesa na época) ao povo chinês, causando uma tragédia cultural e de saúde pública que levaram a duas guerras no início do século XIX.
Considerando o natural convívio da humanidade com substâncias indutoras de sensações cerebrais (entorpecentes ou psicotrópicas) durante milhares de anos, como podemos entender o atual flagelo humanitário que envolve a produção, circulação e o consumo de drogas? Em que momento da história a relação que evoluiu saudável durante milhares de anos se tornou causa de milhões de vítimas. Somente é possível tentar entender tamanho “desvio de comportamento” em escala global se compreendermos o momento em que o modelo capitalista de existência, produção e reprodução da vida e de riquezas alcançou o auge de seu desenvolvimento dentro das fronteiras da Inglaterra, transformando esse país na maior potência econômica mundial e na base de lançamento desse modelo capitalista a todos os continentes no início do século XIX.
PROIBIR PARA CONTROLAR
As relações econômicas geradas pela penetração de capitais ingleses na China e as duas fases da Guerra do Ópio promoveram a emigração chinesa que forneceu mão de obra barata para a crescente economia dos Estados Unidos. É neste contexto e para controlar trabalhadores chineses mal remunerados que surge em 1875, em São Francisco, a lei proibindo o uso e o comércio do ópio só para chineses e seus descendentes. Esse é o marco inicial da política proibitiva que será paulatinamente incrementada para gerar controle social e racial da classe trabalhadora.
Na segunda metade do século XIX, a mundialização do mercado de trabalho dava seus primeiros passos a serviço da reprodução do capital e se inaugurava um novo círculo vicioso: Em períodos de crescimento econômico, alimenta-se a imigração para baixar o custo da mão de obra nativa, estimula-se as diferenças raciais para impedir a unidade dos trabalhadores, oferece-se condições e salários menores para os grupos sociais considerados inferiores. Já em períodos de crise econômica, os grupos sociais escolhidos para sofrer com a redução de salários, desemprego e piora nas condições de vida são exatamente os descendentes daqueles que acreditaram nas promessas de fartura ou que foram trazidos à força durante o tráfico de escravos.
Para controlar as manifestações de revolta desses momentos, as elites se utilizam de toda a variante de aparato repressivo. Ora a igreja para impor a moral e as ideias dominantes, ora o judiciário pra condenar quem não colabora com a nova ordem, ora a polícia para agredir e prender os descontentes e o legislativo sempre disposto a criar leis, inclusive, leis de comportamento como a Lei da Vadiagem e as leis proibitivas de comportamentos milenares relativas ao uso de drogas. Aconteceu contra os chineses do século XIX e contra a população negra e a imigrante mexicana no início do século XX nos Estados Unidos.
No Brasil, foi largamente utilizado leis contra a maconha, o Candomblé, o Samba e a Capoeira pela elite latifundiária e escravocrata em seu projeto de embranquecimento da população brasileira e no controle de toda a população negra utilizada no acúmulo primitivo de capital e que a partir de 13 de maio de 1888 foram deixados à própria sorte, sem qualquer amparo, projeto ou alternativa de subsistência após séculos de trabalhos forçados e ainda não indenizados.
O LUCRATIVO NEGÓCIO DA GUERRA ÀS DROGAS
Após décadas de legislação proibitiva, o consumo de substâncias psicoativas ultrapassa a fronteira dos grupos sociais marginalizados e começa a penetrar a juventude de classe média branca. À medida que essa juventude se politiza e constrói unidade com setores como o movimento negro e as organizações da classe trabalhadora, toda a repressão voltada antes a setores marginalizados passa a ser usada para controlá-los, desmoralizá-los, julgá-los e encarcerá-los. Ao interesse das elites de controlar a “juventude rebelde” e o povo pobre uni-se a necessidade do crescente complexo industrial militar de fornecer armas e equipamentos aos governos, surge assim a política da Guerra às Drogas com Richard Nixon em 1971.
Desde então o consumo abusivo, a corrupção, e a violência em torno do negócio com entorpecentes só aumentaram. Segundo a London School of Economics (LSE), são gastos em todo o mundo US$ 100 bilhões de dinheiro público ao ano em medidas legais e policiais para supostamente combater o tráfico e a população de 230 milhões de consumidores. Outra forma de lucrar com a guerra às drogas é privatizar a administração das penitenciárias e explorar o trabalho dos detentos, o que já vem sendo feito no Brasil desde janeiro de 2013.
FIM DA PROIBIÇÃO
Para defendermos qualquer política que seja, precisamos considerar que a humanidade vive atualmente sobre a hegemonia do capital, de produção de mercadorias. Nessa relação, todas as esferas da vida e as formas de relações sociais são absorvidas pela dinâmica de expressar valor mensurável financeiramente. Ou seja, tem que dar lucro para legitimar seu direito de existir. É assim com a arte, saúde, esporte, Educação e até com as relações afetivas. Tudo vira mercadoria!
Nos milhares de anos em que foi possível o envolvimento saudável entre a humanidade e as substâncias narcóticas, tal relacionamento não era mediado pela forma mercadoria. Mas na etapa histórica em que vivemos, não só as drogas se tornaram mercadorias, mas grande parte da relação humana está subordinada à dinâmica de geração de resultados lucrativos. E é nesta realidade que se insere a atual discussão de legalizar a produção e a distribuição do negócio capitalista que movimenta 15% do PIB (Fundo Monetário Internacional) mundial envolvida em toda sua cadeia produtiva e de consumo.
Vai longe o tempo em que a defesa de políticas mais flexíveis às drogas era privilégios de setores de esquerda ou “moderninhos”. A direita busca soluções para a crise mundial do capital e estuda potencializar este lucrativo segmento, através de seus teóricos e políticos liberais como George Shultz (chefe da diplomacia americana entre 1982 e 1989, no governo de Ronald Reagan), pelo espanhol Javier Solana (chefe da diplomacia europeia de 1999 a 2009) e por cinco vencedores do Nobel de Economia: Kenneth Arrow (1972), Christopher Pissarides (2010), Thomas Schelling (2005) Vernon Smith (2002) e Oliver Williamson (2009) assinaram o relatório “Ending the Drug Wars” (Acabar com as guerras da droga) pedindo o fim da política de guerra contra as drogas e dando o primeiro passo rumo à legalização.
A DIFERENÇA DE UM PROJETO DOS TRABALHADORES
Os trabalhadores devem construir seu próprio projeto para superar a hipocrisia da proibição, o flagelo da guerra às drogas e o cinismo liberacionista da burguesia. Para tanto, deve considerar o regime de semiescravidão em que trabalham os plantadores no interior do Brasil, Paraguai, Bolívia e Colômbia tanto quanto o ambiente insalubre e extremamente agressivo em que “vaporzinhos e aviãozinhos” desenvolvem a atividade final de separar, empacotar e distribuir as drogas nas periferias das cidades.
Somente uma postura firme e franca poderão dissociar toda a atmosfera de violência, armas e crime que a exploração capitalista impôs ao hábito milenar da humanidade.
Defender, no Brasil, a regulamentação da produção e a distribuição dos psicoativos significa enfrentar o centenário projeto da elite brasileira de exterminar a população negra, pois das 36.792 vítimas de arma de fogo, dois terços são negras, conforme Mapa da Violência 2013, além da liberdade imediata de quase 30% da população carcerária paulista.
Por fim, uma política consequente deverá ir muito além da droga e atingir todo o universo ligado a ela. Partindo da reforma agrária, para evitar que o agronegócio tenha mais uma commodities para exportação e aumente os preços dos alimentos. Da estatização do sistema financeiro para garantir que o dinheiro das drogas não migre para o comércio de armas e financie outros crimes. Da profunda redução da jornada de trabalho, para que todos trabalhem e a tragédia do desemprego não seja a alavanca do crime nem da exploração. E que as forças de repressão sejam paulatinamente postas sob controle de toda a sociedade e não apenas dos donos dos meios de produção.