Jornal 35: Fevereiro/ Março de 2010
24 de abril de 2011
- 2010 – Contra as saídas burguesas, apresentar uma saída dos trabalhadores
- Trabalho alienado e natureza
- O capitalismo agrava os desastres da natureza
- A cúpula de Copenhagen: só encenação
- Trânsito: caos do modo de produção burguês
- Acumulação flexível e educaça flexível
- Honduras: mais uma prova de que não se deve cofiar em político burguês
Contra as saídas burguesas, apresentar uma saída dos trabalhadores!
Primeiramente, é preciso desmistificar a idéia de que a crise já tenha sido superada: embora haja uma recuperação nos setores de construção civil, exportação de matérias-primas e de serviços, a produção industrial brasileira – dado fundamental em qualquer análise econômica – teve queda de 7,4% em 2009, comparado a 2008. Foi a maior queda anual desde 1990. (http://economia.estadao.com.br/noticias/producao-industrial-tem-queda-de-7-4-em-2009,not_3375.htm).
O fôlego da retomada atual dependerá muito da economia mundial, particularmente dos países centrais, cujas economias praticamente continuam estagnadas, bem abaixo dos níveis pré-crise. As dificuldades crescentes dos países mais pobres da Europa em manter os pagamentos dos juros de suas dívidas demonstram que a situação mundial ainda não está definida no sentido de uma recuperação, o que também desautoriza a festa que a burguesia brasileira e o governo e vêm fazendo.
Trata-se de uma retomada em grande medida artificial, pois as causas estruturais da crise não foram resolvidas. Não há aumento real de poder de compra dos trabalhadores ou da classe média que possa sinalizar um novo ciclo de crescimento sobre bases sólidas.
Toda a ajuda financeira dos governos ocorreu no sentido de fornecer incentivos fiscais, crédito barato e seguro às empresas e às famílias para, com isso, incentivar o consumo e tentar recompor a taxa de lucro das empresas no curto prazo. Porém, isso gera novas contradições para um futuro não muito distante. Um exemplo é o aumento da Dívida Pública da União, que fechará 2010 entre 1,60 trilhão e 1,73 trilhão de reais. (http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPE60P02I20100126).
De forma geral, houve uma explosão das operações de crédito – leia-se de endividamento – que cresceram 14,9% no Brasil, só em 2009, atingindo a soma de R$ 1,410 trilhão. Esse valor representa 45% do PIB, contra 39,7% em 2008 (http://www.diariosp.com.br/Noticias/Economia/180/Credito+cresce+14,9%25+no+Brasil+em+2009). Mas ao mesmo tempo, a burguesia vem implementado uma nova reestruturação produtiva, através do aumento da sobrecarga de trabalho sobre os trabalhadores que permaneceram, da redução de salários e direitos, da precarização dos vínculos de contratação, etc. Outra saída adotada é a fusão de empresas, cujos exemplos mais atuais são a compra das Casas Bahia pela Rede Pão de Açúcar, e a compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. Quantas lojas e agências poderão ser fechadas?
Assim, por mais que o estado intervenha para aquecer artificialmente a economia – e essa intervenção tem um limite –, as ações estruturais de cada empresa individualmente têm o efeito de corroer o mercado real de consumo de massas. Ao longo do tempo, essa tendência estrutural de lento crescimento/estagnação dos mercados voltará a se impor e teremos a irrupção muito mais severa da crise, agravada ainda pela crise financeira devido ao enorme endividamento que vem sendo incentivado no Brasil.
Os mecanismos do estado para manter e aumentar a exploração
No imediato, mesmo com a recuperação atual, sentimos o endurecimento do empresariado e do estado capitalista para com os trabalhadores em todos os aspectos. Os empregos gerados no último período registram salários menores e vínculos precários.
Isso não é produto da vontade individual deste ou daquele empresário, mas expressão da situação a que chegou o sistema capitalista. Devido à tendência de estagnação/lento crescimento da demanda real apontada acima, a competição entre as empresas acirra-se mais ainda, e também os ataques aos trabalhadores.
O Estado tenta se equilibrar entre duas tendências: de um lado, os gastos com a ajuda ao capital produtivo e, do outro, o pagamento dos juros da Dívida Pública ao capital financeiro; esse equilíbrio só pode se manter à medida que o estado se desobrigue cada vez mais dos serviços públicos destinados à imensa maioria da população, aumente as taxas públicas, mantenha congelado o salário do funcionalismo público, faça reformas como a da Previdência, ou seja, também ataque os trabalhadores.
No plano político, jurídico, ideológico e militar, cumpre ao Estado “organizar e manter o consenso”, ou seja, a idéia de que não há outra saída a não ser propiciar as melhores condições de lucratividade para as empresas como forma de impedir a quebra da economia e o desemprego. É a ideologia do “Não há Alternativa”.
A democracia burguesa tem se mostrado uma política bastante eficaz para ludibriar, cooptar e controlar os trabalhadores. Através dos ditos “mecanismos participativos”, e de instituições comprometidas até a alma com os interesses dos empresários: o capital busca a legitimidade para impor seus interesses, fazendo passar a idéia de que os seus interesses são os interesses de todos ou da maioria. Na democracia burguesa não significa que não há repressão aos movimentos sociais, mas sim que essa repressão é legalizada. Há inclusive a possibilidade de uma combinação da democracia burguesa com a escalada militarista, como no caso de Honduras, em que os golpistas buscaram se legitimar a partir de instituições como o Congresso e a Suprema Corte e, ao final, para se consolidar, recorreram às eleições, em que seu candidato venceu.
Outro mecanismo bastante utilizado tem sido o assistencialismo, com o objetivo de acomodar e desmoralizar o setor mais pauperizado, dotado de maior explosividade, opondo-o aos demais setores da classe trabalhadora, para os quais a política é de endurecimento, como no caso dos funcionários públicos, dos correios, bancários, etc. Através das inúmeras formas de assistencialismo, também se coopta as direções e ativistas mais dinâmicos que poderiam se constituir num problema para o governo e o sistema. Esse foi o caso das inúmeras “Bolsas”, PROUNI, etc.
Já para os movimentos que alcançam maior conflitividade, a política é de repressão direta, como por exemplo a luta dos camelôs, dos movimentos dos atingidos pelas enchentes, das ocupações e ações do MST nas fazendas do agronegócio, entre outros. Nas favelas, a ordem é a mesma: controle e repressão sobre qualquer movimento que venha a ameaçar o funcionamento normal do consumo, do turismo, dos lucros.
CUT, FORÇA e CTB: Defendendo o capital, contra os trabalhadores
É preciso frisar que todas essas ações, tanto dos empresários como do estado, têm contado com a ajuda direta ou indireta das direções do movimento, particularmente da CUT e da Força Sindical. Sua postura tem sido a de defender as parcerias com os empresários, via acordos de flexibilização de salários e direitos, isenções de impostos para as empresas e o incentivo ao endividamento geral como se fossem políticas positivas. Assim, as empresas demitem e/ou precarizam os contratos, mostrando que esse tipo de acordo só interessa aos empresários. Essas direções abriram mão de qualquer perspectiva de ruptura e superação da lógica do capital e do lucro. Assumindo para si o horizonte do capitalismo como o único possível, realmente há muito pouco a se fazer e cai-se, mais cedo ou mais tarde, no discurso de que os trabalhadores e os capitalistas são parceiros e que, quando um ganha, todos ganham, o que é uma grande mentira.
À falta de uma perspectiva de luta e socialista da classe trabalhadora, a burguesia que opera no Brasil consegue descarregar parte do peso da crise econômica sobre esta, impedindo momentaneamente uma grande recessão ou mesmo uma depressão.
Combate político e ideológico à lógica do capital
Portanto, o maior desafio que está colocado para o próximo período é o de ser parte e intervir na base dos vários movimentos e fóruns de luta e de reorganização da classe trabalhadora, no sentido da reconstrução de uma saída de luta e socialista desde a vanguarda até setores de massa, apresentando uma crítica profunda dos vários mecanismos de dominação dos trabalhadores aplicados pela burguesia e seu estado. Não basta apenas ficar repetindo que o governo Lula é traidor, como fazem a maioria das organizações da esquerda. É preciso demonstrar os fundamentos que o levam a agir assim, as contradições desses fundamentos e, a partir daí, apresentar uma saída crítica-prática, e não apenas um amontoado de palavras de ordem, sem relação com a realidade dos trabalhadores.
A intervenção da esquerda neste ano terá alguns desafios importantes: em primeiro lugar, é preciso denunciar a euforia enganosa de que agora tudo vai ficar bem e que o Brasil é o país do futuro. É preciso lembrar que o espaço reservado para o Brasil dentro da divisão mundial do trabalho é basicamente o de fornecedor de matérias-primas e de uma plataforma de exportação na América Latina. Esse papel não é nem de perto suficiente para alçar o Brasil à condição de país de primeira grandeza no mundo. Além disso, mesmo que a economia brasileira venha a se desenvolver, isso não significa que haverá melhores condições de vida para os trabalhadores. O padrão capitalista de desenvolvimento que está sendo implantado é extremamente explorador dos trabalhadores e destruidor do ambiente. A Copa em 2014 e as Olimpíadas em 2016 são muito mais despesas para o Estado do que investimentos do capital. Os empregos gerados serão temporários e mal remunerados. Um bom exemplo foi a realização do Pan no Rio de Janeiro, que de nada serviu para melhorar a situação dos trabalhadores e, ao contrário, os problemas sociais se agravaram, aumentando o poder de ação do tráfico e a repressão da polícia sobre os moradores das comunidades de periferia.
Com relação às campanhas salariais, o maior desafio é impulsioná-las para além dos limites imediatistas e corporativistas, no sentido de que busquem uma ponte entre suas demandas e as dos demais trabalhadores, apontando saídas mais gerais para aspectos estruturais da sociedade como a educação, a saúde, o emprego, a Previdência, o ambiente, os transportes, a violência, o racismo, a opressão da mulher, etc.
Este ano, nos dias 5 e 6 de junho, haverá a realização do CONCLAT – “Congresso Nacional da Classe Trabalhadora” – que poderá fundar uma nova Central de Luta, como alternativa de luta à CUT e demais centrais governistas. A tarefa central aí será, não apenas fundar uma nova central, mas acima de tudo uma nova concepção de atuação sindical que supere os limites atuais e esteja à altura dos desafios colocados pelo capitalismo de hoje. É preciso superar o sindicalismo imediatista, característico da maioria das correntes de esquerda, sob pena de não se conseguir sequer defender as conquistas existentes. É preciso debater com a classe trabalhadora a necessidade da ruptura com a lógica do lucro e a construção de uma outra sociedade, em base a um compromisso com as necessidades reais da maioria da população, definidas democraticamente. Outras lutas importantes são contra a burocratização – o que exige permanente ação de formação para que os trabalhadores venham a ocupar os espaços de decisão nas entidades –, bem como a adoção de medidas que dificultem o processo de burocratização, como rodízio, fim dos privilégios, controle sobre os mandatos, etc. Enfim, é preciso um novo sindicalismo, uma re-educação da própria esquerda atual.
Construir um movimento político dos trabalhadores pela base!
Outro fato importante, e que já está influenciando a realidade brasileira, são as eleições de 2010. Por trás de toda a disputa presidencial entre PT e PSDB, esconde-se a unidade de ambos os setores em torno do mesmo projeto para o país: a manutenção da inserção subordinada do país à lógica do capitalismo globalizado. Ambos defendem a manutenção dos compromissos com o capital financeiro, as isenções de impostos para as empresas, o corte dos direitos sociais, a entrega dos recursos naturais ao capital privado, etc. A única disputa é se a burocracia política, de estado e sindical representada pelo PT continuará abocanhando uma parte da renda do estado, ou se a burguesia propriamente dita ficará com tudo, ao administrar o país sem a intermediação da burocracia.
Já a tarefa da esquerda, muito mais do que buscar qualquer viabilidade por dentro da lógica eleitoral, é a de uma crítica profunda aos fundamentos do modelo de economia e de sociedade que está sendo implementado no Brasil e suas conseqüências. Mais do que qualquer coisa, é preciso disputar a consciência de amplos setores para um programa de ruptura com a lógica capitalista e a apresentação de uma alternativa socialista para o país e a sociedade.
Outro pilar de sustentação dessa atuação tem que ser a unidade da esquerda de luta, que essa unidade ocorra pela base e esteja enraizada nos movimentos sociais. Nesse ponto, não podemos deixar de dizer que as duas principais correntes, tanto o PSOL quanto o PSTU começaram mal.
O PSOL insistiu até o último momento em uma Frente com o PV de Marina Silva, um partido que diz defender a natureza, mas incoerentemente tem em seu programa a defesa da “livre iniciativa” e da “economia de mercado”. Quando, por fim, o PV demonstrou que em seu arco de alianças cabe até o PSDB, como no Rio de janeiro, o PSOL não teve mais como sustentar essa tentativa e a partir daí passou a defender uma candidatura própria em coligação com outros partidos da esquerda, candidatura essa que será definida em março, em sua conferência.
Já o PSTU, apesar de dizer que defende uma Frente Classista e Socialista dos Trabalhadores, assim que percebeu o movimento de aproximação do PSOL com o PV, preferiu já lançar seu pré-candidato – Zé Maria. Ao nosso ver, isso caracteriza uma concepção equivocada, em que o partido decide tudo e os ativistas e demais trabalhadores só entram na hora de fazer campanha e/ou votar…
Ora, do que se trata é justamente da constituição de algo muito mais amplo, um movimento político dos trabalhadores, que tenha sua expressão eleitoral, mas que essa expressão seja definida a partir de debates e fóruns os mais amplos possíveis, por exemplo, plenárias e debates abertos a todos que queiram construir essa alternativa unitária que seja a expressão política das necessidades imediatas e históricas dos trabalhadores, nas lutas e nas eleições.
Sem essa “alma” que só pode ser a empolgação dos ativistas e trabalhadores como sujeitos de sua própria representação política, essa pré-candidatura também não tem ainda entusiasmado a vanguarda, o que confirma que o lançamento ocorreu de forma precipitada e a partir de cima.
É preciso superar a lógica divisionista na esquerda, bem como fazer com que as decisões da base sejam superiores que as das cúpulas. É preciso constituir urgentemente e a partir da base um movimento político dos trabalhadores, que apresente uma saída socialista pra a sociedade nas lutas e também nas eleições.
É preciso uma explicação marxista para as recentes manifestações (violentas) da natureza. A idéia que tem prevalecido é a da burguesia, mas essa sempre esconde a verdade. Estamos nos propondo a iniciar esse debate no movimento e para isso apresentamos alguns textos à reflexão dos militantes e ativistas. Eles têm como centro a relação do capitalismo com a natureza. Partimos do aspecto antropológico e filosófico da relação entre trabalho alienado e natureza. Passamos nos textos a seguir pela explicação das conseqüências sociais dos desastres naturais, abordamos a incapacidade da burguesia resolver esses problemas (a conferência de Copenhague) e analisamos também o problema do trânsito nas grandes metrópoles, uma das manifestações mais irracionais do uso capitalista dos recursos.
TRABALHO ALIENADO E NATUREZA
Nem mesmo a burguesia consegue ocultar a discussão sobre os problemas ambientais causados pelo capitalismo, pois os efeitos da destruição da natureza já se apresentam de maneira dramática. Enchentes, secas, descontrole das temperaturas, degelo (e aumento do nível dos oceanos e mares), desertificação, perda da diversidade biológica, multiplicação de vírus e bactérias mortais, poluição, escassez de água potável, acúmulo de lixo, destruição da camada de ozônio, etc.; não são fenômenos naturais como quer fazer crer a burguesia e seus meios de comunicação.
Todos esses fenômenos têm relação com a exploração da natureza em função da acumulação de capital. O trabalho é a forma especificamente humana, social e histórica, de metabolismo com a natureza. Cada ser humano está em relação com a natureza por meio de seu corpo físico, cuja existência precisa ser mantida, mas essa relação não se dá de forma imediata, pois é social e historicamente mediada pelo trabalho. O uso de recursos naturais para produzir alimentos, vestimentas, moradias, utensílios, etc., não é feito separadamente por cada indivíduo, mas coletivamente por meio da formação social da qual este indivíduo faz parte. Ou seja, o homem somente se relaciona com a natureza indiretamente, por meio de sua relação com os outros homens, com o meio social de onde recebe uma cultura e no qual desempenha algum tipo de papel produtivo.
A humanidade do homem não está dada de modo imediato na realidade histórica, ou seja, cada homem não está imediatamente unificado com a sua humanidade, da forma como estão os animais. Cada animal é imediatamente idêntico a sua espécie e capaz de fazer tudo que a espécie é capaz. O homem, ao contrário, se encontra separado de sua espécie, da sua humanidade, seu ser genérico, por conta da condição histórica da divisão da sociedade em classes e do trabalho alienado.
Assim que o trabalho se torna capaz de produzir um excedente em relação às necessidades sociais, surge uma classe social que se apropria desse excedente. Ao longo da história desenvolve-se uma luta entre as classes proprietárias e as classes trabalhadoras pela posse desse excedente do trabalho social. O controle do excedente do trabalho pelas classes proprietárias transforma o trabalho numa atividade alienada, ou seja, estranha para a maior parte dos seres humanos. O homem se separa de seu ser genérico, sua humanidade, ao não poder determinar o que fazer com seu tempo de trabalho e ser forçado a trabalhar para outro. O homem se aliena da atividade do trabalho, dos produtos do trabalho, da sua relação com os outros homens, que aparecem todos como elementos externos e opressivos sobre o indivíduo; e se aliena também da natureza.
Se a relação com a natureza se dá primordialmente por meio da relação social e histórica de trabalho, o trabalho alienado leva a uma relação alienada com a natureza. Na sociedade de classes, a natureza se apresenta ao homem como ambiente externo e objeto estranho, a ser controlado, dominado, usufruído e descartado, conforme os interesses da classe dominante. A natureza deixa de ser o “corpo inorgânico do homem”, como a definiu Marx, e se torna propriedade privada. Na condição de propriedade privada, a natureza pode ser usada e abusada de maneira irresponsável, pois a necessidade coletiva é desconsiderada em detrimento dos interesses privados.
Na sociedade capitalista, que é a forma mais recente da sociedade de classes, a natureza mais do que nunca aparece como estranha ao homem, como puro objeto de manipulação, fonte supostamente inesgotável de matéria-prima e repositório dócil para os infinitos subprodutos da ação humana (lixo e poluição). O capitalismo simplesmente ignora que a natureza não é inesgotável nem pode suportar indefinidamente os dejetos que lhe atiramos. A lógica do capital considera apenas o curto prazo, o balanço das empresas, a cotação diária da bolsa de valores, e simplesmente despreza a sobrevivência da espécie. Como disse um autorizado representante da burguesia, o economista inglês John M. Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”.
Para restaurar o equilíbrio natural e reverter os graves danos já causados é preciso ao mesmo tempo reverter a lógica que dirige o emprego das forças produtivas sociais, direcionando-as para o atendimento das necessidades humanas. É preciso estabelecer racionalmente o que a humanidade precisa produzir e de que forma isso pode ser produzido sem afetar a capacidade do planeta de seguir fornecendo indefinidamente os recursos de que necessitamos. Ao invés de produzir armas nucleares e artigos de luxo (ou seja, coisas inúteis), o trabalho humano passaria a produzir aquilo de que os seres humanos realmente precisam para viver. Isso por si só já teria grande impacto na reversão dos danos ambientais.
Mas isso só é possível com o fim do trabalho alienado, ou seja, com a conquista do controle dos trabalhadores sobre seu tempo e seus instrumentos de trabalho. Para isso é preciso romper com a propriedade privada dos meios de produção e com a divisão da sociedade em classes. Somente uma humanidade sem classes pode se relacionar de forma racional com seu trabalho, direcionando seu tempo e recursos para produzir aquilo que realmente é necessário e considerando o equilíbrio da natureza e a continuidade da vida. Ao mudar a relação do homem com o trabalho, muda-se também a relação com a natureza.
Para a natureza é indiferente que o planeta seja habitado por seres inteligentes ou por bactérias, pois o planeta seguirá seu curso em torno do sol, quer sejam os homens os seus passageiros ou os microorganismos. Para o homem, entretanto, a preservação de certas condições indispensáveis para a sua sobrevivência, como ar respirável, água potável, terras férteis, temperaturas suportáveis, etc., deve ser resultado de sua ação consciente e coletiva. Essa ação passa necessariamente pela revolução social, pela superação da lógica do capital e pela construção do socialismo, único regime capaz de devolver ao homem o controle sobre seu trabalho, sua humanidade e sua relação racional e sustentável com a natureza.
A destruição da natureza não se explica pela ação do homem abstrato e genérico, deslocado do processo real de produção. A burguesia, para se livrar da responsabilidade, também propaga a idéia de que “o homem” é o destruidor da natureza, como se isso fizesse parte do seu próprio ser. Sem uma consciência que se opõe ao modo de produção, a ação do homem no mundo reflete as idéias da classe dominante, e é esse homem feito à imagem e semelhança da burguesia que, no seu produzir, domina a natureza e a destrói. O homem no mundo capitalista tem a característica de ao mesmo tempo viver na e contra a natureza.
Claro que há um mundo natural em constante transformação, em formação e em movimento permanente, mas o que presenciamos atualmente não é um “movimento natural” e sim as conseqüências destrutivas da forma capitalista de produção. É no processo de maximização da mais valia que a burguesia intensifica a exploração sem limites da natureza e leva a esse processo de destruição.
Alguns desastres são naturais, mas as consequências não são
Como já foi dito, há na natureza movimentos naturais – como é o caso do terremoto no Haiti, mas as conseqüências que esses fenômenos provocam não são naturais. É sabido que há tecnologia para minimizar ou mesmo evitar os impactos de desastres naturais (terremoto, tsunami), mas como essas tecnologias estão sob o controle do capital, elas são utilizadas somente nos países ricos. Ou seja, a condição do país no mercado mundial influi até mesmo na utilização de mecanismos de proteção e garantia de vida das pessoas.
No caso do Haiti, o fator determinante para o alto grau de destruição e o alto número de mortes é sua condição de colônia do imperialismo, pois decorre daí a sua pobreza. A grande concentração da população pobre na periferia das cidades, as casas sem nenhuma estrutura, a inexistência de um sistema público de saúde (hospitais, formação de médicos, enfermeiros, etc) e até de defesa civil; são causas quantitativas e qualitativas da tragédia humana que se seguiu ao terremoto. Não é por sorte que as mansões de Porto Príncipe não sofreram quase nenhum dano. Se um terremoto desse porte acontecesse em um país rico sem dúvida as conseqüências seriam muito menores.
Tanto lá como cá as causas e conseqüências (como uma relação dialética e não mecânica) têm a mesma explicação. As recentes tragédias no Brasil, como as do Rio de Janeiro ou as Zonas Sul e Leste de São Paulo tem tudo a ver com a destruição causada pela produção capitalista. Em primeiro lugar, o aumento do volume das chuvas é uma conseqüência das alterações climáticas. Em segundo, as vítimas são em sua maioria os moradores das áreas pobres, que por conta da especulação imobiliária são jogadas para as regiões pantanosas e para os morros, áreas sabiamente mais frágeis. Essa mesma especulação imobiliária está na raiz de outros tantos problemas ecológicos, como é o caso da contaminação das áreas de mananciais. Em terceiro lugar, não há por parte dos governos nenhum plano de habitação que permita e garanta que os trabalhadores saiam dessas áreas. Pelo contrário, há uma política de “jogar” ainda mais pessoas nessas regiões para que outras áreas próprias para moradia possam se valorizar e garantir o lucro dos especuladores.
Alguns tentam explicar o sofrimento das pessoas vitimadas pelas enchentes como se fosse por conta da escolha que fizeram de morar nessas áreas. Como se as pessoas morassem em áreas alagáveis e em favelas porque gostam e como se fosse uma questão de escolha. Não vêem (ou não querem ver) que a urbanização desordenada das grandes capitais, principalmente no sudeste, é produto do êxodo rural dos anos 60 e 70, e que a “escolha” de morar em favelas é a única que restou a esses trabalhadores por conta do salário miserável a que estão submetidos.
Por uma política revolucionária
Nos últimos anos temos presenciado o surgimento de uma consciência ecológica e de diversas organizações que militam no “movimento ecológico”. Algumas até tem um caráter “progressista” (como os ecosocialistas), mas o limite da maioria desse movimento está exatamente no fato de serem policlassistas e de não verem o necessário caráter classista e revolucionário da luta ecológica.
Entre as maiores organizações estão o Greenpeace e o WWF. Esse último luta “para harmonizar o homem e a natureza”, frase oca que na verdade esconde uma utopia reacionária, uma vez que também defendem que as “Parcerias com o setor privado são peças chave para o trabalho de conservação da natureza e uso sustentável dos recursos naturais desenvolvido pelo WWF-Brasil. Para nós, os negócios são parte central do bem-estar da sociedade e do planeta” (http://www.wwf.org.br/empresas_meio_ambiente/). Já o Greenpeace, mesmo declarando que não aceita ajuda de empresas, também se caracteriza por ser “uma organização (…) que atua para defender o meio ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos (…) desafiamos os tomadores de decisão a reverem suas posições e mudarem seus conceitos. Também defendemos soluções economicamente viáveis e socialmente justas” (http://www.greenpeace.org/brasil/quemsomos/).
O que as une é a crença e a ilusão de que é possível salvar o planeta mesmo sob o capitalismo, apenas “mudando a atitude das pessoas em relação ao meio ambiente”. Por outro lado estamos em uma situação em que o proletariado e suas organizações ainda não conseguiram encontrar mecanismos que sejam capazes de enfrentar esse problema com propostas e prática revolucionárias. Trata-se de um problema novo para o qual devem ser dadas respostas também novas.
Enfrentar a crise ambiental do ponto de vista do legado do marxismo (relação homem-natureza) é nesse momento pensar que a revolução socialista deve necessariamente ser marcada pela superação da totalidade das formas de alienação, se apresentando para a solução da problemática econômica, mas também ambiental (e também cultural, sexual, etc). Um mundo equilibrado ambientalmente só será possível quando, homens e mulheres, abolirem a propriedade privada e consigam avançar para o domínio consciente da natureza. Mudar o mundo para salvar o planeta!
Entre 7 e 18 de Dezembro de 2009 realizou-se em Copenhagen, capital da Dinamarca, a Cúpula das Nações Unidas sobre Mudança Climática, também chamada de COP15. O objetivo da cúpula era discutir a implantação da chamada “Convenção Marco de Mudança Climática”, chegando a um compromisso global capaz de obrigar todos os governos a estabelecer metas de redução da emissão de gases de efeito estufa.
Essa discussão se impôs na pauta dos dirigentes globais depois que o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicado em 2007 expôs a relação entre a emissão de gases (principalmente o CO2 – dióxido de carbono – derivado da queima de combustíveis fósseis) e as alterações climáticas pelas quais o planeta tem passado, em especial a elevação da temperatura média global (com conseqüências como o derretimento de geleiras e calotas polares, o aumento do nível dos mares, a maior incidência de tempestades, furacões, etc.). Nem mesmo um órgão da burguesia como a ONU pôde esconder a discussão sobre esse aspecto dos desequilíbrios ambientais, tal a gravidade da situação.
Ainda restam muitos problemas por discutir, como a falta de saneamento básico e a profusão de doenças que daí decorrem, o acúmulo de lixo, a poluição, o desmatamento, a desertificação, a extinção em massa de espécies vegetais e animais, etc., problemas ambientais que afetam populações do mundo inteiro e não respeitam fronteiras nacionais. No capitalismo plenamente mundializado, o planeta inteiro se transformou em cenário da produção de mercadorias, da qual apenas uma pequena fração da população, a burguesia, se beneficia, ao passo que todo o restante sofre as conseqüências desse modo de produção (80% das emissões de gases são produzidas pelas indústrias, usinas elétricas, monocultura agrícola e pecuária intensiva dos países imperialistas, que concentram 20% da população – números de ALAI, 16/11/2009). A mundialização do capital mundializou também a contradição entre produção coletiva e apropriação privada. Os efeitos deletérios da degradação ambiental atingem principalmente as populações socialmente mais vulneráveis, ou seja, os setores mais pobres e mais explorados da classe trabalhadora mundial.
O fato de que os dirigentes do Estado tenham colocado em pauta a discussão sobre metas de redução de CO2 não significa que tenham condições de encaminhá-la satisfatoriamente. O debate foi conduzido de forma anti-democrática, ao estilo das últimas grandes reuniões de cúpula globais, cercadas por pesado aparato de segurança para manter afastados os manifestantes e representantes de concepções alternativas. De qualquer forma, a pressão de ONGs e grupos ambientalistas é pateticamente insuficiente para lidar com a escala dos problemas envolvidos, pois trata-se de limites do próprio capitalismo. Sem adotar uma perspectiva classista claramente socialista, os movimentos ambientalistas e partidos verdes se convertem em alas inofensivas da esquerda pequeno-burguesa.
Desde o início da COP15 tornou-se clara a clivagem entre as principais potências imperialistas e os países periféricos e semicoloniais. Os dois grupos lutaram para empurrar um sobre o outro o custo das mudanças necessárias para reverter o atual estado de degradação do meio ambiente planetário. Como conseqüência desse desacordo, a COP15 terminou sem encontrar um substituto para o Protocolo de Kyoto (firmado em 1997 e jamais ratificado pelos Estados Unidos), que saiu de cena sem qualquer resultado palpável em redução de emissões. O mecanismo por meio do qual as grandes corporações compravam o direito de poluir financiando projetos “verdes” foi apenas um disfarce para a manutenção do padrão de consumo destrutivo dos países imperialistas.
O relatório do IPCC apontava a necessidade de um corte nas emissões de 25 a 40% até 2020 em relação aos níveis de 1990 e de 50 a 80% até 2050, o que foi desconsiderado. Os documentos finais da Conferência não passaram de vagas declarações de intenções que não puderam esconder as profundas divergências entre os vários grupos de países. Nem as potências imperialistas puderam chegar a um acordo entre si por conta das suas rivalidades, nem apresentaram qualquer compensação aos países periféricos por conta do receio com o crescimento dos BRICs. A maior parte dos países, incluindo os maiores emissores per capita, os Estados Unidos, e em números absolutos, a China, assumiram metas de redução muito mais modestas e referentes aos níveis de 2005, mas sem compromissos jurídicos e formas de verificação do cumprimento das metas. Em termos de ajuda aos países mais pobres para sua transição a tecnologias mais limpas, os resultados da COP15 foram igualmente pífios.
A impossibilidade dos dirigentes políticos do Estado burguês de resolver os problemas ambientais e de chegar a um acordo sólido sobre qualquer questão relevante decorre do fato de que cada governo representa os interesses da sua fração nacional da burguesia, em luta contra as outras burguesias pelo controle do mercado mundial. Por isso cada governo luta para impor sobre os outros países os custos das mudanças e esse esquivam de compromissos que possam prejudicar os negócios da burguesia nacional.
Para manter os lucros das respectivas burguesias os governos despejaram quantias imensas de dinheiro no mercado financeiro por conta da crise econômica ao longo de 2008/2009 (U$ 23 trilhões segundo algumas estimativas), mas são incapazes de realizar os investimentos necessários para mudar a atual matriz energética, que representam um volume de gastos muito menor, calculados em cerca de U$ 500 bilhões anuais, ou ainda, para aliviar a situação dos países insulares e costeiros em face da elevação do nível dos mares, com custos estimados em U$ 100 bilhões (segundo o Banco Mundial). O controle do Estado pelo setor financeiro e petrolífero impede os governos capitalistas de adotar as medidas que a população trabalhadora e o meio ambiente planetário requerem com urgência.
A opção do Estado pelo salvamento do mercado financeiro e sua recusa a dar sequer os passos iniciais para combater o aquecimento global não são meros equívocos dos governantes de turno, mas evidências do papel de classe do Estado como garantidor da ordem capitalista e suas iniqüidades. Num contexto de grave crise econômica, o caráter de classe do Estado se acentua ainda mais, pois todas as suas medidas, não apenas no plano ambiental, vão no sentido de recuperar os lucros da burguesia através do aumento da exploração sobre os trabalhadores. Inversamente, a solução dos graves problemas ambientais atuais é inseparável da luta pela superação do modo de produção capitalista como um todo, em direção ao socialismo, no qual a cooperação da classe trabalhadora internacional será capaz de tomar as medidas necessárias para direcionar a produção para as necessidades humanas e reverter os danos causados pelo capitalismo, restaurando o equilíbrio do ecossistema global.
TRÂNSITO: CAOS DO MODO DE PRODUÇÃO BURGUÊS
O trânsito e a poluição urbana é um dos “calcanhares” dos administradores burgueses. Adota-se todo tipo de medida (restrição de circulação de ônibus e de carros, obrigação de vistoria, etc), mas os problemas continuam se agravando, uma vez que nenhuma delas mexe com o ponto central que é adotar um sistema de transporte que não privilegie o lucro e sim as necessidades da população. Não fazem porque teria que romper com a lógica capitalista que ordena o modelo de transporte adotado e da própria organização da cidade na sociedade capitalista.
É um debate importante porque a luta pelo socialismo compreende uma totalidade que envolve as transformações econômicas, mas também a cultura, o sistema de saúde (que está relacionado com a qualidade de vida), a localização das fábricas (e o que produzir), das escolas e dos hospitais e evidentemente a organização das cidades e do transporte, etc. No socialismo tudo será organizado racionalmente de modo que o nosso tempo esteja voltado para a satisfação das necessidades da coletividade e não para os interesses do capital.
A produção capitalista se caracteriza pelo caos, completamente desorganizada e dispersa obrigando as pessoas se deslocarem por quilômetros para venderem sua força de trabalho com consequências para o sistema de transporte e para a própria saúde. Mais duas questões (entre outras tantas que se poderia falar) que pode demonstrar o caos é o que se produz e a especulação imobiliária que repercutem no sistema de transporte e na própria organização da cidade. O carro além de congestionar ainda polui e a especulação imobiliária joga os trabalhadores e explorados para as periferias, locais distantes do trabalho, da escola e dos hospitais.
Cidades e trânsito: o caos provocado pela burguesia
O atual sistema de transporte no Brasil foi construído a partir da década de 50, como parte do acordo com o imperialismo para a instalação das montadoras no país. Para garantir o lucro delas a malha ferroviária (de carga e de passageiros) foi sucateada e o transporte público passou a funcionar em torno dos ônibus produzidos por elas. A base desse sistema são os veículos automotores seguidos pelos ônibus e caminhões e com o petróleo como matriz energética. Uma escolha para atrair e agradar as montadoras que desde então lucraram – e remeteram para as matrizes- bilhões e bilhões.
A insanidade do capital faz com que suas escolhas ocorram pelo lucro e isso causa vários problemas como a poluição, os congestionamentos, o deslocamento de bilhões para a construção e reforma da malha rodoviária (só trecho sul do Rodoanel em São Paulo tem um custo estimado em 4 bilhões de reais e é responsável por 25% do desmatamento na Grande SP no ano de 2008), a impermeabilização do solo e ideologicamente, em detrimento de um modelo coletivo, uma concepção individualista no transporte, pois a imensa maioria dos veículos são ocupados por uma pessoa. Um modelo que só atende aos interesses da burguesia.
Em relação a poluição não é novidade para ninguém que os carros estão entre as principais fontes de poluição do Brasil e do mundo. A causa é óbvia: o combustível. Tanto faz a gasolina, o álcool ou o diesel. Todas as medidas adotadas pelos governos de plantão, ou não têm nenhum efeito ou ele é desprezível. Já com relação ao meio de transporte a lógica também é perversa, pois com um transporte público de péssima qualidade muitos são empurradas para os carros o que agrava a poluição e os congestionamentos, mas garante o lucro das montadoras.
Há outras tecnologias que poderiam ser aplicadas no desenvolvimento de transporte com fonte energética muito menos poluidora, como são os trens e ônibus elétricos. Esses transportes além de poluírem menos podem transportar muito mais pessoas em um espaço muito menor. Mas adotar medidas que substitua os automóveis por um sistema coletivo de transporte significaria mexer com os interesses de grandes capitalistas das montadoras, das empresas ligadas ao refino do petróleo e da máfia que controla as empresas de transporte coletivo nas grandes cidades. Isso nenhum governo burguês está disposto a fazer.
Quanto aos congestionamentos os trabalhadores são as maiores vítimas, uma vez que na atual configuração da produção capitalista os trabalhadores são obrigados a irem trabalhar cada vez mais longe o que por si já representa o aumento na jornada de trabalho provocando maior desgaste físico e mental. Essa combinação do tempo gasto para o trabalho e o tempo gasto nos congestionamentos representa a continuidade da apropriação pela burguesia do tempo do trabalhador e que não é remunerado. Assim o trabalhador sequer consegue descansar para se recompor para o dia seguinte e sem falar na dificuldade de que o trabalhador possa participar de reuniões sindicais ou políticas. Ou seja, a burguesia utiliza o caos que o seu modo de produção provoca para manter os trabalhadores sob controle. É uma apropriação física e espiritual dos trabalhadores.
Em uma sociedade socialista, portanto racional, os trabalhadores além de terem uma jornada de trabalho muito menor trabalharão próximo de suas residências ou terão computado na sua jornada o tempo de deslocamento, podendo aproveitar essas horas “economizadas” para atividades políticas, culturais, de lazer e para descanso. Só uma sociedade irracional como a capitalista desperdiça tanto tempo.
Outro efeito devastador para a natureza é a impermeabilização das cidades. Para comportar a quantidade de carros que estão sendo produzidos (em 2009 foram quase 3,2 milhões) é preciso construir uma extensa malha rodoviária, o que faz com que as cidades sejam permanentemente redesenhadas, representando uma destruição de força de trabalho e da natureza, uma vez que mais e mais árvores precisam ser derrubadas, o solo é impermeabilizado e o curso e as margens dos rios sofrem constantes mudanças. As recentes enchentes (que Serra culpou a natureza, Kassab a Marta Suplicy e o povo) são conseqüência dessas alterações e não das pessoas.
Parte importante do orçamento do país é direcionado para a construção e/ou reforma de estrada (em alguns Estados representa 50% de tudo que é aplicado pelo governo Federal), retirando dinheiro de outras áreas como saúde e educação. Essa grande quantidade de dinheiro em todos os orçamentos (federal e estaduais) fez com que se desenvolvesse no país grandes grupos econômicos (Camargo Correa, Espasamco, etc) que são dependentes dessas obras e para mantê-las faz todo tipo de falcatrua, como licitação direcionada, caixa dois para a campanhas eleitorais (além de doação pública), etc. É só mais um elo dessa corrente que se construiu a partir da adoção desse modelo de transporte.
Ideologia e automóvel
A adoção do automóvel como central no sistema de transporte também implica em que as pessoas precisam ser convencidas de comprá-lo e utilizá-lo, precisa tornar-se necessidade. Para isso foi montado um imenso aparato ideológico que envolve agências de propagandas, televisão, psicologia de massas, etc que tem o poder de “embelezar” homens e mulheres, de mascarar e mudar o meio em que vivemos (todas as propagandas apresentam ruas sem buraco e sem congestionamento) e de declarar o poder dos e das possuidoras de carros sobre o mundo.
Por essa ideologia quem tem um carro é diferente e não está submetido aos caos do transporte público, destinado aos de pouca sorte; quem te carro é diferente, mais inteligente, faz a escolha certa e “venceu” na vida. O automóvel é o símbolo do capitalismo e para a própria burguesia alocada no Brasil era importante essa escolha como demonstração de que definitivamente o país se modernizava. Como vemos a partir do automóvel se estrutura parte importante da vida em uma sociedade capitalista.
Outro aspecto dessa ideologia é colocar o indivíduo acima da coletividade. Veículos altamente poluidores que transportam pouquíssimas pessoas (na maioria das vezes uma só pessoa) são a representação de que o sistema de transporte também é voltado para a propagação do individualismo, fundamental para a ideologia dominante e para a própria indústria automobilística. A degradação do transporte coletivo é parte dessa lógica, pois a todo momento na mesma avenida congestionada podemos ver de um ônibus lotado -com as pessoas em pé e amassadas- um veículo com um indivíduo livre desse inferno que é o ônibus. A construção consciente dessas comparações é uma tática muito bem pensada pela burguesia de modo que nesse cenário as pessoas possam pensar em saídas individuais e ver o automóvel como o meio de realização desse desejo.
Construir uma saída pela esquerda
A anarquia da produção capitalista faz com que ela desloque imensas forças de trabalho para a produção de bens que significam a destruição das próprias condições de vida da humanidade, ou seja, em vez de produzir bens que contribuam para o bem estar das pessoas produz-se aquilo que interessa aos capitalistas. É a lógica da burguesia. Uma sociedade socialista organizaria a produção de modo que se produziria aquilo que realmente atendesse as necessidades humanas e não do lucro.
Precisamos, a partir de nossas frentes de atuação, abrir essa discussão no movimento, incorporando reivindicações que garantam transporte coletivo público, gratuito e de qualidade para os trabalhadores. Em uma perspectiva da revolução também está colocado a necessidade do desenvolvimento de energias que garantam a produção das necessidades dos trabalhadores e que não poluam o meio ambiente. Em relação ao transporte coletivo até mesmo “especialistas” burgueses reconhecem que o transporte sobre trilho é muito mais barato e menos poluente. Também é preciso redirecionar a produção automobilística do país para veículos que garantam a produção de alimentos, como os tratores.
Só com essas mudanças como essas (que são mínimas) quantas carretas poderiam deixar de circular e poluir com a adoção do transporte de cargas para os trens? E quantos ônibus deixariam de poluir e congestionar se adotássemos o transporte ferroviário como prioritário? Quantas horas os trabalhadores poderiam se dedicar ao lazer, ao estudo e a própria militância anti capitalista?
Se temos consciência de essas medidas são fundamentais também sabemos que o capitalismo –pela sua própria lógica do lucro- não pode realizar essas tarefas. Só a revolução socialista poderá levar a frente essas tarefas. Por isso, viremos à esquerda.
ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL E EDUCAÇÃO FLEXÍVEL
Objetivamos mostrar a intrínseca relação entre as transformações no capitalismo e o papel atribuído à educação. Essa análise leva em consideração o “grau de controle que logrou deter a grande burguesia sobre as crises cíclicas do capitalismo” (consciência adquirida a partir de 1929) como também a substituição dos sistemas de organização do trabalho taylorista e fordista pelo toyotista. Partimos das mudanças ocorridas na organização do trabalho provocadas pelo avanço tecnológico a partir dos anos 1970. O avanço tecnológico alterou o padrão produtivo e introduziu a acumulação flexível, substituindo o taylorismo e o fordismo pelo toyotismo.
A acumulação flexível, como resultado da taxa decrescente do lucro e, consequentemente, da dificuldade da realização do capital, aumentará exponencialmente a taxa de exploração dos trabalhadores, e ainda assim não inverterá ou evitará a diminuição da taxa de lucro, pois se trata de uma crise no seio da estrutura de funcionamento do sistema capitalista.
Por isso, a diminuição do emprego, dos salários e das condições de trabalho não são fatos esporádicos no capitalismo, e sim parte do movimento do capital.
O desemprego deixa de ser um fator de crise e converte-se “… agora em um dos elementos do processo de controle das crises que aciona o mecanismo de desaquecimento da economia como forma de mantê-la ajustada às relações sociais vigentes, comandadas pelos interesses do sistema financeiro internacional.” (SAVIANI, Dermeval.In: Capitalismo, Trabalho e Educação, p.22)
O papel atribuído a educação
A educação passa a se submeter diretamente às condições de funcionamento da economia capitalista, pois o trabalho pedagógico articula-se com o processo do trabalho capitalista, se constituindo no toyotismo “em forma de disciplinamento para a vida social e produtiva no capitalismo.”
Esse disciplinamento “configura-se como uma transformação intelectual, cultural, política e ética, uma vez que tem por objetivo o desenvolvimento de uma concepção de mundo tão consensual quanto seja possível, tendo em vista as necessidades de valorização do capital.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p.82)
O que se pretende é formar “um povo manso e resignado, respeitoso e discreto, um povo para quem os patrões sempre tenham razão.” Ou seja, “um povo ideal para uma burguesia que só aspira resolver sua própria crise.” (PONCE, Aníbal. In: Educação e Luta de Classes, p.173)
O disciplinamento é necessário uma vez que a educação assume, de acordo com as necessidades do mercado, o princípio da flexibilidade como condição para produção segundo a demanda. “Isso gera a necessidade não mais de produzir estoques de mão-de-obra com determinadas competências para responder às demandas de postos de trabalho – cujas tarefas são bem definidas -, mas para formar trabalhadores e pessoas com comportamentos flexíveis, de modo que se adaptem, com rapidez e eficiência, a situações novas, bem como criarem respostas para situações imprevistas.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p. 87)
E não apenas isso, forma-se uma mão-de-obra que ora pode ser utilizada, ora pode ser parcialmente descartada ou totalmente descartada, de acordo com as necessidades do mercado, ou seja, mão-de-obra flexível.
Dessa forma, a escola deverá formar alunos com um repertório, ou seja, com competências e habilidades que possibilitem-no fazer escolhas. Uma aprendizagem para a inserção no mundo produtivo e solidário, e que se adapte a essa lógica flexível.
Além disso, o disciplinamento procura eliminar a existência de classes sociais e da luta de classes. Com a terminologia de parceiros sociais, a escola esconde o que sempre pretendeu a burguesia: ocultar a existência de classes sociais e da luta de classes para não ocorrer uma reação por parte dos trabalhadores contra a precarização econômica, e para aceitarem a “realidade como ela é”, evitando qualquer possibilidade de mudança.
Exclusão incluente e inclusão excludente
O toyotismo na educação e no trabalho tem como um dos objetivos o aprofundamento da separação entre trabalhadores e dirigentes, e entre trabalho intelectual e trabalho instrumental. Também entra em cena um processo de “exclusão incluente”, em que verificamos a exclusão do trabalhador do mercado formal, com direitos assegurados e a inclusão em condições de trabalho precárias. Dessa forma, os trabalhadores são desempregados e reempregados com salários rebaixados, muitos contratados por empresas terceirizadas, desempenhando a mesma função e ganhando menos ou indo para a informalidade. Com isto, o setor reestruturado se alimenta e mantém sua competitividade através do trabalho precarizado.
Essa lógica, do ponto de vista da educação, produz uma outra lógica na direção contrária, a “inclusão excludente”. Ou seja,“as estratégias de inclusão nos diversos níveis e modalidades da educação escolar aos quais não correspondem os necessários padrões de qualidade que permitam a formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas do capitalismo; ou, na linguagem toyotista, homens e mulheres flexíveis, capazes de resolver problemas novos com rapidez e eficiência, acompanhando as mudança e educando-se permanentemente.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p. 92)
Atribui-se à educação a função de corrigir as distorções e contradições geradas pela lógica de funcionamento do modo de produção capitalista, amenizando a precarização econômica, bem como conter socialmente, sobretudo nas periferias, os descartados pelo sistema para garantir liberdade de consumo.
Com base nisso, é necessário lutarmos por uma educação que rompa com a lógica de funcionamento do modo de produção capitalista.
Por isso, defendemos:
– A luta por uma Educação pública de qualidade sob o controle dos trabalhadores deve ser combinada com a luta pelo fim do capitalismo e por uma sociedade socialista!
– A Educação deve ser tratada em todos os níveis, como um bem coletivo, um dos instrumentos de transformação social e como um espaço de produção de conhecimento e desenvolvimento humano!
– Ensino público laico e gratuito em todos os níveis!
– Uma escola emancipadora de todo tipo opressão e que desenvolva a consciência socialista!
No mês de junho do ano passado os setores mais reacionários e próximos do imperialismo estadunidense organizaram um golpe e derrubaram Manuel Zelaya, presidente eleito de Honduras. A igreja católica, o legislativo, o judiciário e os principais grupos empresariais do país apoiaram abertamente o golpe.
A justificativa dos golpistas era de que defendiam a Constituição, mas o que estava em questão era a proposta de uma consulta à população, que poderia levar a uma Constituinte e abrir várias discussões como a da propriedade e posse da terra, da jornada de trabalho, do aumento salarial, etc., ou seja, poderia surgir um movimento massivo dos trabalhadores pelos seus direitos.
Manuel Zelaya não é socialista e muito menos revolucionário. Foi eleito pelo partido Liberal e se caracteriza por ser um governo capitalista. Mas, por conta da pressão da crise econômica e das manifestações populares passou a defender algumas medidas que, além de afetarem minimamente as margens de lucro da burguesia reacionária de Honduras, também poderiam abrir caminho para processos de luta e organização dos trabalhadores que viessem a ultrapassar os limites desejados até mesmo pelo próprio Zelaya.
Caracterizamos de caráter preventivo o golpe contra o governo Zelaya a fim de evitar que as reformas – mínimas e insuficientes – que estavam sendo implementadas pudessem mexer no lucro da burguesia, numa demonstração bem evidente de que não tem disposição nenhuma de fazer ou aceitar qualquer reforma por menor que seja.
Só os trabalhadores podem garantir mudanças
A burguesia é incapaz de defender e levar adiante as reformas. É assim com todo tipo de governo reformista (Chávez, Correa, Morales, etc.) que, diante de qualquer conflito com o setor mais reacionário, recua, sabota e até reprime as mobilizações mais radicalizadas.
Durante todo o processo de luta contra o golpe, Zelaya e seus seguidores apostaram na “via pacífica”, de negociação com os golpistas e o imperialismo com o único objetivo de retomar o seu cargo de presidente. Esse era o seu objetivo. Nada mais além.
Podemos destacar algumas medidas políticas apresentadas por Zelaya que foram contrárias aos interesses, necessidades e até mesmo contra os objetivos dos trabalhadores o que demonstra sua limitação. Primeiro disseminando a ilusão de que o governo dos Estados Unidos e as organizações a serviço do imperialismo (ONU, OEA, etc.) pudessem estar contra o golpe (afirmamos em Boletim do Espaço Socialista que na verdade os Estados Unidos foram um dos organizadores do golpe). Segundo, que ao optar pelas negociações, tratou de frear todo tipo de mobilização dos jovens e trabalhadores que pudesse desestabilizar o conjunto do regime e abrisse caminho para uma ação independente dos trabalhadores que fosse além das medidas que tinha adotado. Terceiro, terminou por legitimar o processo eleitoral organizado – e fraudado – pelos golpistas em que menos da metade dos eleitores compareceram. Política que levou à derrota o movimento contra o golpe e legitimimou-o.
As bases dessa traição são objetivas, pois Zelaya, como burguês e proprietário de terras que é, não adotaria uma posição contra a sua classe social. Um processo radicalizado que avançasse contra a propriedade privada significava que a sua propriedade também estaria em risco. Zelaya , com essa política, buscava substituir a luta contra os interesses da burguesia em geral para uma luta movida unicamente pelos seus interesses, que é uma combinação da luta pelo seu poder com a manutenção dos interesses da burguesia.
O ensinamento mais importante para os trabalhadores e principalmente para os militantes e ativistas é que não devemos confiar em nenhum burguês e nem em seus agentes, pois ao primeiro sinal de que os seus interesses políticos e materiais estejam em risco irão mostrar a sua cara e trair os trabalhadores e que também pela via de negociações com o inimigo nada se consegue. É uma lição da história. Desde as revoluções burguesas do século XIX até as contemporâneas (Boliviana de 1952, Nicaragüense e Iraniana de 1979, etc.) tem-se em comum a traição e a conseqüente derrota dos trabalhadores.
Quando são obrigados a irem além de suas pretensões o fazem para não perderem o controle da situação, mas no primeiro momento de descuido do movimento operário voltam a trair. Exceção que confirma a regra.
Somente os trabalhadores a partir de uma ação política independente da burguesia podem levar adiante as tarefas de enfrentar as ditaduras fascistas e ao mesmo tempo se emanciparem politicamente. Somente os trabalhadores, pela relação de explorados que mantêm com a propriedade privada, podem acabar com a propriedade privada. Nenhum burguês vai lutar e garantir a democracia plena porque significaria o seu fim.
As mobilizações assustaram os golpistas e Zelaya
Em todo processo de mobilização, principalmente quando provoca alguma instabilidade no regime político, a questão do poder está colocada, seja como tarefa imediata (quando há condições objetivas e subjetivas) ou como propaganda. As mobilizações e as greves levam os trabalhadores a refletirem sobre a sua condição de vida, sua força na sociedade, a se organizarem, a vislumbrar a possibilidade de tomarem em suas mãos o seu próprio destino, ou seja, de que as coisas podem mudar. Por isso as mobilizações, por menores que sejam, deixam a burguesia apavorada.
Após a ida de Zelaya para a embaixada brasileira o movimento deu um salto de qualidade, inclusive com a possibilidade de construção de uma greve geral. O enfrentamento direto era a única forma de obrigar os golpistas a abandonarem o poder, mas Zelaya, como todo burguês reformista, se assustou com a possibilidade de que a classe trabalhadora, radicalizada, se colocasse como sujeito social e fosse mais além de suas tímidas medidas reformistas.
Tudo que Zelaya conseguiu pela via da negociação foi ser enganado pelo representante do governo dos Estados Unidos, o direito de sair do país “pelas portas da frente”, mas na prática foi obrigado a reconhecer o resultado da eleição de 29 de novembro, da qual saiu vencedor Pepe Lobo – que se não apoiou diretamente o golpe foi um dos cúmplices mais importante. Um acordo de cavalheiros em que tudo continuou como antes.
Na base do movimento essa política se expressava pela defesa, por parte dos zelaystas, de que o momento é de reconciliação nacional e as negociações e acordos visam construir as condições para que se dê tal reconciliação. Não falam, entretanto que essa reconciliação tem como pressuposto a aceitação das condições impostas pelos golpistas: nenhuma reforma constitucional, nenhuma concessão para os trabalhadores, que o poder fique nas mãos da burguesia e de seus lacaios (igreja, judiciário e legislativo) e nenhuma punição aos golpistas assassinos.
Não há nenhuma possibilidade de reconciliação com a burguesia de Honduras e nem com nenhuma outra. Reconciliação para a burguesia significa que as coisas ficam como estão. Lição fundamental que os trabalhadores hondurenhos precisarão compreender para as próximas lutas, ou seja, construir as suas próprias organizações políticas e se colocarem como direção e força política do processo em oposição a toda burguesia.