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Jornal 38: Agosto/Setembro de 2010


24 de abril de 2011

Leia as matérias online:

 

 

As eleições e a alternativa socialista

 

O caráter da democracia burguesa           

As eleições são o momento por excelência em que a burguesia tenta fazer com que os seus interesses de classe sejam vistos como interesses do “conjunto da sociedade”, mesmo que na verdade sejam contrários aos dos trabalhadores. Através da “festa da democracia”, a burguesia consegue legitimar perante os trabalhadores o nome dos gerentes de plantão que durante determinado mandato vão aplicar o programa de interesse do capital. Se todos têm o mesmo direito de voto, ricos e pobres, todos devem respeitar a opção da maioria em favor de um candidato, que assim adquire a condição de governar “em nome de todos”. Perpetuam-se as instituições do Estado burguês, o executivo, o legislativo, o judiciário, as forças armadas, os aparelhos ideológicos (escola, igreja, mídia, etc.), etc., cuja função essencial é defender a propriedade privada dos meios de produção, que torna os trabalhadores cada vez mais pobres e a burguesia cada vez mais rica.

No interior mesmo da democracia burguesa, quando os trabalhadores tentam defender suas reivindicações através de seus próprios métodos, como as greves, ocupações de terras, manifestações de rua, atos públicos, assembléias, debates, atividades culturais, etc., a burguesia usa de recursos “legais” para perseguir aqueles que se mobilizam, prendendo, demitindo, punindo, censurando, etc.; e também de métodos ilegais para reprimir as lutas dos trabalhadores, pois os seus serviçais, dentro e fora do Estado, podem impunemente matar, torturar, agredir, assediar, difamar os que se mobilizam, contando com a complacência da “justiça”. Ou seja, a democracia burguesa é uma ditadura de classe, pois apenas os interesses da classe dominante podem se manifestar.

 

A política da reação democrática

Além disso, quando as mobilizações dos trabalhadores adquirem também expressão eleitoral, através de partidos que conquistam espaço no parlamento e no Executivo, mesmo com programas limitados e reformistas, mas que ameacem minimamente a lucratividade do capital, a burguesia não hesita em derrubar esses governos via golpes de Estado e instalar uma ditadura sem disfarce para impor de forma nua e crua os seus interesses. A burguesia não tem o menor respeito pela democracia burguesa, ela apenas a utiliza para melhor iludir e reprimir os trabalhadores.

Desde as últimas décadas do século XX, em vez dos golpes de Estado e das ditaduras sem disfarce, a classe dominante tem preferido governar através da democracia burguesa. A ditadura sem disfarce como forma de dominação pode funcionar num primeiro momento para esmagar a resistência, mas tem o inconveniente de atrair contra si a oposição geral, pois torna mais fácil para os trabalhadores identificar o inimigo. A ditadura através da democracia burguesa, ao contrário, conta com o respaldo geral, pois mesmo os trabalhadores, na ausência de uma alternativa classista e socialista construída nas lutas, tendem a enxergar em políticos oportunistas, burocráticos e reformistas o canal para suas reivindicações e para a melhoria de vida; e se tais elementos não são identificados como inimigos de classe, torna-se muito mais difícil organizar a luta.

Se a burguesia não tem princípios ao romper com a suas próprias instituições quando lhe convém, os trabalhadores também não podem ter ilusões de que as conquistas no interior da democracia burguesa possam se manter por si próprias. Isso não quer dizer que não se deve defender e lutar para ampliar os direitos conquistados no interior do “Estado democrático de direito”, como o direito de voto, de associação, de recorrer à justiça, liberdade de expressão, etc., mas que se deve ter consciência de que esses direitos são sempre precários, podem ser desrespeitados ou revogados pela burguesia a qualquer momento, e somente a auto-organização e a luta consciente da classe por um projeto socialista podem de fato estabelecer uma gestão democrática da sociedade.

 

A crise estrutural e a alternativa socialista

As últimas décadas do século XX marcaram também a emergência da crise estrutural do capital. Trata-se de um período em que as formas históricas usadas para conter a queda da taxa de lucro não mais funcionam. A burguesia precisa aprofundar cada vez mais os níveis de barbárie social para manter a acumulação do capital. Isso se verifica no aumento explosivo do desemprego, da devastação ambiental, das guerras, das políticas anti-sociais de retirada de direitos dos trabalhadores e desmonte dos serviços públicos, do endividamento, da especulação, etc. Nesse período histórico em particular torna-se ainda mais importante a consciência de que a manutenção das conquistas dos trabalhadores só poderá ser bem-sucedida se a luta defensiva encontrar formas de se converter em uma ofensiva pela destruição do capitalismo e construção do socialismo.

A vigência da crise estrutural não aboliu o caráter cíclico do modo de produção capitalista, ou seja, o fato de que este modo de produção alterna períodos de crescimento econômico e períodos de crise. Os períodos de crescimento são mais limitados, beneficiando setores mais restritos da burguesia e gerando uma quantidade menor de lucro, que se realiza sob formas mais artificiais e especulativas. E os períodos de crise são mais agudos, afetando um número maior de países e populações, e também mais difíceis de administrar.

A atual crise econômica, que se iniciou com a crise financeira de 2008, expôs de forma ainda mais dramática os problemas do capitalismo, manifestando-se como uma verdadeira crise societal, pois além do seu impacto econômico, um dos mais graves já sofridos pelo sistema, trouxe consigo as evidências da destruição ambiental, do comprometimento da matriz energética, da fome que afeta quase um bilhão de pessoas, de crescentes dificuldades para os projetos militares e políticos do imperialismo, de diversos níveis de barbárie social e cultural, em escala global.

 

O Brasil na crise e os planos da burguesia

A crise econômica e societal global continua se desenvolvendo. Ao longo de 2009 os governantes burgueses usaram trilhões de dólares para salvar os investimentos dos capitalistas e evitar momentaneamente o colapso do sistema. São os mesmos trilhões de dólares que não existem quando se trata de aplacar a miséria de bilhões de trabalhadores do mundo inteiro, que são condenados a viver no desemprego, no subemprego e na superexploração, recebendo salários de fome que não lhes permitem adquirir para si e suas famílias alimento, moradia, vestuário, etc.

Essa monstruosa hipocrisia ganhou um novo capítulo em 2010, pois os governos que se endividaram para salvar a burguesia da crise agora precisam cortar gastos para evitar o colapso financeiro do Estado. Isso significa aumentar impostos e cortar investimentos em serviços públicos, rebaixando salários dos servidores e precarizando os serviços, o que por sua vez resulta em retirar do conjunto da classe condições mínimas de saneamento, saúde, educação, transporte, lazer, cultura, etc.

Apesar de os trabalhadores europeus estarem sendo mais atingidos neste momento, o Brasil não é exceção a esse cenário. Também no Brasil está se usando o Estado para  salvar os negócios da burguesia, através de pacotes de ajuda de centenas de bilhões de reais. Também no Brasil a burguesia está cortando salários, retirando direitos e precarizando condições de trabalho, com a colaboração do movimento sindical governista e burocratizado. Além disso, há o arrocho sobre os servidores, o desmonte dos serviços públicos, a reduções das aposentadorias, medidas que jogam o custo da crise sobre o conjunto dos trabalhadores.

 

Um programa socialista dos trabalhadores para ser apresentado nas eleições, mas para ser realizado através da luta direta dos trabalhadores!

– Reposição das perdas salariais e defesa dos direitos e condições de trabalho! Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos! Fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho! Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias! Redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução dos salários! Estatização sob controle dos trabalhadores, e sem indenização, de todas as empresas que demitirem, se transferirem ou ameaçarem fechar!

– Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!

– Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!

– Reestatização da ValeEmbraer e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores! Que a exploração do pré-sal seja feita por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!

– Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Expropriação do latifúndio e do agro-negócio sob controle dos trabalhadores! Rumo ao fim da propriedade privada! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!

– Expropriar os imóveis usados para lucro da burguesia e colocá-los à disposição dos trabalhadores! Um grande plano de moradias populares! Fim do financiamento público para condomínios de luxo e utilização dessa verba em moradias populares! Indenização pública, isenção de impostos e moradia para todas as vítimas de enchentes e deslizamentos! Por um plano de obras públicas que priorize o saneamento e a despoluição de rios e lagos! Investimento em transporte público de qualidade que priorize o modelo de transporte coletivo!

A luta pelo programa que expusemos e a construção dos organismos proletários adequados a essa tarefa necessariamente se chocam com a estrutura do Estado burguês e exigem a construção de uma alternativa de poder político e social da classe trabalhadora. A classe trabalhadora precisa criar seus próprios organismos de luta, que sejam os embriões de novos mecanismos de administração, capazes de reorganizar a produção social em bases racionais, tendo em vista o atendimento das necessidades humanas e a criação de relações sociais emancipadas. Esses organismos devem ter como princípios a independência de classe, a democracia operária, a participação da base, a luta contra a burocratização e a disputa ideológica, e ter como tarefa impulsionar um processo de ruptura revolucionária com a sociedade capitalista, contra ela e pela construção do socialismo.

Por um governo socialista dos trabalhadores, baseado em suas organizações de luta! Por uma sociedade socialista!

 

Intervir nas eleições para desenvolver a luta e a consciência socialista

Mesmo com todos os problemas da democracia burguesa existentes no Brasil, mesmo com o descrédito, fruto da corrupção, das mentiras, das traições feitas após as eleições, os trabalhadores irão comparecer às urnas. Não o farão por confiança nos políticos e sim porque neste momento não vêem outra alternativa de organização política e social em condições de substituir o regime existente.

Essa situação é fruto, não apenas da alienação prática e ideológica a que os trabalhadores estão submetidos, mas também resultado de uma profunda crise de alternativa socialista e até mesmo crise da consciência de classe, pois as bandeiras de transformação social foram jogadas no chão e pisadas pelas organizações que se adaptaram e se incorporam ao regime político e à lógica capitalista, como o PT, o PC do B, a CUT, a UNE.

Porém, a realidade vai demonstrando cada vez mais que essa democracia é extremamente limitada e que na maior parte dos casos serve aos patrões, contra os trabalhadores, que visa manter a dominação e a exploração, apesar de sua aparência e discurso de liberdade. A democracia burguesa continua sendo uma ditadura do capital e vai assumindo uma postura cada vez mais autoritária para com os movimentos sociais e os ativistas.

Assim,  é tarefa importante para as organizações socialistas e revolucionárias intervir no debate eleitoral, mas com uma finalidade totalmente diferente da política burguesa. Trata-se justamente de aproveitar esse momento para realizar uma crítica radical dos vários mecanismos de exploração e dominação presentes nessa pseudodemocracia do capitalismo, e defender que a única possibilidade de resolução dos problemas que atingem os trabalhadores e a sociedade é o desenvolvimento das lutas diretas (greves, ocupações, etc) em direção à ruptura com a lógica do capital e sua ordem de dominação, no sentido da construção de uma outra lógica, a serviço dos trabalhadores, da preservação do meio ambiente, etc.

 

Defendemos um regime político dos trabalhadores!

Defendemos um outro regime político e econômico, uma democracia dos trabalhadores, em que os mandatos sejam revogáveis a qualquer momento caso os eleitos votem medidas que contrariem as promessas feitas ou os interesses dos trabalhadores. Nenhum ocupante de cargo público deve receber mais do que o salário médio de um trabalhador especializado. Além disso, não devem receber nenhuma gratificação além da ajuda de custo necessária para se deslocar e se alimentar. Defendemos a proibição da reeleição para os cargos executivos, e a limitação a uma reeleição para os cargos legislativos. As doações de empresas nas campanhas ou de empresários individuais devem ser proibidas, implantando-se o financiamento público de campanha com o mesmo valor e o mesmo tempo dos recursos de mídia para os candidatos. Os corruptos e corruptores devem ser presos e seus bens confiscados pelo estado, não podendo mais se candidatar.

Enfim, defendemos uma democracia dos trabalhadores em que esse sistema político seja sustentado e expresse o controle dos trabalhadores sobre todas as atividades econômicas e sociais como as fábricas, bancos e escolas, de modo a propiciar a produção e distribuição da riqueza social de acordo com as necessidades dos trabalhadores e em sintonia com o meio-ambiente.

 

Sem romper com a lógica do lucro não haverá futuro para os trabalhadores, os jovens e o ambiente!

Durante e após o primeiro pico da crise mundial que atingiu o Brasil – final de 2008 e início de 2009 –, os patrões se aproveitaram para aumentar violentamente a taxa de exploração dos trabalhadores, com demissões e a imposição de maior carga de trabalho sobre os que permaneciam  empregados. Ao mesmo tempo, o governo Lula e os governos estaduais reduziam os impostos de setores estratégicos e davam rédea solta ao crédito, e o estado assegurou a estabilidade do setor financeiro, mantendo religiosamente o pagamento dos juros da Dívida Pública Externa e Interna.

Essa Dívida está hoje em R$ 1,61 trilhão, comprometendo cerca de 35%  de todo o orçamento da União. Só em 2009, o governo federal, estados e municípios gastaram cerca de R$ 360 bilhões no pagamento dos juros de suas Dívidas, dinheiro extraído dos trabalhadores e enviado para a burguesia.

Junto a isso, houve a liberação quase total ao agronegócio para queimar, desmatar e ocupar áreas de reserva ambiental, sem falar nos prejuízos causados pelas monoculturas de soja e cana ao solo e aos ecossistemas.

O aumento brutal da exploração sobre os trabalhadores e o meio-ambiente, combinado com todos os mecanismos de incentivo ao consumo por parte do estado – principalmente o crédito – pôde conter a recessão e fazer com que a economia voltasse a crescer.

Mas embora os trabalhadores demitidos durante o primeiro impacto da crise tenham sido recontratados, isso ocorreu de forma precarizada e com salários menores.

É isso tudo que está por trás do crescimento econômico capitalista. Só os empresários ganham realmente. O aumento gigantesco do crédito encobriu a queda do poder de compra real dos trabalhadores e da classe média.

Além disso, as medidas tomadas pelos governos e pela burguesia preparam a eclosão de uma crise muito pior em um prazo não muito distante. Isso é o que acontecerá quando a capacidade de endividamento dos trabalhadores brasileiros e das famílias da classe média – que está bem distante do padrão estadunidense ou europeu – chegar ao limite como ocorreu naqueles  países.

Nenhuma das três candidaturas chamadas “viáveis” querem e podem dizer essas verdades aos trabalhadores, pois todas têm o acordo maior em manter o país submetido à lógica do capital, para a manutenção de seus privilégios e da burguesia que representam.

 

Uma disputa para ver quem vai administrar o mesmo projeto a serviço do capital

O bloco PSDB/DEM representa os interesses diretos dos bancos e do agronegócio. Em princípio, seria o melhor dos mundos para a burguesia, pois é um projeto de enfrentamento direto à classe trabalhadora, com uma política de estado voltada totalmente para os cortes na máquina de estado (leia-se serviços públicos), altas taxas de juros e direcionamento da maior parte possível do dinheiro público para obras e programas de interesse do capital. O problema é que muitas vezes uma política de enfrentamentos diretos com os trabalhadores pode levar ao estouro de um ascenso, como ocorreu no início dessa década em vários países da América Latina, e isso a burguesia e o imperialismo não querem.

Já o PT, também visa atender ao grande capital de forma geral, arbitrando as várias frações da burguesia e tentando contemplar o funcionamento do sistema como um todo, mas de modo a preservar uma parte dos ganhos para a burocracia de estado, sindical e política. Daí seu interesse em um certo peso do estado na economia, e das negociatas com as direções sindicais corrompidas para a aplicação de medidas contra os trabalhadores com a mesma ou maior eficácia do que o bloco PSDB/DEM.

A candidatura de Marina Silva tenta se apegar ao mote da preservação ambiental. No entanto, seu discurso cai no vazio pois participou em quase todo o governo Lula, onde houve a liberação dos transgênicos, o aumento vertiginoso da destruição das florestas para a plantação de soja, cana e para a criação de gado.

Seu programa mantém o respeito pela lógica do capital e pela economia de mercado, o que elimina qualquer possibilidade de preservação ambiental, já que o capital, em sua lógica de em tudo lucrar o máximo possível, exige a ocupação de todos os espaços e a exploração de tudo da forma mais insana e imediatista para suas finalidades.

Tanto Serra, como Dilma e também Marina representam o aprofundamento da exploração sobre os  trabalhadores e a entrega de todas as riquezas naturais como meio de valorização do capital. Todos eles, mesmo que com variações, manterão o mesmo rumo geral, sendo que as diferenças girarão em torno da forma, dos ritmos e principalmente de qual setor vai usufruir da máquina de estado.

 

A divisão da esquerda… Por quê?

O fato de a esquerda socialista atuar no processo eleitoral dividida em três candidaturas (PSOL, PSTU e PCB) é realmente muito complicado. Isso dificulta ainda mais que os trabalhadores enxerguem uma alternativa à falsa polarização colocada nestas eleições entre Serra, Dilma e Marina.

Nesse sentido, a culpa é sem dúvida desses mesmos partidos, que colocaram mais uma vez os interesses de sua construção acima dos interesses da classe trabalhadora.

O PSOL insistiu até o último momento em uma frente com o PV, um partido que, a exemplo do PSB, é base de sustentação do governo Lula em Brasília, e em São Paulo é base de sustentação do PSDB… Quando essa aliança com o PV se tornou impossível, por iniciativa do próprio PV, aí o PSOL veio propor tardiamente a constituição de uma Frente de Esquerda.

O PCB declarou desde o início que teria candidatura própria, culpando o PSOL pelo rebaixamento do programa nas eleições de 2006 e pela dispersão da Frente de Esquerda de lá até aqui. Porém, não pensou em propor a Frente nem ao PSTU, nem às demais organizações da esquerda.

O PSTU por sua vez, se aproveitou da política do PSOL de se aproximar do PV e da antecipação da candidatura própria do PCB para lançar também seu “pré-candidato”, Zé Maria. Por último, no CONCLAT (Congresso da Classe Trabalhadora) realizado em junho deste ano, o PSTU orientou sua militância a votar contra a formação da Frente de Esquerda, sepultando de vez a possibilidade de candidaturas unitárias dos trabalhadores nessas eleições.

Desde o início, o Espaço Socialista alertou para esses problemas. Propusemos a construção de um Movimento Político dos Trabalhadores em que tanto o programa como as candidaturas pudessem ser debatidos e definidos a partir de uma ampla participação de base, e não pelas cúpulas dos partidos. Essa unidade pela base e a definição de um programa mínimo seriam fundamentais não apenas nas eleições mas também nas lutas que virão logo após, quando serão descarregados em nossos ombros mais Reformas, como a da Previdência e a Reforma Trabalhista.

 

O Voto dos trabalhadores deve expressar um caráter de Luta e Socialista!

Mesmo com a divisão da esquerda nas eleições, é preciso travar a disputa de projeto com a burguesia e seus candidatos, e no momento eleitoral, por mais que não gostemos, essa disputa terá como parte concreta a disputa do voto em alguma das candidaturas de esquerda.

Embora tenhamos divergências de fundo com a concepção de atuação e o programa do PSTU, ao nosso ver é a candidatura que melhor representa uma posição dos trabalhadores contra os patrões nessas eleições. Por isso, o Espaço Socialista chama o voto crítico nos candidatos do PSTU.

Ao mesmo tempo, julgamos importante um debate a fundo dos limites existentes nas posições políticas, organizativas e na relação que o PSTU estabelece com o movimento e suas entidades, e faremos esse debate nas páginas deste jornal e em outros materiais.

Ao nosso entender, o chamado ao voto nulo neste momento em que há candidaturas socialistas dos trabalhadores só serviria para confundir e nos levaria ao isolamento, dificultando o diálogo com os trabalhadores e deixando o terreno totalmente livre para os vários candidatos representantes da burguesia atuarem. Nessas eleições, o voto nulo não aparece dotado de nenhum conteúdo de esquerda e muito menos classista, pois há diversos setores sociais e com interesses inclusive opostos que votam nulo. Além disso, com a polarização colocada nessas eleições, o voto nulo tende a ter seu conteúdo ainda mais esvaziado.

 

Por que não o PSOL ou o PCB?

O PSOL tem problemas estruturais em seu programa e concepção que o colocam em um rumo perigoso, no mesmo caminho do PT, pois além de ter rebaixado seu programa para se tornar mais palatável, nas eleições passadas o PSOL aceitou doação da Gerdau – uma grande empresa do ramo siderúrgico –, o que expressa um limite fundamental que é a perda da independência de classe. Nessas eleições, por exemplo, ao invés de defender o não pagamento da Dívida Pública – bandeira histórica da esquerda  –, o PSOL defende apenas uma auditoria da Dívida, permitindo a conclusão de que parte dela deva ser paga.

O PCB não só não fez qualquer esforço pela unidade, recusando-se até mesmo a participar do CONCLAT – que visava construir uma Central de Luta para a classe trabalhadora para fazer frente à CUT e à Força Sindical –, como também apresenta mais limitações em seu programa comparando-se ao PSTU.

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Sobre as posições minoritárias

A nossa concepção de centralismo democrático supõe que o regime interno da organização seja o mais democrático tanto na discussão quanto na própria continuidade dela uma vez que é o próprio desenvolvimento da luta de classes que vai apontar os acertos e erros da política votada. Também há o fato de que entendemos que os debates internos não pertencem só à organização, mas ao movimento de conjunto pois refletem as polêmicas e debates que existem entre os militantes e ativistas.

A nossa opção de voto crítico nos candidatos do PSTU, a qual foi votada por maioria após debate com toda a organização, é a que vamos defender no movimento como posição da organização e as demais –minoritárias- tem o objetivo de garantir aos companheiros e companheiras que as defenderam o direito de as apresentarem ao movimento possibilitando que o balanço da política votada tenha mais elementos para serem apreciados.

Também partilhamos da posição de que a publicação de posições minoritárias em nosso jornal é uma forma de resgatar as tradições democráticas do movimento socialista, tais como eram praticadas, por exemplo, pelo partido bolchevique, que, antes do advento do stalinismo, expunha publicamente as divergências como forma de garantir sua expressão e contribuir para enriquecer o debate entre os trabalhadores.

 

Nosso voto é pela luta

Daniel Menezes

Os partidos operários habilitados a lançar candidatos e as organizações socialistas revolucionárias partem de um pressuposto equivocado quando consideram que as eleições são o momento mais apropriado para discutir política com os trabalhadores (em geral se justificam com citações do “Esquerdismo…” de Lênin, reproduzindo o mais puro método da escolástica medieval), pois, por mais radical que seja o seu discurso (e há programas eleitorais que são belíssimas peças literárias de radicalismo socialista), caem exatamente na armadilha da burguesia, que consiste em limitar a política ao ato de votar.

Se os revolucionários não conseguem disputar a consciência dos trabalhadores para a necessidade de uma ruptura revolucionária com o capitalismo, não será nas eleições que vão conseguir. É como acreditar que se vai conseguir, na última rodada do campeonato, tirar uma diferença de vinte gols de saldo em favor da burguesia, no campo do adversário, com suas regras e o juiz pago por ele. Aceitando a falsa disputa desse jogo perdido, tentam encobrir a ausência da verdadeira disputa de consciência que não é feita durante todo o restante do tempo.

Os revolucionários precisam parar de fazer política pensando no próprio umbigo, ou seja, parar de disputar a consciência dos militantes e ativistas que gravitam em torno das outras organizações, no interior do estreito universo da vanguarda, e começar a disputar a consciência da maioria da classe, que aliás vai votar é no PT. A obsessão inútil por uma tática eleitoral “mais correta”, por uma opção de voto que permita fazer uma campanha de perfil “mais revolucionário” sobre uma diminuta vanguarda, acaba por desviar o foco da verdadeira tarefa fundamental, que é a de organizar o conjunto da classe trabalhadora como força social portadora de um projeto socialista oposto ao da burguesia.

Se há trabalhadores dispostos a votar nulo, é um desperdício de esforço tentar convencê-los a votar em algum partido operário, e vice-versa, pois estes de alguma forma já percorreram metade do caminho. A partir de qualquer uma das duas posições (ou mesmo de ambas, basta um mínimo de criatividade e coragem), é possível dialogar com esses trabalhadores e, mais importante, com o conjunto da classe, para mostrar que, para além do voto, o que transforma a realidade é a organização, a consciência e a luta. Por isso, não assino o texto da maioria, que busca uma precisão supérflua, artificial, débil e divisionista, mas também assino o texto dos companheiros que defendem o voto nos partidos operários e o dos companheiros que defendem o voto nulo, pois concordo com os argumentos de ambos.

 

Em defesa do voto nulo

Karen, Tarcísio, Márcio, Tuca

A democracia burguesa já está em vigor no Brasil há mais de vinte anos. De dois em dois anos, acontecem eleições, seja para os cargos municipais, seja para os cargos estaduais e federais, nas quais todos os brasileiros de determinada idade são obrigados a votar. Os partidos possuem tempo de exposição gratuito nos meios de comunicação e contam com fortunas para fazer campanha.

Gerações de brasileiros foram educadas a ver nas eleições a principal ou única forma de melhorar sua vida, votando e fazendo campanha pelos melhores candidatos. Parcelas mais conscientes e mobilizadas da classe trabalhadora chegaram a acreditar que o PT seria capaz de fazer transformações profundas na estrutura da sociedade, mesmo que não tivessem consciência precisa do que seriam essas transformações e de que melhorias verdadeiras só podem vir através de uma ruptura revolucionária em direção ao socialismo. Mesmo assim, votavam no PT, e acreditavam, e esperavam…

A trajetória do PT acabou servindo para ensinar aos trabalhadores que os partidos e também os sindicatos servem de trampolim para disputar eleições, conseguir cargos, arranjar uma “boquinha”. Que o máximo que se pode conseguir é uma bolsa-esmola para os pobres aqui, um aumento do salário mínimo ali, e admite-se até mesmo que o PT também pode roubar desde que “faça”; e está pronto o discurso: nunca antes na história deste país a classe trabalhadora esteve tão bem!

A população hoje vota no menos pior porque deixou de acreditar na política, mas podemos construir um novo estado com o avanço da consciência dos trabalhadores. Se mais de 50% dos votos forem nulos, deixariam de serem eleitos os candidatos atuais e uma nova eleição precisaria ser chamada. Isso implicaria que os grandes partidos teriam que desmontar seu esquema eleitoral indicar novos candidatos as pressas sem um programa suplementar.

O dever dos revolucionários é construir outra narrativa, que desfaça essas décadas de confusão ideológica e ensine aos trabalhadores que só a luta muda a vida. Não se trata de decretar no dia 3 de outubro de 2010 a greve geral insurrecional para derrubar o governo Lula, mas da construção de um movimento político da classe, totalmente independente em relação ao Estado, que realize uma disputa ideológica profunda pelo socialismo.

Os partidos operários viraram as costas para a tarefa de construir esse movimento, pois nem sequer a unificação em uma central sindical ou numa frente eleitoral conseguiram realizar, priorizando a sua autoconstrução em detrimento da auto-organização e elevação da consciência da classe. Tais partidos se negam a romper com o eleitoralismo e construir outra forma de ação política, em que a classe se ponha como sujeito histórico. Recusam-se também a enxergar os cerca de 20 a 30 % de eleitores que a cada eleição votam branco, nulo ou se abstém pelos mais diversos motivos, inclusive por não acreditar mais no sistema, deixando de incorporá-los à luta.

As eleições na democracia burguesa é uma farsa! Hoje os salários dos políticos são altíssimos e o gasto com a máquina (fala burguesa) é mais alto que o investimento em educação e saúde. Temos o dever de dizer a verdade aos trabalhadores: Só a luta muda a vida! E nas eleições do Estado burguês o voto classista e socialista só pode ser o voto nulo.

 

Por um voto classista

Thais Menezes

As eleições de 2010 se realizarão num cenário de quase completo controle político da burguesia. Todo o debate está sendo feito em torno das principais candidaturas burguesas: Serra e Dilma. O PSDB vai usar a grande imprensa, jornais, revistas e TVs. O PT vai usar os sindicatos e outros movimentos sociais, ONGs, etc. Os partidos burgueses vão usar todos os instrumentos à sua disposição para dar a essa disputa os contornos de um confronto épico, como se diferenças fundamentais estivessem em jogo, apresentando inclusive uma terceira alternativa, através de Marina, como forma de contemplar aqueles que estão descontentes com o PT e o PSDB.

Todas as formas de descontentamento social, como greves e mobilizações, foram duramente atacadas, nenhum outro tipo de debate além do relativo às candidaturas principais para a burguesia. O fundamental para a classe dominante é que não se apresente nenhum outro projeto alternativo.

É nesse momento que se faz necessário mais do que nunca construir um movimento político dos trabalhadores, que apresente uma alternativa classista e socialista para disputar a consciência da classe, em torno de um projeto de ruptura com o capitalismo e pela construção do socialismo, que passa, além de outras coisas, pela unidade de ação das organizações e partidos operários. As principais correntes, que são os partidos operários, são os principais responsáveis por não termos a unidade até agora, tanto no CONCLAT quanto numa frente eleitoral.

Apesar de todos os graves vícios de método e das sérias debilidades programáticas destes partidos operários, entendemos que não se pode deixar o terreno das eleições inteiramente livre para a burguesia. Durante este momento em que o trabalhador se arrisca a discutir um pouco sobre política, a denúncia da falácia que é a democracia burguesa, o papel de propaganda, toda a luta ideológica contra o modelo burguês de sociedade e em favor da construção de um projeto prioritariamente classista aos olhos do trabalhador, se vê extremamente prejudicado pela ausência de uma frente eleitoral. Por esta falta, a defesa de um voto nos candidatos dos partidos operários cumpriria muito mais o papel de um voto claramente classista e unitário, que mostrasse ao trabalhador o fundamental da questão, a luta de classes. Para despertar a consciência de classe no trabalhador, não facilita fazer distinções entre os próprios partidos operários, PSOL, PSTU e PCB. Além do mais, as virtudes que um possa ter em determinado terreno não compensam os vícios que o outro possa manifestar em outros campos, de modo que seu conteúdo político se equivale e não constrói uma referência classista clara.

Para além das eleições, permanece em aberto a tarefa de construir um movimento político unitário, enraizado na base, através de um programa de luta que realize a disputa de consciência e apresente o socialismo como alternativa de emancipação para a classe trabalhadora.

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Bancários: contra a crise e contra os interesses eleitorais

Os bancários terão pela frente a campanha salarial das mais duras dos últimos anos por dois grandes motivos: 1-por se tratar de um ano eleitoral ; 2-início da segunda fase da crise econômica.

Na questão eleitoral haverá uma forte pressão para que os sindicatos filiados à CUT deixem de lado os interesses gerais da categoria para fazer campanha eleitoral para a Dilma do PT. Vimos isso nos congressos dos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF) e  do Banco do Brasil, e tudo indica que na Conferência Estadual da Federação Estadual dos Bancários (FETEC-SP) acontecerá a mesma coisa.

Tais congressos servem para organizar a campanha salarial dos bancários de um modo geral. Para os bancários do setor público, as maiores reivindicações são aquelas compreendidas no pacote do “fim da herança maldita”, isto é , fim de todo o espólio de ataques do período de FHC, todos mantidos e defendidos pelo governo Lula e seus aliados nas direções dos sindicatos filiados à CUT, como a reposição das perdas salariais causadas pelo 8 anos de congelamento salarial; isonomia entre os funcionários pós e pré 1998; volta dos interstícios, etc. para os bancários do setor privado, a urgente discussão da estabilidade, respeito à jornada de 6 horas, eleição de delegados sindicais nas agências,etc.

Embora tais reivindicações sejam históricas para os trabalhadores, o que se viu nestes eventos como a principal questão não foram os interesses gerais da categoria, mas a necessidade de se formalizar o que a CUT já faz de forma disfarçada: Direcionar as estruturas dos sindicatos para a campanha eleitoral do PT. Todas as questões acima ficaram no segundo plano da discussão, isso quando os dirigentes da CUT não votavam contra os bancários, principalmente quando se tratava de organização do movimento. Já para a organização da Conferência Estadual, testemunhamos nas assembléias de eleição dos delegados uma diversidade de materiais de mensagem subliminar de campanha eleitoral para a Dilma. Em São Paulo, o Sindicato confeccionou um grande painel com as “mulheres do século XX”, em que Dilma aparece ao lado de Rosa Luxembugo, Pagu, dentre outras.

Outro elemento que trará dificuldade para a categoria é a conjuntura de uma crise econômica que se desdobra na fase do superendividamento dos Estados, que impõe uma política de “austeridade fiscal”, isto é, política para que sobre dinheiro para pagamento de juros da dívida interna e externa (superávit primário). O que significa que os bancários do setor público terão mais dificuldades neste ano para obter vitórias. Apesar das eleições (há um entendimento, quase que pacífico, de que em ano eleitoral, a correlação de forças é mais favorável para o funcionalismo), pois o governo já deixou claro que fará de tudo para “honrar com os compromissos” (com os patrões, claro) neste ano de 2010, conforme deixou claro em reunião ministerial no início de maio. Nesta ocasião, Lula determinou que os ministros fossem mais duros com o funcionalismo, que não dessem reajuste salarial e que lançassem mão de todos os modos possíveis de repressão das organizações dos trabalhadores, que vão desde descontos dos dias parados, ações na justiça, e até o uso da polícia. Neste sentido, tanto os governos do PT quanto do PSDB já deram mostras de que não estão blefando. Basta ver como terminou a greve dos professores da rede estadual de ensino de São Paulo e da greve dos serventuários da Justiça Federal. Ambas duramente reprimidas e duramente derrotadas pelos seus respectivos patrões PT  e PSDB.

 

“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”

Embora as dificuldades sejam muitas, elas não são intransponíveis. E uma vez que às direções burocráticas da CUT e da CONTEC não interessa a organização da classe, cabe aos próprios bancários direcionar os rumos da campanha salarial para os interesses gerais da categoria. Sabemos que cada bancário tem a sua preferência eleitoral e não é a nossa intenção questionar isso na data-base. Mas nenhum bancário quer ver a sua campanha salarial subordinada à campanha eleitoral de qualquer candidato, inclusive, ao de sua preferência.

É necessário que a campanha seja unificada, mas que os bancários tenham a liberdade de discutir com o seu patrão suas especificidades. O que há hoje é o contrário disso, isto é, mesa unificada e campanhas separadas. Esta tática divide a categoria e impede que os bancários do setor público discutam sua pauta com o governo, pois para a burocracia petista da CUT, não se pode expor o governo com o seu funcionalismo, escondendo-o atrás da mesa única da FENABAN dos bancos privados, prejudicando a categoria como um todo.

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A privatização do ensino público a partir da adoção de programas de educação compensatória

 

Os programas de Educação compensatória se iniciam com o sucateamento, de anos, da Educação pública para atender, especialmente, os interesses do empresariado. Estes implicam redução de gastos públicos ou mesmo a diminuição da participação financeira do Estado no fornecimento de serviços sociais (Educação, Saúde, Transporte público, Habitação popular, etc) para que o dinheiro público seja repassado de alguma forma para a iniciativa privada.

 

A justificativa para a adoção desses programas  

É comum nos discursos de intelectuais e governantes a afirmação de que:

“Crianças vindas de famílias pobres são, em geral, as que têm menos êxito, se avaliadas através dos procedimentos convencionais de medida e as mais difíceis de serem ensinadas através de métodos tradicionais  … mas são, por outro lado, as que mais dependem da escola para obter sua educação”. (Connell, 1995)

Essa constatação não evidencia as causas de tal situação e, portanto, não questiona a lógica do capital e seu impacto na vida dos trabalhadores. Muito pelo o contrário, encobre as mazelas geradas por esse sistema excludente.

A partir daí usa-se esse discurso para justificar a necessidade de implantar programas de Educação compensatória.

 

A gradual privatização do ensino público

Aqui em São Paulo sofremos diretamente a influência da política educacional adotada em Nova York.

Lá, através da abertura de escolas charter – escolas públicas com gestão compartilhada com o setor privado – os programas de educação compensatória estão sendo implantados. Segundo o secretário de Educação Joel Klein:

 “As escolas charter na cidade de Nova York nos ensina o que fazer na Educação pública. Elas servem uma porcentagem maior de alunos pobres, negros e hispânicos que é a média das outras escolas de nossa rede”.  (in: A Reforma Educacional de Nova York: Possibilidades para o Brasil, p.98).

Essas escolas possuem certa autonomia ao poder contratar professores não sindicalizados, desenhar seus próprios currículos e oferecer uma carga horária maior.

Os professores nessas escolas assinam um contrato se dispondo a fazer “o que for necessário para que o alunoaprenda, o que significa estar disponível à noite com o celular ligado para atender alunos e pais”(p.102).

Dessa forma, essa estranha autonomia, sobretudo, para contratar professores não sindicalizados, procura esconder a intensificação do trabalho docente. Com isto, a pressão, assédio moral, coordenadores pedagógicos observando as aulas, controle sobre o trabalho do professor, centralização do currículo, passam a fazer parte da rotina.

Os professores são achincalhados, têm a sua auto-estima atacada, a autonomia retirada, direitos cortados. Além disso, o direito de greve não é reconhecido para que aceitem essa atuação profissional que procura esconder medidas e que reforça processos desqualificadores e desprofissionalizantes.

O professor deve se sujeitar a tudo para trabalhar dentro dos princípios impostos pela Reforma Educacional de Nova York. O mesmo já estamos assistindo na rede estadual de ensino público do estado de São Paulo.

 

A experiência brasileira baseada na reforma educacional de nova york

No Brasil, o movimento “Todos Pela Educação”, que tem a participação de grupos empresariais e ONG´s (Fundação Roberto Marinho, Fundação Itaú Social, Instituto Airton Senna, Fundação Bradesco, Grupo Gerdau, etc.), tem relação direta com essa proposta educacional.

Juntamente com o empresariado, os governos do PT e do PSDB seguem essa mesma lógica de privatização como receita para superar a crise na Educação.

O PROUNI (Programa Universidade para Todos) do governo federal, que oferece vagas para jovens em faculdades ou universidades particulares, vem na esteira da privatização para compensar a falta de investimento no ensino público superior.

O ensino precário nestas universidades, que recebem os jovens estudantes brasileiros, prioriza uma formação limitada pelas determinações do mercado, destituída de crítica, de reflexão e desenvolve uma aprendizagem pragmática e superficial.

Com a publicação dos resultados do ENEM, nos quais as escolas privadas se sobressaem em relação às públicas, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, prometeu criar o PROMÉDIO, um programa para abrir vagas a alunos carentes em escolas privadas. Não obstante, a candidata do PT afirmou que dará financiamentos de “prazos longos e baixos juros” para os alunos que desejem estudar em escolas privadas.

A rede estadual de ensino do estado de São Paulo já vem se reestruturando, sobretudo, na gestão Serra, com base nessa reforma. No início do ano, o governo fez convênio com escolas de idiomas privadas para matricular alunos da rede pública estadual. A iniciativa disponibiliza cursos gratuitos de inglês, espanhol e francês em 586 escolas particulares de idiomas conveniadas com o governo do Estado. O investimento é de R$ 296 milhões e são oferecidas 362.539 vagas.

No entanto, esses governos – Serra/Goldman e Lula/Dilma – não investem na Educação pública de qualidade. A maioria das escolas continua sucateada e sem condições de ensino-aprendizagem, os professores são mal remunerados, a carga horária de trabalho é subumana, não temos laboratórios de línguas ou de informática, faltam bibliotecas e a violência cresce a cada dia entre os próprios alunos.

A escola pública passa a ser, cada vez mais, um espaço para cuidar de crianças e adolescentes. Alguns poucos irão se destacar e para estes haverá certo “incentivo”. Os demais poderão seguir o caminho mais “disciplinados” do que se estivem nas ruas sem estudar.

Enquanto isso ocorre o dinheiro do estado é reservado para ser investido em planos e obras de interesse dos empresários e não da população trabalhadora.

Daí a necessidade lutarmos para mudar não apenas a Educação, mas a própria sociedade que gera essa situação. E essa luta deverá ser travada com a participação de pais, alunos e as demais categorias de trabalhadores que matriculam seus filhos na escola pública. Quando conseguirmos isso nenhum governo nos derrotará.

É necessário que, nós trabalhadores, tratemos a Educação, em todos os níveis, como instrumento de luta contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância. Uma Educação que seja a alavanca essencial na luta pela emancipação humana contra a barbárie capitalista.

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Saramago: quando o tempo carece de mais tempo

Iraci Lacerda

Neste primeiro semestre a Literatura deixou de contar com a presença de José Saramago, mas a sua escrita e a sua voz permanecerão para sempre com os que lutam e vivem por uma sociedade comunista.

Com histórico digno de reconhecimento e perceptível em suas obras – pois somente valoriza uma classe social quem realmente compreende a importância de sua existência – Saramago foi um trabalhador, produtivo e improdutivo (serralheiro, mecânico, desenhista industrial, funcionário público, jornalista escritor).

Filiou-se ao Partido Comunista ainda sob a ditadura salazarista, vivenciou a Revolução dos Cravos e valeu-se prioritariamente do valor de uso de sua produção escrita para dizer ao mundo o quando é necessário desmoronar o sistema capitalista “como forma de destruir a divisão entre ricos e pobres e o falso sistema democrático”.

Ao reconhecer que a injustiça é global sob esse sistema, sentia a profunda necessidade de posicionar-se diante da realidade mundial:

– Desmascarou a falsa democracia capitalista como nova forma de autoritarismo, que concentra o poder nas mãos das grandes empresas e multinacionais;

– Observou o espírito de Auschwitz ainda presente em Ramallah com as ações do imperialismo norte-americano e de Israel contra o povo palestino;

– Revoltou-se com a crueldade cometida em Corumbiara e Eldorado dos Carajás pelos latifundiários e governos contra os trabalhadores rurais Sem Terra;

– Criticou a “esquerda” por não pensar, não agir e não arriscar um passo quando arrebentou a crise das hipotécas nos EUA;

– Deixou de confiar em Cuba quando dissidentes foram presos e pessoas executadas em julgamento sumário, mas não de defender o povo cubano diante do bloqueio internacional e da política estadunidense contra o país;

– Decepcionou- se e perdeu a esperança no governo Lula ainda durante os escândalos do mensalão;

– Não aceitou o método do sequestro utilizado pelas FARC;

– Guiou-se na crítica à igreja pelas atrocidades cometidas ao longo da história e por fortalecer a ideologia que sustenta essa realidade injusta.

Enfim, manifestou-se por toda essa globalização da violência e da miséria humana que não suporta sequer os direitos humanos básicos.

Mas, não foi somente crítico. Entre as suas formas de militância participou com Sebastião Salgado e Chico Buarque da apresentação, ao mundo, das lutas dos trabalhadores rurais brasileiros pela reforma agrária. E impulsionou campanha de solidariedade  aos haitianos depois do terremoto que desabrigou mais de um milhão de pessoas.

De suas obras podemos destacar dois romances, que retratam de forma bastante intensa e humana a vida de personagens militantes e as consequências da opressão em suas trajetórias:

Manual de Pintura e Caligrafia, em que a personagem principal, ao ter seu primeiro contato com a Contribuição para a Crítica da Economia Política de Marx, passa a negar a sua classe de origem e a reconhecer-se próxima dos trabalhadores.

Levantado do Chão em que traça a trajetória de poder do Latifúndio, da Igreja e do Estado. Mas, fundamentalmente descreve o modo de vida, a tomada de consciência e a luta do trabalhador camponês no caminho percorrido desde a acupação da terra até os primeiros momentos após a Revolução Portuguesa.

Ambos demonstram a importância da luta e da unidade de classe para as transformações social, política e econômica.

Ao percorrermos seus outros vários romances somos capazes de encontrar poesia, sensibilidade e uma perspectiva de vida que tem o ser humano como centro da existência ao invés do lucro e da miséria. Além disso,encontramos referências históricas como Golpe de Estado, Revolução Russa, I Guerra Mundial, Guerra Civil Espanhola, Insurreição Camponesa, II Guerra Mundial,Frente Popular Francesa, Intentona Comunista, Guerras de Independência dos países africanos, lutas pela comemoração do Dia do Trabalhador e Revolução dos Cravos.

Em alguns deles podemos identificar diretamente sua visão de mundo mais geral, como na A Jangada de Pedra, em que propõe a reaproximação solidária entre Península Ibérica e ex-colônias ou em  A Caverna, em que a crítica recai sobre a globalização econômica ou ainda em  Ensaio sobre Lucidez, em que questiona o atual regime democrático burguês.

Também é possível notarmos sua formação teórica quando nos deparamos com as mais variadas citações ou menções de textos, livros, filmes e conceitos marxistas como de valor de uso, valor de troca e mercadoria.

Saramago fez muito para descortinar a cegueira social. Sempre acreditou que muitos podem ver, mas que poucos conseguem enxergar. Sempre acreditou na responsabilidade dos que enxergam e buscou contribuir para aprofundar e expandir esse olhar.

Mas todos nós carecíamos de mais tempo com Saramago para em um determinado momento chegarmos juntos ecoando a nossa voz na construção da sociedade justa.

“Ele foi embora, mas ficou entre nós”, disse Eduardo Galeano, para em memória levantar do chão como parte da trajetória traçada por nossas lutas.

Em cada esquina, um amigo

Em cada rosto, igualdade

Grândola, vila morena

Terra da fraternidade

Terra da fraternidade

Grândola, vila morena

Em cada rosto, igualdade

O povo é quem mais ordena

Uma homenagem! Trecho de Grândola Vila Morena (música-senha escolhida pelo Movimento das Forças Armadas para ser tocada no 25 de abril e confirmar as ações da Revolução. Refere-se às pessoas de Grândola, no Alentejo).

Viva Camarada Saramago!

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