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Jornal 37: Junho/Julho de 2010


21 de junho de 2010
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Neste jornal há alguns artigos abordando a questão do CONCLAT, o Congresso da Classe Trabalhadora, ocorrido entre 5 e 6 de junho. Além dessa abordagem, incluímos neste número um artigo sobre os limites da discussão LGBT na esquerda, sobre a Copa do Mundo, um artigo sobre educação e um artigo polemizando com as posições da esquerda sobre Cuba.

 

 

 

 

 

Leia as matérias online:

 

 

Construir um novo sindicalismo para os desafios do século XXI

“Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado.” (MARX, Karl. Salário, Preço e Lucro. 1865).

Como vemos, já em 1865, quando o capitalismo estava ainda em ascendência e podia conceder algumas melhorias no nível de vida dos trabalhadores sem comprometer sua existência como sistema, Marx já alertava para a unilateralidade da atuação sindical imediatista, chamando a atenção para a necessidade de que os sindicatos se convertessem em instrumentos da luta dos trabalhadores, no sentido da “abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado”.

Aqui, embora Marx não se refira ao papel dos partidos políticos, este fica evidenciado a partir da necessidade de lutar para que os sindicatos cumpram justamente esse papel mais amplo, contra as correntes reformistas que lutam para que os sindicatos fiquem restritos à negociação mais ou menos vantajosa dentro do horizonte do capital.

Essa discussão é fundamental, pois mesmo alguns setores de esquerda que hoje buscam construir uma Nova Central a partir do CONCLAT (Congresso da Classe Trabalhadora) defendem e praticam um sindicalismo que, embora seja de luta, se mostra limitado aos aspectos imediatos, econômicos e corporativos da luta de classes. A maioria da esquerda segue desempenhando o que Marx chamou de “uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente”, deixando de lado porém o combate ao próprio sistema, sua lógica e sua ideologia, não contribuindo assim para a elevação do nível de consciência e organização dos trabalhadores. Mesmo quando em seus discursos afirmam o contrário, sua prática os desmente.

Quando analisamos a prática das principais correntes nos sindicatos e demais entidades que dirigem – PSTU, que dirige a CONLUTAS; e PSOL, que dirige a INTERSINDICAL – salta aos olhos a defasagem do trabalho político e ideológico junto aos trabalhadores. Constata-se o fato de que, mesmo na base dos sindicatos dirigidos por essas correntes, a disputa política e ideológica da consciência dos trabalhadores é muito frágil e a organização de base, a formação da vanguarda são tarefas geralmente desprezadas, em nome da agitação momentânea adaptada aos interesses imediatistas, economicistas, corporativistas.

 

Superar a rígida separação entre lutas sindicais e lutas políticas

De acordo com essa concepção de sindicalismo que consideramos limitada, aos sindicatos cabem as lutas imediatas, enquanto, no outro extremo, ao partido cabe a luta pelas questões que dizem respeito aos interesses históricos dos trabalhadores e à luta pelo poder. Essa concepção leva a uma redução do papel e das tarefas que os sindicatos devem cumprir nos dias atuais, e que são ainda mais necessários que na época de Marx.

Em sua crise estrutural, e para justificar sua ofensiva sobre os trabalhadores, o capital precisa aparecer como a única alternativa de sociedade possível, apresentando os interesses de sua reprodução baseada na lucratividade como os interesses maiores que devem ser preservados a fim de que se mantenha a própria sociedade.

Por outro lado, é um fato que há uma enorme crise da alternativa socialista, à medida que a queda dos regimes do Leste Europeu foi erradamente apresentada, e infelizmente apreendida por amplos setores de massas e da vanguarda como a queda do projeto socialista e idealização do capitalismo como a única sociedade possível.

Para complicar as coisas, a maioria das correntes que no passado defendiam um projeto socialista como alternativa ao capital passaram, a partir dos anos 90, a defender o capital como horizonte insuperável – como é o caso do PT da CUT.

A crise estrutural do capital tem eclosões cada vez mais graves de tempos em tempos, com destaque para o momento atual iniciado no final de 2007, e que traz dificuldades ainda maiores de que o capital possa fazer concessões significativas aos trabalhadores, pois encontra-se diante justamente da necessidade de recuperar, ou ao menos impedir que sua taxa de lucro caia ainda mais. Dessa forma, é visível em todos os países, mesmo nas economias centrais, o nível de endurecimento e de ataques da patronal sobre os trabalhadores, que faz com que cada luta, por menor que seja, torne-se uma luta política e ideológica, pois o sistema logo mobiliza o conjunto de suas instituições e forças – econômicas, políticas, ideológicas e militares – no sentido de derrotar qualquer luta e, dessa forma, conter a insubordinação dos trabalhadores.

Assim, a vitória ou derrota até mesmo das lutas mais imediatas está na dependência de que consigam transpor a barreira dos interesses imediatos, econômicos e corporativos, sob pena de caírem no isolamento e serem derrotadas.

É preciso que as lutas específicas superem essa condição, apresentando-se para o conjunto dos trabalhadores como lutas maiores, reclamando soluções mais estruturais para os problemas colocados, soluções estas que apontem para a necessária ruptura com a lógica do lucro e do mercado, ou seja, necessitamos que as lutas imediatas dêem um salto no sentido de sua superação para uma condição de lutas políticas conscientes e conseqüentes.

A partir dessa nova realidade e novos desafios, está totalmente questionado o modelo de atuação sindical limitado que predomina mesmo na esquerda. É preciso que os sindicatos incorporem cada vez mais os papéis políticos e ideológicos que muitas correntes dizem ser apenas dos partidos, sob pena de que as lutas dos trabalhadores fiquem desarmadas em termos de rumos a seguir e em termos de evitar as armadilhas que o capitalismo cria no sentido de impedi-las, desviá-las, derrotá-las. Assim, a separação estanque entre luta sindical e luta política torna-se absolutamente ultrapassada e prejudicial aos combates dos trabalhadores. Todo o tempo que se leve para a superação desse problema estrutural significará mais derrotas e atraso na consciência dos trabalhadores.

 

Concepção Sindical Imediatista e Corporativista só conduz a derrotas

É justamente nos momentos de agravamento da crise estrutural do capitalismo que os limites do sindicalismo imediatista, economicista e corporativista se fazem notar mais claramente. Isso porque são nesses momentos que a burguesia lança mão de toda sua carga ideológica, política, jurídica contra os trabalhadores, no sentido de os fazer aceitar os sacrifícios necessários para que o capital continue existindo.

Um exemplo das consequências funestas dessa prática limitada foi a atuação das correntes citadas acima quando a crise econômica bateu forte no Brasil, no início do ano passado. A patronal não hesitou em descarregar o peso da crise sobre os trabalhadores, demitindo milhares, cortando salários e direitos. E nesse momento, os pólos de organização mais à esquerda não conseguiram se apresentar com um projeto alternativo ao projeto pró- patronal da CUT e da Força Sindical, e o que vimos foi que cada categoria ficou lutando isolada, à mercê de suas próprias forças, sem uma campanha maior que unificasse as várias resistências e que apresentasse um projeto alternativo ao da patronal e das burocracias sindicais.

No caso dos metalúrgicos de São José, o lema “demitiu, parou” mostrou- se totalmente insuficiente, ao ser meramente reativo, pois não se antecipava ao problema, deixando de disputar ideologicamente e politicamente a consciência dos trabalhadores com a empresa e o governo, nem apontar uma saída mais estrutural para a crise.

No momento crucial da curta existência da CONLUTAS, que foi o enfrentamento aos ataques advindos a partir da crise em 2009, infelizmente temos que reconhecer que a resposta não esteve à altura das possibilidades, mostrando a falência do sindicalismo imediatista e corporativista. Era preciso realizar uma campanha nacional, que tivesse o envolvimento do conjunto dos sindicatos dirigidos pela esquerda, no sentido de fazer frente às demissões, pois elas tinham um caráter muito mais amplo do que o que era visto. Ao isso não ser feito, e ao não ter havido uma atuação mais qualificada anteriormente – em todos os mais de 20 anos em que o sindicato foi dirigido com acompanhamento direto da direção nacional do PSTU, e que tem prioridade da CONLUTAS -, o fato foi que os trabalhadores agiram da mesma forma que em outros locais cujas direções não são de luta.

Diante das dificuldades provocadas pela falta desse trabalho mais ideológico e político, a orientação da direção da CONLUTAS (PSTU) foi de se juntar à CUT e à Força Sindical, buscando uma “unidade”… e então vimos as cenas deprimentes em que Zé Maria saiu de braços dados com o Paulinho da Força em uma unidade artificial…

Portanto, a necessidade que se apresenta é a de se criar uma nova concepção de atuação sindical, e não apenas uma Nova Central com a mesma concepção que rege a CONLUTAS e a INTERSINDICAL, embora saudemos o quanto progressivo é a criação dessa central para os trabalhadores. É preciso um novo sindicalismo que ao mesmo tempo defenda as questões imediatas e, de forma combinada, aponte os caminhos e propostas no sentido da superação do capitalismo.

Assim, tudo aquilo que contribua para a construção da subjetividade dos trabalhadores e de sua consciência, formação e organização política e ideológica deve ser impulsionado.

Abrir mão da disputa de consciência dos trabalhadores significa deixar para a burguesia o domínio que ela já possui no campo das idéias.

 

Partidos e Organizações para Impulsionar o movimento, não para substituí-lo!

Isso significa, portanto, o fim dos partidos e das organizações políticas? De forma alguma! A tarefa de elaborar e propor programas, estratégias e políticas para as lutas e para os sindicatos a partir de posições programáticas e estratégicas mais definidas em base a uma compreensão científica da realidade, bem como a preocupação em apontar a necessidade de que os trabalhadores venham a assumir o controle geral da sociedade rumo ao socialismo, continua sendo papel insubstituível dos partidos e organizações revolucionárias, até mesmo porque no interior dos sindicatos e no interior das categorias ocorrem disputas, seja contra as concepções de direita, como contra as de esquerda equivocadas.

Assim, a superação da atividade sindical estreita não significa nenhuma redução do papel dos partidos/organizações revolucionárias.

Aos partidos cabe a elaboração mais estrutural, tanto no tempo como no alcance da totalidade da realidade da luta de classes. Seu papel político é fundamental, intervindo não apenas no interior dessas organizações como na relação direta com a classe trabalhadora. Portanto, não se trata da redução do papel dos partidos e sim da ampliação do papel dos sindicatos e organizações dirigidos pela esquerda. Também não se trata de borrar as fronteiras entre as prerrogativas dos partidos e dos organismos de luta da classe. Os partidos devem levar sua contribuição aos organismos de luta, o que é radicalmente diferente da prática de aparelhar as entidades e usá-las como correia de transmissão das propostas de uma única organização. Os organismos da classe precisam ter sua autonomia decisória preservada, tirando suas deliberações em suas próprias instâncias, que devem respeitar as propostas de todas as organizações que colaboram na construção do movimento e também de trabalhadores não vinculados a nenhum partido.

Os trabalhadores devem exercitar em suas lutas e organizações os elementos fundamentais de sua forma de poder coletiva futura, exercendo a democracia operária nas condições concretas das lutas existentes, a fim de que se preparem para exercê-las em condições muito mais duras em um processo revolucionário. Ao mesmo tempo, precisam testar seus dirigentes, mantê-los, revogá-los, bem como testar e problematizar as táticas e estratégias mais bem sucedidas no calor das próprias lutas. Trata-se afinal de lutar pela reconstrução da subjetividade da classe.

A classe trabalhadora não ter conseguido manter coletivamente seu poder demonstrou-se o principal fator que possibilitou os processos de burocratização que destruíram a possibilidade de que os estados do Leste Europeu – a Rússia em primeiro lugar -, pudessem se manter como estados operários e referência para os trabalhadores do mundo, burocratizando-se e tornando-se regimes avessos ao avanço da luta pelo socialismo.

Outros elementos fundamentais da reconstrução da subjetividade dos trabalhadores, melhor desenvolvidos em nossa Tese para o CONCLAT e em nosso Perfil Programático (ambos presentes em nosso site  www.espacosocialista.org) são:

  • Independência frente ao poder de Estado;
  • Luta – através de medidas concretas e não apenas discursos – contra a burocratização;
  • Luta contra a opressão do capital como totalidade, o que envolve as múltiplas questões como raça, gênero, sexualidade, ambiente, cultura, etc, sempre combinados à perspectiva do trabalho;
  • Formação política, ideológica e cultural dos trabalhadores e da vanguarda;
  • Relação de autonomia entre os partidos políticos e as entidades de luta, sejam sindicais, de juventude, de opressão, etc, no sentido de combater o aparelhamento das entidades pelos partidos políticos, com o respeito e a preservação dos fóruns coletivos de decisões; o papel das organizações revolucionárias é de impulsionar o movimento e não se colocar acima dele, nem de aparelhá-lo.

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Os limites da discussão de homossexualidade na Esquerda

Karen e Tarcísio

Homossexualidade não é obra do Satanás, não é doença e também não é uma opção, (como sabemos ninguém escolhe ser homem, bem como não escolhe ser mulher), mas então o que é homossexualidade?

Essa é uma questão sobre a qual, independente do que pensamos ou achamos, devemos promover e encarar um debate franco e fraterno se quisermos extirpar de nossas fileiras a homofobia, sob pena de não a combatermos na sociedade, pois propor – isso quando é proposto – o fim da homofobia na sociedade quando não a combatemos em nossas fileiras, é retórica pura simples.

Porque homossexuais devem viver nas sombras ou na marginalidade, mesmo quando participam de organizações políticas, mesmo as mais revolucionárias como essa NOVA CENTRAL que estamos em vias de construir?

 

A discussão LGBTT: Breve histórico

Do fim do século XIX até o início do século XX a liberdade sexual era uma das bandeiras do socialismo. Na Revolução Russa, logo após a tomada do poder pelo Partido bolchevique e durante a vigência dos sovietes, a homossexualidade era aceita, considerada como parte da liberdade sexual, algo próprio e inerente ao ser humano. A criminalização e discriminação eram combatidas. Com a chegada de Stalin ao poder a liberdade sexual e a discussão homossexual se tornam crime.

Dessa mesma forma, na Alemanha nazista, a liberdade deixa de existir no momento em que se proclama a pureza da raça, a estrutura familiar e sua moral como papel regulador e pequeno braço do Estado para o controle social, necessárias para o bom funcionamento da sociedade capitalista, fragilizada pela recente investida socialista. Para melhor perseguir os homossexuais dizia-se que relação sexual entre pessoas do mesmo sexo era “prática bolchevique”.

Nesse período os homossexuais não se reconheciam publicamente e viviam em plena escuridão em suas casas, bares gays clandestinos e banheiros públicos. A comunicação se dava através de uma linguagem de códigos, para que não fossem reconhecidos.

Após o conturbado período das duas grandes guerras e com a polarização da Guerra Fria, o Brasil vive o Golpe Militar, que abafa e erradica a possibilidade de lutas sociais e questionamentos. Com a discussão atrasada e marginalizada a homossexualidade passa a ser tratada como doença mental.

 

Histórico do movimento LGBTT na esquerda brasileira.

Na década de 1970, com as mobilizações políticas contra o Golpe e a ditadura militar, os homossexuais começam a se organizar enquanto movimento social pela liberdade sexual e política. Esse movimento organizou-se a partir do jornal Lampião de Esquina, com o objetivo de discutir a homossexualidade e todo tipo de opressão.

No entanto, em 1978, no ciclo de debates da “Semana do Movimento da Convergência Socialista”, com o objetivo de organizar um partido socialista, o grupo do Lampião de Esquina não foi convidado a participar pois eles ainda não tinham nenhuma identificação com a luta de classes. Isso gerou vários questionamentos sobre a necessidade da esquerda discutir a homossexualidade.

Na década de 1980 o movimento homossexual já está mais organizado com o grupo SOMOS e participa ativamente de atividades políticas com outros setores oprimidos. Organiza o I Encontro Nacional para discutir a homossexualidade e a intervenção com outros setores oprimidos e explorados na sociedade. Após esse Encontro um grupo de homossexuais participa do 1º de maio de 1988 no ABC paulista e reafirma que a luta dos trabalhadores é também uma luta dos homossexuais.

 

PT + CUT = extermínio do movimento LGBTT.

O PT e a CUT, em sua fundação, discutem a liberdade sexual, o direito à união civil de pessoas do mesmo sexo, a criminalização da homofobia e outros. No entanto, muitas propostas foram engavetadas e substituídas por um plano neoliberal, mais importante para sustentar o governo.

Além disso, o governo Lula, para garantir coligações e acordos partidários para chegar ao poder, aproxima-se do PP e do PL, ligados à igreja evangélica, que condena o movimento homossexual e considera a homossexualidade um distúrbio mental, ou pior, obra do demônio e não algo natural.

Outro exemplo é o vice-presidente da República, José Alencar, um cristão que só aceitou a parceria com o governo do PT com o engavetamento de todos os projetos contrários aos “princípios cristãos”.

A CUT, que deveria estar do lado dos trabalhadores, na prática se opõe ao movimento LGBTT, ao permitir que sejam demitidos, por justa causa, trabalhadores que assumem a homossexualidade, em seus locais de serviço.

 

PSTU + CONLUTAS + PSOL + INTERSINDICAL + ANEL = Quase não há discussão sobre homossexualidade

O PSTU, que surge de uma das principais tendências do movimento operário, que integrou a Convergência Socialista, que levantava a discussão sobre a homossexualidade, parece ter esquecido o seu passado. Não privilegia a discussão. Na CONLUTAS ocorre o mesmo e a discussão sequer é fomentada. Não se tem orientação política e encaminhamentos nas categorias e entidades.

Com a unificação da CONLUTAS e Intersindical esse forte instrumento de luta não apresenta nenhuma discussão sobre a situação do movimento LGBTT, muito menos sobre o dia a dia opressivo para esse trabalhador.

A Pastoral Operária que também constrói o CONCLAT e que tem como fundamento os princípios cristãos e tem como líder Maximo o PAPA Bento XVI, pronuncia “que a existência da pedofilia na igreja é culpa da homossexualidade”. Gostaríamos de saber como a Pastoral Operaria fará a discussão de homossexualidade no CONCLAT já que a igreja condena tais práticas sexuais.

A ANEL, que poderia ser uma organização combativa de estudantes, tratou com descaso a questão da homossexualidade. O Congresso de Estudantes de 2009, que tinha 20 GT’s, possuía apenas um para a discussão das opressões. Em sua plenária final, ao invés de discutir planos de lutas que fortalecessem a ação de todos os oprimidos, só se preocupou em fundar uma nova entidade estudantil, passando por cima de quem levantasse outras preocupações.

Percebemos que a trajetória da esquerda não favorece a aproximação dos homossexuais combativos e ainda os distancia quanto à necessidade da organização para atuação conjunta. Nós chamamos a todos para fazermos discussões sobre o movimento LGBTT. Reivindicamos a unidade de todas as correntes e partidos de esquerda para discutirmos o movimento LGBTT e políticas para o desenvolvimento livre da sexualidade.

1º Por uma campanha nacional organizada pelos movimentos sociais e sindicatos em defesa dos direitos dos GLBTT´s.

2º Que a luta contra a opressão homossexual e o fim do capitalismo seja unificada;

3º Pela equiparação dos direitos e benefícios civis e trabalhistas para os homossexuais;

4º Pela garantia total aos GLBTT´s dos direitos civis, humanos e sociais reconhecidos aos heterossexuais!

5º Aprovação já do PL 112/06 que criminaliza a homofobia;

6º Pela livre manifestação afetivo-sexual dos GLBTT´s!

7º Liberdade aos setores oprimidos – mulheres, negros e homossexuais;

8º Educação de qualidade que conscientize e liberte;

9º Pela transformação das Paradas em manifestações de luta! Contra a mercantilização da Parada!

10º Fim da exploração do homem pelo homem!

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Opressão racial: um capítulo à parte!

Eduardo Rosas

 O racismo no Brasil é algo muito perverso, pois tem como uma de suas principais característica, transformar suas vítimas em criminosos. Isso pode ser percebido facilmente quando observamos as discussões sobre as cotas raciais universitárias.

O movimento sindical, sob a falácia de que somos todos iguais e de que negros e brancos amargam a escravidão dos baixos salários e péssimas condições trabalho (em que pese o fundo de verdade), nega-se a encarar o problema e discutir as especificidades do povo negro.

A CUT levou mais de dez anos após sua fundação para incluir em sua agenda a temática racial.

A CONLUTAS o fez em seu Congresso de Fundação, mas isso não garantiu que o problema fosse enfrentado como se deve.

O CONCLAT não tem essa discussão em sua agenda, nosso movimento não é de minorias, mas de minorizados pela burguesia, e, infelizmente pelo movimento sindical também!

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Reconstruir o movimento dos trabalhadores numa perspectiva revolucionária e socialista

Estamos diante de um momento histórico em que a besta capitalista luta para sobreviver, mesmo que com isso leve o mundo à destruição. O velho está morrendo e o novo luta para nascer. Diante da crise e instabilidade crescentes, os revolucionários e os trabalhadores conscientes tem a missão de ajudarem a classe trabalhadora a construir uma alternativa revolucionária à sociedade capitalista exploradora e opressora.

Todos são a favor da unidade, falam em unidade, mas então por quê é tão difícil concretizá-la? Diante dos imensos ataques que a classe trabalhadora vem sofrendo e outros maiores que ainda virão, diante da fragmentação e do retrocesso da consciência, a unidade da classe trabalhadora e do movimento de todos os explorados e oprimidos é uma questão central, que vai além da luta de resistência. Ela deve ser construída a partir da existência de interesses de classe comuns na luta contra um inimigo comum. A unidade é fundamental para reconstituir a consciência de classe. O centro de toda atividade revolucionária consciente é impulsionar a reconstrução do movimento na luta contra a exploração e a opressão, combatendo os governos capitalistas de turno e o regime democrático burguês, e apontando uma perspectiva socialista.

As organizações de esquerda chamam a unidade, mas o que prevalece é a disputa pela “direção do movimento” que se dá nas táticas conjunturais e não na essência política. Todos querem a unidade, mas a “sua” unidade, para com isso construir a sua organização – mas não há nenhuma construção de organizações/partidos revolucionários se a classe não se reconstruir enquanto tal. Portanto não serão os acordos por cima que forjarão a unidade, mas o debate político no movimento e a dinâmica concreta da luta de classes.

Todos são a favor da democracia operária, mas desde que prevaleçam “as suas posições revolucionárias”. A democracia operária não é simplesmente o direito de expressão de todas as correntes de pensamento comprometidas com a luta proletária no interior do movimento, num debate fechado que termina em uma votação, mas um processo que se constrói no sentido de que a classe trabalhadora possa, diante das polêmicas, ir aumentando sua compreensão da realidade e sua consciência, e em última instância, chegar ao que é fundamental: a classe é quem deve decidir sobre tudo, inclusive sobre o seu próprio destino.

O exercício da democracia não é um fim em si mesmo, é o exercício da construção de uma nova sociedade, e que as organizações de esquerda deveriam expressar, não simplesmente em seus discursos/programas, mas incorporando permanentemente em sua práxis política.

Todos são contra a burocratização, mas não basta exorcizar o demônio. Para combatê-lo precisamos descobrir e entender suas raízes políticas e sociais. O isolamento e a marginalidade político-social a que as organizações de esquerda estiveram submetidas, fizeram com que buscassem atalhos na busca da direção da classe trabalhadora, desvinculado-se de uma relação real com o movimento e organização real dos trabalhadores. A conquista dos aparatos sindicais, dos cargos parlamentares e mesmo da legalização partidária e sua manutenção, transformaram-se em uma necessidade imperiosa em si mesma. O longo período de estabilidade da democracia burguesa provocou a adaptação à rotina e privilégios dos aparatos, com conseqüências desastrosas na consciência e ação. Junto com isso, o baixo nível de formação política/teórica dos ativistas e militantes, a incapacidade de fazer um debate sério frente aos elementos novos da realidade, a concepção messiânica de ser transmissor da verdade revolucionária, tudo isso dá origem a uma prática em que prevalece a imposição das posições a qualquer preço e fundamentalmente o distanciamento das bases do movimento e de sua disputa política, ideológica e organizativa. Portanto, é necessário tomar medidas radicais de combate à burocratização, que não podem ser um fim em si, mas parte de uma revolução na relação com movimento dos trabalhadores e na ação sindical e política.

A Nova Central que vai surgir, fruto da confluência de forças que não passaram para o lado da ordem burguesa e permaneceram no terreno da luta dos trabalhadores, não pode ser uma soma de correntes organizadas. Apesar de todas a suas contradições, tem que ser uma síntese que rompa com a estrutura sindical estatista vigente, que nesta etapa de acúmulo de forças, permita ações unitárias e se construa como referência para que, quando o movimento de acenso explodir, tenha condições de se postular enquanto direção. Para isso, tem que romper com o imediatismo e a adaptação ao calendário das campanhas salariais e eleitorais; tem que encaminhar a luta contra o sucateamento do serviço público, a precarização do trabalho seja formal ou informal, o rebaixamento do nível de vida, lutar pela estabilidade no emprego, numa ação permanente de agitação, propaganda e organização na base.

Diante do processo eleitoral em que a classe dominante usa de todos os artíficios para iludir a classe trabalhadora, apresentando uma falsa polarização de projetos, que apesar de diferenças pontuais, representam a mesma essência de manutenção da ordem capitalista; diante do discurso de que trata-se de eleger o administrador mais competente e assim tudo irá melhorar; e ainda com os mecanismos da burguesia para manter a classe passiva diante da exploração e da opressão; diante disso tudo a falta de disposição política, apesar de todos os discursos em contrário, de construir uma frente de esquerda, que a partir da base do movimento, denunciasse a falsidade da democracia burguesa e apresentasse uma alternativa de classe é extremamente equivocada. Este debate não deve ficar restrito às direções dos partidos, mas ser feito pelo conjunto do movimento, devem ser chamadas plenárias de base que possibilitem, mantendo a autonomia dos partidos, um posicionar-se sobre o encaminhamento de uma campanha eleitoral onde a classe não se depare com a divisão e disputa dentro do campo socialista.

As organizações da esquerda socialista têm sido incapazes de romper com o esquematismo, com o voluntarismo inconseqüente e com a capitulação reformista ao atraso da consciência das massas. Por outro lado, a dispersão dos grupos de esquerda e ativistas revolucionários e socialistas críticos, impossibilita o avanço do debate e a construção de uma alternativa que não se baseie num amontoado de palavras de ordem/reivindicações “principistas” e sim numa compreensão comum da realidade e dos desafios colocados que permita sair de uma atuação limitada e do discurso abstrato para uma ação política revolucionária concreta.

Diante disto, é urgente ter a iniciativa de construção de um bloco que reúna os que compartilhem desse entendimento, de modo a potencializar a força de intervenção e avançar a partir da experiência, debate e confluência políticas na construção de um movimento socialista e revolucionário que intervenha no processo vivo da luta de classes.

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Nacional: por um programa socialista nas lutas e nas eleições

 

As eleições e o movimento político dos trabalhadores

Na edição anterior do jornal do Espaço Socialista, fizemos uma primeira discussão sobre as eleições de 2010, na qual debatemos a necessidade de se construir uma alternativa política socialista dos trabalhadores, contra os dois campos burgueses representados por Serra e Dilma. Expusemos os motivos pelos quais um eventual governo Dilma-PT, tal como o atual governo Lula-PT, não serve como defesa contra os ataques da burguesia, pois o “Partido dos Trabalhadores” no governo tem funcionado como um instrumento da classe dominante, implantando o programa de interesse dos banqueiros, latifundiários e transnacionais. O PT tem implantado esse programa de forma mediada e apresenta essas mediações como se fossem enfrentamento à burguesia, mas na verdade são formas de garantir a implantação do programa e preservar seus interesses enquanto burocracia. Além disso, o PT tem sido um obstáculo para a organização e a luta. Basta observar o papel que tem cumprido a CUT (e as demais centrais sindicais pelegas), bem como a direção do MST e da UNE, impedindo o desenvolvimento de greves, ocupações e ações diretas. Debatemos também o papel da democracia burguesa e suas instituições, que restringem as possibilidades de ação e de escolha ao ato de votar em um representante a cada quatro anos, deixando-nos de mãos atadas o restante do tempo.

Por isso propomos a construção de um movimento político dos trabalhadores, que sirva como alternativa tanto na organização das lutas como nas eleições, retomando a disputa ideológica pela consciência da classe de modo a recolocar em pauta a necessidade do socialismo. As organizações políticas dos trabalhadores que são hoje majoritárias, PSOL, PSTU e PCB, por enquanto têm caminhado na direção oposta a esse movimento, apresentando candidaturas próprias, com programas e nomes discutidos nas cúpulas partidárias (do PCO nem se fala, pois jamais atuou em unidade, nem eleitoral nem no movimento, tendo como prioridade atacar o restante da esquerda, a ponto de funcionar como braço auxiliar da burocracia petista para dividir o movimento). PSOL e PSTU também têm realizando um debate rebaixado no Conclat, em que se vislumbra claramente uma disputa pelo controle do pequeno aparato que está sendo criado na nova central, mais do que que uma busca real pela renovação das formas de organização da classe (quanto ao PCB, nem sequer participa do Conclat). A crítica que fazemos a essas organizações vai no sentido de lembrar que a necessidade da classe de reconstruir as suas referências ideológicas, renovar seus métodos e rearmar seus instrumentos de luta, é algo que deve estar acima dos interesses desta ou daquela organização, por isso a construção de um ponto de apoio unitário é fundamental.

 

O movimento político e o programa

Esse movimento político unitário teria como tarefa romper o cerco da democracia burguesa e suas candidaturas, colocando em discussão um programa que represente as reais necessidades dos trabalhadores. A escala e a magnitude dos problemas colocados e a radicalidade das soluções necessárias impõem a construção de um movimento que ultrapasse a esfera sindical e também a eleitoral. A situação histórica em que vivemos, com uma crise societal latente mal disfarçada pelo desempenho artificial da economia, exige que a nossa classe esteja em condições de retomar a iniciativa política e apresentar propostas próprias para solução dos problemas sociais. Os pontos de programa que apresentamos a seguir buscam levantar brevemente alguns dos problemas com os quais estamos defrontados e as respectivas soluções.

– A economia brasileira está sendo sustentada pela injeção de dinheiro do Estado nas empresas e pela explosão do crédito que permite que a classe média e uma parte dos trabalhadores faça empréstimos e assim tenha acesso ao consumo. Mas não está havendo crescimento dos salários: a mão de obra que foi demitida no auge da crise está sendo contratada para ganhar menos e trabalhar mais, com o aumento da exploração acontecendo em todas as empresas. Por isso defendemos: Reposição das perdas salariais e defesa dos direitos e condições de trabalho! Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos, fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho! Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias! Redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução dos salários! Estatização sob controle dos trabalhadores e sem indenização de todas as empresas que demitirem, se transferirem ou ameaçarem fechar!

– Em momentos de crise econômica os trabalhadores negros são sempre os primeiros a serem demitidos, e quando acontece um reaquecimento, são os últimos a serem contratados, sempre ganhando menos, mesmo quando executam a mesma função, sendo que em geral vão para as funções mais subalternas e mais exploradas, o que é ainda pior no caso das mulheres negras. Por isso defendemos: Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!

– O governo federal, estados e municípios gastaram cerca de R$ 360 bilhões no pagamento de dívidas em 2009. Esse valor é mais do que o dobro da folha do funcionalismo, que está em R$ 165 bilhões. Enquanto isso, a maioria da população sofre com moradias precárias, falta de saneamento básico, ausência de transporte público, um sistema de saúde extremamente deficiente, educação sucateada, falta de funcionários, etc. Por isso defendemos: Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!

– A mineradora Vale do Rio Doce foi privatizada no governo FHC pelo valor de R$ 3 bilhões, um verdadeiro crime de lesa-pátria, pois o seu valor hoje é estimado em mais de R$ 100 bilhões. O governo Lula não reverteu essa privatização e nenhuma outra, e realizou novas privatizações, como as das reservas de petróleo, estradas, concessões do uso de florestas, bancos estaduais, etc. Além disso, as empresas estatais remanescentes, como Petrobrás e Banco do Brasil, são geridas como empresas privadas, repartindo seus lucros com acionistas privados, inclusive estrangeiros, superexplorando seus funcionários e não gerando retorno para a sociedade. Por isso defendemos: Reestatização da Vale, Embraer e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores! Que a exploração do pré-sal seja feita por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!

– O Brasil possui as mais importantes reservas de florestas, de biodiversidade e de água doce do mundo. Esse patrimônio está sendo destruído por madeireiras, plantadores de soja e criadores de gado, que derrubam florestas para praticar um tipo de exploração predatória que esgota o solo e produz sua desertificação. Boa parte dessa devastação acontece em terras públicas ocupadas ilegalmente, por meio da grilagem, ou ainda, às custas dos povos originários. O chamado agro-negócio, vedete da mídia burguesa por conta dos saldos comerciais, pratica ainda as mais brutais formas de exploração, das quais são vítimas por exemplo os trabalhadores do corte de cana. A burguesia agrária destrói a terra, rouba o patrimônio público e mata trabalhadores. Os sem-terra são as maiores vítimas da repressão, mortos por jagunços e ao mesmo tempo perseguidos como criminosos pela justiça burguesa. Enquanto isso, a população urbana convive com altas dos preços dos alimentos e com a qualidade duvidosa dos produtos que lhe são oferecidos, já que a melhor parte da produção vai para exportação. Por isso defendemos: Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Expropriação do latifúndio e do agronegócio sob controle dos trabalhadores! Rumo ao fim da propriedade privada! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!

– No início de 2010 as fortes chuvas provocaram inundações e deslizamentos que afetaram principalmente as populações mais pobres e os bairros periféricos em grandes cidades como Rio e São Paulo. Houve dezenas de mortes, milhares de desabrigados, enormes prejuízos e transtornos para milhões de trabalhadores impedidos de se locomover nas metrópoles. Os desastres provocados pelas chuvas não são obra da natureza e sim de uma organização urbana caótica, que prioriza o conforto da burguesia, os lucros da especulação imobiliária e da indústria automobilística. Por isso defendemos: Expropriar os imóveis usados para lucro da burguesia e colocá-los à disposição dos trabalhadores! Um grande plano de moradias populares! Fim do financiamento público para condomínios de luxo e utilização dessa verba em moradias populares! Indenização pública, isenção de impostos e moradia para todas as vítimas de enchentes e deslizamentos! Por um plano de obras públicas que priorize o saneamento e a despoluição de rios e lagos! Investimento em transporte público de qualidade que priorize o modelo de transporte coletivo!

Nenhuma dessas medidas, que são as únicas capazes de resolver de fato os problemas reais dos trabalhadores, podem ser obtidas pelos meios de participação atualmente disponíveis no quadro da democracia burguesa, pois se chocam frontalmente com instrumentos criados para proteger os interesses da classe dominante. Toda a ordem estabelecida, o Estado e suas ramificações, o judiciário, os partidos políticos, etc., o conjunto das instituições atualmente existentes foram criados para desviar e bloquear essas demandas. A luta pelo programa que expusemos e a construção dos organismos proletários adequados a essa tarefa necessariamente se chocam com a estrutura do Estado burguês e exigem a construção de uma alternativa de poder político e social da classe trabalhadora. A classe trabalhadora precisa criar seus próprios organismos de luta, que sejam os embriões de novos mecanismos de administração, capazes de reorganizar a produção social em bases racionais, tendo em vista o atendimento das necessidades humanas e a criação de relações sociais emancipadas. Esses organismos devem ter como princípios a independência de classe, a democracia operária, a participação da base, a luta contra a burocratização e a disputa ideológica, e ter como tarefa impulsionar um processo de ruptura revolucionária contra a sociedade capitalista, pela construção do socialismo. Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta! Por uma sociedade socialista!

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Políticas neoliberais na educação e a intensificação do trabalho docente

Neste artigo mostraremos, de modo inicial, a intensificação do trabalho docente como resultado da reestruturação curricular. Trabalharemos em nossa análise com a Proposta (imposta) Curricular do governo de São Paulo para as escolas públicas e suas implicações no trabalho diário dos professores.

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo reflete a ingerência das políticas neoliberais para a Educação ditadas pelos organismos internacionais (FMI, BIRD, UNESCO). Essa intervenção, através de seus discursos (qualidade, eficiência e produtividade), procura maquiar a precarização do ensino público e responsabilizar o professor pelo fracasso escolar dos filhos de trabalhadores que estudam na escola pública. Esse quadro resulta da drenagem dos recursos públicos, que deveriam ser investidos nos serviços sociais (saúde, educação, moradia, transporte coletivo), para salvar o capitalismo em crise e construir obras de interesses dos empresários.

 

Intensificação do trabalho docente

Entendemos por intensificação do trabalho docente o processo de proletarização do professor com o excesso de trabalho, perda da liberdade de cátedra e de identidade docente, condições de trabalho desfavoráveis ao processo de ensino-aprendizagem, perda do poder aquisitivo para investimento em formação intelectual e, em muitos casos, exposição direta à violência. Tudo isso gera desmotivação e falta de realização no trabalho.

Esse fenômeno decorre da implementação das políticas neoliberais na Educação, que reestruturaram o currículo e intensificaram o trabalho docente. Em pouco mais de 10 anos (a partir de 1995) os professores perderam conquistas de um século (enquanto corpo profissional, envolvimento na determinação e desenvolvimento dos conteúdos curriculares, das práticas escolares e da política educacional em geral).

Pressão, assédio moral, controle sobre o trabalho do professor com coordenadores pedagógicos assistindo às aulas, preenchimento de infinitos relatórios que não servem para sanar problemas e a centralização do currículo fazem parte da rotina do professor da rede pública de ensino do estado de São Paulo nessa fase de intensificação do trabalho do professor. Segundo Vieira Hypolito e Pizzi (2009, p.105) esse processo tem como principais características:

  1. Conduzir à redução do tempo para descanso na jornada de trabalho;
  2. Implicar a falta de tempo para a atualização em alguns campos e requalificação em certas habilidades necessárias;
  3. Implicar uma sensação crônica e persistente de sobrecarga de trabalho que sempre parece estar aumentando, mais e mais tem para ser feito e menos tempo existe para fazer o que deve ser feito;
  4. Conduzir à redução na qualidade do tempo, pois para se ‘ganhar’ tempo somente o ‘essencial’ é realizado. Isso aumenta o isolamento, reduzindo as chances de interação (já que a participação motiva comportamento crítico) e limitando as possibilidades de reflexão conjunta;
  5. Introduz soluções técnicas simplificadas para as mudanças curriculares a fim de compensar o reduzido tempo de preparo;
  6. Freqüentemente os processos de intensificação são mal interpretados como sendo uma forma de profissionalização e muitas vezes é voluntariamente apoiada e confundida com profissionalismo.

Este último aspecto nos mostra o quanto a doutrina neoliberal na Educação se apega no fato de o desenvolvimento profissional do professor ser colocado como um processo vitalício de integração contextualizada entre o indivíduo docente e o contexto escolar. Incute assim auto-intensificação. O professor tem que se capacitar, se preparar e se especializar constantemente. E a mídia repete sistematicamente “o problema está no professor, que é acomodado”.

Daí entendemos as campanhas de culpabilização, responsabilização e de ataque a auto-estima dos professores realizadas pelos governos municipais, estaduais e federal. Sobretudo, aqui, no estado de São Paulo a reestruturação educativa neoliberal se deu e se dá de modo mais aprofundado. É necessário expor e fragilizar o professor para implementar a política educacional do capital em crise estrutural. Isto evidencia também os motivos de nossa greve, com mais de 30 dias, a maior dos últimos 10 anos, ter sido tão atacada e combatida pelos governos e pela grande mídia.

 

Tédio e a frustração tomam conta das escolas

Imposta de cima para baixo – sem qualquer discussão prévia com professores, pais e alunos e trazendo em seu bojo tópicos e textos convencionais, métodos de ensino e de avaliação – a Proposta Curricular do Estado de São Paulo tornou-se fonte de problemas sistemáticos. Isto é, não leva em consideração a realidade das escolas, nos tornam meros executores de tarefas obrigados a trabalhar com métodos que, sabemos, não vão dar certo. Fracasso anunciado. O professor se sente frustrado, desmotivado, entediado e refém de uma situação que ele não criou.

Isto nos expõe diante dos alunos, aumentando os problemas disciplinares, pois a imposição também os atinge. São obrigados a seguir e a cumprir o que é imposto no Caderno do Aluno. Ao mesmo tempo, divide-os entre uma minoria academicamente bem sucedida e uma maioria academicamente desmotivada e indignada. Tem sido freqüentes as reações contra essa imposição. Rasgam o caderno, jogam no lixo, põe fogo, fazem aviãozinho, etc.

Tudo isso faz o professor se isolar na escola e na sala de aula, o que reduz a relação com os professores e com os próprios alunos. Estes muitas vezes são tratados como inimigos. Dessa forma, as saídas para os problemas passam a ser buscadas individualmente ou no âmbito da própria escola e deixam de ser tratadas coletivamente.

Métodos ou currículos alternativos são combatidos e desacreditados com o argumento de que abandonam o real conhecimento e qualidade da Educação. Existe, dessa forma, pouco espaço para a realização de experiências alternativas, pois a Educação sob o paradigma vigente é vista como “uma forma de adestramento, disciplinarização, treinamento e docilização dos indivíduos, do que como um meio de transformação e de revolução social” (Santos, 2008, p. 51). Ou seja, formar mão de obra que se adéqüe às necessidades do mercado, que ora aceite trabalhar de forma precarizada em condições de trabalho deplorável e ora aceite o desemprego.

Sendo assim, “a maioria dos projetos de intervenção produz pouca mudança quando são avaliados através de formas convencionais; e os que realmente parecem produzir mudanças não seguem um padrão definido”. (Connell, 1995, p.30)

 

A luta por uma educação pública de qualidade deve ir além do corporativismo

A questão da Educação no Brasil não pode mais ser tratada como uma luta dos professores. É necessário ir além dos muros da escola e dos limites da própria rede de ensino. Os trabalhadores, de um modo geral (pois são eles que matriculam seus filhos na escola pública), precisam participar das discussões sobre a qualidade de ensino e da luta dos professores. Os sindicatos, sobretudo os de esquerda, deverão discutir no âmbito de suas categorias os problemas da educação, tendo no horizonte a transformação da sociedade.

“É por isso que hoje o sentido da mudança educacional radical não pode ser se não o rasgar da camisa-de-força da lógica incorrigível do sistema: perseguir de modo planejado e consistente um estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados, e que tenha o mesmo espírito”. (Mészáros, 2005, p.35)

Portanto, a nossa luta deve assumir um caráter emancipatório, que vislumbre uma sociedade sem classes e fraternal em que a escola, em todos os níveis, não possa ser precária. Uma sociedade Socialista, em que o ensino defenderá exclusivamente, os interesses dos trabalhadores!

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Cuba – nem com a burocracia nem com a burguesia

De tempos em tempos Cuba ressurge no noticiário e cada vez que isso acontece chove todo tipo de polêmica entre os militantes da esquerda, um sinal de que o tema está longe de ter um consenso. A proposta do presente texto é propor uma reflexão distinta das que se apresentaram até o momento entre os militantes da esquerda brasileira. Trata-se de uma reflexão pessoal e não do Espaço Socialista, uma vez que esse debate segue em aberto na organização, para o qual esse texto também serve como contribuição.

 

Um tema complexo

Cuba, um pequeno país no Caribe, com uma economia predominantemente agrária e uma indústria pífia e quintal dos Estados Unidos (onde se praticava todo tipo de sujeira) foi testemunha de uma magnífica ação revolucionária dos trabalhadores que resultou, forçosamente, na expropriação da burguesia alocada naquele país e expulsão dos agentes americanos que praticamente mandavam no país.

Revolução que, com a estatização dos meios de produção, proporcionou escola e saúde gratuitas para a população, destaque em várias categorias esportivas, etc. A direção política desse processo é o que se convencionou chamar de castrista e serviu de referência para várias gerações de militantes em todo o mundo que tinha como base de sustentação um movimento popular muito aguerrido, ou seja, não tinha a classe operária como vanguarda. O poder foi desde o início exercido pelo setor militar do movimento 26 de julho. Uma revolução que fugia do “modelo” que “muitos marxistas” procuravam.

Para muitos a queda do Muro e dos Estados do Leste também significaria o fim de Cuba, mas para surpresa também de muitos, Cuba continua a causar polêmica. Ocorre que essas polêmicas, no campo da esquerda, tem representado pouco coisa nova, uma vez que a maioria a faz com as fórmulas prontas, como se fosse possível encaixar a realidade nas concepções de cada uma das forças. Aqui procuramos partir da negação de fórmulas prontas e estáticas, próprias dos mecanicistas.

Além das questões colocadas acima há outro elemento que é o fato de que a discussão está para além de Cuba, pois envolve as tarefas e desafios para o período de transição capitalismo-socialismo-comunismo, tema muito pouco teorizado pelos grandes teóricos do marxismo. Essa é sem dúvida uma grande dificuldade desse tema e que tem levado a que muitos se percam nas discussões. Como o tema é demasiado amplo esse artigo busca tão somente discutir o caráter do Estado e do regime político que vige em Cuba.

 

As caracterizações da esquerda

No campo da esquerda temos várias caracterizações sobre o caráter do Estado cubano. Para um setor da esquerda que tem, entre outros, o PCB, MST, Cuba é um país socialista, pois o controle da economia está nas mãos do Estado e tudo que os irmãos Castro fazem se enquadra na necessidade de que a revolução seja -e, segundo eles, é preciso ser- defendida dos ataques do imperialismo e das forças contra revolucionárias. Essa posição trata com sinal de igual a defesa da revolução com a defesa do governo liderado por Raul Castro. É a mesma que defendiam em relação a ex-União Soviética e outros Estados pós-capitalistas.

Outra posição que é defendida pela maioria dos grupos de tradição trotskista é de que Cuba é um Estado operário burocratizado ou degenerado. Essa posição no Brasil é defendida por correntes como LBI e LER, mas foi melhor sistematizada por essa última corrente. Defendem esse conceito porque com a “expropriação da propriedade privada e a planificação da economia, se instauraram o monopólio do comércio exterior, e se constitui o primeiro Estado operário, ainda que deformado (…), pois a “não tinha uma estratégia baseada na luta pelo desenvolvimento dos organismos de democracia operária, os soviets, e na centralidade desta classe e seus métodos.”

A partir dessa conceituação iniciam um esforço para provar suas palavras. Para eles o Estado é operário porque 73,07% das empresas são estatais (controladas diretamente pelo Estado e mais as cooperativas), nas quais se concentra 60,95% da população economicamente ativa, e ainda, porque nas empresas controladas diretamente pelo Estado (20,27%) encontra-se 42,42% da força ativa. Os demais trabalhadores (18,53%) atuam nas Unidades Básicas de Produção Cooperativa também sob controle estatal. Assim, a expropriação da burguesia, o monopólio do comércio exterior, o controle estatal dos meios de produção e a planificação econômica formam a base do Estado operário. A deformação do Estado ocorre por conta da falta de democracia e o controle político do Estado é exercido por uma burocracia. A próxima revolução deveria se concentrar na política com uma reformulação das instituições políticas.

Nessa definição há vários problemas, sobretudo pela unilateralidade dos próprios dados que os autores fornecem. É como se não houvesse nenhuma contradição, como a existência de empresas privadas e trabalhadores submetidos ao capital privado não representasse nada, como se o fato de a planificação ser burocrática também não ter nenhuma importância, elementos essenciais para a discussão de qualquer tema. Nenhum objeto pode ser conhecido se não se conhece o seu oposto.

Pensando pela política desse Estado afirmam que as conquistas da revolução de 59, ainda que tenham se deteriorado, não foram extintas, pois “tendo ainda elementos de monopólio do comércio exterior e de planificação econômicas vigentes, coloca a população de Cuba em melhores condições de vida que muitos países capitalistas….”

Desprezando completamente os dados relativos a empresas e trabalhadores que não tem vinculação com o Estado, a conclusão que tiram, a partir desses dados, é de que o Estado é operário. Um problema teórico de maior envergadura é resolvido por equações matemáticas e uma confusão absurda da categoria dialética de quantidade e qualidade, como se fosse possível atribuir arbitrariamente valores a essas categorias. Entendemos o por que, pois se colocam esses elementos na análise não teriam como justificar tal conceito.

Como toda caracterização tem suas conseqüências, a da LER resulta que em Cuba está colocado a necessidade “de um programa de revolução política, que derrube a burocracia castrista e instaure os organismos de auto-determinação das massas, e se combine à reconquista dos logros sociais corroídos pela burocracia, ou seja, basta a mudança do regime burocrático (que realmente seria uma conquista) para que o Estado seja agora autenticamente revolucionário.

 

Quais os problemas e confusões dessa conceituação?

Porque não é Estado operário: Um Estado operário pressupõe antes de tudo que é a classe operária -e não outra- que detém o poder político e econômico, mesmo que de forma indireta poderíamos aceitar tal conceituação. Ocorre que em Cuba a classe operária nunca esteve no poder.

A revolução cubana, pelo tamanho e importância, teve como conquistas fundamentais a sua libertação nacional (se livrando do jugo imperialista) e a expropriação da burguesia, com a estatização dos meios de produção, ou seja, a passagem do poder econômico para as mãos do Estado. Mas o detalhe fundamental é que esse Estado não estava (e não está) sob controle dos trabalhadores e sim nas mãos, nas palavras dos companheiros da LER, do “partido-exército”, órgão que representa politicamente a burocracia. A classe operária não está no poder. A pergunta que fica é como uma revolução que não tem a classe operária e nem as suas organizações como sujeito político e social pode desembocar em um Estado operário? É possível um Estado operário sem a classe operária e suas organizações no poder? Estado operário só pode existir se a classe operária e suas organizações tiverem o controle não só do Estado, mas também dos meios de produção.

O caráter da revolução cubana é, portanto, anti-imperialista, pois chegou até a expropriação da burguesia, mas não avançou ao socialismo e ao poder da classe operária.

2) Planificação burocrática e socialismo: Para os defensores da tese de “Estado operário burocratizado” é secundário que a planificação seja burocrática, processo em que a classe operária não tem nenhuma participação (a não ser da execução que é compulsória). A planificação trata-se de um plano em que são decididos o que e como produzir, a distribuição, o consumo, enfim tudo que diz respeito às bases econômicas do Estado. Ela pode ser democrática, quando está sob controle dos trabalhadores ou burocrática quando é a burocracia quem a controla. Em Cuba toda a planificação é feita pela burocracia e de acordo com os seus interesses. A planificação é essencial no processo de transição ao socialismo/comunismo e por isso o seu modo deve ser o democrático, que é a expressão da democracia operária no controle da vida social e política. Ocorre que em Cuba a planificação era e é burocrática, feita de cima para baixo, de forma impositiva aos trabalhadores e ao povo.

Outro elemento dessa planificação é que está voltada para impor uma acumulação de capital que fica sob controle da burocracia e para isso há de fato uma apropriação do excedente produzido que é destinado aos privilégios da burocracia cubana. A alienação no processo produtivo é reproduzida da mesma forma que nas economias capitalistas clássicas, etc.

O socialismo necessariamente depende de uma economia planificada democraticamente e sob controle da classe operária, de maneira de que tudo que se produz deve ser decidido pelo conjunto dos trabalhadores. O grau de democracia na planificação é a medida da forma como se exerce a democracia operária.

3) Socialização e estatização: O controle da propriedade privada pelo Estado (ainda que seja uma vitória) não é suficiente para caracterizá-lo como operário, pois mesmo em economias capitalistas há situações em que o Estado tem controle importante sobre a economia e as empresas. A estatização não é suficiente (mas um meio) para se combater todas as relações econômicas-sociais herdadas do capitalismo. Diferente é a socialização dos meios de produção que significa que se modificam todas as relações sociais na sociedade e também na própria relação entre o operário e os meios de produção. Na socialização são os trabalhadores que tem -diretamente -o controle (e administração) dos meios de produção ao passo que em uma economia estatizada o Estado é uma mediação entre o trabalhador e o meio de produção, ou seja, o Estado atua como um administrador.

A socialização é a melhor expressão da democracia operária e do poder operário porque se acabam as mediações entre o trabalhador, o trabalho e os meios de produção. São os trabalhadores organizados como classe dirigente.

Novas formas de exploração e alienação: com a manutenção do controle dos meios de produção pelo Estado este centraliza a distribuição da massa da mais-valia, que atende não os interesses da sociedade, mas da burocracia que a controla. Parte importante, que deveria voltar para a sociedade, é destinada ao pagamento de salários muito maiores para os burocratas e seus aliados (que nada produzem), aos privilégios e bens de consumo que a maioria da população não tem acesso. A apropriação não é um elemento secundário porque ela estabelece relações sociais características de regimes de exploração uma vez que se alguém se apropriou de algo sem trabalhar é porque o trabalho de outro não é livre de exploração. Em vez de adotar medidas que vão paulatinamente acabando com o assalariamento esses Estados, pelo contrário, aprofundam essa relação. As sociedades de transição não acabam de imediato com leis tipicamente capitalistas, como o valor e a mais valia. Por isso é de transição e por isso é um processo. Na sua jornada de trabalho o operário produz um valor excedente que fica nas mãos dos donos dos meios de produção. O problema é que nesses Estados, e em Cuba, o sobretrabalho é apropriado pelo Estado que é o patrão.

Essa caracterização de estado operário burocrático é também unilateral porque só leva em conta a forma jurídica da propriedade, desprezando um elemento essencial que são as relações de produção (relação entre o produtor e o apropriador da riqueza) que ocorrem nessas sociedades. A definição de um Estado ocorre principalmente pelas suas bases materiais e econômicas, sobre as quais desenvolvem superestruturas políticas e jurídicas. Assim um Estado operário só poderá se desenvolver quando os trabalhadores puderem exercer diretamente o poder político-econômico estabelecendo assim uma relação dialética entre as relações de produção, em que os trabalhadores são os “produtores organizados”, e o caráter social e político da propriedade.

 

Cuba burguesa?

Outra posição em relação a Cuba que consideramos equivocada (defendida pelo PSTU e a sua internacional, a LIT) é a de que em Cuba já está em vigência o capitalismo, ou seja, um Estado burguês atípico que “surgiu como produto da restauração do capitalismo em um Estado operário” (marxismo vivo nº 14,pg.11). O regime é definido como bonapartista e ditatorial, ou seja, uma ditadura burguesa. E mais: considera que Cuba está em um processo de recolonização encabeçado pelo imperialismo europeu.

As bases para a fundamentação de que em Cuba já operou a restauração são: o fim do monopólio do comércio exterior pelo Estado, o fim da planificação (dissolução da junta central de planificação) e o fim da estatização dos meios de produção que ocorre pela privatização controlada pelo capital do imperialismo europeu. Os fatos que apresentam resumem-se a apontar alguns setores da economia cubana (exploração de petróleo, minério de ferro e outros) são controlados por empresas mistas entre o Estado cubano e o capital estrangeiro).

Se o artigo da LER leva em consideração só os dados da economia que estão sob controle do Estado, o PSTU não leva em conta nem os que estão sob controle do Estado. A omissão de dados nesse caso é a única forma de justificar sua posição de que Cuba é capitalista. Portanto, um conceito sem nenhum amparo na realidade. Nesse sentido os dados apresentados pela LER poderiam ser esclarecedores para os companheiros.

Como dissemos anteriormente, quem controla toda a economia e a política em Cuba é uma burocracia formada pelos dirigentes do PC cubano, funcionários graduados do Estado, do exército e outros tantos dirigentes sindicais e de organizações populares controladas pelo PC cubano. Uma burocracia que tem privilégios, oprime e explora os trabalhadores e controla toda a economia cubana. Esse é o poder em Cuba.

Devemos esclarecer que não entendemos a burocracia como uma classe social e nem dona dos meios de produção (por isso não é classe social), mas tão somente um setor ou uma casta que se apropriou do aparato estatal de Cuba e se alimenta materialmente dele. Nas palavras de Trotsky: “uma casta social privilegiada e dominante no pleno sentido desses termos”. Já uma classe social ou tem os meios de produção ou tem a mercadoria -força de trabalho- que faz funcionar esses meios de produção e esse não é o caso de Cuba, pois quem é dono dos meios de produção é o Estado.

A burguesia é uma classe social “concreta”, formada por homens e mulheres que são donos ou donas dos meios de produção e para dizer que um Estado é burguês também é preciso apontar que papel a burguesia cumpre nas relações de produção. No Brasil podemos apontar Setúbal, Antonio Ermírio; nos Estados Unidos os Rockfeller. E em Cuba que burguês o PSTU apresenta?

Os acordos (que resultam nas empresas de economia mista) que a burocracia tem com o imperialismo -seja estadunidense ou europeu- não alteram o caráter do Estado, que continua sendo dominado pela burocracia, ainda que a dinâmica aponta para o processo de restauração capitalista. Mas isso ainda não se efetivou porque a burguesia nem tem o controle da economia e nem o controle direto do poder político.

Para o PSTU é secundário o fato de que em Cuba não haja burguês, pois para eles “a economia funciona segundo as leis capitalistas de mercado”(Correio Internacional 157). Absurda tal afirmação, porque esse nunca foi o critério para definir um Estado como capitalista ou operário e depois porque não se encontra em nenhum lugar dos clássicos que com a revolução se acaba com as leis de mercado, pois o período de transição para o capitalismo é exatamente para que se acabe com os resquícios da lógica capitalista. Se fossem coerentes, então todos os Estados pós revolução do século XX seriam capitalistas (Rússia, China, etc). As “leis capitalistas” só acabarão definitivamente com o comunismo.

 

Que é cuba?

As posições contra as quais debatemos tem em comum o fato de verem as coisas sob a ótica da lógica formal, de modo que ou o Estado é operário (deformado) ou é burguês. Posições simplistas e mecânicas que não atentam para a complexidade que significou o surgimento da burocracia nos processos revolucionários e sobretudo o seu desenvolvimento.

Todos tem acordo em que a revolução cubana realizou tarefas importantes no marco da independência nacional, inclusive indo além (contra a vontade da burocracia) e expropriando a burguesia, que logo se refugiou em Miami. As diferenças começam quando damos movimento aos conceitos, pois, para nós, a revolução cubana não significou que o poder fosse para as mãos da classe operária, pelo contrário, a classe operária permaneceu alijada do poder. A ausência da burguesia, a classe operária sem o poder, os meios de produção sob controle do Estado e o controle da burocracia sobre este nos colocam um novo fenômeno, o qual que precisamos analisar sob a luz do marxismo, que de pronto rejeita os esquemas. Uma nova realidade deve também ser encarada como uma nova perspectiva.

Assim, o estado cubano não é nem operário (deformado ou não) e muito menos já avançou para ser capitalista. Caracterizamos o Estado cubano como burocrático, não capitalista. Não capitalista porque os meios de produção não estão sob controle burguês. Burocrático porque os meios de produção estão sob controle estatal e o domínio do Estado está nas mãos de uma burocracia que nasceu junto com a revolução. “…o fato mesmo de que se tenha se apropriado do poder em um país onde os meios de produção mais importantes pertencem ao Estado, cria entre ela [a burocracia] e a riqueza da nação, relações inteiramente novas. Os meios de produção pertencem ao Estado. O Estado “pertence”, de certo modo, à burocracia…” (Revolução traída. Trostky ).

Não participamos da concepção de que a burocracia seja uma nova classe, pois a burocracia não tem “direitos particulares em matéria de propriedade (…) os privilégios da burocracia são abusos. (…) sua apropriação de uma parte imensa da renda nacional é um fato de parasitismo social” (Revolução traída. Trostky ). O fato de que a burocracia não seja uma classe social não quer dizer, pelo contrário, que ela não realize apropriação da mais valia produzida pelos trabalhadores cubanos. O controle da política e do Estado, por ser dono dos principais meios de produção, lhe dá a prerrogativa de centralizar a mais valia e distribuí-la de acordo com os interesses da burocracia dirigente.

A extração da mais valia pelo Estado é o que determina as relações sociais na sociedade cubana e constitue relações de produção que oprimem e exploram os trabalhadores cubanos. Essa base que sustenta a burocracia é a mesma que empurra Cuba para a restauração capitalista.

 

As consequências das caracterizações

De toda caracterização deriva uma política. No caso daqueles que consideram que Cuba é um Estado operário burocrático a política é voltada para modificar a relação política que existe no interior do Estado. Por isso formulam um programa que ataca (corretamente) os elementos antidemocráticos, com reivindicações democráticos (legalização dos partidos de esquerda, por exemplo) combinada com outras que interrompam o curso restauracionista. São reivindicações corretas, mas se colocam nos limites do regime econômico comandado pela burocracia. Trata-se de “reformas” que não questionam a exploração e opressão levada adiante pela burocracia, pois, segundo a LER, em um “Estado operário” não há exploração.

Como o PSTU caracteriza o Estado como burguês e o regime como ditatorial o centro da política são as reivindicações democráticas (burguesas) contra a ditadura cubana: “Por isso reivindicamos amplas liberdades democráticas, inclusive para os opositores burgueses e pequeno-burgueses” (CI157). Essa política é na prática estar ao lado dos gusanos e todo tipo de burguês que defenda “liberdades democráticas” para Cuba.

 

O que defender?

As conquistas da revolução de 59 estão se perdendo e por conseqüência da política da burocracia – e com esta continuando no poder – logo não existirão mais nenhuma delas. A burocracia é o grande perigo para essas conquistas.

As recentes medidas de abertura do mercado para empresas estrangeiras indicam que a burocracia caminha em direção a restauração capitalista na ilha, mas o faz controladamente de maneira que não perca o controle do processo. A dúvida é se os privilégios e os altos salários da burocracia -principalmente a ala militar- conseguem acumular a ponto de que ela mesma se torne os “novos burgueses” ou se vai prevalecer a restauração com a recondução dos gusanos (burguesia cubana que vive em Miami) ao poder e controle dos meios de produção..

Assim, pensamos que é necessário um programa que responda tanto no aspecto econômico com reivindicações que acabem com a exploração que a burocracia impõe aos trabalhadores e nos casos em que há qualquer tipo de administração privada essas empresas devem ser expropriadas; como no político com reivindicações que garantam o poder aos trabalhadores. Nesse sentido é fundamental que prevaleça a independência de classe, trabalhando na perspectiva de que os trabalhadores se coloquem como sujeito social da revolução. Lutar contra a burocracia cubana, mas com uma posição de classe.

Ao contrário do PSTU não apoiamos a atual dissidência cubana porque ela defende a mesma política do imperialismo tanto estadunidense como europeu. Não acreditamos que seja possível qualquer tipo de aliança com os gusanos assassinos porque seria a mesma coisa que fazer unidade de ação com o imperialismo, como é, na prática a política do PSTU. As “damas de branco” são na prática uma organização pró-imperialista. A nossa solidariedade é aos trabalhadores cubanos que lutam por liberdades democráticas não para que se restaure o capitalismo, mas para recuperar as conquistas da revolução de 1959 que a burocracia está atacando.

Por fim é importante destacar que diante de qualquer ataque do imperialismo aos trabalhadores e povo cubano nos colocamos incondicionalmente ao lado dos trabalhadores cubanos contra o imperialismo.

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Futebol e mais-valia

 

O futebol como negócio e ideologia

Estamos em ano de Copa do Mundo e a mídia burguesa já retrata o maior acontecimento do futebol como um espaço em que não há diferenças raciais (em se tratando de África do Sul chega a ser um desrespeito), sociais e de classes. É o mesmo discurso de sempre. Mas, uma análise marxista não pode cair nesse discurso porque a Copa o Mundo, longe de ser um evento de esportividade, se insere na lógica do capital, ou seja, do lucro. Futebol não é mais paixão, é negócio, o que se expressa na idéia de que um clube, para se vitorioso, tem que ser empresa.

Em um evento de tamanha envergadura, o montante de dinheiro em circulação é vultuoso. A FIFA terá um renda de U$$ 3,5 bilhões no período de 2011-2014 só com a organização da Copa no Brasil. Para ajudar, a FIFA e a rede de TV que terá os direitos de transmissão terão isenção fiscal do Governo Federal. Mais dinheiro público.

Se os jogadores sequer se identificam com o país que juram amar, as empresas que “vivem de futebol” se identificam financeiramente muito bem com o futebol (e com outros esportes também). A região de Sialkot (fronteira do Paquistão com a India) é o local onde se produzem 40 milhões de bolas (costuradas manualmente) todos os anos (em ano de Copa do Mundo esse número sobe 50%) abastecendo parte importante do mercado mundial. Para se ter uma idéia do nível de extração de mais valia, cada trabalhador recebe entre U$$ 0,60 e U$$ 0,75 (Estadão de 21/04/2010) por bola costurada, e em um dia de 8 horas de jornada de trabalho costura-se no máximo seis bolas, com um salário mensal de aproximadamente R$ 205,00. Considerando que cada bola é vendida no mercado europeu por R$ 260,00 podemos fazer rapidamente as contas do tamanho da exploração: uma única bola vendida paga com sobras o salário de um mês de um operário paquistanês. Isso que é mais valia!

Como se vê por esse exemplo, tanto dinheiro na FIFA tem origem: a exploração dos trabalhadores, pois é desse lucro exorbitante que empresas como a Adidas (que é fabricante oficial de bolas para as Copas desde 1970) tiram dinheiro para o pagamento dos patrocínios, propaganda, etc. O capital já tomou conta de todos os eventos esportivos, descaracterizando-os completamente. Se as pessoas querem que seu país seja o campeão, para o capital o que determina se esse evento teve sucesso ou não é o tamanho da lucratividade. O esporte preferido do capital é a exploração.

 

Copa 2010: torcer ou não torcer, eis a questão…

“Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia”

Cazuza in “Burguesia”

O futebol moderno surgiu nas escolas públicas britânicas em meados do século XIX e se popularizou no fim do século entre os operários. Enquanto a burguesia cultivava passatempos caríssimos como caça à raposa, golfe, iatismo ou alpinismo, o povo jogava e torcia pelo futebol. Marinheiros e operários britânicos levaram o futebol ao mundo inteiro no início do século XX e o tornaram o esporte mais popular em quase todo o planeta, com raras exceções, como os Estados Unidos. O futebol é o esporte mais democrático do mundo por ser um jogo simples, dinâmico, plástico, e também por não requerer equipamentos nem qualidades físicas excepcionais e poder ser praticado em qualquer terreno.

Como toda produção humana na época capitalista, o futebol se converteu em mercadoria, quando os clubes se tornaram empresas que vendem o espetáculo aos seus torcedores nas arquibancadas e nas poltronas diante da TV. Empresários de jogadores, publicitários, emissoras de TV, fabricantes de materiais esportivos, cartolas de todos os calibres faturam uma fortuna que chega a 1% do PIB mundial (Estadão, 30/04/2010). A FIFA, que administra esse negócio extremamente lucrativo, se gaba de ter mais países filiados do que a ONU (208). O evento máximo do futebol é a Copa do Mundo da FIFA, disputada por seleções nacionais e não por clubes, o que aumenta as implicações políticas da paixão pelo jogo.

Os governantes romanos inventaram a técnica de aliciar o povo com pão e circo. Dando seqüência a esse método, os políticos burgueses exploram a popularidade do futebol para fazer propaganda dos seus governos. Com a “squadra azzurra” bicampeã em 1934-38, Mussolini conseguiu o que Hitler tentou com a Olimpíada de Berlim em 1936, ou seja, usar o esporte para demonstrar o triunfo de seu governo. O mesmo fez a ditadura militar brasileira com a excepcional seleção campeã em 1970, provavelmente o melhor time de futebol que já existiu. E também a ditadura argentina, que organizou a Copa de 1978 para ser vencida em casa por sua seleção (o tiro quase saiu pela culatra, pois as Mães da Praça de Maio se aproveitaram da presença da imprensa internacional no país para denunciar a desaparição dos seus filhos nas mãos da repressão). Em 1990, a Alemanha reunificada fez da vitória na Copa o “cartão de boas vindas” do capitalismo para a população da recém-anexada Alemanha Oriental.

“…e quem, tendo visto a seleção brasileira em seus dias de glória, negará sua pretensão à condição de arte?”

Eric Hobsbawm

“A era dos extremos”, p.197

Quem tenta remar contra a maré do entusiasmo futebolístico corre o risco de sair seriamente chamuscado, como o líder da extrema-direita francesa Jean Marie Le Pen, que repudiou a seleção tricolor de 1998 porque não era francesa e sim composta por “estrangeiros” (como o argelino Zidane), e teve que engolir esse time com toda sua diversidade vencer a Copa. O exemplo de Le Pen não foi o único, pois houve setores da esquerda brasileira que torceram contra a seleção de 1970 porque o time estava identificado com a ditadura, na sua interpretação. Esse comportamento se prolonga ainda hoje em setores da esquerda, que consideram que a vitória da seleção numa Copa favorece o governante de plantão, e portanto torcem contra.

O argumento de que a vitória da seleção na Copa representa um atraso político não se sustenta, uma vez que as derrotas da seleção não fazem com que o povo avance em sua consciência, seu grau de organização e seu desejo de derrubar o governo. Ganhar uma Copa torna o povo mais feliz, mas perder uma Copa não torna o povo mais revolucionário. Além disso, quando a seleção brasileira perde, perde para algum país cujo governante burguês de plantão também fará propaganda da sua vitória, da mesma forma espúria e oportunista como qualquer político brasileiro faz. Ao invés de torcer contra a seleção brasileira, a esquerda anti-futebol deveria não torcer para ninguém e fazer melhor o seu trabalho.

A dificuldade da esquerda para ganhar os trabalhadores para um programa revolucionário deve ser buscada em sua própria incompetência e não nas virtudes dos jogadores verde-amarelos. Neste ano de 2010, com um calendário preenchido por Copa e eleições, a esquerda revolucionária deixou de dar apoio à principal luta da classe, que foi a greve dos professores de São Paulo, passou o 1º semestre inteiro preocupada com disputas de aparato e se omitiu da tarefa crucial de antecipar as campanhas salariais. Agora, com a proximidade da Copa e das eleições, cogita-se na possibilidade de torcer contra a seleção, o que acabaria de colocar a esquerda de vez contra o sentimento geral da classe.

É evidente que todo governante burguês se aproveita dos triunfos esportivos, assim como se aproveita da descoberta do pré-sal, ou dos resultados da economia, ou de qualquer outro acontecimento que na verdade provém da exploração do trabalho, mas isso não quer dizer que esses feitos lhe pertençam. Pertencem aos trabalhadores, que são os criadores de toda a riqueza em suas múltiplas formas. Assim como qualquer realização social, o futebol não pertence à burguesia e sim aos trabalhadores que o adotaram e o tornaram um esporte capaz de produzir momentos de verdadeira beleza. O futebol é uma autêntica paixão popular, e a esquerda não pode ignorar esse sentimento, ou pior, se colocar contra.

“É mais um gol brasileiro, meu povo! Encha o peito, solte o grito na garganta e confira comigo no replay!”

Sílvio Luís

narração dos gols da seleção

O futebol é o ópio do povo? Sim, mas assim como a religião na célebre frase de Marx, muito citada e também muito deslocada do seu contexto, o ópio não tem apenas um sentido negativo, já que também funciona como “o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração”. O futebol, assim como a arte ou o sexo, podem ser momentos de refúgio e prazer num mundo alienado. A ruptura da alienação requer uma mudança social global, mas enquanto se luta por essa mudança, a alegria não tem que ser banida do mundo. Lutar por uma saída revolucionária não significa cultivar permanentemente o mau humor dos militontos. Militar pela revolução também significa militar pelo prazer, o que inclui a arte e também o futebol-arte.

Decidir sobre torcer ou não para a seleção em função do uso que os políticos e a burguesia fazem do esporte é menos legítimo do que discutir se o time do técnico Dunga e da CBF representa ou não o verdadeiro futebol brasileiro. Esse futebol pôde ser encontrado no jogo Santos X Santo André pela final do campeonato paulista (e isso quem diz é um corintiano), mas não será praticado pelo batalhão de trogloditas com o qual Dunga congestionou o meio de campo da seleção. Como todas as riquezas nacionais, o futebol também está sendo roubado do Brasil, uma vez que a administração corrupta e reacionária dos clubes e da CBF tornam o futebol brasileiro incapaz de manter seus melhores jogadores no país. A conseqüência é uma seleção “alienígena”, sem identidade com o país, sem vínculo com os torcedores/trabalhadores, e adaptada a um tipo de jogo que privilegia o resultado em lugar do espetáculo.

A seleção convocada para a Copa de 2010 é a consagração da mediocridade em detrimento do talento, da habilidade, da imaginação, do improviso e da fantasia que fizeram do estilo brasileiro de jogar futebol uma manifestação tão genuína da cultura nacional quanto o samba ou a capoeira. Os negros, mulatos e pobres brasileiros em geral aprenderam a jogar futebol em campos de terra e com bolas improvisadas; essa é a origem da técnica e domínio de bola. Quando jogavam com os brancos nos clubes de elite, as faltas contra negros, mulatos e pobres não eram marcadas pelos árbitros, o que os obrigava a se esquivar para não apanhar; essa é a origem do drible.

Foi com um futebol de drible e habilidade que o Brasil encantou o mundo e ganhou mais Copas do que qualquer outro país. E entre as seleções que apresentaram um futebol brilhante, mas não venceram Copas, como a Hungria de 1954 (os jogadores magiares abandonaram a seleção e o país depois que o stalinismo reprimiu a revolta popular anti-burocrática de 1956) e a Holanda de 1974 (a lendária “laranja mecânica”, cujo comportamento libertário atraiu a simpatia mundial, jogando sem guardar posição, levando as mulheres para a concentração e bebendo cerveja), está o Brasil de 1982. Foi assistindo aquela seleção, aos 7 anos de idade, que este escriba se apaixonou pelo futebol e se tornou um torcedor canarinho para o resto da vida. Aquele futebol não existe mais, mas a paixão permanece. Torcer pela seleção não significa deixar de ser crítico da estrutura do futebol. A esquerda muitas vezes concede apoio crítico a determinada política quando isso favorece o diálogo com a classe, e aqui declaro a minha torcida crítica pela seleção brasileira. Em 2010, estarei também torcendo pela seleção, contra Dunga, contra a CBF e contra a burguesia, e ao lado dos trabalhadores.

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