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Jornal 58 – Encarte Alagoas


20 de maio de 2013

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Encarte Alagoas

 

Capitalismo e Violência

Marcus Vinicius

Assim como ocorre com demais assuntos que dizem respeito à sociedade, o problema da violência é percebido e explicado de formas diferentes, a depender das ideias de quem o aborda. Os três caminhos mais comuns são: 1) a violência humana como algo natural, 2) os atos violentos como frutos de escolhas de indivíduos e 3) a violência que atualmente é praticada por e contra os seres humanos como produto de nossa sociedade como um todo.
O primeiro vê a questão da violência como algo inseparável do ser humano: “somos naturalmente violentos e isso não pode ser superado”. Desse modo, as práticas violentas mais disseminadas e postas em discussão, como homicídios, violência sexual, roubos, assaltos, linchamentos, etc. são explicadas a partir da formação biológica de homens e mulheres. As pessoas furtam, brigam e se matam porque isso “está no sangue” de nossa espécie.
Já o segundo dos caminhos, que tende a ser o mais trilhado na atualidade, leva à compreensão de que não são os seres humanos de forma geral que são violentos, mas aqueles que desejam ser. Então, as agressões à integridade física de outros indivíduos e o ataque à propriedade privada são vistas como resultados de decisões individuais isoladas – em que os indivíduos com “bom senso” respeitam os outros seres humanos em suas posses, gêneros, etnias, sexualidades, nacionalidades e demais condições; enquanto, aqueles que não o fazem, decidem atropelar as individualidades dos que os rodeiam – estejamos tratando do desrespeito aos bens materiais alheios ou de outras dimensões da vida humana, como da orientação sexual ou da cor da pele, para mencionar dois curtos exemplos.
A terceira ideologia enxerga a violência como uma consequência das próprias relações sociais estabelecidas, o que nos traz o entendimento de que os variados gestos bruscos e, muitas vezes, sangrentos realizados por mulheres e homens não podem ser explicados por fatores genéticos – que naturalizam a vida social – nem individualizantes – que mascaram os laços sociais que unem cada indivíduo à sociedade de qual é parte – mas sociais. Dessa maneira, as práticas violentas dos seres humanos não são tidas como simples resultados da essência humana, nem de suas escolhas, porém de como estão inseridos no meio social e como este os influencia no cotidiano.
A perspectiva socialista faz parte desse terceiro grupo. De acordo com a nossa visão de mundo, qualquer sociedade que reúna indivíduos em relações sociais contraditórias estão sujeitas ao problema da violência.
Por se tratar de um modelo de organização socioeconômica que funciona sob a divisão de classes, a sociedade capitalista cria condições de vida que, diariamente, contrapõem os indivíduos que dela participam. Essa oposição repousa na existência de duas classes: a capitalista e a trabalhadora – que possuem uma conexão necessariamente antagônica – a primeira é proprietária dos meios de produção, enquanto a segunda possui apenas a força de trabalho, tendo que vendê-la para assegurar sua sobrevivência. Uma vez que é a partir desta relação que se produz todas as mercadorias que são consumidas no ambiente social, é ela quem fundamenta e permite a manutenção e desenvolvimento de toda a sociedade.
Embora pareça uma afirmação extremamente simples, não se encerra em si mesma. Quando é apontado como um modo de produção que se baseia na contradição entre duas classe, diz-se que o capitalismo ocasiona uma série de consequências: as relações de exploração do trabalho caminham de mãos dadas com as desigualdades sociais, que se manifestam através da pobreza, fome, analfabetismo, miséria, etc., em outros termos: é um tipo de economia que proporciona condições de vida profundamente distintas a seus indivíduos, a depender do lugar ocupado na pirâmide social das relações de trabalho.
No livro chamado A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (1844), Friedrich Engels acompanhou as circunstâncias que os trabalhadores ingleses tiveram que enfrentar no período de grandes saltos produtivos dados pelo capitalismo durante a Revolução Industrial. Observou que, desde o seu “fabuloso” momento de desenvolvimento vertiginoso, a sociedade capitalista apresentava vivências díspares – onde a classe capitalista, vivendo em arejados bairros, sob tetos luxuosos, estava bastante afastada dos bairros da classe operária, que não possuía saneamento e ventilação, onde casebres eram amontoados, e, dentro deles, as famílias dos trabalhadores tinham que se apertar para poder garantir suas necessidades primárias… Isso quando tinham a sorte de ter cama e comida para descansar e sobreviver, a cada dia.
E porque sublinhar tudo isso, se estamos tratando do tema da violência? Engels constata que, ao lado desse degradante quadro em que se encontravam milhares de trabalhadores, na medida em que miséria avançava sob a forma do desemprego e do emprego-faminto, também aumentava o número de crimes registrados no país – esclarecia o vínculo encoberto pelo discurso da ideologia da classe dominante, que parece sentir um misto de autoperdão e prazer ao abandonar, em nome da liberdade individual e dos milagres materiais assegurados pela ordem do capital, seres humanos no sofrimento.
É muito comum encontrarmos no discurso capitalista, no Brasil ou mundo afora, o sentimento de que os duros e maléficos tempos da Revolução Industrial ficaram para trás e que vivenciamos um período em que uma maior distribuição de bens nos trouxe uma situação de conforto geral; de que o modo de produção capitalista é o cume dos modelos de sociedade que melhor satisfaz a humanidade.
Porém, se atentarmos a índices sociais, veremos que correspondem muito pouco à realidade. Dando enfoque a um caso de nosso país, podemos clarear melhor a questão: de acordo com o Mapa da Violência, em 2010, Alagoas ganhou o “troféu” de estado brasileiro com a maior taxa de homicídios – para cada 100 mil habitantes, 109,9 são assassinados. Maceió, sua capital, foi eleita como a terceira cidade mais violenta do mundo, baseada em dados colhidos por uma ONG mexicana.

De encontro com esses números, temos as seguintes informações, de 2009, do IBGE e IPEA, sobre a população alagoana: 12,1% encontram-se desempregada; 62,9% corre risco de morte por conta da fome; 47,70% vivem em condições de pobreza; 21,30% em condições de extrema pobreza; a cada 2 alagoanos, 1 vive de esmola ou Bolsa Família – todas essas estatísticas são consideradas elevadas até quando comparadas com outros estados do país.
Embora não possamos afirmar que uma condição indigente obrigue o ser humano a tomar os trilhos do crime e faça com que não tenha outra saída que não a marginalidade, não vemos qualquer sentido em dizer que a sociedade capitalista forneça oportunidades para que todas as mulheres e homens possam viver dignamente – já que o que a guia não é o bem comum da população, mas o lucro e a riqueza de uma parcela reduzida.
Acreditamos que o problema da violência não pode ser enfrentado como algo desconectado do capitalismo. Os atos de violência não surgem de uma mera decisão de indivíduos que optam por agredir outros – suas causas devem ser procuradas no meio social. Para que a violência seja combatida é essencial que os indivíduos não sejam violados rotineiramente. Mas, como no capitalismo não temos isso sendo garantido nas relações de emprego e de vida, não vemos outro remédio que possa curar os enfermos corpos dos trabalhadores, dos negros, das mulheres e de outras minorias oprimidas que não o socialismo.

 

A crise ambiental é, na verdade, uma crise do capital

Zilas Nogueira – Alagoas

Estudos científicos e os meios de comunicação têm noticiado, constantemente, sérios indícios de que passamos, hoje, por uma grave crise ambiental. Catástrofes naturais, poluição, desmatamento, desertificação, escassez de recursos naturais, fome, desigualdade social e violência, são apenas alguns deles.
Desastres ambientais, como a explosão e afundamento de uma plataforma da companhia British Petroleum (BP) ocorrido em 2010 no Golfo do México despejando, durante mais de um mês 2 a 3 milhões de litros de petróleo por dia no mar. Números como os apresentados pelo PNUD revelando que 968 milhões de pessoas não têm acesso a fontes de água tratada, 2,4 bilhões ao saneamento básico e que 2,2 milhões morrem anualmente por contaminação do ar, reforçam a ideia de crise do meio ambiente.

Cientistas, ecologistas, religiosos das mais variadas orientações, a juventude de classe média que, com um discurso pequeno burguês, se engaja em ONGs na luta em defesa da natureza e até políticos oportunistas, todos, sem exceção, afirmam que tal situação tem como causa central o modelo de desenvolvimento vigente, baseado no consumo exagerado. Assim, para reverter o processo de degradação ambiental existente hoje e salvaguardar os recursos naturais de forma que possam continuar sendo utilizados pelas gerações futuras seria imperativo modificar tal padrão econômico. Mas, é precisamente aqui que as coisas se complicam.

Os ecologistas e jovens de classe média, os acadêmicos e religiosos em geral, por causa de sua posição de classe, nunca poderão dar sequência às suas reflexões de maneira crítica e radical, no sentido de ir à raiz do problema. Por isso, patinam entre soluções tecnológicas mirabolantes e propostas de melhorar o funcionamento do mercado para que venha incorporar as preocupações ambientais em suas transações.

Mas, quem quer pensar as questões ambientais atuais e ser minimamente consequente tem que saber que o problema encontra-se, sim, no modelo de desenvolvimento e consumo vigentes. Deve ir além e se perguntar: qual é mesmo o fundamento deste modelo? Quem fizer esta pergunta só encontrará uma resposta: as relações de produção capitalistas. É enfadonho ouvir representantes de organizações que acham que estão lutando na defesa do meio ambiente afirmarem a todo tempo que o mal está no consumismo, ou nos políticos corruptos, ou na incompetência dos gestores públicos, etc. Mas, nunca se ouve destas pessoas uma única referência ao capitalismo.

Assim, as causas do uso predatório dos recursos naturais, bem como as soluções para tal problema vêm sendo apontadas como uma questão que depende exclusivamente de um melhor gerenciamento em relação ao uso de tais recursos, de uma postura mais responsável e ética face ao meio ambiente, de uma busca pela conscientização dos cidadãos, de uma classe política que esteja preocupada na preservação ambiental, de mais educação, etc.

No entanto, verificamos que desde os últimos trinta anos do século passado até a primeira década do atual, as tentativas de explicar e propor soluções com base subjetivista têm se mostrado ineficazes no sentido de estabelecer um consumo mais racional dos recursos naturais, sobretudo os não renováveis.

O que está equivocado e que nem os doutores das universidades nem os jovens de classe média conseguem enxergar é que o pressuposto sobre o qual formulam suas cantilenas é falso. Ao examinar os problemas ecológicos, as questões éticas e políticas não devem ser colocadas como eixos centrais da análise. A preocupação fundamental deve ser, de outro lado, apreender a lógica imanente de funcionamento da formação social em que se passam as questões ambientais em exame. E depois relacioná-la com os problemas ecológicos que estamos investigando para, só então, verificar os possíveis condicionantes éticos e políticos.

Acreditamos, portanto, que um melhor entendimento da problemática ambiental apenas pode aflorar se compreendermos da maneira mais profunda possível as leis e determinações objetivas que regem a dinâmica socioeconômica capitalista.

Se assim procedermos, perceberemos que é a lógica própria do mercado capitalista que determina, em última instância, o volume e a velocidade da produção industrial e agrária, a admissão ou demissão de milhares de trabalhadores, a apropriação de terras por latifundiários e consequentemente o êxodo de camponeses para as cidades, o uso predatório ou não de determinados recursos naturais, etc. Esta lógica é incontrolável e se estrutura em uma série de leis próprias ao funcionamento da ordem social regida pelo capital. Dentre estas, uma das mais relevantes para o debate ambiental é a lei das crises cíclicas.

Sabemos que movimento da economia capitalista se desenvolve em ciclos: expansão, estagnação, recessão e crise. Em períodos de expansão econômica as empresas e a sociedade em geral podem adotar medidas de proteção ao meio ambiente sem prejuízos às taxas de lucro. Mas, em momentos de retração e crise essa preocupação tende a desaparecer na mesma medida em que surgirem choques entre os interesses do capital e a preservação do meio ambiente. Há, portanto, uma necessidade intrínseca ao capital de manter ou elevar a taxa de lucro em períodos de crise econômica que conduz necessariamente a intensificação do consumo predatório dos recursos naturais.

E isso se agrava se pensarmos, junto com Mészáros, que desde os anos 1970 o capital passa por uma crise estrutural. Isso implica que expansões e crises periódicas representam, agora, movimentos internos de um fenômeno de maior alcance, cuja trajetória é sempre declinante.

Esta crise estrutural caracteriza-se, então, pelo seu caráter universal, seu âmbito global e sua forma permanente. Assim, todas as esferas da existência humana são afetadas. A vida cotidiana torna-se a cada ano mais instável, insegura e estranhada. Nesse contexto, é mais difícil que o capital se empenhe em ações de preservação ambiental, tendo em vista que sua própria existência está em risco.

A realidade nos mostra, ainda, que as tentativas (em períodos de crise) de elevar ou manter os lucros, mesmo tendo que pagar o preço da degradação ambiental, não é resultado apenas de escolhas subjetivas, de vontades individuais. Não é simplesmente por causa da ganância de alguns empresários ou da incapacidade de gestão de certos indivíduos que o meio ambiente vem sendo devastado de forma assustadora nos últimos trinta anos. Em outras palavras, o problema fundamental não está meramente no campo dos valores morais, políticos ou de gerenciamento.

Já os meios de comunicação e a academia colocam a questão, na maioria das vezes, como uma falha na administração da economia. E, desta maneira, bastaria que fossem corrigidas tais falhas para que os problemas ambientais fossem igualmente resolvidos. Mas, em nenhum momento a própria possibilidade de conciliação entre a lógica imanente do sistema capitalista e o desenvolvimento econômico ecologicamente sustentável é questionada.

Quando se entende os problemas ambientais em termos subjetivistas é possível buscar saídas e propostas para amenizá-los no interior da própria sociedade capitalista.

Acreditamos, por outro lado, que as respostas aos desafios socioambientais não devem ser buscadas somente no âmbito da subjetividade (ou seja, da vontade). Pensamos que as análises e reflexões a respeito da crise ambiental devem ser deslocadas da centralidade da subjetividade para a centralidade dialética da objetividade. Assim, o ponto de partida para a análise dessas questões deve ser a objetividade social, que tem em sua base as relações econômicas e não a subjetividade plasmada em questões éticas e/ou políticas.

Por isso, é importante apontar que a crise não é ambiental. A crise é da sociedade estruturada em relações sociais capitalistas que, por sua vez, repercute na esfera do mundo natural. O problema está em uma determinada forma de regular o metabolismo entre homem e natureza. Não é, repetimos, um problema moral, político, ou de consciência.
Disso tudo, inferimos que não há luta pela defesa do meio ambiente que não seja, ao mesmo tempo, uma luta pela superação do capitalismo e uma luta pelo socialismo.

Para que serve o discurso do envelhecimento da população?

 

Artur Bispo dos Santos Neto

 

Após uma década pautada pela privatização das estatais brasileiras, adentra-se no novo século sob o auspicio da hegemônica afirmação ideológica da necessidade de contrarreformas substanciais no sistema previdenciário. A pilhagem das estatais brasileiras permitiu, de um lado, a ascensão meteórica de figuras apáticas da economia nacional nos mais elevados estratos dos homens mais ricos do mundo, e, do outro, tornou ainda mais dramática a existência da classe trabalhadora, à medida que se passou a negociar a necessidade de preservação dos empregos e a abdicar das conquistas alcançadas nas décadas passadas.

Entre as ideologias apresentadas, nenhuma ganhou mais notoriedade e caráter de naturalização que a ideologia do envelhecimento precoce da população brasileira como condição fundamental de justificação da contrarreforma da previdência social. A manifestação de dados empíricos comprovando o crescimento da população idosa (acima dos 60 anos) transformou-se numa arma fundamental para dobrar os movimentos sociais resistentes às contrarreformas indispensáveis ao novo padrão da acumulação flexível.

A projeção conjectural de crescimento das taxas de envelhecimento da população nas próximas quatro décadas, passando da projeção de 20 milhões (2010) para 50 milhões (2050), consiste numa uma afirmação neomalthusiana com o propósito específico de mudar as regras da previdência social. O problema é que o reconhecimento das projeções equivocadas, pelos ideólogos do sistema do capital, não será seguido de medidas reparadoras, pelo contrário, ele será reiterado por novas abordagens apressadas da contingência histórica para se apropriar ainda mais da mais-valia operária. A argumentação do crescimento da população idosa tem semelhança com a estúpida discussão em torno da quadratura do círculo, em que o círculo não pode sair dos limites estabelecidos.

Parece claro que medidas corretivas são incapazes de alterar substancialmente o edifício estrutural do sistema do capital, já que somente num contexto de mudanças estruturais é possível garantir o prolongamento do tempo de vida da população. As tonalidades cinzentas dos discursos cataclísmicos dos ideólogos do capital acerca do crescimento da população, nas variantes antigas e modernas, apresentam-se como urgentes e inadiáveis exatamente porque não passam de afirmações dogmáticas carentes de substancialidade e articulação efetiva com o desenvolvimento dinâmico da totalidade social. No caso brasileiro, o que realmente importa é que o discurso pseudocientífico do crescimento demográfico exerça imprescindível papel no processo de efetivação das contrarreformas no sistema da previdência social e neutralize consistentemente o potencial de resistência da classe trabalhadora.

É mister considerar que o discurso do envelhecimento populacional cumpriu papel nodal para a efetivação tanto da contrarreforma encetada pelo Governo FHC (1998) quanto da contrarreforma promovida pelo Governo Lula (2003). Essas contrarreformas encontraram seu coroamento na aprovação da Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), que acabou com a aposentadoria integral dos servidores públicos e estabeleceu o teto do INSS para os referidos trabalhadores. Com isso se repassa para o setor privado o direito de controle duma parte substancial da riqueza produzida pelos trabalhadores, de forma que a seguridade social deixa de constituir-se como direito para assumir declarado caráter de investimento financeiro e mercadológico.

No prazo de oito meses (agosto de 2003), o governo Lula conseguiu aprovar a segunda reforma da previdência, com a qual se extinguiu o direito dos servidores públicos à aposentadoria integral, a paridade entre os reajustes dos servidores ativos e inativos, estabelecendo-se o teto para o valor dos benefícios aos servidores (novos ingressantes) equivalente ao do RGPS (Regime Geral da Previdência Social), a taxação dos servidores inativos e dos pensionistas etc. Assim, os aposentados passaram a ter seus salários reduzidos numa etapa da vida em que mais careciam de recursos financeiros para cuidar de sua saúde.

É importante destacar que qualquer perspectiva de crescimento da população idosa não pode desconsiderar o crescimento substancial da miséria e da pobreza, que ultrapassam os índices de 2,4 bilhões de pessoas no mundo, ou seja, assolam um terço da humanidade. Os cínicos ideólogos do capital precisam esclarecer a paradoxal combinação de longevidade da vida com desemprego e baixos salários, pois o desenvolvimento da sociedade capitalista revela exatamente o contrário, isto é, que existe uma relação intrínseca entre acumulação de riqueza e acumulação de pobreza, acumulação de capital e expropriação do tempo de trabalho dos trabalhadores, pobreza e encurtamento da vida. Torna-se difícil acreditar nas perspectivas otimistas de longevidade das pessoas, quando se aprofundam os problemas estruturais e são alteradas as regras da aposentadoria, para que assim os trabalhadores se vejam condenados a morrer trabalhando e os capitalistas transformem o sistema previdenciário numa fonte inesgotável de lucro.

Os dados apresentados servem para apontar o desafio que é posto à classe trabalhadora no campo do crescimento demográfico. Essa luta deve ser operada em duas frentes. A primeira, contra a ideologia da manipulação dos dados acerca do crescimento da população idosa, em que as contrarreformas na previdência social são seguidas de interpretações subliminares que concebem os velhos como ameaça permanente ao sistema produtivo e não como seres humanos que precisam de cuidados após dedicação exclusiva ao trabalho assalariado. Segundo, que além de querer prolongar o tempo da aposentadoria e penalizar os idosos, o sistema retira dos jovens a possibilidade de trabalho e vida decente, abreviando seu tempo de existência mediante práticas coercitivas e violentas.

Parece evidente que uma análise séria sobre as taxas de crescimento da população idosa deve ressaltar o genocídio de jovens que acontece no país, bem como que as absurdas perspectivas de crescimento populacional hão de ser seguidas também de absurdas taxas de crescimento nas taxas sociais de homicídios na população jovem (além do aumento da população carcerária), certamente bem acima das taxas de crescimento populacional. No presente momento, não é possível separar o crescimento das taxas de uma geração sem considerar as causas da queda de crescimento da outra geração, uma vez que elas estão conectadas. O crescimento da taxa da população idosa deve considerar, de um lado, o genocídio dos jovens, e do outro, a crise social que acomete a população idosa e que certamente irá se aprofundar com as contrarreformas da previdência social, já que elas tornam mais difícil a vida dos trabalhadores acima dos 60 anos. Finalmente, é preciso esclarecer os subterfúgios das classes dominantes e apresentar respostas que superem as idiossincrasias ideológicas que exprimem a necessidade de contrarreformas, de um lado, e a necessidade de mais investimento na segurança pública, do outro. Faz-se necessário reconhecer que todas as mudanças apresentadas pela burguesia e pelo Estado burguês não passam de manobras para perpetuar tão somente o tempo de existência do capital em contraposição à existência efetiva dos seres humanos.