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Jornal 57: Abril/Maio de 2013


22 de abril de 2013

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Capa 57

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Nesta edição

Desde que Hugo Chávez tornou-se presidente da Venezuela exerceu liderança nacional e internacional e desenvolveu o chamado “Socialismo do Século XXI”. A compreensão desse fenômeno social é de crucial importância para todos aqueles que lutam pela superação do capitalismo. Esse é o foco do artigo sobre a situação política internacional. Sobre a situação política nacional, voltamos nosso olhar para o Acordo Coletivo Especial, o ACE, um dos principais ataques aos direitos do trabalhador, considerando que a economia brasileira se mostra cada vez mais abalada pela crise sócio-política global. Dos efeitos diretos e evidentes da crise sobre o Brasil, discutimos a situação dos Bancários. Em que os bancos endurecem com os trabalhadores e aumentam a perseguição àqueles que minimamente se coloquem contra tal quadro.
No artigo sobre Educação, trataremos de demonstrar o que, de fato, motiva a expansão do ensino de tempo integral. As necessidades atuais dos trabalhadores e seus filhos não estão contempladas nesse projeto. À ocasião do aniversário de 125 anos de abolição da escravatura o racismo ainda impera e a nossa saída é a luta antirracista, antigovernista, classista e anticapitalista.
Um problema que tende a se agravar no governo Dilma está sendo tratado no artigo sobre Assédio Moral, problema esse que, não sem motivos, tem crescido no serviço público. Esses são os temas que apresentamos aos ativistas e militantes para um debate franco.

 

O ACE é parte do projeto global do capital para o país

Nunca houve tantas medidas do Estado em prol da lucratividade do capital como nestes últimos anos, após a eclosão da crise mundial de 2008 – redução do IPI de vários setores, com destaque para veículos, eletroeletrônicos e construção civil; obras de infraestrutura sob a lógica privada, como rodovias, portos, aeroportos, estádios e usinas; empréstimos do BNDES para as empresas, subsidiados pelo Tesouro; redução das taxas de juros para sustentar o endividamento e o consumo, etc.
Agora, com a desoneração da folha, os empresários deixam de contribuir com os 20% sobre a folha de pagamento, passando a uma alíquota de 1% ou 2% sobre o faturamento bruto, o que diminui drasticamente o valor da contribuição patronal. Uma renúncia fiscal (o Estado deixa de arrecadar) de R$ 21,4 bilhões por ano, com os 56 setores patronais beneficiados. Isso diminui a arrecadação da Previdência Social, precarizando ainda mais o SUS, e pressionado para uma nova Reforma da Previdência, a fim de aumentar o nosso tempo de trabalho e de contribuição.
Todas essas medidas fazem parte de um projeto maior de ataques aos direitos dos trabalhadores e sociais em geral, de modo a aumentar as oportunidades e a lucratividade do capital, que atravessa uma de suas maiores crises.
Para a burguesia que opera no Brasil, também é preciso aumentar a taxa de exploração na relação direta com os trabalhadores.
Nos últimos anos, temos sentido o aumento dos ritmos de trabalho – que resultam em elevação dos acidentes de trabalho –, a rotatividade da mão de obra e a redução do piso de várias categorias. Entretanto, nessas ações, o capital enfrenta limites como os direitos mínimos contidos na CLT (Consolidação Geral das Leis Trabalhistas). Para a burguesia, tornou-se central derrubar essa legislação.
Nesse sentido, surge o ACE (Acordo Coletivo Especial), um projeto que se for aprovado pelo Congresso Nacional, institui que o negociado prevalece sobre o legislado em qualquer situação. Atualmente, essa possiblidade só existe se for para ampliar direitos. Com o Ace, em outras palavras, as empresas ganham a liberdade de pressionar os trabalhadores e sindicatos a aceitarem redução ou mesmo o fim de direitos básicos, como a divisão das férias em mais de dois períodos; pagamento parcelado do 13º salário, até mesmo em parcelas mensais; ampliação do banco de horas sem limites; contratação temporária; redução e terceirização de funcionários nas empresas sem nenhum limite, além de outras manobras.
Dessa vez, o projeto não vem do governo, mas do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT), em uma clara intenção de utilizar a imagem de um passado de lutas e a força desse sindicato para com isso enganar os trabalhadores com o discurso de que a flexibilização é algo moderno e positivo, que destravaria a produção e possibilitaria o aumento dos investimentos e dos empregos.
Isso obviamente é mentira. A relação de forças por categoria ou empresa favorece aos patrões, principalmente em momentos de ameaça de desemprego. Apenas algumas categorias e sindicatos muito fortes podem conseguir melhorar sua situação. A grande maioria terá seus direitos arrancados.
Isso só demonstra uma vez mais a que ponto chegou a integração da burocracia sindical ligada à CUT, Força, CTB, UGT à cogestão do capital. Não relutam em entregar os direitos trabalhistas para defender seus amigos patrões, contanto que sua posição de burocracia privilegiada não seja afetada, nem tenha que voltar a trabalhar.

Avançar na mobilização, para além da marcha à Brasília!

A questão fundamental é: como barrar o ACE, que é estrutural para a burguesia, que tem o respaldo do governo do PT e que é apresentado por sindicatos e centrais com influência no movimento?
Primeiro, precisamos apostar na máxima denúncia junto aos trabalhadores, não apenas do ACE, mas demonstrar que este faz parte de um projeto maior do capital, de ataques aos trabalhadores, e que inclui nos planos a Reforma da Previdência, pagamento dos juros e amortizações da Dívida Pública, precarização dos serviços públicos, inflação, etc., com o objetivo de aumentar a lucratividade do capital em crise. E esse projeto maior é administrado pelo governo Dilma (PT/PMDB/PSB) e por governos estaduais (PSDB/DEM), com apoio da CUT, Força, CTB e UGT, em que há uma divisão de tarefas, mas sempre a favor do lucro das empresas e contra os trabalhadores.
Também é preciso denunciar o papel entreguista que cumprem o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a CUT e demais centrais que defendem o ACE e a política pró-patronal do governo Dilma (PT).
Até agora, a campanha contra o ACE tem sido fragmentária – sem mostrar sua ligação com o projeto maior do capital – e tímida, muito abaixo da gravidade do problema e do potencial de mobilização tanto da CSP-Conlutas (dirigida pelo PSTU) como da Intersindical (dirigida pelo PSOL). Afora denúncias nos materiais regulares dessas entidades, não temos visto uma campanha realmente ampla, com outdoors, carros de som, internet, etc. Essas duas entidades sindicais possuem sindicatos importantes e têm dinheiro e condições para investir em uma campanha deste tipo. Além disso, todos os demais movimentos precisam desempenhar essa denúncia e chamar os trabalhadores a resistir.
Também é preciso ter cuidado com setores da Força Sindical, CTB, etc, que, em função da pressão de suas bases, querem passar a impressão de que são contra o ACE, ligando-se aos setores não governistas como PSTU e PSOL, mas apenas em ações superestruturais como seminários contra o ACE, fóruns, etc. Não mobilizam os trabalhadores de suas bases, e ao mesmo tempo seguem defendendo e compondo o governo Dilma, como se não fosse este o mentor do ACE (o sindicato dos metalúrgicos é apenas seu testa de ferro). O PDT (que dirige a Força Sindical) está no Ministério do Trabalho, por exemplo. Não podemos contribuir para essa confusão. Temos que ajudar os trabalhadores a separar o joio do trigo.
Assim, defendemos que a unidade com setores governistas seja apenas nas lutas de fato (paralisações, greves, bloqueios, passeatas), e não em eventos superestruturais como seminários ou fóruns permanentes.
Defendemos que seminários e debates sobre o ACE sejam organizados com as forças do campo antigovernista (CSP-Conlutas, Intersindical, independentes, etc), chamando amplamente os trabalhadores e a juventude, para fortalecermos a unidade estratégica e construção de um polo realmente alternativo dos trabalhadores contra os patrões, os governos e as direções governistas (CUT, Força, CTB, etc.)
A terceira questão é a de que a campanha contra o ACE deve apontar para a necessidade de grandes mobilizações que busquem parar a produção e a circulação de mercadorias, interferindo no próprio movimento do capital, de modo a obrigar o governo e a burguesia e a recuarem.
Nesse sentido, a marcha à Brasília, convocada pela CSP-Conlutas, Intersindical e outras entidades, é um momento importante dessa luta, pois permite uma ação de rua em Brasília com a unificação dos vários movimentos e entidades que se colocam contra o ACE. A marcha também levanta outra questão fundamental, que é a da Anulação da Reforma da Previdência aprovada com o dinheiro do mensalão, além de outras reivindicações. Pode-se combinar a marcha com atos e panfletagens nas regiões, pois muitos trabalhadores não poderão ir à Brasília.
Mas é preciso ir além da marcha. Propomos que seja marcada uma jornada nacional de lutas com pelo menos um dia de paralisações, atos nas capitais e nas principais regiões, bloqueios e outras mobilizações contra o ACE, pela Anulação da Reforma da Previdência de 2003 e demais itens da pauta de luta dos trabalhadores. Também é preciso enfatizar que a luta contra o ACE deve ser parte de uma luta maior, no sentido de que os trabalhadores assumam o controle da riqueza social, com um programa de ruptura com a lógica do lucro, e em direção a uma nova sociedade, sem exploração e sob o controle democrático dos produtores, o socialismo.

Por que o preço dos alimentos sobre tanto, mesmo produzindo cada vez mais?

Todos os itens da cesta básica (coitado do tomate que está sendo utilizado para desviar a atenção!) tiveram aumentos acima da média inflacionária, e alguns acumularam nos últimos 12 meses aumento de mais de 100%. Com os dados à mostra, agora trata-se de procurarmos explicar as razões de tanto aumento no preço dos alimentos. A mídia, os economistas burgueses e o governo têm vinculado essa alta ao crescimento da demanda (local e mundial) e às mudanças do clima, como se essas questões não tivessem nada que ver com a maneira que está organizada a produção capitalista no campo. Essa explicação esconde as causas reais do problema.

Produzir para alimentar ou para o lucro?

Para o capitalismo, a busca do lucro é o que interessa, mesmo se isso representa jogar fora ou queimar alimentos para poder aumentar seu preço no mercado (ou para reduzir prejuízo), como por vezes se faz[1].
Destacamos duas questões como causas principais para o aumento dos preços dos alimentos. A primeira é que uma parte importante da produção agrícola não está mais direcionada para alimentar pessoas. Uma parte cada vez maior do que se produz está direcionado para a produção dos chamados biocombustíveis (falsamente propagandeados como combustíveis limpos). Só nos Estados Unidos – onde 10% dos combustíveis utilizados são produzidos a partir do milho –, no ano passado, o consumo deste cereal para essa finalidade foi de aproximadamente 114 milhões de toneladas. Para se ter ideia do significado e das consequências sociais disso, a produção mundial do cereal em 2013 deve ser de 690 milhões de toneladas (http://www.agrolink.com.br), ou seja, quase 25% do total é destinado à produção estadunidense de etanol.
A outra causa que podemos destacar é ainda mais problemática: a escolha de quais alimentos produzir também traz consigo consequências sociais e ambientais. Como muitos tipos de grãos são majoritariamente utilizados para ração animal, o aumento da produção de carne, leite e queijos – geralmente identificados com ascensão econômica – influi diretamente na disponibilidade de grãos. Por exemplo, para produzir 1 quilo de carne bovina, são necessários 8 quilos de grãos e cerca de 20 mil litros de água, emitindo-se no processo o mesmo tanto de CO2 que um carro ao percorrer 1600 km. Só a irracionalidade da produção capitalista pode desconsiderar essas questões, e, na realidade, ela mesma que faz ser assim. Pode-se ingenuamente imaginar que se produz mais carne, pois cresce o consumo. A realidade é, no entanto, inversa: aumenta-se o consumo, pois se produz mais carne. O consumo atual das classes médias ocidentais é mais elevado do que o consumo em qualquer outra época histórica, isso porque a carne tem maior valor agregado, demanda mais trabalho, e assim é mais lucrativa. Como os capitais individuais e o capitalismo como um todo precisam sempre crescer, aqueles setores que mais repetem a lógica da produção pela produção são privilegiados – inclusive com subsídios estatais. Sem a produção de carne, a produção de valor no agronegócio seria apenas uma pequena parte do que é e o sistema de crescimento total do capitalismo sofreria um grande baque.
Também não merece crédito a ideia de que as alterações climáticas são responsáveis naturais pela diminuição da produção agrícola, como se fossem obra do acaso. As chuvas torrenciais, a seca, a desertificação são causadas pela maneira como se produz as coisas no capitalismo. A larga utilização de combustíveis, o desmatamento, a poluição dos rios, o consumo de carne são exatamente consequências desse tipo de produção que altera profundamente o equilíbrio ambiental.

Dilma também está por trás dessa política

No caso específico do Brasil, a base da economia está na produção de commodities, como milho, soja, carne, petróleo e outros. São matérias-primas para exportação com grande aceitação no mercado mundial. Dentre esses produtos, os agrícolas têm um grande peso na manutenção da balança comercial “favorável”, ou seja, no total de vendas para o exterior. Só nos meses de fevereiro e março deste ano, os produtos agrícolas representaram 40,9% de tudo que o país exportou, e um volume de US$ 12,88 bilhões. Esse é o modelo de produção do agronegócio, setor que representa 22% do PIB, mas que não atende às necessidades mais fundamentais da população, e sim à produção de mais dinheiro para os já milionários representantes do capital agropecuário.
É importante partirmos dessa caracterização da economia brasileira porque o modelo de agronegócio aqui desenvolvido implica que a questão alimentar da população não tem nenhuma importância, a menos que se possa lucrar alto com ela.
A razão do aumento dos alimentos está relacionada, sobretudo, à globalização neoliberal, que encontra sua expressão no agronegócio, expandindo, por sua vez, mais e mais sua atuação, em detrimento da produção familiar – expulsando milhares de famílias do campo e agravando os problemas sociais nas cidades –, que é mais diversificada – historicamente sempre foi ela que abasteceu o mercado interno.
Essa forma de produzir conta com o apoio político e econômico do governo federal, expresso principalmente pela relação de proximidade que tem com a bancada ruralista no congresso nacional. Os projetos de irrigação de terras no nordeste estão sendo direcionados para empresas do agronegócio, o financiamento de projetos de expansão das empresas sendo feito com dinheiro público, a orientação de pesquisas da Embrapa (empresa púbica de pesquisa) para áreas afins dos ruralistas, o seguro contra perdas para os grandes produtores, o plano de expansão da cana para fins de produção de etanol, enfim, várias medidas estatais vêm ocorrendo para dar sustentação econômica para as empresas do agronegócio.

A quem interessa o aumento dos preços dos alimentos?

Segundo João Pedro Stédile, a estrutura agrária brasileira é “hegemonizada pelo modelo do agronegócio que está criando problemas estruturais gravíssimos para o futuro (…) 85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/milho, pasto, e cana-de-açúcar. Apenas 10% dos proprietários rurais, os fazendeiros que possuem áreas acima de 500 hectares, controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação (…) Somos produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial”. (http://www.mst.org.br/content/joao-pedro-stedile-o-dilema-da-reforma-agraria-no-brasil-do-agronegocio)
É evidente que o aumento dos preços favorece um setor importante dos grandes produtores, atravessadores e especuladores de plantão. Os mais pobres são, mais uma vez, os prejudicados, tanto pela falta de acesso à alimentação de qualidade, quanto pelo fato de que o aumento dos preços representa uma redução mais impactante em sua renda.
A solução do problema passa necessariamente pela expropriação do agronegócio e do latifúndio, e destinação dessas terras aos trabalhadores do campo (como, por exemplo, as 150 mil famílias que vivem em acampamentos e as 4 milhões de famílias do bolsa família no campo), para que possam produzir não para o mercado, não para o crescimento irracional do capital, mas para aquilo que é necessário à satisfação alimentar das pessoas. Isso só acontecerá com uma revolução no campo, que rompa com os imperativos do mercado e dê aos homens o controle da produção dos alimentos conforme as necessidades de todos.
Enquanto a revolução não se faz, no entanto, é necessário garantir novos assentamentos e o financiamento público para a agricultura familiar e para os pequenos proprietários, garantindo uma produção mais diversificada, distribuidora de riqueza e saudável, medidas estas que também podem garantir o aumento da produção de alimentos para o consumo interno, permitindo que haja uma acomodação dos preços.

Abolição: 125 anos se passaram, mas a burguesia mantém seu projeto antinegro!

Eduardo Rosas

Ainda hoje a classe dominante não deixou de ser racista. O sistema capitalista necessita da exclusão da população negra para manter uma identidade nacional branca e para ter um setor da população submetido ao trabalho precarizado, ao baixo salário ou ao desemprego e sem condição de prosseguir os estudos. Isso tudo favorece o empresariado brasileiro e permite que haja exclusão mesmo 125 anos após a abolição.
Na Educação o discurso ideológico de “igualdade racial” tem sido tão reforçado que ainda hoje encontramos jovens universitários com vergonha de assumir ser cotista, embora sendo esse programa do governo apenas uma ação mínima para “recompensar” o que foi feito contra os nossos ancestrais.
O número de negros que se beneficiou das cotas raciais ainda é muito restrito, visto que, há 15 anos o número de universitários negros no Brasil era de apenas 2%. Hoje é de apenas 6%. O número de brancos na universidade é de 31,1% enquanto para alunos negros esse percentual é de apenas 12,8%, ou seja, 53% menor. Destacamos ainda que, durante os últimos dez anos, milhares de reais foram desviados do sistema de cotas nas universidades públicas para sustentar as universidades particulares através do PROUNI. Tudo isso demonstra o papel da burguesia e do governo brasileiro na exclusão do negro que precisa trabalhar para sobreviver.
Isso pode ser verificado quando analisamos a proposta de cotas do governador do estado de São Paulo o “College”. É uma espécie de estágio probatório, que obrigará o aluno da rede pública estudar mais dois anos e, ao final desse período, fazer uma prova. Ao ser considerado apto, seguirá o estudo como cotista. Se for aprovado esse projeto, que deverá se estender por todo o país contrariará as recentes pesquisas que mostram que os alunos cotistas não têm notas inferiores aos demais e que em alguns casos têm nota superior, como aconteceu no curso de medicina da UERJ, um dos mais disputados do país, em que a nota dos cotistas foi 6,41 e a dos não cotistas que foi de 6,37 (Isto É – 10/04/2013).
Essa política para a Educação do governo do estado e do governo federal é para redistribuir as vagas existentes e não ter que construir mais universidades, investir em melhores salários e condições de trabalho aos professores, em pesquisas e em condições de aprendizagem.
Seja pela implantação de cotas proporcionais ou da lei 10639/03 (que institui a obrigatoriedade do ensino de História, Literatura, Cultura Africana e das lutas de resistência negra no Brasil) a luta do povo negro se faz necessária. Não podemos deixar nas mãos da burguesia brasileira o controle de nossas vidas.

Uma luta antirracista é necessária: mas deve ser de classe, antigovernista e anticapitalista.

Vários grupos organizados do movimento negro ainda estão muito atrasados e não seguem o caminho da luta e do enfrentamento às políticas dos governos federal e estadual. Temos no movimento negro desde setores ligados à direita, que, obviamente, não lutam pela transformação dessa realidade e por uma sociedade justa. E temos também as frentes parlamentares que permanentemente buscam soluções paliativas. Em São Paulo uma dessas frentes apresentou a PL530, projeto que reivindica apenas 50% das vagas para alunos da rede pública e não leva em conta o fato de que o estado possui 33% de negros, ou seja, não considera a proporcionalidade. Dessa forma, o negro continuará com menos vagas e a população rica manterá uma participação (porcentagem) na universidade que não condiz com a realidade social, isto é, não resolve o nosso problema.
Temos ainda organizações negras ligadas ao governo como o Movimento Negro Unificado (MNU), que quando surgiu tinha como principal bandeira a luta contra a violência policial à população negra. Mas, hoje se omite diante do genocídio da juventude negra (ver Mapa da Violência no Brasil 2012). Mantém-se inerte diante do aumento da exploração sobre o conjunto da classe trabalhadora, demonstrado através do empenho do PT/CUT em aprovar o Acordo Coletivo Especial (ACE), que irá precarizar ainda mais as nossas condições de trabalho. Esse projeto é incompatível com a inclusão da população negra no mercado de trabalho com garantias trabalhistas e com cotas proporcionais para negros.
Por outro lado precisamos intensificar as lutas de combate ao racismo em centrais sindicais de esquerda como a CSP-CONLUTAS e a Intersindical. Devemos retomar a bandeira da escala móvel de trabalho e salário, abandonada pelo meio sindical, com cotas proporcionais para negros. As cotas proporcionais no mercado de trabalho devem ser levantadas conjuntamente (não condicionada), com a bandeira de redução da jornada de trabalho sem redução de salários como forma de garantir trabalho a todos e a todas.
Essas lutas devem ser atreladas às demais lutas da classe trabalhadora (por emprego, por moradia, por Educação, Saúde, etc.). Por isso a ação direta da população negra também deve ser incentivada a fim de que assuma o seu protagonismo.
Precisamos impor, através da luta, nos bairros, nas escolas, nas universidades e nos locais de trabalho o nosso direito à vida, ao estudo e ao trabalho. Somente uma grande luta negra classista, antigovernista e anticapitalista poderá mudar os rumos dessa sociedade injusta, racista e preconceituosa!

A organização dos trabalhadores contra o assédio moral

Silas Justino

O que é assédio moral?

Este artigo não pretende mostrar um ampla definição de assédio moral, nem os mecanismos jurídicos para defini-lo. Para os interessados, há algumas boas referências na última sessão deste artigo.
No entanto, não podemos nos escapar de tentar uma definição mínima. Na verdade, todo trabalhador acaba passando pelo que chamamos de “assédio moral”. Afinal, como exporemos abaixo, este é um mecanismo comum e amplamente utilizado na estrutura hierárquica de trabalho da sociedade capitalista, para constranger trabalhadores.
Humilhação, constrangimento, menosprezo, insultos são algumas das muitas formas de assédio moral no trabalho, que comumente acontecem em relações hierárquicas, principalmente das chefias para os subordinados. Entretanto, esta forma de opressão é invisível, pois o assediado não demonstra imediatamente o dano sofrido, podendo suportar, por muito tempo, uma situação cada vez mais degradante.
Muitos sequer exigem seus direitos, pois os abusos das chefias são tidos muitas vezes como aceitáveis, afinal “Fulano é chefe”, ou superáveis, pois “foi só um deslize” ou “ele perdeu a cabeça”. Enquanto isso, a velha prática de assediar moralmente os subordinados prevalece.
Os trabalhadores, então, não devem aceitar tais práticas como toleráveis, denunciando as práticas imediatamente quando ocorrerem. Mas, além de simplesmente confiarem na justiça trabalhista, devem, acima de tudo, se organizar para coibir os assediadores e questionar a estrutura de trabalho existente.

O assédio moral no serviço público federal

O assédio no serviço público tem uma característica diferente em relação à iniciativa privada. Quando insatisfeitas com um funcionário, as empresas tratam de demiti-lo rapidamente. Mesmo assim, várias empresas não demitem o funcionário e aí o assédio é utilizado para forçar o funcionário a pedir demissão, não tendo acesso à indenização por parte da empresa e outros direitos. É o caso de muitos funcionários terceirizados e de trabalho mais precarizado, como as empresas de telemarketing.
No caso do serviço público, seja ele municipal, estadual ou federal, como boa parte dos funcionários possui estabilidade no trabalho, o assédio moral acaba sendo extremamente comum, como uma forma de perseguição. Assim, caso o funcionário não coadune com práticas imorais ou até ilegais da chefia, pode receber ameaças ou outras formas de humilhação.
Especificando-se no serviço público federal, estima-se, através de um levantamento realizado em 2004 [2], que 33% dos servidores públicos federais relataram casos de assédio moral. De todos os afastamentos registrados, 12% são por transtornos mentais. Além disso, 28% de todas as aposentadorias no serviço público federal são por invalidez. Estes e outros números combatem o senso-comum de que os funcionários públicos são privilegiados, e colocam à vista o alto grau de estresse por que passam os servidores da esfera federal.
Ao mesmo tempo em que observamos esse cenário assustador, não há medidas concretas para diminuir o assédio moral, pelo contrário: a própria estrutura do serviço público federal reforça essa situação. Toda a estrutura hierárquica e com cargos comissionados, funções gratificadas e cargos de direção é pensada para favorecer a hierarquia e acaba também alimentando o assédio moral. Sabe-se que, apesar das justificativas das administrações dos diferentes órgãos, a alocação de tais cargos não ocorre através de critérios técnicos, mas políticos. As administrações tampouco estão preocupadas com a saúde dos funcionários: sugerem que os assediados mudem de setor, abafam os casos e não informam aos funcionários a respeito desses abusos. Por fim, a bandeira de ser contra o assédio moral acaba sendo uma campanha levada exclusivamente pelas organizações dos trabalhadores, como os sindicatos.

O trabalho na sociedade capitalista

O assédio moral é provavelmente tão antigo como o trabalho como conhecemos. A estrutura de trabalho mudou ao longo das sociedades, mas sempre preservou o caráter de exploração de classe. Assim, como diria Marx e Engels no início do Manifesto do Partido Comunista, “a história de toda sociedade até aqui é a história da luta de classes”. Ou seja, desde o início das grandes sociedades da antiguidade, a divisão do trabalho social separa-se em várias classes, existindo as classes que participam da produção dos bens de consumo e as classes que apropriam-se do excedente de produção. À história caberá testemunhar o movimento de várias destas classes, a extinção de algumas, o surgimento de outras, até o acirramento mais agudo na sociedade capitalista: os trabalhadores, que produzem toda a riqueza do mundo, e os capitalistas ou empresários, que usufruem da riqueza produzida pelos trabalhadores.
O mecanismo pelo qual as classes dominantes mantêm seu controle sobre os dominados são vários e também mudaram ao longo da história. No capitalismo moderno, é vendida a ideia de que os trabalhadores são livres, pois votam em vários representantes que administram suas cidades, estados e país (apesar de não haver mecanismos de controle eficientes destes mesmos representantes), mas não se questionam que o mundo do trabalho hoje é uma ditadura, pois alguém emite ordens para que alguém, que não participa das decisões da produção, as execute. Aí entra também o assédio moral, que coíbe qualquer questionamento dos trabalhadores para com seus chefes.

A importância da organização dos trabalhadores

Quando chefes, gerentes e diretores são identificados como assediadores, a primeira medida dos funcionários é abrir uma comissão de sindicância (e, posteriormente, um processo administrativo disciplinar) para que sejam averiguados os fatos e haja punição do assediador. Entretanto, mesmo que o assediador seja considerado culpado, é muito difícil que ele cumpra de fato uma pena que desencoraje o assédio. Recebe uma advertência, mas continua com as práticas desrespeitosas e humilhantes para com seus subordinados. Às vezes, transfere-se o assediador para outro local de trabalho, onde continua assediando outros funcionários.
Por isso, é essencial afirmar que somente a organização dos funcionários de um setor, de um órgão ou de uma categoria inteira pode ser capaz de lutar contra a prática do assédio moral. A pressão de fato em cima dos gestores, das reitorias, dos ministros é o único instrumento que temos para exigir saídas justas de situações pontuais, mas principalmente, para questionar todo o sistema.

Referências

Site com dados e estatísticas sobre assédio moral: http://www.assediomoral.org/
Reportagem sobre Assédio Moral do site do SINAL (Sindicato Nacional dos Servidores do Banco Central): http://tinyurl.com/ccmajeu

A crise econômica e a realidade dos bancários no Brasil

Márcio Cardoso e Daniel Menezes

Desde o início da crise econômica mundial, o governo do PT e todos os seus asseclas no movimento sindical, como os dirigentes do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, se esforçam para dizer aos trabalhadores, no nosso caso bancários, que o Brasil está imune à crise. Na verdade, o governo do PT usou os bancos federais para salvar o capital que opera no país da quebradeira geral provocada pela crise econômica internacional.
Em 2008 começou o movimento do Banco Central de cortar os juros da taxa SELIC (que remunera os banqueiros que possuem títulos da dívida pública) para forçar os bancos de varejo a emprestar mais dinheiro, ao invés de comprar títulos públicos. A queda da SELIC por si só não foi suficiente para baixar os juros de mercado, e havia a necessidade de fazer com que os trabalhadores continuassem a consumir. BB e CEF reduziram os juros dos seus empréstimos e teve início uma verdadeira farra de endividamento, com os trabalhadores se endividando em massa para comprar imóveis, veículos e eletrodomésticos. Os últimos anos do governo Lula e os primeiros de Dilma consolidaram a “cidadania do crédito”, ou seja, a ilusão de que milhões de pessoas estão “saindo da pobreza” e entrando na “classe média”, porque agora podem consumir, sem que na verdade tenha havido aumento da sua renda.
Agora, começam a aparecer as consequências. Na primeira década de 2000, os bancos se fartaram com aumentos de lucros na ordem de 15, 20 e até 30% de um ano para o outro. Hoje a realidade é bem diferente. Vejamos os números da variação do lucro de 2012 em relação a 2011 apresentados pelos 7 maiores bancos: BB 0,65% (http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios, 21/02/2013); CEF 17,1% (Assessoria de Imprensa da CEF, 19/02/2013); Bradesco 3,2% (UOL, 28/01/2013); Itaú -5,13% (Agência Estado, 05/02/2013); Santander -24,32% (http://veja.abril.com.br/noticia/economia, 31/01/2013); HSBC -2,6% (http://www.feebpr.org.br/lucroban.htm, 06/03/2013).
Para tentar reverter essa situação de lucros menores, os bancos atacam seus funcionários com demissões, sobrecarga de trabalho e assédio moral. Só em 2012, foram mais de 7.000 demitidos nos bancos privados, dos quais 3.000 só do “Satãder” (http://avantebancario.blogspot.com.br/01/04/2013). Em 2013 o Bradesco já demitiu 1299 bancários e o Santander 1128.
Enquanto os trabalhadores bancários enfrentam essa dura realidade, a direção do Sindicato de São Paulo, o mais importante do país, representando uma base de mais de 100 mil trabalhadores, ou ¼ da categoria no país, está mais preocupado em fazer propaganda do governo. O Sindicato abandonou há muito tempo a luta pela estabilidade no emprego e contra a demissão imotivada nos bancos privados. Qualquer queda nos lucros pode ser rapidamente resolvida pelos bancos pela demissão e intensificação do assédio moral, terceirizações e transferência do serviço para os correspondentes bancários, com menores salários para esses trabalhadores e menor segurança e maiores custos para os clientes.
Nesse quadro geral, os bancos públicos também sofrem com a queda da lucratividade. Como o seu caráter de banco público está apenas na propriedade (parcialmente estatal no BB), mas sua gestão já é inteiramente privada, os dirigentes e gestores empurram sobre os funcionários as consequências da queda dos lucros. Na CEF houve a explosão do crédito imobiliário, com o programa “minha casa minha dívida”. Para viabilizar o atendimento aos tomadores de empréstimo, a CEF teve que esvaziar as agências, expulsando a população de baixa renda, que necessita de serviços como FGTS, Seguro-Desemprego e PIS.
É evidente que os bancários não concordam com isso e lutam contra essa situação, apesar do sindicato. Um deles, o companheiro Messias Américo da Silva, funcionário da CEF em Osasco -SP há 23 anos e militante histórico da categoria, está sendo processado administrativamente, com o objetivo de ser demitido por justa causa, simplesmente por cumprir com a sua função, que é de atender todos os trabalhadores que a ele procuraram, e de lutar por uma CEF que cumpra sua função de banco público.
Na CEF em 2009 e no BB agora em 2013 houve reestruturações que reduziram a jornada de 8 para 6 horas de um importante contingente de trabalhadores, mas com redução de salários, e a condição de que não ingressem na justiça para receber a 7ª e 8ª hora referentes aos anos anteriores. Esse tipo de reestruturação só pôde ser aplicado, evidentemente, com a colaboração do Sindicato de São Paulo, controlado pelo PT, ou seja, pelo patrão dos bancos públicos. No caso do BB, o plano ainda está em curso, e também a luta contra ele. Na assembleia de 25 de fevereiro, graças ao trabalho das oposições, o Sindicato foi impedido de assinar o acordo da Comissão de Conciliação Voluntária, que viabilizaria a aplicação do plano. Isso foi um importante golpe contra o plano em nível nacional, aliado ao fato de que a maioria do público alvo não assinou o termo de migração, ou seja, não abriu mão de receber o que lhe é devido.
A represália do governo não tardou. Os bancários que lutam, ou questionam o novo plano são perseguidos de diversas formas. Até o momento sabemos de 15 funcionários do BB sofrendo processos administrativos em São Paulo, foco da luta contra o novo plano, e 3 demitidos em Brasília. O ataque aos bancários se aprofunda e cada vez mais fica evidente que a política de usar os bancos públicos para alavancar a economia, por meio de empréstimos, não se sustenta. Foi isso que provocou a crise nos Estados Unidos. É criminosa a conivência do Sindicato de São Paulo com os planos dos bancos e sua propaganda da política do governo.
Também é necessário que o sistema financeiro seja colocado sob controle dos trabalhadores bancários, e a serviço dos interesses da classe trabalhadora, não de um punhado de especuladores. Não podemos mais permitir a lógica de “privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”. O resultado do trabalho social precisa ser empregado para atendimento das necessidades humanas dos trabalhadores, como ampliação da rede ferroviária e metroviária, acabar com o déficit habitacional, fazer a reforma agrária, estruturar uma educação e saúde públicas e de qualidade, ampliação e avanço da ciência e tecnologia, etc.
Mas para que isso seja possível, os trabalhadores precisam transformar a sociedade atual para que acabem com o lucro e a propriedade privada calcada na exploração do homem pelo homem, por meio de uma Revolução Socialista.

Por uma educação pública independente dos governos e sem empresários

Professores do Espaço Socialista

Estamos assistindo no Brasil à expansão da escola de tempo integral. Governos municipais, estaduais e federal passaram a expandir essa modalidade de ensino. No entanto, alguns questionamentos se fazem necessários: O que se pretende com a expansão da escola de tempo integral? Quais interesses estão por trás da implantação dessa modalidade de ensino? As necessidades e os interesses dos trabalhadores e de seus filhos estão contempladas? Qual concepção de Educação os trabalhadores devem defender?
Procuraremos mostrar quais interesses estão por trás da expansão da escola de tempo integral, que é diferente da formação integral, e apresentar, de modo inicial, um debate sobre uma concepção de Educação Pública a ser defendida pelos trabalhadores.

O QUE SE PRETENDE COM A EXPANSÃO DO ENSINO DE TEMPO INTEGRAL?
Os governos de um modo geral, independente da legenda partidária – PT, PSD, PMDB, PSDB, PSB, PTB, etc. – atuam no sentido de passar uma falsa ideia de que defendem o interesse geral dos trabalhadores. Mas, não é nada disso.
Por trás da expansão do ensino de tempo integral procura-se alterar a forma e o valor do financiamento da Educação Pública. A alardeada ampliação do tempo de permanência dos estudantes nas escolas esconde vários problemas. Um deles é que, em muitas escolas, o período noturno é encerrado, ou seja, deixa de existir. Os estudantes que trabalham são obrigados a procurar vagas longe de casa e os cofres públicos economizam com funcionários, professores e gastos em geral.
Outro problema é que o governo não pretende que todos os estudantes estudem em período integral e nem pretende transformar todas as escolas. Para termos uma ideia, em Santo André, no ABC paulista, de 94 escolas apenas 13 serão modificadas. Isto é, uma parcela minoritária dos estudantes receberá o dito “benefício” e uma parcela das escolas receberá mais recursos técnicos. Quanto à parcela majoritária…
Além disso, nesse tipo de ensino de tempo integral está a aplicação prática da parceria público-privada. O governo abre as portas das instituições públicas para as empresas entrarem com os seus velhos projetos mirabolantes. Natura, Itaú e Monsanto são algumas das parceiras que abocanham parte do dinheiro público se utilizando da Educação.
Busca-se também implantar uma Educação ainda mais hierarquizada sendo uma parcela destinada à submissão, que conduz ao conformismo e à obediência para um maior controle social.
Toda essa política para Educação encontra um cenário favorável. A maioria das escolas públicas nas grandes cidades mais parecem cadeias ou centros de detenção. Em nada contribuem para o desenvolvimento da prática de refletir, discutir, buscar informações e agir politicamente. Para o governo, enquanto os alunos estão presos nas escolas não estão praticando crimes.
Com isso perdemos ainda mais tempo e espaço para uma possível escolarização ampla que possibilitasse desenvolver as potencialidades humanas com formação biológica, psicológica, social, cultural, científica, artística, espiritual e política.

QUAIS INTERESSES ESTÃO POR TRÁS DA IMPLANTAÇÃO DESTA MODALIDADE DE ENSINO?
A implantação do ensino de tempo integral no país, embora seja aplicada pelos governos do PT ao PSDB, vem carregada de interesses – empresas, bancos, ONGs e institutos – que permeiam a sua implantação.
O Estado usa o seu aparato ideológico, de pseudo-harmonizador social, para encobrir os interesses empresariais de banqueiros e ONGs que estão por trás da implantação dessa modalidade de ensino. Na verdade, os governos cumprem apenas o papel de aplicadores desse projeto educacional.
Tomaremos como exemplo o ICE – Instituto de Co-responsabilidade pela Educação – liderado por Marcos Magalhães, que presta serviços na região Nordeste, e agora está atuando também com a SEE-SP e em outros estados – PE, RJ, CE, PI e SE –, o Movimento Todos pela Educação e o Parceiros da Educação.
São grupos “que sentiam falta em suas empresas de jovens qualificados”, mas, dentro do regime de acumulação flexível, querem uma mão de obra com uma formação precária e que seja obrigada a oferecer o seu corpo e o seu trabalho a qualquer preço.

AS NECESSIDADES E OS INTERESSES DOS TRABALHADORES E SEUS FILHOS ESTÃO CONTEMPLADAS NESSA MODALIDADE DE ENSINO?
“Só faz sentido pensar na implantação de Escolas de Tempo Integral se for uma concepção de Educação Integral que represente uma ampliação de oportunidades e situações que promova aprendizagens significativas e emancipadoras.” (In: Rosa. Sandra Valéria Limonta. Reflexões sobre a Educação Integral na Perspectiva da Escola Unitária de Antonio Gramsci).
O currículo adotado nas escolas de tempo integral empobrece a formação geral dos alunos, adaptando os conteúdos à formação de mão de obra precária às empresas.
Nesse sentido, o trabalho se torna muito mais um elemento de degradação que de desenvolvimento. Trata-se de uma formação para um mundo do trabalho alienado, que não humaniza.
A reestruturação produtiva – enquanto produto do momento atual do capitalismo em crise estrutural – reduz, ao mesmo tempo, o preço e a remuneração do trabalho, e mantém o trabalhador dentro de um regime de contratação temporária, o que faz com que muitos alunos tenham que se preparar para o trabalho temporário, para a prática de bicos e para trabalhar como camelô.
De acordo o modelo pedagógico do ICE e das Diretrizes do Programa de Ensino Integral do estado de São Paulo, a proposta de ensino de tempo integral implantada em vários estados se materializa nos seguintes pilares: Educação para Valores – Formar o jovem dotado da capacidade de iniciativa (ação), liberdade (opção) e compromisso (responsabilidade); Protagonismo Juvenil – Para atuar “como parte da solução, e não parte do problema”; Associativismo Juvenil – Proporcionar o surgimento de múltiplas e variadas formas de auto-organização entre os jovens, com finalidades sociais, esportivas, ambientais etc. Cultura da Trabalhabilidade – Fomentar a compreensão das possibilidades de sua inserção e atuação no novo mundo do trabalho, por meio da elaboração do seu Plano de Vida e Plano de Carreira; Empreendedorismo Juvenil – Estimular a capacidade de autogestão, cogestão e heterogestão (hierarquizada, “por outro”, a mais utilizada nas empresas).www.observatoriodaeducacao.org.br
O programa Mais Educação, do governo federal, bonito no papel, não leva em consideração a realidade das escolas e ao trabalhar com monitores, não valoriza nem os próprios profissionais da Educação Pública.

QUAL CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO OS TRABALHADORES DEVEM DEFENDER?
Pensamos que a Educação para os trabalhadores e seus filhos deve ser ligada a uma formação humanística que englobe o mundo do trabalho em ações desenvolvidas por ele e para ele.
Dessa forma, o princípio educativo promoveria o desenvolvimento de condições físicas, mentais, afetivas, lúdicas e estéticas capazes de ampliar a capacidade humana. Ou seja,“Uma Escola que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de realizar trabalho com o desenvolvimento das capacidades intelectuais, combinando o rigor intelectual com a necessária relação com o mundo do trabalho”. (In: Antonio Gramsci. Escola Unitária).
Para uma Educação Integral, e não dizendo para uma escola de tempo integral, o tempo é necessário para que tenhamos um pleno desenvolvimento de nossas potencialidades físicas e mentais.
Nesse sentido, a ampliação do tempo se faz necessário, pois “(…) as necessidades humanas não se restringem ao âmbito das necessidades físicas: além de se alimentar, morar, vestir, tornaram-se necessários para o ser humano o lazer, o saber, a arte, a espiritualidade, etc.”. (In: Asbahr & Sanches. A teoria do valor em Marx e a Educação).
Portanto, defendemos uma escola de qualidade para todos, que proporcione o acesso ao conhecimento científico e à cultura em geral, ou seja, que se aproprie do conhecimento produzido socialmente pela humanidade.
Numa Educação de Formação Integral teremos uma formação humana integral, com vistas à emancipação individual e coletiva. E com o trabalho educativo será possível perceber a atual condição e buscar superá-la, não sendo indiferentes ao mundo e tornando-nos sujeitos e agentes de nossa história.
Necessitamos de um sistema de ensino público que possibilite ao trabalhador seguir do trabalho às aulas da universidade e que seja exclusivamente voltado aos interesses dos trabalhadores!
Necessitamos de um trabalho pedagógico que persiga a emancipação dos trabalhadores, na defesa do Socialismo, pois, o “Socialismo, ainda que os seus inimigos digam o contrário, aspira a realizar a plenitude do homem, isto é, libertar o homem da opressão das classes, para que recupere, com a totalidade das suas forças, a totalidade do seu eu”. (In: Ponce. Educação e Luta de Classes).

 

 

O “Socialismo do século XXI” é socialismo?

A morte do presidente venezuelano Hugo Chávez em 5 de março passado, depois de 2 anos de luta contra o câncer, que não o impediu de vencer a 14ª das 15 eleições de que participou, reabriu o debate sobre o significado do projeto chavista, sua “revolução bolivariana” ou “socialismo do século XXI” e as perspectivas para a Venezuela e a América Latina. Num momento inicial, os opositores de Chávez pela direita, o imperialismo e seus aliados latinoamericanos, as elites brancas, racistas e entreguistas que sempre governaram a América Latina de “veias abertas” e “relações carnais” com o imperialimo; os seus representantes na mídia, como revista Veja, Folha e Estado de São Paulo, rede Globo, etc.; todos comemoraram a morte de Chávez e anteviram o fim de seu projeto político. Chegou-se a falar até em instabilidade e perigo de golpe na Venezuela, tamanho é o ódio despertado pelo chavismo e o desejo da direita burguesa de retomar o poder a qualquer custo. Num segundo momento, consolidou-se a situação em que o vice de Chávez, Nicolas Maduro, assumirá o papel de condutor do projeto. Uma vitória eleitoral do chavismo, porém, longe de deixar “tudo resolvido”, nos coloca uma questão muito séria, a de qual deve ser a postura dos que lutam pelo socialismo em relação ao projeto chavista, seu balanço e perspectivas, sobre o que discutiremos a seguir.

Origem de Chávez e sua trajetória na Venezuela

A origem do movimento chavista pode ser buscada no “caracazo” de 1989, um imenso levantamento popular na capital venezuelana, em que os planos de “austeridade” (corte dos gastos sociais) do presidente Carlos Andrés Perez geraram manifestações colossais, saques aos supermercados, confrontos com a polícia, etc. O governo jamais se recuperou e a instabilidade permaneceu no país. Em 1992 um jovem coronel chamado Hugo Chávez liderou uma tentativa de golpe de estado que foi derrotada, que o levou a alguns anos na prisão. Carlos Andrés Perez seria afastado do poder em 1993, quando sofreu um impeachment por corrupção.
Ao contrário do restante da América Latina, não houve golpes militares na Venezuela para reprimir as lutas populares e a “ameaça comunista”, desde a queda do último ditador em 1958. Com isso, houve espaço para que se formasse um setor nacionalista nas forças armadas venezuelanas, de onde Chávez recrutou os integrantes do Movimento Quinta República. Com seu discurso contra a espoliação do país pelos Estados Unidos e o imperialismo, Chávez foi se tornando cada vez mais popular. Em 1998, foi eleito presidente, a primeira de suas várias vitórias eleitorais. Em 1999 alterou a constituição do país, que passou a se chamar República Bolivariana da Venezuela (em referência a Simon Bolivar, um dos líderes da independência dos países latioamericanos do domínio espanhol no século XIX e ídolo de Chávez). Seu projeto político, em termos de discurso, era completar a independência do país, contra os dominadores estrangeiros, desenvolvendo a soberania do Estado venezuelano.

Realizações do Chavismo

A principal luta para que o governo de Chávez conseguisse desenvolver suas realizações (redução da pobreza, das desigualdades sociais, do desemprego etc.) foi a retomada do controle da empresa petrolífera estatal, a PDVSA. O petróleo é a principal riqueza do país, respondendo por 95% das exportações e 45% da arrecadação federal (dados do CIA World Factbook, disponíveis em https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ve.html). De acordo com a mesma fonte, a Venezuela é o 14º maior produtor de petróleo, com 2,45 milhões de barris por dia e o 10º maior exportador, com 1,69 milhões, e possui a 3ª maior reserva comprovada do mundo, com 209,4 bilhões. Antes de Chávez, a PDVSA era controlada por uma camada de gerentes corruptos apelidada de “meritocracia”, que não tinha mérito nenhum, mas a “esperteza” de roubar o dinheiro da estatal para montar negócios particulares. A burguesia venezuelana se sustentava nessa espoliação do dinheiro público, vivendo isolada do povo do próprio país e cultivando o hábito de residir em mansões em Miami.
A partir de Chávez, a maior parte da “meritocracia” foi expulsa ou passou a colaborar com seu governo. Com o aumento do preço do petróleo nos anos 2000 (de US$ 10,41 em 1998 para US$ 107,66 em 2013 e picos de US$ 132,55 em 2008, considerando-se uma média dos preços do barril das veriedades de petróleo tipo Brent, Texas Oeste e Dubai Fateh – dados do Indexmundi http://www.indexmundi.com/pt/pre%E7os-de-mercado/?mercadoria=petr%C3%B3leo-bruto&meses=300), a renda estatal aumentou de maneira explosiva. Com isso, Chávez passou a sustentar programas de bem estar social para a população pobre do país, tais como as chamadas “missões”, em que médicos (a maioria cubanos) e professores passaram a visitar as favelas e periferias, o que nunca havia acontecido; ou ainda como o programa “Gran Missión Vivenda”, programa de moradia similar ao “Minha Casa, Minha Vida” brasileiro, mas que, para o porte da sociedade venezuelana, tem um impacto muito maior (além de garantir que aqueles que ganham até um salário mínimo recebam sua casa totalmente custeada pelo Estado). Apesar dessas importantes mudanças, não houve qualquer alteração substancial no sistema capitalista. A exploração cotidiana dos trabalhadores permanece inalterada e permanecem os problemas sociais típicos do capitalismo: miséria, violência, corrupção… Como todo país capitalista pobre, periférico e explorado, a Venezuela chavista continuou vendendo petróleo aos Estados Unidos e continuou pagando a sua dívida externa.

A oposição de direita

Apesar da continuidade dos elementos fundamentais do capitalismo, a ousadia de Chávez de dividir uma parte da renda do petróleo com os pobres enfureceram a burguesia local e o imperialismo, tendo, pois, respaldo, principalmente, no setor da população de alta renda do país. Em 2002 um golpe de estado liderado pela Fedecamaras, a federação empresarial venezuelana, tirou Chávez do poder por dois dias e foi prontamente reconhecido pelos Estados Unidos. No entanto, um milhão de pessoas provenientes dos bairros periféricos de Caracas cercou o palácio presidencial, exigindo a volta de Chávez, que foi reconduzido ao poder pelo setor leal das forças armadas. Por todo o país, os trabalhadores se preparavam para um confronto armado, mas Chávez optou pela conciliação com os golpistas, que não foram punidos. Em 2003, os mesmos setores empresariais lideraram um “lockout”, uma greve patronal, com o fechamento das empresas, na tentativa de paralisar a economia para derrubar o governo. Os trabalhadores reagiram mais uma vez e chegaram a tomar o controle da produção da PDVSA. No entanto, mais uma vez Chávez chegou a um acordo com a burguesia e paralisou as iniciativas autônomas dos trabalhadores.
Sem conseguir derrubar ou desestabilizar Chávez, a direita (apelidada de “esquálida”) optou por um discurso ideológico raivoso, imputando ao presidente a pecha de ditador, nome pelo qual é tratado na imprensa internacional, a despeito das inúmeras eleições que venceu, de ter submetido seu mandato a referendo, etc. Pelos critérios da democracia burguesa, não há nada de anti democrático no governo chavista (discutiremos logo abaixo os critérios socialistas e de democracia operária). O que não se tolera na verdade é o seu discurso pseudo-socialista, pois a burguesia sabe o perigo que pode estar escondido nessa palavra, que havia sido banida do vocabulário. Nos anos seguintes, a oposição mudou seu discurso para uma variedade menos raivosa e conciliadora, “construtiva”, até porque o chavismo não rompeu em nada com o capitalismo, e muitos burgueses passaram a fazer parte do partido chavista.

O nacionalismo burguês do século XXI

O exemplo de Chávez se irradiou para o restante da América Latina, com importantes diferenças de país para país, mas ainda assim como parte de um processo comum. O continente passou por um importante ciclo de lutas populares na década passada, com grandes mobilizações contra os efeitos mais nefastos do neoliberalismo e da mundialização típicos da década de 1990. São exemplos desse ciclo a “guerra da água” em 2000 e a “guerra do gás” em 2003 na Bolívia, a queda de presidentes em 1997, 2000 e 2005 no Equador, e o mais massivo de todos, o “argentinazo” de 2001. Esses processos de luta representam uma resposta dos trabalhadores do continente aos efeitos da crise anterior do capitalismo, por volta do ano 2000. Entretanto, foram caracterizadas pela ausência de um projeto que questionasse não apenas os efeitos do neoliberalismo, mas o capitalismo como um todo.
Como parte daquilo que chamamos de crise da alternativa socialista, as lutas do início da década passada não tinham como referência um projeto de transformação revolucionária do conjunto da sociedade, mas o simples atendimento de demandas parciais. Não eram baseados numa tentativa organizada de tomar o poder e o controle da produção a partir dos locais de trabalho, mas sim em mobilizações em que os trabalhadores apareciam diluídos como habitantes de determinados bairros ou regiões do país. Com isso, ao invés de avançar para uma ruptura completa com o capitalismo, esses importantes movimentos de luta foram administrados por dentro dos mecanismos da democracia burguesa, ou seja, foram desviados para a ocupação de cargos no Estado. Elegeram-se candidatos que diziam representar a continuidade das lutas, exatamente para paralisá-las. Mantiveram-se as estruturas fundamentais do capitalismo, o Estado, a constituição, a propriedade privada, as forças armadas, etc.
Os dirigentes eleitos para paralisar as mobilizações, como Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, retomaram um discurso nacionalista, que nem chegou aos pés do nacionalismo do século XX (o qual chegou a expropriar empresas estrangeiras que exploravam petróleo, como fez Cárdenas na década de 1930 no México). Sustentaram-se numa espécie de “nacionalismo de commodities”, baseando-se no aumento conjuntural dos preços dos hidrocarbonetos, minérios, produtos agrícolas, etc., que caracterizou a primeira década do século, para implantar algumas políticas sociais limitadas, das quais as populações latinoamericanas sempre foram cronicamente carentes. De outro lado, como representação de saídas menos “radicais” e a partir de uma negação menos contundente dos efeitos do neoliberalismo em sua roupagem mais “pura”, elegeu-se Lula no Brasil, cuja gestão neoliberal teve um papel decisivo para impedir o avanço das lutas e moderar os programas dos novos presidentes “de esquerda” ou que rompiam com o predomínio dos partidos tradicionais que se elegeriam dali em diante, como os Kirchner na Argentina, Bachelet no Chile, Vasquez no Uruguai, Lugo, no Paraguai, Ortega na Nicarágua, etc. Todos limitaram-se a um certo grau de avanço em políticas sociais, e, em larga medida, numa gestão aceitável para a burguesia.

As fragilidades da alegação de um “socialismo do século XXI”

A “revolução bolivariana” na Venezuela foi o protótipo e modelo de todos esses movimentos. Ao dizer que defende um “socialismo” busca confundir e dar um ar de esquerda e anticapitalista ao seu projeto que todos sabemos não tem nada de socialista. Trata-se de uma confusão proposital, para atrair o apoio de todos os que simpatizam com o socialismo. Essa confusão proposital é um estelionato, uma manobra de usurpação do conceito de socialismo para defender a continuidade do capitalismo. Com isso, a nomenclatura termina por realizar duas confusões: primeiramente, induz à ideia de que no século XX houve socialismo; em segundo lugar, na verdade, escamoteia as reais distinções deste projeto para com a ideia de socialismo.
Em primeiro lugar, o fato de que o método proposto para alcançar o socialismo não é uma ruptura revolucionária, mas a eleição de candidatos que impulsionem um “processo de mudanças”. Ora, já vimos no caso da própria Venezuela como a burguesia reage no caso de uma tentativa de “mudanças”, com o golpe e o lockout, e como Chávez, ao invés de aprofundar as mudanças, optou por conciliar com os golpistas. Ou seja, a intenção de fato nunca foi romper com o capitalismo, mas continuar convivendo com ele. A lição é de que não existe socialismo sem a tomada do poder, a destruição da máquina do Estado (forças armadas, polícia, judiciário, legislativo e executivo), a expropriação dos meios de produção (fábricas, minas, fazendas, bancos, etc) e a sua gestão coletiva.
Em segundo lugar, o fato de que o “socialismo do século XXI” não se baseia na classe trabalhadora, a classe que produz toda a riqueza social. As bases sociais originárias do movimento chavista foram e continuaram a ser as forças armadas, as quais se juntaram, posteriormente, os setores mais poderosos da burocracia venezuelana; ou seja, as bases sociais do chavismo residem no próprio aparato do Estado. Os trabalhadores respaldam o chavismo por causa das pequenas melhorias (ainda que importantes) que obtiveram, mas são essencialmente um objeto passivo, uma massa pronta a atender a seu governo, no “seguidismo” típico do chavismo. Não são os trabalhadores que determinam os rumos do movimento, mas o próprio Chávez e agora seus sucessores é quem decidem tudo. Os trabalhadores não aparecem como sujeito social autônomo, dotado organismos auto determinados e baseados nos locais de trabalho, a partir de onde se possa socializar a produção, mas como moradores dos bairros, cujo papel é eleger candidatos chavistas e pressionar por verbas do Estado. Contra isso afirmamos em alto e bom som: não existe socialismo sem a classe trabalhadora auto determinada!
Em terceiro lugar, o fato de que não há uma verdadeira democracia operária na Venezuela chavista, mas a mesma democracia burguesa de sempre. Chávez não só manteve a estrutura do Estado burguês como a usou para reprimir os trabalhadores em diversas greves e processos de luta, prender dirigentes sindicais, etc. As organizações dos trabalhadores foram forçadas a se dissolver e seus militantes a entrar no partido chavista, o PSUV, acatando o centralismo burocrático, o projeto eleitoral e abstendo-se de apresentar divergências. Aqueles que não aceitassem seriam rotulados de “contra revolucionários” e aliados da direita “esquálida” e do imperialismo.
Em quarto lugar, ainda que o chavismo tivesse avançado para um maior controle estatal, o que nem sequer aconteceu numa escala significativa, o socialismo não é o mesmo que estatização, nem se limita a uma simples divisão da renda através do Estado. O socialismo se define pela existência de organismos auto determinados dos trabalhadores, compostos por representantes eleitos pela base em cada local de trabalho, com mandatos revogáveis a qualquer tempo, responsáveis por gerir coletivamente a produção, decidindo o que produzir, como produzir e em que quantidade, acabando com a separação alienada e hierárquica entre economia e política, entre os que decidem e os que executam, entre os que fazem trabalho braçal e intelectual. Tudo isso está ausente do projeto chavista. Por ter mantido as próprias características de sua origem militar, sua concepção de mundo é hierárquica e burocrática: cabe ao presidente decidir e ao povo obedecer.

Nem pró imperialismo nem pró chavismo: por uma alternativa socialista e operária!

Em função dessas diferenças gritantes entre o chavismo e o socialismo, muitos socialistas passaram a fazer oposição sistemática a Chávez. Nessa oposição, entretanto, várias correntes socialistas foram longe demais, a ponto de ultrapassar a barreira de classe. Passaram a defender bandeiras e palavras de ordem idênticos ao dos opositores burgueses, participando de manifestações lado a lado com os “esquálidos”. O exemplo mais claro desse erro foi o do PSTU no Brasil, que aderiu à campanha do “Não” no referendo constitucional sobre reeleição em 2009, apoiando as manifestações dos estudantes “esquálidos” por democracia.
De outro lado, por conta do cerco global do imperialismo contra o chavismo e seus derivados, muitas correntes socialistas adotaram a postura de apoio (às vezes, crítico) a Chavéz. Com isso, levam em consideração as realizações do chavismo, os programas sociais, etc., e desconhecem seus limites, que descaracterizam qualquer pretensão de socialismo (manutenção do capitalismo, do Estado, da propriedade privada, centralização burocrática, etc.). Ainda assim, essas correntes se colocam como parte do campo chavista, priorizando a defesa da “revolução bolivariana”, em relação ao desenvolvimento de organizações autônomas dos trabalhadores. O exemplo dessa postura no Brasil é o do PCB e correntes próximas.
Essas duas posições cometem o erro de perder a referência de classe. O chavismo não é um movimento de superação radical da miséria da classe trabalhadora e não serve como caminho para o socialismo. Ainda assim, a Venezuela e outros países em que se estabeleceram governos nacionalistas burgueses no século XXI se tornaram alvos preferenciais do imperialismo e devem ser defendidos contra qualquer tentativa de golpe ou de intervenção. Mas os trabalhadores devem se manter independentes desses governos, pois do contrário serão as maiores vítimas quando são derrubados, seja pela via eleitoral ou pela força, como aconteceu com Lugo no Paraguai, que foi derrubado sem esboçar qualquer reação. Esses governos são incapazes de reagir, como foi demonstrado várias vezes na história, e o chavismo o demonstrou mais uma vez, pois seus dirigentes são incapazes de romper com a barreira de classe, com a propriedade privada e o Estado. Essa lição é crucial num momento histórico em que o capitalismo atravessa uma de suas mais violentas crises e a luta de classes tende a ficar mais aguda e transparente. Apesar de nos solidarizar com o sofrimento por que passa o povo venezuelano, somos todos chamados a reafirmar que só a superação do capitalismo pode pôr fim a todas as mazelas que acometem a Venezuela. Esta superação, porém, só pode se dar por uma autêntica revolução socialista, revolução esta para a qual se faz necessário o desenvolvimento de organismos de luta da classe trabalhadora armados com um programa de ruptura com o capitalismo, completamente independentes de correntes pequeno-burguesas, nacionalistas e burocráticas. Nesse sentido, a oposição que fazemos ao chavismo não se estende às lutas do povo venezuelano; pelo contrário, nos colocamos prontamente em solidariedade às suas lutas contra a burguesia e contra os interesses do imperialismo.