Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Jornal 33: Outubro/Novembro de 2009

 

Um novo elemento na realidade: as greves 

As fases da crise

Conforme temos afirmado nos últimos meses, a crise mundial, que caracterizamos como uma verdadeira crise societal global por conta das suas múltiplas dimensões, segue se desenvolvendo. Ao contrário de haver se resolvido, como diz unanimemente a imprensa burguesa e a propaganda estatal, ela apenas mudou de fase. Compreender exatamente o que está se passando na economia mundial e nacional, em que momento estamos do processo da crise, é fundamental para entendermos o tipo de desafios que estão colocados para a classe trabalhadora.

No atual momento histórico de crise estrutural (iniciada na década de 1970), a contradição fundamental do capitalismo, a superprodução de mercadorias, não pode se desdobrar na forma de uma crise aberta como a de 1929, que precipitou o mundo na Grande Depressão e na II Guerra Mundial. A destruição de capital ao estilo clássico não é mais aceitável. Assim, a crise estrutural se manifesta de outras formas, como a financeirização, o endividamento, a mundialização, a formação de um mercado mundial de força de trabalho e de um exército industrial de reserva em escala mundial. Esses expedientes de que o capital se utilizou para administrar sua crise estrutural exigiram medidas políticas (neoliberalismo) e ideológicas (“fim da história”, “morte do socialismo”, pós-modernismo, etc.) capazes de redefinir o papel de cada economia nacional e impedir a resistência organizada e conseqüente da classe trabalhadora.

Esses processos diluem o impacto das crises cíclicas, ao mesmo tempo em que precipitam uma crise cada vez mais séria para o futuro. A financeirização chegou a um ponto em que os títulos negociados nos mercados financeiros alcançam um valor total mais de dez vezes maior que o do PIB mundial, que é de cerca de US$ 50 trilhões. O grau de artificialidade e irracionalidade desse mecanismo ultrapassou o limite e a aberração começou a vir a tona na atual crise. A crise financeira iniciada com a inadimplência das hipotecas estadunidenses em 2007 e tornada global no final de 2008 é apenas a ponta de um iceberg. A paralisação do mercado financeiro provocou uma paralisação do crédito, que provocou uma reação em cadeia na economia, resultando em diminuição do consumo, do comércio, da produção, e aumento explosivo do desemprego.

 

O papel do Estado e das economias periféricas

A coincidência da eclosão da crise econômica com a irrupção de uma série de problemas mais ou menos crônicos nas esferas energética, ambiental, alimentar, política, militar, cultural, etc., explicitando a crise societal global, acendeu o sinal de alerta dos gestores do sistema, pois permitiu que se vislumbrasse de um relance toda a irracionalidade do capitalismo e a necessidade da superação desse sistema. Antes que isso se tornasse evidente na consciência dos trabalhadores, a burguesia reagiu e usou o Estado, comitê gestor dos seus negócios, para apagar o incêndio. Governos do mundo inteiro, a começar por Obama (um providencial messias sob encomenda da burguesia), lançaram pacotes de trilhões de dólares de ajuda ao mercado financeiro e ao grande capital para que a economia pudesse continuar respirando.

Esses pacotes representam apenas uma fração ínfima da montanha de US$ 500 trilhões em capital fictício ainda em circulação (ou seja, estão longe de poder resolver um problema na verdade insolúvel), mas já representam um custo insustentável para o orçamento público de qualquer país, mesmo os Estados Unidos. O déficit público estadunidense em 2009 está estimado em US$ 1,8 trilhão, o que equivale a 13% do PIB. Essa porcentagem é duas vezes maior que o déficit recorde anterior em tempos de paz (números do Boletim Crítica Semanal, agosto de 2009). Para cobrir esse déficit, o governo estadunidense precisa absorver dinheiro do mundo inteiro, o que faz emitindo títulos de dívida pública, que são comprados principalmente pelos países que exportam para os Estados Unidos (China, Japão, tigres asiáticos, Brasil, etc.).

Entretanto, para continuar comprando títulos da dívida estadunidense, esses países precisam continuar acumulando reservas, que se formam com o saldo das exportações que fazem para os países centrais, boa parte destinada aos próprios Estados Unidos. Ou seja, os países exportadores precisam que os consumidores estadunidenses continuem importando. Os pacotes de ajuda do governo podem reaquecer o crédito e o consumo na principal economia do planeta, mas isso não se dará de forma imediata. O governo estadunidense precisará continuar se endividando para estimular o consumo, alimentando um círculo vicioso. Há estimativas de que esse endividamento venha a dobrar nos próximos 10 anos. Esse processo pode levar a que os compradores dos títulos do governo estadunidense deixem de acreditar no valor desses ativos, o que significaria o fim do dólar como reserva de valor. Sinais desse processo já se manifestam na desvalorização do dólar em face das outras moedas (como o euro e o próprio real) e especialmente em relação ao ouro.

Para além das dificuldades estruturais descritas acima, que impedem uma retomada sustentada do consumo e da produção, a possibilidade de colapso do dólar é a verdadeira ameaça que paira sobre a economia capitalista, por trás da aparente estabilização verificada nos últimos meses. Se a curto prazo é improvável uma descambada para a depressão global, também é improvável uma retomada imediata do crescimento, por mais que as bolsas de valores e mercados financeiros em geral, narcotizados pelo “dinheiro fácil” do Estado, estejam em alta nos últimos meses, sonhando com a volta de um ciclo especulativo aos moldes do que se encerrou com a atual crise. A atual fase de incerteza deve se prolongar pelos próximos anos, com picos alternados de aceleração e desaceleração, conforme as tendências estruturais da crise se expressem politicamente na luta de classes, que afinal de contas determina quem suporta o impacto da crise e quem dirige a sua superação.

 

As conseqüências para os trabalhadores

A retomada do crescimento da economia capitalista depende de que os Estados Unidos continuem consumindo manufaturas do mundo inteiro. Mas há uma classe social que não vai poder ajudar na retomada do consumo nos Estados Unidos e também na Europa e Japão, que é exatamente o proletariado. No processo da crise, as empresas realizaram demissões em massa, a tal ponto que a taxa de desemprego chegou a níveis próximos de 10 % nas três economias acima. Por conta dos cortes de salários e de direitos, os trabalhadores que permanecerem empregados também terão que reduzir seu consumo. Além disso, terão que trabalhar mais, pois a burguesia se aproveita dos momentos de crise para realizar ajustes estruturais, impondo um ritmo de trabalho mais acelerado. A intensificação do trabalho (mais-valia absoluta) e o aumento da produtividade (mais-valia relativa), por meio da inovação tecnológica, são duas das formas clássicas de superação das crises periódicas do capitalismo.

De fato, o sistema pode continuar funcionando sem que os trabalhadores aumentem o seu consumo (ou mesmo que diminuam), pois existem outras formas improdutivas de absorver a superprodução crescente de mercadorias, tais como o consumo de luxo da burguesia e o consumo de armas pelo Estado em suas guerras. O problema dessas duas soluções é que elas aprofundam os contrastes sociais, tornando mais nítida a divisão de classe. Na realidade, o capital precisa nivelar por baixo as condições de vida do proletariado mundial, impondo aos trabalhadores dos países desenvolvidos o mesmo padrão de superexploração hoje já vigente na China e sudeste asiático. O aumento do desemprego e a queda generalizada nas condições de vida da classe trabalhadora, ou seja, o aumento da miséria, levará aos países imperialistas problemas típicos dos países periféricos. A crise das hipotecas já provocou o aparecimento de milhões de sem-teto nos Estados Unidos. Resta saber o quanto os trabalhadores estadunidenses, europeus e japoneses suportarão de retrocesso sem lutar. Já aconteceram lutas importantes este ano, em especial na Europa, demonstrando que não será tão fácil impor esse nivelamento.

 

Os países periféricos e o Brasil

Quanto aos países periféricos, o Estado precisou compensar a queda das exportações, em particular daquelas destinadas aos Estados Unidos, por meio de medidas de incentivo ao mercado interno. Países como o Brasil não tiveram que arcar com o custo dos pacotes de ajuda para resgatar o capital fictício, pois seus sistemas financeiros subdesenvolvidos estavam menos comprometidos com a especulação desenfreada. Assim, o Estado pôde investir diretamente na reativação da economia. O Estado brasileiro cumpriu o seu papel de muleta do capital, entregando muito dinheiro aos bancos e grandes empresas, por meio de medidas de facilitação do crédito:

“Um ano depois do agravamento da crise financeira internacional, as medidas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro somam R$ 483 bilhões, o que, na visão de economistas, mostrou-se ‘suficiente’ para blindar a economia nacional de um impacto maior. Desse total, R$ 15 bilhões sairão diretamente do caixa do governo, por meio da redução de impostos. Outros R$ 6 bilhões de gastos para construção de casas também estão previstos no orçamento deste ano. (…) Cerca de R$ 289 bilhões foram colocados à disposição do mercado pelo Banco Central (BC), principalmente pela redução do compulsório bancário – dinheiro que pertence às instituições financeiras que fica retido pelo BC.”(BBC Brasil, 15 de setembro de 2009).

Apesar do foco dos gastos ter sido diferente, os resultados no nível de endividamento do Estado foram semelhantes aos dos países centrais: “O déficit nominal do setor público consolidado mais do que dobrou para 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 12 meses até julho, ante 1,3% em setembro do ano passado. Em parte pelas medidas agressivas de gastos e corte de impostos, a dívida líquida do setor público subiu para 44,2% do PIB em agosto, frente a 36% no final do ano passado.”(Agência Brasil, 15 de setembro de 2009).

 

A estratégia do governo Lula

A burguesia brasileira reagiu de modo exagerado logo no início da crise, na virada de 2008 para 2009, quando houve cerca de 1,5 milhão de demissões. Além disso, aproveitando-se do pânico gerado pela gravidade da crise, a burguesia praticamente encostou o governo contra a parede, exigindo a liberação de crédito mais fácil e incentivos fiscais para tocar seus negócios e manter a taxa de lucro. Assim como nos países imperialistas, a intervenção do Estado brasileiro produziu resultados no plano imediato, pois houve um aumento expressivo das vendas de automóveis, eletrodomésticos e materiais de construção ao longo do 2º e 3º trimestres de 2009. Isso se refletiu nas estatísticas, com o recuo dos índices de desemprego e um aumento do nível de atividade (produção e comércio), freando a queda do PIB. Entretanto, tomando-se os índices de 2008 como base para comparação, a suposta recuperação em curso ainda não colocou a economia de volta ao mesmo patamar anterior ao da crise. Mesmo assim, esses resultados parciais são aproveitados pela propaganda governista para alimentar o discurso ufanista de que “o Brasil venceu a crise”.

As notícias sobre essa recuperação fictícia nos últimos meses dividiram espaço com a chamada crise política no Senado. Foram revelados atos de corrupção praticados pelo presidente da casa e ex-presidente da República José Sarney, um dos principais caciques do PMDB, partido da base de apoio do governo Lula. Isso deu munição para a oposição de direita do PSDB e do DEM atacar o governo Lula, tentando desgastar sua popularidade. Para não perder o apoio do PMDB, crucial para as eleições de 2010, Lula interveio e abafou as investigações sobre a corrupção no Senado. Isso serviu para evidenciar a profundidade do acordo entre Lula e o PMDB, que representa parte dos setores mais reacionários da burguesia brasileira, como as oligarquias do Norte e Nordeste.

Para não ficar na defensiva, o governo Lula anunciou o projeto de exploração das reservas de petróleo do pré-sal, vendido para a opinião pública como uma vitória do modelo estatal e da soberania nacional. Na verdade, trata-se de uma forma de continuar entregando o petróleo ao capital internacional (acionistas privados, inclusive alguns estrangeiros, são maioria na própria Petrobrás), mas de modo que a burocracia do Estado consiga reservar sua parte. Essa fatia sob controle do Estado será fundamental para o financiamento dos programas assistenciais que amarram a base eleitoral do atual governo e seus aliados. O governo já lançou um projeto de lei regulamentando a exploração do pré-sal o qual prevê que a fatia dos royalties (que chegaram a um total de R$ 23 bilhões em 2008) a ser distribuída para os estados não-produtores de petróleo passaria dos atuais 0,86% para 4% (Agência Brasil, 15 de setembro de 2009).

A (suposta) superação da crise e a exploração do pré-sal serão o carro-chefe da campanha eleitoral da ministra Dilma Roussef, candidata de Lula e seu bloco de apoio para 2010, enquanto que as denúncias de corrupção contra o atual governo serão um dos motes da oposição de direita.

 

A classe trabalhadora entra em luta

A estratégia da burocracia lulista depende da não ocorrência de novos abalos na economia mundial, que poderiam vir na forma de uma crise do crédito público e da moeda, precipitada pelo endividamento explosivo de praticamente todos os principais Estados. Também depende da habilidade do governo em propagandear as promessas de riqueza do pré-sal, já que o início da produção de petróleo proveniente dessa região ainda demorará anos para ocorrer. Será preciso ainda cooptar a burocracia estatal dos partidos políticos (como o PMDB) e do próprio aparato das instituições (tecnocracia), que também exigirá sua parte no bolo para apoiar o atual bloco no governo.

Por último, será preciso manter a classe trabalhadora sob controle, papel que tem sido desempenhado pela burocracia sindical que comanda a CUT (e demais centrais satélites como FS, CTB, UGT, NCST, CGTB, etc.) e pelas lideranças burocratizadas de outros importantes organismos de luta da classe, como MST, UNE, pastorais sociais, etc. O controle petista sobre esses organismos tem sido fundamental ao longo do governo Lula para evitar que a classe trabalhadora entrasse em luta com todo seu peso nos últimos anos. Além de controlar o setor mais organizado da classe por meio da burocracia e cooptar o setor mais pauperizado por meio do assistencialismo, tem havido um endurecimento generalizado da repressão. Atestam esse endurecimento o tratamento dado à greve da USP no primeiro semestre e o aumento da repressão policial sobre os mais pobres, verificada em episódios como o assassinato de trabalhadores sem-terra e os conflitos recentes nas favelas de Paraisópolis e Heliópolis.

Entretanto, conforme havíamos apontado em nosso jornal anterior, que indicava a possibilidade de uma retomada das lutas no segundo semestre por ocasião das campanhas salariais, a classe trabalhadora brasileira está reagindo. Na terceira semana de setembro os metalúrgicos das montadoras e auto-peças, setor estratégico concentrado no Sudeste, e os trabalhadores dos correios, categoria com mais de 100 mil integrantes no país, entraram em greve. Na semana seguinte, será a vez dos bancários, outra categoria com peso nacional. Ainda resta a campanha salarial dos petroleiros, setor que está no centro das atenções por conta da importância que o pré-sal assumiu na conjuntura.

Essas greves são determinadas por dois aspectos relacionados à crise. Em primeiro lugar, o aumento do grau de exploração, por conta dos ajustes estruturais realizados pela patronal. Tanto as demissões quanto a intensificação do trabalho impõem uma sobrecarga aos trabalhadores que ficaram nas empresas. Em segundo lugar, a retomada da taxa de lucro das empresas e a propaganda maciça do fim da crise faz com que os trabalhadores sintam que podem reivindicar a sua parte na produção da riqueza social.

No atual momento as greves tem limites importantes, como o fato de serem obrigadas a lutar contra as direções da CUT e satélites, além da própria patronal e do governo. E também o fato de que o nível de consciência dos trabalhadores ainda não alcança uma compreensão abragente da situação, uma visão da crise do capitalismo no Brasil e no mundo. A tarefa dos militantes classistas é participar e apoiar todas as lutas que surgirem, fortalecendo as alternativas anti-burocráticas de organização, ajudando os trabalhadores a perceber que é possível lutar, e que é necessário lutar, e também apontando uma perspectiva ideológica oposta à da burguesia e do Estado. Cabe à nossa classe se organizar para construir uma alternativa societária ao capitalismo e suas crises, sua miséria, guerras e barbárie, uma alternativa socialista.

 

O retorno das greves: uma oportunidade para construir um movimento político dos trabalhadores

No jornal passado, apresentamos aos ativistas e militantes do movimento social a proposta de construção de um Movimento político dos trabalhadores como parte de uma política voltada para recolocar os trabalhadores na cena política. Esse movimento, diferente da proposta de frente de esquerda apresentada pelo PSTU, tem objetivos maiores do que a disputa eleitoral de 2010. Este movimento é parte de uma resposta classista às crises econômica e política e à própria intervenção da esquerda revolucionária no processo eleitoral. Também difere no método, pois pela nossa proposta as discussões do programa e a formação ocorreriam em um amplo processo de discussão com os trabalhadores e não em discussões de cúpula com as direções dos partidos.

O objetivo principal desse movimento é colocar a classe trabalhadora no cenário político, respondendo aos ataques da burguesia a partir de uma perspectiva socialista, combinando as lutas imediatas e econômicas com uma perspectiva socialista. Historicamente, as lutas com caráter estratégico exigem uma consciência que vai além da economicista, ou seja, os trabalhadores incorporam reivindicações políticas que vão contra a burguesia e o governo capitalista.

 

As lutas em curso: superar o economicismo

As greves dos trabalhadores do correio, dos metalúrgicos de Campinas (que arrancaram 10% de aumento), do Paraná e da GM de São José dos Campos e São Caetano do Sul, metalúrgicos das autopeças do ABC ( a burocracia cutista foi obrigada a impulsionar a mobilização) e a possibilidade de bancários irem a greve (também contra a vontade da burocracia cutista) demonstram que objetivamente há um importante processo de lutas e de mobilizações nas principais categorias, surgindo uma oportunidade, a partir da unidade da esquerda, para avançar na construção desse movimento pela base.

Toda luta tem desafios imediatos (como a conquista das reivindicações) que precisam de muita força para serem superados e todos os esforços dos revolucionários devem ir no sentido de que o movimento alcance essas reivindicações, mas isso não significa que sejam suficientes esses limites intrínsecos à luta econômica. A partir dessas lutas econômicas deve-se procurar superar as barreiras ideológicas e avançar para lutas contra a sociedade burguesa de conjunto.

Quando os trabalhadores estão em luta, as condições para desenvolver a sua consciência são maiores e melhores (essa é uma das razões pela qual a burguesia treme por conta das greves), a experiência com as direções pelegas se aprofunda (uma das razões da burocracia tremer com as greves) e para os revolucionários é a oportunidade de apresentar as propostas do socialismo, contribuindo para que os trabalhadores avancem na consciência e compreendam que as lutas por salários são muito importantes. É preciso, porém, avançar para as lutas políticas, uma vez que a própria lógica de funcionamento do capitalismo faz com que logo o aumento do salário seja engolido pelo aumento do preço das mercadorias.

Colocamos a questão desse modo porque compreendemos que a luta pelo desenvolvimento de uma consciência socialista do conjunto da classe trabalhadora é uma necessidade urgente na luta contra o sistema capitalista.

O lamentável é que a esquerda de conjunto abandonou essa ligação do imediato com o estratégico, se contentando em responder ao imediato e secundarizando o estratégico, que são as lutas políticas com reivindicações dirigidas aos poder político e ideológico da burguesia.

Partimos do fato de que essa tarefa não pode ser realizada por qualquer dos grupos ou partidos de esquerda de forma isolada, substituindo uma tarefa que é do conjunto da classe. Mesmo em processo de mobilização por reivindicações econômicas, se os trabalhadores não se colocarem como sujeitos, não serão uma organização ou partido que o farão, como se fossem portadores de uma verdade e de todas as soluções e pudessem substituir a ação direta dos trabalhadores. O que os grupos e partidos de esquerda podem e devem fazer é disputar a consciência dos trabalhadores, apresentando propostas que permitam que a luta possa avançar em direção à luta política contra a burguesia e o capitalismo.

Considerando esses elementos e a crise estrutural do capital, o atual ciclo de luta é ainda mais importante porque podem ser indício de um processo mais geral, em que a classe trabalhadora brasileira esteja retomando as grandes lutas. A combinação da crise do capital, a necessidade de uma resposta mais estrutural dos socialistas e esse processo de lutas pode criar, enfim, um campo fértil para os socialistas revolucionários. Por isso entendemos que há, na realidade, elementos importantes que criam as condições para a construção desse movimento político dos trabalhadores.

 

Eleições 2010: a burguesia está escalando seu time

A luta política tem outra batalha em curso, que é a tentativa da burguesia e da burocracia de desviar todos os descontentamentos para as ilusões na democracia burguesa e para as eleições. Não temos nenhuma ilusão no processo eleitoral controlado pela burguesia, mas também não nos abstemos desse debate. A burguesia aponta para desviar as lutas e nós entendemos que é preciso disputar a consciência dos trabalhadores com a burguesia. Se não fazemos essa disputa, o caminho fica livre para a burguesia e seus agentes desenvolverem as aspirações e ilusões burguesas. A questão é como travar essa batalha e não cair nas armadilhas das eleições burguesas e como não capitular às ilusões e a própria democracia burguesa.

No nosso modo de ver, o centro deve ser uma política que coloque a independência de classe e as reivindicações políticas dos trabalhadores no sentido de uma participação dos trabalhadores enquanto classe, demonstrando que o capitalismo é a causa dos males que aflige os trabalhadores e por isso é preciso lutar pelo socialismo. Os revolucionários participam do processo eleitoral (o que não significa que necessariamente apóie um candidato) para desmascarar a burguesia e suas pretensões, organizando os trabalhadores e desenvolvendo a consciência socialista.

O debate eleitoral está a pleno vapor, mesmo faltando mais de um ano. Serra, Aécio, Dilma e agora a indefinição de Heloísa Helena, que praticamente explodiu a proposta de frente de esquerda – negociada entre as direções do próprio PSTU, do PSOL e do PCB – feita pelo PSTU e o lançamento da candidatura de Marina Silva. A burguesia está com seu time quase completo e os partidos de esquerda segue a mesma lógica e postura das eleições passadas, procurando resolver tudo “por cima”.

A “novidade” (museu de grandes novidades, como diria Cazuza) é a candidatura de Marina Silva, que se esforça para se apresentar como de esquerda e em oposição ao governo Lula. Essas duas questões, que parecem simples, na verdade abrem outras preocupações que os revolucionários devem responder, pelo fato de que no mínimo essa candidatura causou algumas confusões em alguns setores da classe trabalhadora e de ativistas. O fato de Heloísa Helena defender Marina Silva como “um dos principais quadros da esquerda brasileira” é uma das expressões da confusão que essa candidatura pode causar.

A primeira questão é que Marina Silva não é de fato oposição ao governo Lula e suas recentes divergências estão restritas à questão ambiental, onde a política do governo se aproximou do que tem de mais reacionário no campo. Durante todo o primeiro mandato de Lula, Marina foi uma das principais figuras do governo, aplicando a fundo a política neoliberal.

Outro elemento que demonstra o perfil dessa candidatura é a ida para o PV, demonstrando que a saída do PT não representou de fato uma ruptura com o “jeito de fazer política” do PT. O PV é um partido de aluguel e no seu interior tem figuras ultrarreacionárias, como é o caso de Zequinha Sarney, que só pelo sobrenome dispensa qualquer comentário.

No processo eleitoral, a burguesia tem várias armas e possibilidades, podendo sempre lançar mão de alguma candidatura que cause confusão ou mesmo iluda os trabalhadores, como é o caso de Lula, por exemplo. Assim, combater todas essas “falsas alternativas” deve ser um dos centros da política revolucionária e nesse momento o combate à candidatura de Marina Silva (junto com as demais) deve ser uma das prioridades da nossa política, combinando a denúncia com a apresentação de propostas dos revolucionários para a sociedade.

A burguesia já colocou os jogadores em campo. É preciso que respondamos a esse processo com uma política bem precisa do ponto de vista revolucionário, colocando em marcha os nossos jogadores, que é a classe trabalhadora. Para isso, é preciso uma política do conjunto da esquerda, construindo unitariamente um movimento e um programa pela base.

 

Jogar com as nossas armas: construir um movimento político para além das eleições

Faz falta a presença dos trabalhadores enquanto classe, na atual situação política do país. O apoio das principais centrais ao governo Lula e o freio que as direções burocratas exercem na luta de classes são demonstrações importantes do papel que a direção governista cumpre no movimento. Estão para cumprir o papel de conciliação de classes, de colocar os sindicatos e as centrais, sob sua direção, à serviço dos interesses do capital. Quando acenam com uma pequena mobilização, o objetivo é pressionar a patronal para alguma negociação. É o sindicalismo de resultados. Dessas direções não podemos esperar nada, só traições aos trabalhadores.

As burocracias são elementos objetivos da realidade e o desgaste que sofrem junto aos trabalhadores ainda não é suficiente para completar a experiência e fazer com que sejam varridas das organizações dos trabalhadores. Ainda há um longo trabalho para ser realizado no sentido de ganhar os trabalhadores para uma política contra a burocracia e de apontar que há o caminho das lutas, o único capaz de arrancar conquistas duradouras.

Mas essa alternativa não passa por qualquer uma das organizações ou partidos, tanto pelo peso político, como pela própria inserção nos movimentos da classe, o que faz com que os trabalhadores de conjunto não sejam representados. Pensamos que o desenvolvimento de uma alternativa política passa pela construção de um movimento que possa representar o conjunto da classe e que ela própria, enquanto sujeito social, possa realizar as tarefas históricas que estão reservadas para o proletariado.

A proposta de construção desse movimento se diferencia da proposta de frente de esquerda, principalmente na relação com o movimento dos trabalhadores, nos seus objetivos e no seu método. Com relação a essa proposta, espera-se que esse movimento não se limite às respostas eleitorais e às lutas imediatas, mas que seja um movimento com objetivos estratégicos, ou seja, parte da luta pelo socialismo. Com relação ao método, a diferença central é que através da nossa proposta, a definição do programa e das tarefas deve ocorrer em um amplo processo de discussão com os trabalhadores, e não por acordo entre as direções das correntes.

Assim, reforçamos o nosso chamado às correntes da esquerda revolucionária para levarmos em frente a construção desse movimento político dos trabalhadores.

 

Uma escola para administrar os problemas sociais no capitalismo em crise

A perspectiva social que o capitalismo já está produzindo é de aumentar o contingente de inadaptados, marginalizados, expulsos da sociedade de consumo. Está em curso o aprofundamento no país de um processo de guetização, que antes estava mais explicito na cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, uma clara delimitação para garantir a liberdade de consumo daqueles que podem.  

Isso explica as ações da polícia paulista na cidade de São Paulo. Os últimos confrontos envolvendo a polícia e moradores de grandes favelas (Paraisópoles, Heliópoles, Filhos da Terra) são incidentes que poderão marcar o próximo período e delinear o papel, em especial que a polícia, a da educação pública.

Enquanto isso os Estados emitem dinheiro, se endividam e os empresários realizam “ajustes estruturais” para tentar retomar suas taxas de lucro com a desculpa da crise. Mas, nos planos da burguesia, os trabalhadores demitidos não serão mais contratados, os salários rebaixados não serão reajustados e os direitos retirados não serão mais concedidos. Esses são os efeitos mais catastróficos e persistentes dessa crise e recaem nos ombros da classe trabalhadora.

Na situação atual, os patrões buscam se apossar do trabalho manual dos funcionários e de seu trabalho intelectual através das chamadas habilidades e competências. Presenciamos isso quando vemos o que sobra dos nossos alunos à noite depois de um dia de trabalho. O capital exige vorazmente que o Estado prepare essa mão de obra barata de que precisa e que está em constante renovação nas empresas. Assim, a burguesia reforça o discurso de que a Educação é fundamental para o desenvolvimento do país.

A outra questão é que a fatia da mão de obra mais qualificada passou a ser formada nas ETE’s, SENAI, FATEC`s ou em Universidades Técnológicas.

Devido ao processo de informatização e robotização o Brasil se insere na economia mundial como fornecedor de matérias primas ou produtos de pouca tecnologia. Além disso, há uma tendência de rebaixamento dos salários e direitos. Assim, o mercado de trabalho precisa de alguns especializados com habilidades e competências mínimas combinado com um grupo que tenha capacidade de adaptação e sujeição à instabilidade dos vínculos empregatícios.

Do ponto de vista dos empresários e do sistema de conjunto uma educação plena e de qualidade para os filhos dos trabalhadores aparece como custos absolutamente desnecessários e como gastos esbanjadores. 

Para o capitalismo e seu Estado, a função prioritária que a escola deve cumprir passa a ser de contenção e doutrinamento, para que esse setor de jovens aceite ideologicamente que não há outra saída e que a culpa por estar nessa situação é de cada um  individualmente, ao não se esforçar o bastante pelas suas metas. Isso traz graves conseqüências para os jovens e para o trabalho docente.

Um exemplo é a situação de precarização social e educacional a que esse setor de mão-de-obra juvenil está sujeito, fazendo com que com que as possibilidades de superar essa situação apareçam como muito difíceis e acarrete a perda de perspectiva de um futuro melhor e, portanto, a perda de estímulo dos jovens para estudar.

Nesse contexto surge a Reforma do Ensino Médio. Dando ênfase às matérias tecnicistas busca criar nos alunos e pais a idéia de que poderão se destacar no mercado de trabalho, enquanto os patrões se preparam para explorar ainda mais essa mão-de-obra formada nos precários cursos “profissionalizantes”.

É necessário desvendarmos e combatermos o projeto educacional do capitalismo em sua totalidade, nossa luta é global a fim de envolvermos os professores, alunos, pais e demais trabalhadores. A luta contra a destruição da Educação pública e por um novo projeto tem que ser de todos os trabalhadores!

 

A educação como mecanismo de controle social e ideológico

Chegamos ao ponto que o sistema necessita: administrar, mediar e amortecer os conflitos sociais provocados pelo capitalismo.  Com base nisso, as políticas de “Educação inclusiva” e assistencialista passam a ser o centro da atenção dos governantes. Diz a Proposta Curricular do Estado de São Paulo:

“Outro fator relevante diz respeito à precocidade da adolescência, ao mesmo tempo em que o ingresso no trabalho se torna cada vez mais tardio. Tais fenômenos ampliam o tempo de permanência na escola…”.

“… nesse mundo que expõe o jovem desde muito cedo às práticas da vida adulta – e, ao mesmo tempo, posterga a sua inserção profissional-, é fazer da experiência escolar uma oportunidade para aprender a ser livre e ao mesmo tempo respeitar as diferenças e as regras de convivência”.

A educação, no marco da crise do capitalismo, assume dessa forma, o papel de manter a dominação e a acomodação social.  

Os problemas de toda ordem são jogados para a escola resolver: gravidez na adolescência, violência urbana, questões ambientais, dentre outros. A educação passa a ter também um caráter assistencial e de controle ideológico ao mesmo tempo em que a educação voltada para a emancipação humana é esquecida. Vivenciamos isso com a suspensão das aulas motivada pela gripe suína. Por diversas vezes foi mostrado na mídia situações em que os pais não tinham onde deixar seus filhos e a ausência da merenda escolar estava comprometendo a alimentação. Daí a inflexibilidade na manutenção dos 200 dias letivos, mesmo frente à situação de pandemia, pois é preciso manter “o acesso e a permanência dos jovens na escola”, mesmo que não estejam aprendendo.

Esse discurso aparece de forma aberta nas entrevistas e conferências de intelectuais ligados ao PSDB, ao governo Lula (PT) e até mesmo no discurso de “sindicalistas”, como a presidente do sindicato dos professores que fez de tudo para que a entidade não entrasse com uma Ação Pública e uma Liminar contra o trabalho aos sábados.

Se o ensino para os filhos de trabalhadores não precisa ter qualidade logo não é preciso que haja valorização dos profissionais da Educação. As leis recentemente aprovadas e o novo concurso para professores demonstram o nível de precarização desde o regime previdenciário passando pelo salário e pela perda de direitos conquistados em anos de luta, como a questão da estabilidade.

 

O autoritarismo dentro das escolas para controlar o professor e precarizar as condições de ensino-aprendizagem

Sem investimento necessário e com a falta de perspectiva social dos jovens os resultados das avaliações externas são previsíveis. No entanto, o Estado e os meios de comunicação jogam a culpa sobre os professores a fim de jogar a população trabalhadora contra os professores (maior categoria dentro do funcionalismo estadual) e aumentar os mecanismos de controle e repressão tanto contra os professores como contra os estudantes da periferia.

Além dos vários mecanismos de avaliação aumenta a quantidade de tarefas e responsabilidades atribuídas aos professores com graves casos de assédio moral vindos de membros das “equipes gestoras” empenhados em anular a liberdade de cátedra.

Uma outra ação dos governos agentes do capital é jogar para população a responsabilidade cada vez maior pela manutenção das escolas através da cobrança de taxas de APM, bem como do incentivo à realização de parcerias com empresas que usam o espaço escolar, os alunos e os pais como clientes. Enquanto o Estado se desobriga da responsabilidade, empresas vão abrindo novos campos de atuação. 

 

A saída deve ser a partir do ponto vista dos trabalhadores

É preciso superar essa lógica com uma grande campanha contra esse projeto de Educação dos governos municipal, estadual, federal.

Os nossos desafios aplicam-se também às correntes de esquerda que atuam na categoria de professores. O combate imediatista e fragmentado frente a um sistema que ataca de forma global tem obtido resultados cada vez mais limitados. Permanecem presas aos limites das lutas por categoria, mesmo quando negam essa realidade.

Precisamos superar as respostas limitadas que temos hoje. Precisamos fazer um grande trabalho de conscientização e atuação que ligue os problemas da Educação aos demais problemas que estamos enfrentando nessa sociedade. É preciso aumentar nossa luta e organização nas escolas!

Essas tarefas exigem um movimento sindical de novo tipo, estruturado a partir das escolas, combativo e com uma perspectiva ideológica classista e socialista. Alguns podem argumentar que esse tipo de trabalho mais ideológico é um trabalho que cabe apenas aos partidos. Mas isso não é verdade. Hoje, se os sindicatos quiserem continuar cumprindo até mesmo seu papel mais rebaixado de defender as conquistas já existentes, terão que avançar cada vez mais para um posicionamento político de rompimento com as diretrizes da ordem capitalista e por um novo poder organizado democraticamente pelos trabalhadores.

É fundamental redobrar os esforços para envolver as demais categorias de trabalhadores na luta por uma educação de qualidade para os nossos filhos.

A Educação deve ser tratada em todos os níveis, como um bem coletivo, um dos instrumentos de transformação social e como um espaço de produção de conhecimento e desenvolvimento humano.

 

 Pré-sal: socialização dos custos e privatização dos lucros

Márcio Cardoso

 

As reservas de petróleo descobertas pela PETROBRAS no fundo do oceano, na camada geológica de pré-sal, aumentam a importância do Brasil no cenário mundial da produção petrolífera. A demanda mundial pelo petróleo continua aumentando, na medida em que países como a China e a Índia se industrializam, e outros como Estados Unidos, Europa e Japão mantém seu elevado consumo. Ao mesmo tempo, a quantidade de reservas economicamente viáveis diminui, pois o petróleo é um recurso natural finito. Por isso, as reservas do pré-sal brasileiro têm grande importância estratégica. Podemos assegurar a auto-suficiência do país em relação a um recurso cada vez mais escasso e portanto mais caro. Não foi mera coincidência o fato dos Estados Unidos terem reativado sua IV Frota assim que se anunciou a descoberta do pré-sal.

A grande questão está em determinar quem vai se beneficiar da riqueza gerada por esse recurso natural. Grande expectativa foi criada em torno do potencial de riqueza do pré-sal, que está na mira dos interesses do grande capital privado e também da burocracia petista no governo.

 

A falsa polêmica sobre o “novo” marco regulatório do petróleo

Há algumas semanas o governo Lula anunciou o chamado “novo marco regulatório” para a exploração do pré-sal, dando início a uma falsa polêmica com a oposição de direita. Desde a quebra do monopólio estatal da exploração do petróleo pelo governo FHC, em 1997, o capital privado tem tido a possibilidade de extrair petróleo do subsolo brasileiro, atividade antes exclusiva da PETROBRAS, que por sua vez foi sendo progressivamente privatizada. A PETROBRAS apresenta hoje uma composição societária em que apenas 32% das ações pertencem à União, de modo que apenas por força de uma lei o governo tem a prerrogativa de indicar a direção da empresa. A maior parte das ações está pulverizada entre acionistas diversos, inclusive estrangeiros.

O projeto anunciado por Lula não reverte a quebra do monopólio. Ele cria uma empresa, a PETRO-SAL, encarregada de administrar a exploração do pré-sal, a qual será feita em regime de partilha, em lugar do regime de concessão em que foram leiloados outros blocos de reservas petrolíferas. O modelo de partilha garante à PETROBRAS 30% de participação na exploração dos novos blocos do pré-sal. O restante poderá ser explorado por empresas privadas, inclusive estrangeiras. A PETROBRAS terá que disputar leilões como qualquer outra empresa, mas precisará de parcerias com essas empresas para financiar a construção dos equipamentos necessários para a extração.

A PETROBRAS é líder mundial na tecnologia de exploração de petróleo em águas ultra-profundas, como é o caso do pré-sal, e entrará nessa sociedade com o “know how” e a tecnologia, enquanto que as empresas estrangeiras entrarão com o capital para financiar os equipamentos. Ou seja, na prática a PETROBRAS vai funcionar como uma espécie de “terceirizada”, realizando a extração do petróleo graças a uma tecnologia que ela própria desenvolveu, um petróleo cuja prospecção ela realizou (a pesquisa para descobrir jazidas de petróleo é a parte mais cara do processo), mas que será vendido pelas gigantes petrolíferas internacionais a ela associadas.

O projeto foi feito sob medida para que as gigantes petrolíferas internacionais se apropriem do petróleo brasileiro. O tão propalado “novo marco regulatório” na verdade mantém o modelo neoliberal entreguista que dilapida as riquezas nacionais. A criação da PETRO-SAL para administrar o pré-sal não passa de um embuste, pois essa empresa estatal não fará exploração nenhuma, apenas a gestão. A extração de fato será feita pela PETROBRAS, que é cada vez menos estatal. Mas a PETROBRAS não estará sozinha, pois as empresas estrangeiras também poderão extrair petróleo do pré-sal, estejam associadas ou não à (ex)estatal.

 

O embuste eleitoral

A oposição de direita protestou contra esse modelo, alegando que é um “retrocesso” em relação às medidas privatistas anteriores. Na verdade o que o PSDB e o DEM temem são os dividendos eleitorais que o pré-sal poderá render para Lula e os partidos do seu bloco de apoio. Antes que o petróleo do pré-sal comece a jorrar, o governo já conta com o dinheiro a ser recebido nos leilões dos blocos de exploração, o qual servirá para financiar a campanha de Dilma Roussef, candidata do PT e seus aliados à presidência. O governo Lula já anunciou também a intenção de aumentar a parcela dos royalties do petróleo destinada aos estados não produtores (medida que beneficiará seus aliados locais). Anunciou ainda um “Fundo social” a ser criado com a renda gerada pelo pré-sal, o qual será uma fonte certa de recursos para financiar o assistencialismo estatal, o qual garante a base eleitoral dos partidos governantes junto à população mais pobre.

Para evitar que Lula e seus aliados se beneficiem eleitoralmente, PSDB e DEM lutam para impedir a aprovação desses projetos no Congresso, tentando ganhar tempo, para que o governo não tenha o dinheiro dos leilões do pré-sal antes de 2010, mas de um modo que a própria oposição possa ter esses recursos quando chegar a sua vez de governar. Ao mesmo tempo, o governo avança na propaganda dos hipotéticos benefícios do pré-sal. A APEOESP (sindicato dos professores do ensino público do estado de São Paulo), filiada à CNTE/CUT e dirigida pela corrente petista Articulação, já anunciou que o pré-sal vai financiar a educação. Esse é um exemplo de como o setor governista agirá em todas as categorias para desmontar as mobilizações. Ao invés de organizar os trabalhadores para lutar por suas reivindicações, a burocracia sindical da CUT/PT e aliados vai iludí-los para que peçam ao governo verbas vindas do pré-sal, apresentado como panacéia universal. Em lugar de ir à luta, os trabalhadores vão ficar numa eterna posição de súplica ao governo de plantão.

Além de assegurar o apoio dos partidos fisiológicos (como o PMDB) e das burocracias sindicais, o projeto do pré-sal será usado também para cooptar a burocracia estatal de carreira, os funcionários da máquina do Estado, das empresas estatais e demais instituições. A versão de que o governo Lula defende o fortalecimento do papel do Estado será usada para combater o espantalho da volta da direita tradicional, unindo a burocracia estatal (tecnocracia) à burocracia político-partidária e sindical num grande bloco político.

 

As riquezas naturais sob a ótica dos trabalhadores

Ora, exatamente o exemplo do pré-sal serve para desmentir essa propaganda do suposto fortalecimento do papel do Estado. Conforme dissemos acima, embora a direção da PETROBRAS seja indicada pelo governo, a empresa funciona com uma lógica de gestão de empresa privada, que visa dar lucro para seus acionistas. A auto-suficiência (capacidade do país de produzir dentro de seu território todo o petróleo que consome, sem a necessidade de importar) deveria possibilitar que os derivados fossem vendidos a preço de custo, o que tornaria mais baratos o gás de cozinha consumido nos lares brasileiros, a gasolina nos postos, etc. Mas isso não acontece porque a PETROBRAS acompanha aproximadamente os preços do petróleo no mercado mundial, para beneficiar seus acionistas.

Além disso, como a PETROBRAS está inserida numa lógica neoliberal, mesmo a parcela dos lucros destinada ao Estado não é usada em benefício dos trabalhadores, mas dos banqueiros nacionais e internacionais que especulam com a dívida pública interna e externa, que consome o superávit primário do Estado.

O anúncio dos projetos do governo relativos ao pré-sal foi feito de modo a criar uma falsa expectativa nos trabalhadores de que sua vida vai melhorar por causa dessa riqueza, quando na verdade esse mesmo governo permitirá que as empresas privadas explorem as jazidas encontradas pela PETROBRAS. Não há qualquer sinal de que o governo Lula mude essa lógica.

Para que as riquezas oriundas dos recursos naturais do país sejam usadas em proveito dos trabalhadores, é necessário que o povo tenha o controle político do governo. No caso do petróleo, é necessário que a PETROBRAS seja 100% estatal e sob controle dos trabalhadores. As ações dos acionistas privados devem ser expropriadas sem indenização (salvaguardando-se a poupança dos trabalhadores que investiram em ações da empresa via FGTS). É necessário restaurar o monopólio estatal do petróleo e cancelar todos os leilões das reservas, impedindo a exploração do nosso petróleo pela burguesia, cujos empreendimentos devem ser expropriados sem indenização. Todas as fontes de energia devem ser monopólio estatal, sob controle dos trabalhadores, especialmente num momento histórico em que será preciso fazer a transição em direção a uma nova matriz energética.

 

 

A luta pela democracia no movimento estudantil

Alex (FSA) e Daniel M. Delfino

 

 

Entendemos como movimento estudantil a organização dos estudantes na luta por suas reivindicações, através de entidades como os grêmios nas escolas e diretórios acadêmicos nas faculdades. Os estudantes não são uma classe social, são uma categoria transitória a qual pertencem os alunos de escolas e faculdades vindos de todas as classes sociais. Defendemos um movimento estudantil classista, ou seja, que se posicione em relação à divisão de classes na sociedade. A burguesia e o proletariado são as classes fundamentais da sociedade capitalista (sabemos disso desde o Manifesto Comunista de 1848), aquelas que possuem projetos de sociedades opostos, que são o capitalismo e o socialismo respectivamente. Defendemos um movimento estudantil que apóie a luta dos trabalhadores pelo socialismo. Mesmo porque, a luta pelas reivindicações dos estudantes, que envolvem uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, é parte da luta contra o capitalismo. Para a burguesia não interessa conceder esse tipo de educação, pois o capitalismo não necessita de trabalhadores bem educados, e sim de mão de obra barata e submissa, sem pensamento crítico e sem visão geral do mundo.

A luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos passa também por uma luta para democratizar as instituições educacionais. O projeto político pedagógico das escolas e universidades deve contemplar as demandas e necessidades da maioria da sociedade, ou seja, da classe trabalhadora, dedicando-se aos seus problemas. Para isso, os estudantes, servidores da educação e professores devem ser os verdadeiros autores de um projeto de educação, que enfrente a concepção tecnocrática emanada do Estado burguês e seus burocratas.

Nos últimos anos o movimento estudantil brasileiro voltou ao primeiro plano do cenário político desenvolvendo importantes lutas, com o movimento das ocupações de reitoria, que conseguiu questionar o projeto de educação do governo Lula e dos governos estaduais e municipais, com importantes vitórias, ainda que parciais, como a derrubada do antigo reitor da Fundação Santo André e em outras universidades. Entretanto, esse movimento ainda foi restrito, não envolveu a grande massa dos estudantes e não criou uma continuidade.

Existe um setor dos estudantes que se coloca contra esse tipo de atividade política, argumentando que o movimento estudantil está “contaminado” por supostos “interesses escusos” dos partidos, e que tudo não passa de “disputa de poder”, de luta pelo controle dos aparatos, das entidades, etc. Argumentam ainda que os partidos e organizações são autoritários, anti-democráticos, cerceiam a liberdade individual, a criatividade, etc. Por isso, se recusam a militar e participar das atividades.

Respeitamos as críticas e reconhecemos uma certa dose de razão. Mas como princípio, consideramos que, para democratizar as universidades, é preciso democratizar primeiro o próprio movimento estudantil. É preciso que os estudantes que tem críticas à atuação dos partidos e das entidades participem do debate. É preciso que coloquem o seu desejo de liberdade e de expressar a criatividade no interior do próprio movimento. Só assim será possível oxigenar o debate, envolver os estudantes, combater os vícios dos partidos e organizações que impedem o avanço do movimento.

Além disso, não há nada mais autoritário, anti-democrático, burocrático, tedioso, do que a própria sociedade burguesa. Deixar de participar do movimento por conta da falta de democracia é um contra-senso. A falta de democracia está dada dentro e fora das escolas e universidades, dentro do mundo do trabalho, em todas as esferas da vida controladas pela ideologia burguesa. Apenas a luta e o movimento organizado podem combater essa falta de liberdade e de possibilidades de expressão dos indivíduos. É apenas através da luta coletiva que os indivíduos podem verdadeiramente se realizar, crescer, se expressar, aprender, improvisar, elaborar, criar, se construir.

Mas para isso, é preciso que os movimentos de luta sejam de fato democráticos. E a democracia passa pelo respeito aos espaços de decisão. Defendemos a participação de todos os estudantes no movimento, estejam ou não organizados em partidos. Somos parte de uma organização política, o Espaço Socialista, porque entendemos que os militantes têm o direito de se agrupar em partidos e organizações a partir de uma visão comum da realidade e de um conjunto de propostas que se materializam num programa. E os partidos e organizações tem o direito de levar suas propostas a todos os fóruns do movimento estudantil. O que não pode acontecer é que os partidos e organizações se considerem “donos” de uma determinada entidade ou fórum, “donos” de um diretório acadêmico, usando essa entidade para impor a política da sua organização ao conjunto dos estudantes.

O método de discussão é fundamental nesse caso. É preciso que haja uma separação entre o que é a política dos partidos e organizações e o que é a política de uma entidade do movimento que pertence ao conjunto dos estudantes. Os partidos e organizações devem se submeter aos fóruns de decisão do movimento, aos fóruns que representam o conjunto dos estudantes. Da mesma forma, os estudantes independentes, que não fazem parte de partidos e organizações, também podem e devem levar suas propostas e concepções ao movimento, e devem também respeitar as decisões coletivas. Defendemos uma forma de funcionamento das entidades, dos centros acadêmicos, em que as decisões tomadas coletivamente sejam encaminhadas coletivamente.

Entre os vícios dos partidos e organizações que precisam ser combatidos está o de se aproveitar dos fóruns do movimento para fazer críticas, lançar palavras de ordem, defender linhas de atuação que são exclusivas do seu grupo, usufruindo dos espaços democráticos que existem no movimento, e depois deixar de acatar as deliberações do coletivo. Fazem críticas, mas não querem aceitar as decisões. Propõem tarefas, mas não querem arregaçar as mangas, pôr a mão na massa e ajudar a construir o movimento. Gostam de disputar o microfone nas assembléias, mas se abstém de disputar a consciência dos estudantes na base, de fazer as panfletagens, de falar em sala de aula, de construir os atos e a luta em geral. Recebem a tarefa de escrever um panfleto, mas aparecem com um resultado diferente do que foi deliberado. Exigem a democracia no momento do debate, mas não acatam a responsabilidade que advém da participação. Trata-se de uma democracia pela metade.

Defendemos a democracia por inteiro, o debate aberto e a responsabilidade com aquilo que se fala e se propõe. Não existe “receita de bolo” nem “fórmula mágica” para envolver os estudantes, para fazer com que todos se sintam atraídos pelas atividades do movimento estudantil. Mas um

Leia mais

Jornal 34: Novembro/Dezembro de 2009

OBAMA E LULA NA LINHA DE FRENTE CONTRA OS TRABALHADORES

Guerra é paz

No livro “1984” George Orwell descreve uma distopia (utopia ao contrário), uma realidade de pesadelo em que uma ditadura brutal controla a vida da sociedade por meio de instituições cujos nomes estão invertidos em relação às suas verdadeiras funções. O órgão encarregado de fazer a guerra era chamado de Ministério da Paz, o da repressão policial de Ministério do Amor, o de falsificar a realidade, Ministério da Verdade, o do racionamento, Ministério da Fartura, e assim por diante. A prova de que vivemos hoje em pleno mundo orwelliano foi escancarada no mês passado.

Em meados de outubro de 2009 o presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, foi agraciado pela academia sueca com o Prêmio Nobel da Paz de 2009. Por esses mesmos dias, o total de soldados estadunidenses mobilizados no Afeganistão chegou a 65 mil, somando-se aos 124 mil postados no Iraque para completar o total de 189 mil combatentes. Esse número ultrapassa os 186 mil mobilizados por Bush, o que faz do oblíquo Obama um presidente ainda mais beligerante do que o seu mundialmente odiado predecessor (isso sem falar na escalada de violência no Paquistão, na reativação da IV Frota no Atlântico, na expansão das bases militares na Colômbia, etc.). Um mundo em que um presidente abertamente beligerante é premiado com o Nobel da Paz é um mundo em que tudo está de cabeça para baixo.

Essa inversão orwelliana da realidade é uma demonstração das sutilezas ideológicas de que a burguesia é capaz para perpetuar sua dominação. A própria eleição de Obama em 2008 foi uma manobra para reciclar a confiança da população estadunidense e mundial na viabilidade do capitalismo, no momento mesmo em que o sistema vivenciava a eclosão da crise econômica mais séria em 70 anos. O discurso de mudança serviu exatamente para encobrir a continuidade do programa político dos setores sociais que controlam o país, a burguesia financeira, o complexo industrial-militar e a indústria do petróleo. A imagem do negro, uma minoria oprimida e superexplorada, serviu para difundir a ilusão de que as vítimas do sistema seriam contempladas na nova administração, quando na realidade se tratava também do oposto, o aumento da exploração sobre os trabalhadores. Quando precisou endurecer o ataque contra a classe trabalhadora estadunidense, a burguesia daquele país engendrou justamente um presidente no qual amplos setores do proletariado nutriam grandes esperanças, em especial os setores mais pobres e explorados, como os negros, latinos, imigrantes, mulheres e jovens.

 

Os números da economia e a ideologia burguesa: 2 + 2 = 5

Essa necessidade de atacar a classe trabalhadora não era apenas da burguesia estadunidense, mas do conjunto dos países imperialistas colocados no epicentro da crise econômica. A tendência histórica de queda da taxa de lucro inerente ao capitalismo precisa ser enfrentada por meio do aumento da exploração do trabalho, que no atual momento é feito nas condições de um mercado mundializado que permite aos capitalistas comprar a força de trabalho onde essa mercadoria se apresentar mais barata. Como reflexo disso, os trabalhadores enfrentam em nível mundial uma queda nos seus salários e uma deterioração nas suas condições de vida. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que “o aumento dos salários médios no mundo caiu, passando de 4,3% em 2007 para 1,4% em 2008. Os dados indicam que mais de 25% dos 53 países analisados registraram queda ou estagnação salarial” (BBC Brasil, 03/11/2009). Dados como os índices de desemprego nos Estados Unidos, que chegaram a 9,8% em outubro (17% considerando os trabalhadores subempregados ou que deixaram de procurar emprego), também são bastante eloqüentes no que se refere a mensurar os efeitos da crise econômica sobre os trabalhadores.

Números como esses, pouco divulgados na imprensa burguesa, contrastam com os números bombasticamente anunciados por toda parte para alardear uma suposta recuperação da economia estadunidense e mundial, um ano depois da eclosão da crise econômica. O crescimento de 3,5% do PIB estadunidense no 3º trimestre de 2009, interrompendo um ano de queda, deveu-se ao impacto de gastos governamentais para estimular as empresas e o consumo, como o programa “cash for clunkers” – literalmente dinheiro por sucata – uma linha de crédito oferecida pelo governo para quem trocasse carros usados por novos. A injeção de dinheiro do Estado nas empresas explica a subida do índice S&P 500, que mede a valorização das 500 maiores empresas com ações listadas na bolsa, e elevou-se em 60% desde março. Outro índice importante, o Dow Jones, subiu 50% desde sua maior baixa no auge da crise.

Gastos do governo estadunidense em isenções fiscais, programas de estímulo, empréstimos, estatizações, emissão de títulos, etc., num total que alcança a ordem de US$ 23 trilhões desde o início da crise, são os responsáveis pelos “green shots”, como são chamados os supostos sinais de que a economia estaria a caminho da recuperação. Quanto mais incapaz de compreender o funcionamento das crises econômicas capitalistas, mais a ideologia burguesa se vê forçada a negar a realidade da crise e se refugiar em dados fragmentados e de curtíssimo prazo para se auto-tranqüilizar. Dentro da lógica burguesa, se as grandes empresas estão tendo lucro e as ações estão em alta, não há crise.

Mas há dados que até mesmo os ideólogos burgueses mais empedernidos serão forçados a encarar. A emissão massiva de dinheiro pelo governo estadunidense para reativar a economia trouxe um alívio temporário nos últimos meses, mas provocará um sério problema a médio prazo, na medida em que o enorme endividamento ameaça corroer o próprio valor da moeda. O dólar se desvalorizou em 47% em relação ao ouro no período de novembro de 2008 a novembro de 2009. A possibilidade de colapso do dólar como moeda de reserva mundial é apenas mais uma das conseqüências da atual crise, que portanto está longe de ser resolvida, por mais que a matemática burguesa queira nos fazer crer que tudo vai bem.

 

Medalha de ouro em traição de classe

A batalha ideológica em torno dos números da economia é parte do operativo ideológico geral por meio do qual a burguesia cotidianamente reforça a crença na inevitabilidade do capitalismo e na inexistência de alternativas a esse sistema. Além da figura-chave de Obama, um dos pilares desse operativo ideológico global de defesa do capitalismo está em nosso próprio país: o presidente Lula, que sobressai depois da crise com elevadíssimos índices de popularidade. O governo Lula executa uma partilha da riqueza social entre a burocracia estatal e os grandes grupos econômicos burgueses nacionais e estrangeiros, de um modo que sobram migalhas para os programas de bolsa-esmola que mantém cativa sua base eleitoral entre os trabalhadores mais pobres.

O governo Lula não pratica um privatismo escancarado, que provocaria resistência popular, mas ao mesmo tempo não deixa de entregar as riquezas nacionais à burguesia. Abre-se o controle de empresas como o Banco do Brasil e a Petrobrás ao capital privado (inclusive estrangeiro), mas mantém-se um razoável nível de controle pela burocracia estatal. O caso do pré-sal é exemplar, pois um acordo em que a exploração do petróleo será feita por empresas privadas, inclusive estrangeiras, foi apresentado mentirosamente como tendo um caráter estatista e garantidor da soberania nacional. Para tornar palatável essa mentira, a Petrobrás terá um orçamento de R$ 250 milhões para publicidade em 2010 (Redação Terra, 31/10/2009).

A propaganda é a alma do negócio. A escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016 sinaliza o reconhecimento da burguesia internacional ao papel do governo Lula como exemplo mundial de governo capaz de controlar os conflitos sociais e impedir o desenvolvimento de lutas dos trabalhadores, um exemplo a ser exportado para os demais países periféricos. O candidato à presidência do Uruguai pela Frente Ampla, José “Pepe” Mujica assim explica a importância do supremo mandatário brasileiro no cenário internacional: “Lula é um senhor presidente, com um grande número do parlamento que vota contra, e mesmo assim logra manejar um país com as dimensões do Brasil, com os problemas que tem. E por que ele consegue isso? Porque negocia, negocia e negocia, tem a paciência de um velho dirigente sindical. E esse é o espírito que devemos ter nesse tema. Aliás, aqui entre nós, deveríamos clonar o Lula pela América Latina” (entrevista para a revista Teoria e Debate – 21/10/2009).

Do Haiti a Honduras, o governo Lula exporta “know-how” em mistificação ideológica, com um discurso que aparenta ser de esquerda e práticas consistentemente de direita, sobretudo no que se refere a impedir o desenvolvimento de uma perspectiva política autônoma dos trabalhadores e na duríssima repressão sobre os setores em luta (operativo policial de guerra nas favelas, morte aos sem-terra no campo, endurecimento contra as greves, etc.).

 

A situação da classe trabalhadora

Também no Brasil o Estado foi usado para salvar o capital em crise e a conta está sendo passada para os trabalhadores. As políticas de ajuda do governo às grandes empresas, que totalizaram mais de R$ 480 bilhões, permitiram um aquecimento artificial do consumo (automóveis, eletrodomésticos da linha branca, materiais de construção): “Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada na edição da Folha de S. Paulo neste domingo mostra que (…) o percentual dos entrevistados que possuem carro passou de 34% para 36%, assim como o percentual de donos de máquina de lavar subiu de 59% para 65%. (…) A classe que mais cresceu foi a B (média-alta), de 23% para 26%”(Redação Terra 01/11/2009).

Também no Brasil a ajuda às grandes empresas provocou aumento do endividamento público: “O setor público consolidado brasileiro registrou déficit primário de R$ 5,763 bilhões em setembro, pior resultado para o mês da série histórica iniciada em 2001. Em setembro de 2008, o resultado primário havia sido superavitário em R$ 6,618 bilhões. (…) A relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB), como consequência, teve alta expressiva no mês e alcançou 44,9% do Produto Interno Bruto (PIB), frente a 44% do PIB em agosto, mostraram os dados divulgados pelo Banco Central ”(Reuters News 30/10/2009).

A economia pode crescer, as empresas podem lucrar e as bolsas de valores podem ter alta, sem que haja diminuição do desemprego e melhoria dos salários. Além de contar com apoio estatal, a burguesia brasileira também realizou ajustes estruturais nas empresas sob seu controle, impondo o aumento da exploração através da intensificação do trabalho.

Entretanto, o proletariado brasileiro não foi um coadjuvante passivo na encenação dessa pseudo-recuperação econômica. Houve lutas importantes em 2009, como a greve geral da USP e as campanhas salariais dos correios, metalúrgicos e bancários no 2º semestre, que lutaram contra esse aumento da exploração. Essas lutas de resistência não foram porém suficientes para romper o controle da situação política pela burguesia e pelo governo Lula.

Um componente essencial do método lulista de governar está no controle férreo dos principais organismos de luta dos trabalhadores (CUT, MST, UNE, etc.) pela Articulação/PT e seus satélites, que tem sido essencial para impedir que as greves como as que irromperam em 2009 desenvolvessem todo seu potencial de enfrentamento, permanecendo isoladas umas das outras e sem poder de atração sobre o restante da classe. O controle burocrático da Articulação e a maquinaria ideológica do governo Lula são alguns dos obstáculos a serem superados no atual processo de Reorganização da classe, processo que tem tido seu eixo nos debates em torno da fusão entre Conlutas (central em que o PSTU detém a maioria) e Intersindical (controlada por setores do PSOL), agrupando também outras correntes, e que avançou no Seminário Nacional realizado em 1 e 2 de novembro em São Paulo. Mais do que nunca se faz urgente a construção de uma alternativa organizativa com um perfil ideológico classista, socialista e capaz de romper com os vícios e métodos de funcionamento que têm entravado as lutas da classe no último período, e que a própria esquerda têm reproduzido.

 

 

SEMINÁRIO LANÇA NOVA CENTRAL E REABRE O DEBATE DA REORGANIZAÇÃO

 

A realização do seminário

Nos dias 1 e 2 de novembro aconteceu em São Paulo o Seminário Nacional sobre a Reorganização do movimento sindical e popular. Estiveram presentes as entidades e movimentos que têm organizado os setores mais combativos da classe trabalhadora brasileira nos últimos anos: Conlutas, Intersindical, MTL, MTST, Pastoral Operária-SP, além de correntes menores como Unidos p/ Lutar, MAS e Emancipação do Trabalho. O Seminário se concluiu com a proposta de formação de uma Nova Central Sindical e Popular, a ser discutida num Congresso marcado para junho de 2010. A organização do Congresso será conduzida por uma Coordenação Pró-Central, com representação de todas as correntes listadas acima, que deverá apresentar uma proposta de formato do Congresso até janeiro de 2010, no próximo Fórum Social Mundial (FSM), além de encaminhar possíveis atividades conjuntas daqui em diante.

Essa proposta de unificação foi a culminação do processo que começou no FSM de Belém, em janeiro de 2009, passando por uma primeira etapa do Seminário Nacional em abril e por alguns Seminários locais realizados em várias partes do país, como no ABC. Além disso, os setores envolvidos no Seminário participaram de atividades conjuntas ao longo do ano, como os dias nacionais de luta em 30 de março e 14 de agosto. Apesar do grave erro de seguir o calendário da CUT e seus satélites e dos atos em conjunto com a burocracia, esses passos abriram caminho para a realização do Seminário.

Ao longo do ano, as correntes majoritárias, Conlutas e Intersindical, vinham travando um debate sobre concepção de central, sendo a principal divergência determinar se a Nova Central poderia ou não ter representação do movimento estudantil e popular. Essa divergência era tratada como obstáculo para impedir a unificação. Conforme aproximava-se o Seminário Nacional, tornou-se cada vez mais claro que esse ponto não poderia ser obstáculo e que seria uma postura irresponsável das correntes majoritárias deixar de construir a Nova Central por conta disso. Às vésperas do Seminário foram feitas concessões, com a Conlutas aceitando abrir mão da representação estudantil (o Congresso deliberará sobre uma possível representação simbólica de até 3% para os estudantes) e a Intersindical aceitando a presença dos movimentos populares, conforme um critério de participação definido pelo MTST. Com base nesse acordo os debates avançaram ao longo do próprio Seminário a ponto de convergir para a proposta do Congresso em 2010.

 

Um balanço inicial

O Espaço Socialista participou da construção do Seminário, tendo sido um dos principais impulsionadores do Seminário regional do ABC (contra a posição de Conlutas e Intersindical, que se recusavam a levar esse debate para a base). Há vários anos tem sido um dos eixos da nossa política o chamado à unificação das correntes combativas, com base na percepção que temos da necessidade de reconstruir uma referência de luta para a classe trabalhadora brasileira. Reconhecemos como um avanço a proposta de construção da Nova Central, pois isso reabre um debate sobre a Reorganização da classe que estava fechado pela postura sectária e aparatista das correntes majoritárias.

Apesar disso, o avanço que representa a proposta de unificação não isenta essas correntes da crítica aos seus erros durante o processo, e não nos impede de apontar os desafios a serem superados daqui em diante; desafios esses que viemos apresentando nas nossas Tese, onde buscamos discutir em profundidade as verdadeiras tarefas do processo de Reorganização. Mais do que simplesmente fundar uma entidade ou Nova Central, trata-se de construir um Movimento Político dos Trabalhadores, com um caráter classista, independente do Estado e da patronal, com um funcionamento democrático, enraizado na base, voltado para a disputa ideológica pela consciência da classe e com uma estratégia de ruptura em direção ao socialismo.

 

Um debate que foi reaberto

O debate sobre a Reorganização está reaberto num novo patamar e adiantamos a seguir alguns dos elementos que pensamos que devem ser considerados:

1) Necessidade objetiva. A crise econômica mundial não foi superada, apenas momentaneamente aliviada pelas políticas do Estado. A gravidade da crise, tanto no seu aspecto econômico quanto pelo fato de abranger outras dimensões, como as ambientais, energéticas, alimentares, militares, culturais, etc., obriga a classe trabalhadora e suas lideranças a se reagrupar para organizar unitariamente a resistência e a contra-ofensiva aos ataques do capital.

2) Repressão. Com os ataques do capital, tende a recrudescer a repressão do Estado contra os setores que se colocam em luta. O ataque policial (e para-militar), jurídico e ideológico contra os sem-terra no campo, o operativo policial de guerra contra a população das favelas nas cidades, que tem produzido um verdadeiro extermínio da juventude negra, e o endurecimento da patronal e do governo contra os setores que fizeram greve em 2009; tudo isso impõe a necessidade da unidade.

3) Direitização da burocracia. A CUT e as demais burocracias que direta ou indiretamente funcionam como seus satélites (FS, CTB, UGT, NCST, CGTB) aprofundam sua integração ao aparato do Estado e seu apoio político ao governo, sabotando e obstruindo o desenvolvimento das lutas, criando sindicatos amarelos nas bases da esquerda, atacando a vanguarda e perseguindo correntes de esquerda e ativistas, atuando diretamente como braço da patronal no movimento. Isso torna mais urgente construir alternativas políticas e organizativas claramente delimitadas em relação à burocracia.

4) Recuperar o tempo perdido. A origem do debate sobre a Reorganização na verdade remonta a 2004, quando o Encontro de Luiziânia terminou em ruptura, com um setor optando por construir a Conlutas e outro, que daria origem à Intersindical, ficando de fora. Irresponsavelmente, cada uma apostou no seu projeto, secundarizando a necessidade objetiva da unidade e demonstrando apego mortal pelos aparatos. Ao longo de todo o governo Lula o aventureirismo, o sectarismo e o aparatismo dessas correntes mantiveram as duas principais forças separadas, com graves prejuízos para as lutas. O Encontro de março de 2007 no Ibirapuera em São Paulo e os 1ºs de Maio de luta unificados mantiveram a perspectiva da unidade, que no entanto, somente agora, no último momento, veio a se materializar.

5) Pressão da vanguarda. As lutas dos últimos anos produziram uma vanguarda de ativistas que gravita em torno de Conlutas e Intersindical, sem se integrar organicamente a nenhuma delas, por desconfiança em relação a essas direções e uma série de outras razões. Havia nessa vanguarda uma insatisfação com o estado de fragmentação da esquerda e uma pressão pela unificação, que acabou se impondo. Não haveria como se justificar perante a vanguarda se não houvesse avanços pela unidade.

6) Fragilidade da unidade. A unidade alcançada até o momento, apesar de refletir uma pressão objetiva da realidade (crise econômica e societal) e subjetiva por parte de um setor de vanguarda, não expressa uma mobilização real e massiva da classe no seu conjunto, único elemento capaz de impor uma unidade de fato. A unidade em torno da proposta de Congresso pode ser apenas uma expressão de oportunismo eleitoral de correntes interessadas em acordos provisórios. Não está descartada a possibilidade de rachas dentro da Coordenação Pró-Central, ou ainda, a possibilidade de que a proposta de unidade venha a naufragar no Congresso.

7) Vícios e problemas de método. O lançamento da proposta de unificação é um avanço, mas é apenas um primeiro passo, pois a ruptura real com as formas tradicionais de organização, em especial no movimento sindical, constitui o mais importante desafio da Reorganização. A vinculação ao Estado, o financiamento via imposto sindical, a burocratização dos dirigentes, o distanciamento em relação à base, a ausência de organização nos locais de trabalho, o economicismo, o imediatismo, o corporativismo, a falta de trabalho ideológico, entre outras questões, são vícios que se reproduzem mesmo nos sindicatos dirigidos pela esquerda. A própria dinâmica do Seminário, a sua preparação sem envolver a base, um funcionamento em que não houve debate real, com os dirigentes resolvendo tudo em reuniões fechadas, refletem a permanência desses vícios.

8) Necessidade de um projeto. A formação de uma Nova Central não pode se reduzir à criação de um novo logotipo para adornar chapas em eleições sindicais. A Nova Central deve servir como instrumento a serviço de um verdadeiro Movimento Político dos Trabalhadores, que transcenda os processos sindicais e eleitorais, realize uma disputa ideológica profunda pela consciência dos trabalhadores na base e apresente um verdadeiro projeto de poder da classe, em ruptura com o capitalismo e em direção ao socialismo.

A construção desse Movimento é a proposta do Espaço Socialista e o chamado que fazemos a todas as correntes e ativistas envolvidos no debate da Reorganização.

 

 

CONTRA AS ALTERNATIVAS BURGUESAS, CONSTRUIR UM MOVIMENTO POLÍTICO DOS TRABALHADORES!

É um fato que o debate das saídas políticas para o país já está em andamento, tanto pelos desdobramentos provocados pela crise da economia, quanto pela proximidade das eleições de 2010.

Com a crise estrutural do capital e a intervenção maciça do Estado para salvar a lucratividade do sistema, até mesmo as lutas mais imediatas tomam uma dimensão política, sobre qual deve ser o rumo a seguir: se submeter aos interesses do capital – o que significa para a classe trabalhadora a perda cada vez maior de todos os direitos, em direção do padrão chinês de exploração – ou a romper com a lógica e a ordem burguesa no sentido de que a produção e a economia sejam postas a serviço das necessidades coletivas dos trabalhadores.

Assim, o desafio é muito maior do que apenas a luta sindical e imediata: é preciso avançar para um Movimento Político dos Trabalhadores que seja capaz de aglutinar os setores mais combativos e conscientes para apresentar ao conjunto dos explorados tanto essa crítica ideológica-prática ao capitalismo como de construir uma alternativa dos trabalhadores. Sem esse movimento político, mesmo as lutas imediatas mais heróicas ficam desprovidas de um referencial maior e tendem a ser desviadas ou mesmo derrotadas.

Como já está claro para qualquer trabalhador consciente, nada se pode esperar dos partidos governistas que passaram a defender diretamente a ordem burguesa como o PT e o PC do B.

No entanto, é preocupante o fato de que, olhando para a esquerda de luta e antigovernista, chegamos ao final de 2009 sem que, até agora, nada se tenha definido em termos de uma alternativa política dos trabalhadores para uma participação crítica nas eleições de 2010 e principalmente depois delas, quando certamente virão os maiores ataques aos trabalhadores.

O PSOL continua em crise em relação às sua política de alianças e definição de sua candidatura a presidente, haja visto que Heloísa Helena que representa o setor mais à direita dentro desse partido já declarou preferir uma aliança com a candidatura de Marina Silva, filiada recentemente ao PV. Como essa aliança não foi aprovada no último Congresso do PSOL, ela se recusa a ser candidata a presidente. Prefere a candidatura ao Senado por Alagoas, tentando com isso ser eleita e aumentar seu peso dentro do PSOL para defender seu projeto de alianças do PSOL com partidos burgueses considerados “progressivos”. Essa foi a mesma trajetória que o PT tomou e que o levou a abandonar seu programa e seu compromisso com os trabalhadores.

A posição de Heloísa Helena é compreensível à luz da evolução de seu partido. Nas últimas eleições para o governo do Rio Grande do Sul, o diretório nacional do PSOL escandalosamente aceitou dinheiro da Gerdau, uma das maiores empresas do país, abrindo mão de uma questão fundamental que é a auto-sustentação e a independência financeira das organizações dos trabalhadores frente ao estado e à burguesia.

Além disso, as propostas de Heloísa Helena e do PSOL desde as eleições de 2006 foram sempre mais à direita do que as reivindicações do movimento, mesmo no que toca a aspectos amplamente debatidos e defendidos por toda a esquerda, como a questão do Não Pagamento da Dívida Pública – em que ela defendia apenas uma auditoria – e a descriminalização do aborto, em que ela se colocou diretamente contra.

Por sua vez a proposta do PSTU de Frente de Esquerda com o PSOL e o PCB, segue limitada a uma aliança para as eleições e definida pela cúpula onde, embora não se diga claramente, o fator que mais interfere é o peso que cada corrente terá dentro da possível Frente de Esquerda. A discussão de um Projeto para o país, que siga para além das eleições, o trabalho de base nas estruturas da classe trabalhadora e dos estudantes, o chamado à ampla participação dos trabalhadores e demais organizações na construção e definição desse projeto, tudo isso é menosprezado. Até mesmo a base desses partidos tem pouca participação nessas decisões.

O Espaço Socialista tem seguidamente denunciado que esses são vícios têm origem no fato de que essas correntes colocam os interesses de sua construção acima dos interesses da construção do movimento de conjunto, quando deveria ser o contrário. Elas deveriam ser os maiores defensores da unidade, do trabalho político cotidiano junto à base da classe trabalhadora e da participação mais ampla possível dos trabalhadores nas decisões. Nenhum projeto socialista, por mais bonito que esteja no papel, vai se tornar realidade se a classe trabalhadora não for parte ativa de sua construção; se a classe trabalhadora for apenas uma expectadora dos acontecimentos e das decisões.

 

Inverter a lógica e construir um movimento político dos trabalhadores pela base!

Uma vez que todas as grandes correntes se colocam como classistas, antigovernistas, e anti-burocráticas, a discussão das candidaturas e do peso que cada corrente terá passa a ser uma questão menor, que não serve de desculpa para a divisão frente à necessidade de unir o setor combativo e os trabalhadores.

Partimos da experiência do processo de reorganização sindical, em que somente uma grande pressão da vanguarda e mesmo da base das correntes forçou as direções, mesmo na última hora, a abrirem mão de parte de seus interesses para que fosse possível marcar um Congresso Nacional de Trabalhadores em junho de 2010 (ver matéria sobre reorganização nesta edição)

A possibilidade dessa unidade sindical deve no entanto ser parte de um Projeto muito maior para a sociedade. Novamente a responsabilidade está com as grandes correntes se haverá ou não condições de se avançar para um Movimento Político dos Trabalhadores que seja a expressão dos interesses dos trabalhadores contra o capital nas eleições de 2010 e para além delas.

Para isso, é preciso que seja um movimento amplo, juntando o conjunto dos sindicatos, correntes e ativistas que se colocam no campo da luta anticapitalista e antigovernista.

Esse movimento precisa envolver a base das organizações de luta dos trabalhadores e deve apontar para a necessidade de romper com a lógica do capital e de que os trabalhadores unam em torno de si a todos os demais oprimidos, assumam o poder político da sociedade e impulsione a construção de uma sociedade socialista.

Frente a isso, as divergências que ocorram em relação ao peso de cada corrente no caso das candidaturas nas eleições de 2010, podem se resolver de várias formas com as correntes propondo um acordo ou não. O fundamental é que os trabalhadores e ativistas sejam envolvidos nas decisões, podendo ser através de uma Plenária Nacional de movimentos e ativistas, ou outro fórum que cumpra esta finalidade.

 

 

LANÇAMENTO DE ZÉ MARIA PRÉ-CANDIDATO: VEM DE CIMA, SEM PRIORIZAR A UNIDADE DA ESQUERDA, NEM A DISCUSSÃO COM O MOVIMENTO

No Seminário Nacional de Reorganização várias correntes apregoaram a “necessidade de unir a esquerda socialista e ir às bases para ajudar a avançar a consciência dos trabalhadores”. Dias após, o PSTU – um dos partidos que mais falou de unidade e de discussão com a base dos movimentos, saiu com o lançamento de sua pré-candidatura a presidente – Zé Maria. Isso representa uma política de tensionar a disputa com o PSOL e o PCB por mais espaço e peso dentro de uma possível Frente de Esquerda.

Ao lançar Zé Maria, o PSTU sinaliza para o PSOL e o PCB que, se não houver um acordo satisfatório para ele, poderá manter sua candidatura própria a presidente para 2010. Até agora a política tanto do PSOL quanto do PSTU não contribuem para apontar um caminho de unidade da esquerda que permita aos trabalhadores terem sua expressão política também nas eleições Aqui não estamos questionando a autonomia que qualquer partido possui de lançar seus pré-candidatos e nem o caráter classista e socialista de Zé Maria.

A questão é a concepção de como devem se construir as candidaturas ou pré-candidaturas dos trabalhadores. O que se vê por parte dos do PSTU é a aplicação de uma concepção política onde as decisões são tomadas pelo partido e apresentadas prontas aos trabalhadores e demais organizações, cabendo apenas aceitar ou não.

Além disso, a pré-candidatura aparece sem um Projeto que aponte para a unidade da esquerda e sem que sequer tenha ocorrido qualquer debate de programa junto aos trabalhadores. Na nossa opinião, esse método de apresentar as coisas pré-definidas não contribui para a unidade da esquerda e muito menos para a atrair as camadas mais amplas da vanguarda e das massas, pois não incorpora o papel ativo dos ativistas e dos trabalhadores, reduzindo-os a meros apoiadores ou pior, a expectadores.

Ao invés dessa política vir de cima para baixo, deveria apontar propostas para a unidade do conjunto da esquerda, a partir de um Programa Mínimo Socialista em uma discussão ampla com os ativistas nas estruturas do movimento, como assembléias, plenárias, reuniões, etc. (conforme o espírito da matéria ao lado) A partir dessa discussão feita na base, então se passaria à definição das melhores candidaturas que pudessem expressar esse movimento político. Como vemos, nessa concepção do PSTU e da maioria da esquerda, as coisas ficam invertidas…

Ao centrar o debate nas candidaturas, ao invés do programa e ao apresentá-la de cima para baixo, o PSTU aplica a mesma metodologia do PSOL, que também apresentam seus candidatos não a partir de um debate na base do movimento e com as demais organizações, mas sim da direção e de setores do próprio PSOL.

O que se trata de modificar é a relação das organizações com os ativistas e com os trabalhadores no sentido da construção de sua ação e subjetividade e não a construção de meros reprodutores de políticas pré-definidas. Às organizações revolucionárias cabe ajudar os trabalhadores no avanço de sua ação e consciência e não substituí- los.

 

A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E A EXPANSÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA

Cláudio Santana

 

 No último período ocorreram uma série de discussões em torno da crise do ensino público no Brasil. Diversos setores – sociais, políticos e econômicos – que participaram dessa discussão praticamente foram unânimes em afirmar que a culpa pelo fracasso no rendimento escolar era dos professores e, sobretudo, apontavam sua formação deficitária como um dos fatores centrais. A ex-secretária de Educação do Estado de São Paulo, chegou a afirmar que os cursos de Pedagogias deveriam ser fechados.

Primeiro, é necessário ressaltar que os professores, enquanto setor organizado, não foram e não são consultados sobre essa discussão envolvendo a sua formação.

Segundo, os setores mais engajados nessa discussão são aqueles que defendem uma Educação que tenha como objetivo central: "fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma ‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente ‘educados’ e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas". (Mészáros – A educação para além do capital. p.35)

Dessa forma, "os professores constituem, em razão do seu número e da função que  desempenham, um dos mais importantes grupos ocupacionais e uma das principais peças da economia das sociedades modernas". (Tardif &Lessard – Professores do Brasil: impasses e desafios. p.15)     

Nada mais natural que aqueles que comandam a economia capitalista ou estão a serviço dela participem dessa discussão.

No entanto, a formação do professor ganha outros contornos com a expansão do EAD (Ensino à Distância) que cresceu muito nos últimos dois anos. Somente na região do ABC atingiu um índice de crescimento de 128%. Os cursos à distância já vinham sendo utilizados em capacitações e cursos de aperfeiçoamentos para professores efetuados, sobretudo, pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. 

Embora os governos, municipal, estadual e federal, se apresentem preocupados com a formação dos professores sempre trataram a nossa formação de modo precário e nunca tiveram como prioridade o investimento no professor e na educação pública. Até porque se torna mais fácil culpar os professores e não assumir a responsabilidade pelo fracasso escolar.

Os recursos públicos e os incentivos fiscais sempre foram direcionados para os empresários. Com a crise estrutural do capitalismo, a drenagem do dinheiro público para as empresas e bancos se ampliou e o Estado, ao gerenciar a crise, se endivida ainda mais e retira recursos da saúde, educação e moradia.

Com isto, o investimento na expansão do ensino à distância serve para criar uma falsa idéia de que os governos estão investindo na melhora da qualidade do ensino público e encobre o real destino do dinheiro público.

No documento referência, do governo federal, para a Conferência Nacional de Educação, que será realizada em 2010, podemos verificar: “A formação e a valorização  dos profissionais do magistério devem contemplar aspectos estruturais, particularmente, e superar, paulatinamente, as soluções emergenciais tais como: cursos de graduação (formação inicial) à distância; cursos de duração reduzida; contratação de profissionais liberais como docentes; aproveitamento de alunos de licenciatura como docentes; e o uso de telessalas".

E isso já acontece na prática: "BNDES aprova apoio a projeto de ensino a distância no Rio". "A participação  do BNDES corresponde a 52,7% dos investimentos totais. O projeto tem valor de R$ 7,3 milhões e é apoiado pelo MEC, pelo governo fluminense e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia".

Com o objetivo de: "levar a educação superior pública e gratuita ao interior do Estado do Rio, reduzindo a carência de professores de ensino médio e fundamental, que serão formados e qualificados na própria comunidade". (disponível em www.gestaouniversitaria.com.br)

Um dos motivos que levou os trabalhadores, estudantes e professores da USP a ficarem cerca de 57 dias em greve foi a criação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Criada por José Serra (PSDB) é destinada, principalmente, para a formação de professores. O primeiro curso, Pedagogia, oferecerá 1350 vagas, inicialmente.   

O ensino à distância já atinge os alunos do Ensino Médio e será ampliado. Uma resolução do Conselho Estadual de Educação de São Paulo permite que as escolas ofereçam até 20% da carga horária nesta modalidade.

São muitos os relatos de estudantes graduados no ensino à distância que sofrem preconceito quando vão procurar emprego. Até mesmo professores de pedagogia e outras graduações que são impedidos de prestar concurso. A própria prefeitura do município de São Paulo não reconhece determinados diplomas de instituições mantenedoras desses cursos.

Evidencia-se que no Brasil temos dois sistemas educacionais. Um elitilizado, para atender os filhos daqueles que dirigem, comandam e lucram com a ordem burguesa composto por escolas particulares e universidades públicas e privadas com qualidade voltada para a lógica mercantil. Outro sistema de ensino que atende uma parcela da classe média (que não tem condição de pagar escola particular) e os filhos dos trabalhadores. Esse sistema tem como objetivo principal conter e atenuar as contradições causadas pelo capitalismo. A qualidade não é prioridade, busca-se garantir certa liberdade de consumo.

Composto de escolas municipais, estaduais e universidades privadas de qualidade questionada e que trabalham com o ensino presencial, semipresencial e à distância, esse segundo sistema também é responsável pela formação de quase a totalidade dos professores que nele trabalham. 

Com base nisso, fica claro que a expansão do ensino a distância, visa manter a ordem estabelecida na forma como está ou corrigir algum detalhe sem que se mexa na estrutura do sistema. Muito pelo contrário, aprofunda-se o abismo. O que se busca, é manter a ordem burguesa como está, economizar dinheiro para dar às empresas e bancos, dar um caráter assistencialista à escola, dar uma formação limitada aos alunos, que farão parte dos desempregados estruturais e exercer um papel de contenção.

Diante disso, é necessário que todos os trabalhadores participem da discussão sobre a qualidade de ensino.

Além disso, nós trabalhadores devemos tratar a Educação em todos os níveis, como um bem coletivo, um dos instrumentos de transformação social, espaço de produção de conhecimento e desenvolvimento humano. Uma escola emancipadora de todo tipo opressão e que desenvolva a consciência da necessidade de uma sociedade sustentável e não destruidora. 

Diante disso, defendemos:

– Uma escola emancipadora de todo tipo opressão e que desenvolva a consciência socialista;

– Ensino público, laico e gratuito em todos os níveis;

– Expansão do ensino público superior que prioza a formação de professores;

 

Para a formação de professores defendemos:

– Formação permanente em universidades públicas;

– Afastamento remunerado a cada dois anos para formação (atualização, aperfeiçoamento e especialização) a critério do professor;

– Afastamento integral para dedicação exclusiva ao mestrado e/ou doutorado.

      

       

LICENÇA-MATERNIDADE OBRIGATÓRIA DE 6 MESES PARA TODAS AS TRABALHADORAS, SEM DISCRIMINAÇÃO

Iraci Lacerda

 

Não poderíamos esperar nada diferente do governo Lula, governadores, prefeitos, deputados e senadores representantes direto do empresariado brasileiro quanto à licença-maternidade.

A situação da mulher trabalhadora é tão cruel quanto à da criança que não tem direito à vida e ao tempo necessário de aleitamento materno. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a mãe deve amamentar o bebê por no mínimo seis meses e preferencialmente até dois anos.

No entanto, a Lei 11.770, que possibilita o aumento da licença maternidade para 180 dias, é uma verdadeira afronta à classe trabalhadora.

O pagamento dos salários das trabalhadoras da iniciativa privada em licença-maternidade sempre foi realizado pelo INSS. E o pagamento dos salários das servidoras sempre foi realizado pelos Institutos de Previdência, ou seja, sempre pelos próprios trabalhadores, já que mensalmente recebemos esses descontos na folha de pagamento.

Os empresários que nunca arcaram com este tipo de pagamento, a partir desta Lei, e se quiserem aderir ao Programa Empresa Cidadã, ainda receberão abatimento no Imposto de Renda do valor integral do salário da trabalhadora.

É importante observar que esta Lei não se aplica para as trabalhadoras em micro e pequenas empresas, tão pouco para as domésticas.

Até março deste ano apenas 108 municípios e 14 estados haviam ampliado a licença-maternidade das servidoras (Agência Brasil, mar/2009). Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab vetou o Projeto de Lei que ampliaria a licença-maternidade para as servidoras municipais. O governador José Serra aprovou a Lei, mas exclui todas as servidoras estaduais contratadas por tempo determinado, o que representa só na Categoria de professores cerca de 56.000 trabalhadoras. Além de limitar as faltas médicas em seis ao ano, impedindo, na prática, os exames pré-natais.

Além da Lei não ter aplicação obrigatória é necessário que a trabalhadora solicite a ampliação até um mês após o parto e isso se houver adesão do patrão.

O capitalista é assim. Necessita de mão-de-obra para explorar, mas não quer arcar com o mínimo necessário para a sua existência. Para isso conta com o respaldo dos governos do PT, PSDB e DEM.

O capitalismo transfere para a mulher trabalhadora e seus filhos os problemas da maternidade ao mesmo tempo em que condena o aborto. Segundo a UNICEF mais de meio milhão de mulheres morrem por ano durante a gravidez e o parto. Nos países industrializados a morte de mães é de um caso para cada 8.000. Já nos países em desenvolvimento é de um caso para cada 76. Cerca de 4 milhões de bebês não completam um mês de vida.

No Brasil, o direito à reprodução humana e a vida só não é tão dificultado quanto à negação a reprodução. Segundo o Ministério da Saúde a cada 100.000 nascimentos registra-se a morte de 74 mulheres ou de 04 mulheres por dia. Esses números desoladores levam a mulher trabalhadora a visualizar a situação imediata: ter o filho com segurança, independente de saber quem é que vai pagar a conta.

Quando a mulher supera a barreira da morte e da garantia da licençamaternidade restam ainda os cuidados com o filho. Abrir mão do emprego, dos estudos ou da carreira profissional é uma prática comum para a mulher trabalhadora que não dispõe de creches e condições favoráveis para educação dos filhos.

Esta Lei discrimina as mulheres com salários mais baixos e condena seus filhos a condições de saúde menos favoráveis. A licença-maternidade é uma necessidade de toda a classe trabalhadora. Todas as mulheres que trabalham em pequenas ou grandes empresas, em repartições públicas, no campo e trabalhadoras domésticas precisam amamentar seus filhos pelo tempo recomendado e em boas condições.

O que defendemos:

♦ Licença Gestante de 6 meses para todas as trabalhadoras (sem isenção fiscal), tempo ideal para a amamentação exclusiva, com redução da jornada após a volta ao trabalho (entrar uma hora mais tarde e sair uma hora mais cedo) para complementar com o leite materno a alimentação da criança até completar dois anos e meio. A mulher trabalhadora tem direito de amamentar! Doenças alérgicas, algumas do sistema imunológico, alguns tipos de cânceres, obesidade, diabete e doenças cardiovasculares podem ser associadas à falta de amamentação ou à amamentação irregular.

♦ Creches públicas, gratuitas e com qualidade de ensino, funcionamento 24 horas, nos fins-de-semana e inclusive nos locais de trabalho e estudo. Enquanto as creches não estiverem prontas exigimos o Auxílio Babá, em que a pessoa responsável pela criança de até 12 anos, receba um salário médio para contratar uma pessoa de confiança que cuidará de seu agregado;

♦ A mulher deve decidir sobre o seu próprio corpo, em todos os sentidos;

♦ Hospitais públicos e com qualidade. Existe tecnologia para isso. A quantidade de valor retirado dos trabalhadores também possibilita isso. A nossa classe, que trabalha muito, merece ser bem tratada;

♦ Não a ditadura do parto normal e até do fórceps na rede pública e do parto cesariana nos hospitais particulares. A mulher deve ser bem instruída para decidir com segurança sobre o tipo de parto e ter boa assistência.

♦ Por emprego e salário dignos para todas as trabalhadoras;

♦ Por uma sociedade que valorize a vida e a saúde de quem trabalha!

 

Tempo de licença e salário benefício

Diferente do tempo da licença para a mulher trabalhadora é o benefício salário-maternidade que deveria ser pago, durante os seis meses, a todas as trabalhadoras rurais, que exercem atividade na terra com a finalidade exclusiva de garantir a subsistência ou o sustento familiar. Mas,acusado de promover uma explosão demográfica em algumas cidades da região Nordeste, este auxílio, pago pelo INSS,corre o risco de ser limitado a um número de filhos ou extinto. Na falta de políticas públicas para o desenvolvimento de planejamento familiar, de geração desemprego, de salários e condições de vida adequados, a mulher e a criança sofrem diretamente as conseqüências negativas das ações dos governos capitalistas.

 

 

QUESTÃO RACIAL PARA ALÉM DOS DIAS DE LUTA

Dalmo Duarte

 

A burguesia brasileira sempre tratou a questão racial a partir de uma ótica racista, seja no discurso de uma inexistente democracia racial (que se baseia no discurso da irreal igualdade entre negros e brancos), na qual todos convivem harmoniosamente seja por uma política pública que jogou os negros e negras para os piores lugares para se morar, para os piores empregos, com um sistema de saúde público que, além de ser de péssima qualidade para todos, também não tem tratamento para doenças com maior incidência entre negros e negras, como é o caso da anemia falciforme, distantes das escolas e universidade, entre outras..

A atual e antiga situação dos negros é, em última instância, produto do modo de produção capitalista que, para garantir seus lucros, precisa subjugar homens e mulheres e, para facilitar sua dominação, cria artificialmente outras diferenças entre homens e mulheres, como a cor da pele, para desvalorizar ainda mais a força de trabalho, pagando baixos salários.

Essa situação tem uma explicação histórica por ser ela o resultado de um projeto de dominação, primeiro da própria Coroa, que optou por uma acumulação de capital na metrópole, uma vez que o tráfico negreiro era altamente rentável (o que foi decisivo para a escravidão dos negros na América portuguesa) e depois por ocasião da industrialização (era preciso criar uma força de trabalho numerosa e com baixo custo para as indústrias que se recém instalavam  no país). 

 

20 de novembro: dia da consciência negra e dia de luta

A história oficial e parte importante da historiografia tratam o dia 13 de maio como o dia da libertação dos escravos, apresentando-o como um ato de benevolência do Estado –na pessoa da princesa Isabel-. Essa é uma data oficial e visa iludir os trabalhadores (brancos e negros) afirmando que o trabalho escravo foi extinto naquela assinatura. Essa é a história contada pela elite branca brasileira durante décadas e, evidentemente, tem o objetivo de reproduzir a ideologia de que falamos antes, sendo que sabemos que as modificações que tivemos aconteceram por conta da heróica luta dos trabalhadores escravos negros.

Como parte da luta dos negros e negras no Brasil, a partir de 1978, o dia 20 de novembro (data que marca o dia do assassinato de Zumbi, em 1695) além de homenagear o maior dirigente da resistência dos escravos passa a ser também um dia de luta pelas reivindicações dos trabalhadores negros e trabalhadoras negras. A escolha desse dia foi também para se contrapor ao oficial dia 13 de maio que, a partir daí e impulsionado pelo movimento negro, passa a ser o dia nacional de combate ao racismo, ou seja, exatamente o contrário do objetivo da história oficial.

O dia 20 de novembro desse ano ocorre em um momento ainda mais delicado em que as forças de repressão policial atacam com toda violência os morros e periferias do país e fazem tombar centenas de corpos negros. A crise econômica é outra questão importante porque são os negros e negras que mais sofrem com o desemprego e com os salários mais baixos.

Assim, o 20 de novembro não é um dia de comemorações, mas de luta e reafirmação das reivindicações, como as garantias de acesso (cotas proporcionais) e permanência na universidade, cotas proporcionais para os empregos –públicos e privados- gerados, garantia de atendimento pela rede pública de saúde para doenças com maior incidência entre os negros, etc.

 

A questão racial: como parte da luta cotidiana

 Uma discussão importante que há no movimento social é a relação da luta contra o capitalismo com as questões raciais (e também de gênero, etc). Ninguém tem desacordo que só o socialismo vai permitir superar o racismo e as supostas diferenças entre homens e mulheres por conta da cor da pele, mas ninguém pode se iludir de que só o fato de haver a revolução esses problemas estarão superados, pois ainda será necessária uma longa batalha para passarmos por cima de uma educação que dura séculos. E essa batalha deve começar desde já. para isso é preciso que as organizações do movimento social tratem a questão racial como parte da luta cotidiana e não somente nas datas “de luta ou de comemoração”.

Via de regra a questão racial tem sido tratada, inclusive na esquerda, ou nos dias de lutas (como o 20 de novembro), ou por departamentos dos sindicatos ou, no caso da Conlutas, nos GTs. É evidente que o fato de existir alguma discussão já é importante, mas também devemos reconhecer que essa metodologia faz com que a discussão fique restrita aos “espaços de negros”, onde só os negros e negras organizam os debates, criando uma espécie de “guichê” da discussão racial, ou seja, a questão racial não é assumida pelo conjunto dos militantes.

Um caso que merece destaque são as discussões no interior da Conlutas, que são realizadas no GT de negros e negras e depois a coordenação nacional recebe os “informes” de como foi a discussão. A coordenação nacional participa da discussão pelos informes reforçando uma concepção de que a questão racial é coisa de negros e negras. Nós, ao contrário, a compreendemos como uma discussão de todos os militantes.

A superação dessa fragilidade passa em primeiro pelo convencimento dos militantes de que a questão racial não é um problema dos negros e negras, mas do conjunto da classe trabalhadora e isso significa que todos devem impulsionar e organizar atividades que envolvam a temática racial. Outra medida importante é que essa discussão seja incorporada ao dia-a-dia e a todas as atividades das entidades, discussões e debates, com a participação de negros e brancos, incorporando às pautas das categorias as reivindicações dos trabalhadores negros e trabalhadoras negras, etc. Não estamos dizendo que não possam existir comissões e/ou GTs sobre a questão racial, mas que a discussão não pode se restringir aos negros e negras.  

 

 

A GIGANTESCA MÁQUINA DA MORTE DOS ESTADOS UNIDOS

Marcelo Marques

 

Apesar de ser de extrema relevância desenvolver todas as conseqüências políticas, econômicas e ideológicas que significa a existência da maior força bélica da história da humanidade este texto foca o poder militar estadunidense e sua imensa desproporção frente aos demais países do mundo.

A atual crise econômica global é a pressão objetiva que faz as potências mundiais disputarem as fontes de energia, as matérias primas e os mercados consumidores com crescente violência. Neste cenário os EUA retomam a ofensiva militar e dão novo alento a tomada de posições estratégicas por todo mundo sob uma plataforma militar projetada, desenvolvida e consolidada durante o decorrer do século XX. O desgaste da imagem do imperialismo estadunidense gerado pela administração Bush já está em grande parte superada pela gestão Obama, e este não tem apresentado voracidade menor que seu antecessor para promover a ampliação da gigantesca rede de pontos de apoio estratégicos que fazem dos EUA o único país com capacidade real de atacar qualquer ponto do globo a qualquer momento. Se não o fazem é por razões políticas e de sustentação ideológica, pois como veremos abaixo poder militar têm. É importante lembrar que desde a invenção da máquina a vapor, do advento do capitalismo até o fim do Bloco Soviético não houve um desequilíbrio tão colossal nas relações internacionais e nunca uma potência imperialista pôde navegar sem rival para lhe impor limites, ou rivais que somando suas forças o fizessem. Não podemos esquecer também que os EUA é a única nação que já desferiu ataques nucleares contra po

Leia mais

Jornal 42: Abril de 2011

 

 

 

 

 

 

Usina de Jirau: quando os explorados se rebelam

Os operários da construção civil que estão trabalhando nas obras da hidrelétrica de Jirau em Rondônia se rebelaram e protagonizaram a ação mais radical de trabalhadores dos últimos anos. Foram incendiados vários ônibus, caminhões e os alojamentos. A imprensa burguesa, fazendo eco às palavras da empreiteira Camargo Corrêa, se apressou em classificar esses atos como vandalismo e que nada tinham que ver com luta por direitos trabalhistas. Esse também foi o discurso dos governos estadual e federal, que usam desse artifício por duas questões: primeiro porque o caso escancara que nas obras do PAC há uma brutal exploração dos operários, ou seja, as empresas obtém o lucro às custas do sangue dos operários; segundo para criminalizar a luta, tentando identificá-la como um ato criminoso e não uma justa revolta daqueles que constroem a riqueza do país, como se os trabalhadores fossem bandidos e assim “justificar” a entrada das forças policiais do Estado e da segurança nacional.

Essa luta está no marco de um processo mais geral de greves que envolve outras obras do PAC. Nesse momento estima-se que os 80 mil trabalhadores das maiores obras estão em luta por aumento salarial e outras reivindicações. A maior delas – em Suape – envolve 34000 operários, sendo sem dúvida uma das maiores greves dos últimos anos, que envolve tantos operários de uma só categoria.

A nota da Camargo Corrêa tratou a luta como distúrbio civil provocado pela "ação criminosa e isolada de um grupo de vândalos". Mais do que uma desculpa, a empresa fez uma demonstração pública de como trata os trabalhadores no canteiro de obras: com muita violência e descaso. Esse é o tratamento dispensado àqueles que a enfrentam.

Com o passar do tempo a imprensa foi obrigada a revelar as péssimas condições de trabalho a que os operários estão submetidos: sobrecarga de trabalho, assédio moral, descumprimento de acordo sobre PLR, maus tratos e agressões constantes de seguranças da empresa contra os operários, desvios de funções, não pagamento de horas extra, diferença salarial e de benefícios entre empresas que tocam a obra (Vale alimentação na Camargo Corrêa é de R$ 110,00 enquanto nas outras é de R$ 310,00) e outros problemas. As imposições são tantas e tão degradantes que os operários nem podem visitar seus familiares, pois a empresa só disponibiliza transporte de volta após 80 dias.Para se ter idéia dos absurdos que são praticados no canteiro, os produtos vendidos nos alojamentos têm um preço muito maior do que o do mercado, o que faz com que o trabalhador tenha o seu salário ainda mais rebaixado. É uma técnica muito parecida com a que é utilizada nas fazendas que praticam trabalho escravo, criando uma espécie de escravidão por dívida. Francisco de Assis gastou em remédio R$ 149,00 para tratar de uma febre (Estadão).

Como não há serviço de saúde decente e condições de se comprar os produtos em outro lugar, os operários praticamente são obrigados a se submeterem a esses preços e condições.

A precarização do trabalho inicia logo na forma que a empresa utiliza para a contratação dos operários que é a mesma utilizada nas “décadas de crescimento” da ditadura, onde os famosos “gatos” recrutam os operários com várias promessas que depois não são cumpridas. Outra denúncia dos operários contra os “gatos” é que eles fazem os trabalhadores assinarem um contrato de comprometimento em que ele deve abrir mão de qualquer direito se desistir do trabalho antes dos 90 dias.

Esses problemas não são novos e todo o governo já tem conhecimento da violação de vários direitos humanos na obra, inclusive o próprio governo federal aprovou relatório que denuncia essa prática há muito tempo. O MAB (Movimento dos Atingidos pelas Barragens), desde junho de 2010,  já vinha denunciando esses ataques a direitos básicos dos trabalhadores da construção. Outra informação do MAB é que essas empresas têm as mesmas práticas em outras obras, como a de Cana Brava em Goiás (controlada pela Suez) e a do Foz do Chapecó em Santa Catarina (que é controlada pela Camargo Correa).

Até a justiça burguesa (TRT de Rondônia) determinou que o consórcio responsável cumprisse as obrigações legais, como vínculo trabalhista, pagamento dos dias parados e transporte para os trabalhadores.

 

PAC: programa de aceleração da exploração

O PAC é um programa que interessa diretamente às empreiteiras, uma vez que se tornou uma apetitosa fonte de recursos com bilhões de reais e com possibilidade de contratar uma farta força de trabalho nas regiões mais pobres do país com salários rebaixados. Dentre as várias obras em andamento as maiores (Refinaria Abreu e Lima, Petroquímica de Suape, as Usinas de Monte Belo, Jirau e santo Antonio) reúnem por volta de 80 mil trabalhadores na mesma condição de terem direitos legais básicos não cumpridos.

O PAC é sim, portanto, uma grande generosidade do Estado brasileiro, mas à burguesia e não aos trabalhadores, uma vez que são garantidos fortunas em empréstimos com juros baixos e as empresas que estão construindo-as com dinheiro público ainda vão poder explorá-las como forma de concessão por anos.

Outra questão que deve ser analisada é o processo de desregulamentação por que passaram alguns órgãos que deveriam fiscalizar (e impedir) a construção das usinas, uma vez que os danos ambientais, culturais e sociais são imensos e irreversíveis, pois alteram as condições de vida e de reprodução de vários animas, da flora e da população da região. As populações ribeirinhas e indígenas que estão há pelo menos centenas de anos na região serão retiradas e deslocadas para outras regiões sem qualquer infra-estrutura. Órgãos como o IBAMA (que entre várias intervenções que sofreu teve retirado o seu direito de vetar projetos), a ANA (Agência nacional de água), tiveram seus poderes retirados ou restringidos pelo governo, pois era a única forma de “legalizar” tanta destruição. Assim, governo, órgãos fiscalizadores e empresas formam um grande consórcio para a destruição. Essa destruição serviu de motivo para que, segundo o blog  Revista Ambiente Global, o grupo Suez fosse eleito uma das seis empresas e organizações mais irresponsáveis do mundo em 2010, segundo premiação internacional da Public Eye Awards (Olho do Público).

Como se não bastassem tantos desmandos, o futuro parece ainda mais promissor para o capital na região, pois o projeto mais geral do Estado é, a partir dessa usinas na região amazônica, criar uma espécie de corredor para escoamento de matérias primas, madeiras, minerais, a biodiversidade que tanto interessa a grandes grupos internacionais e é claro a energia elétrica servindo de suporte para esses setores. Dessa forma, a construção dessas hidrelétricas visa não só atacar o déficit de energia elétrica, mas também abrir uma nova fronteira para a exploração do capital nessa região e que no caso amazônico significa ter o controle de um território muito desejado para o capital.

Esses elementos só podem nos levar à conclusão que o governo Dilma (assim como o de Lula) tem responsabilidade direta pela situação em que se encontram os trabalhadores das obras do PAC. A postura do governo Dilma é de conivência com os desmandos das empreiteiras, pois foi daí que saiu boa parte do financiamento da campanha eleitoral, uma vez que as empreiteiras estão entre os maiores doadores para a campanha eleitoral do ano passado (na verdade em todos os anos). Só para a campanha da petista foram doados 28, 4 milhões de reais (só a Camargo Correa doou 8 milhões de reais), ou seja, boa parte da campanha foi financiada por esse dinheiro. Essa é a razão do governo federal não condenar a empresa, o que significa fazer coro com os argumentos da empreiteira.

Dilma também é responsável pela intervenção militar e pela repressão que se seguiu após a revolta dos operários, principalmente pelo fato de que enviou para Rondônia cerca de 600 homens fortemente armados da Força de Segurança Nacional que vão garantir que a Camargo Correa continue explorando os trabalhadores e desrespeitando direitos trabalhistas. Enquanto a força policial ameaça os operários, os executivos das empreiteiras que cometem ilegalidade têm trânsito livre. A presença dessas tropas é uma bela demonstração de que lado está o governo Dilma.

A direção sindical: aliada da empresa

Diante de uma situação dessas o que se espera de uma direção sindical é que se coloque ao lado dos trabalhadores, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário, pois no dia da rebelião, e revelando a boa relação que tem com a empresa, a direção sindical não hesitou em  apoiar a empresa, declarando, em nota pública e contra todas as evidências, que não há problemas trabalhistas na obra e que os distúrbios eram por conta de questões pessoais.

Mas a verdade logo veio à tona. O site Nahoraonline divulgou algumas fotos com o presidente (vulgo Toco) e mais alguns diretores do sindicato curtindo uma piscina em um dos mais caros hotéis de Rondônia. A pergunta que fica é como consegue esse dinheiro, uma vez que um trabalhador do canteiro de obras trabalhando das 7 horas da manhã até as 22 horas recebe no máximo R$1100,00 por mês. Já o sindicato tem uma arrecadação de R$ 1 milhão por ano.

Mas não é só em Rondônia que os pelegos se estão agindo. Como ainda não conseguiu controlar essas greves, Dilma já convocou as maiores centrais governistas (CUT e Força Sindical) para montar a operação “desmonta greve”, tentando um “acordo” com as empresas para assegurar aquilo que já é direito dos trabalhadores e assim “pacificar o PAC”. O governo está cobrando o preço pela criação de cargos nas estatais para os dirigentes sindicais e pelo rio de dinheiro da manutenção do famigerado imposto sindical.

DEMOCRACIA PARA QUEM, CARA PÁLIDA?

            Nas eleições presidenciais de 2010, os dois principais candidatos burgueses, Serra e Dilma, acusaram um ao outro de ser uma ameaça à democracia. Segundo Dilma, o candidato do PSDB colocaria em prática no governo uma gestão tecnocrática, voltada para os interesses do mercado e do capital internacional, impermeável ao diálogo com o povo, autoritário e repressivo no combate aos movimentos sociais. Segundo Serra, a candidata do PT lotearia os cargos do Estado aos partidos de sua base de sustentação política, distribuindo nomeações como forma de aprovar projetos e aparelhando as instituições em favor de grupos políticos notoriamente corruptos e oportunistas, em prejuízo da “gestão técnica”.

            Ora, acontece que os dois têm razão. Tanto PT quanto PSDB são uma ameaça à democracia. Qualquer dos dois que vencesse constituiria um governo tecnocrático, autoritário e corrupto. Tal perfil de governo decorre de uma necessidade da burguesia de impor o seu projeto mediante uma gigantesca operação ideológica de construção do consenso, quando for possível, e mediante o uso da força, quando necessário. A democracia burguesa, nos seus aspectos de liberdades formais, direito à contestação, ao debate e à manifestação, está sendo paulatinamente revogada na prática pelos sucessivos governos burgueses, a ponto de imprimir ao Estado um perfil cada vez mais autoritário. A burguesia não pode admitir nenhum questionamento aos elementos centrais do seu projeto, que envolve a garantia do pagamento da dívida aos especuladores, as contra-reformas fiscal, previdenciária e trabalhista, a reestruturação do Estado, o arrocho sobre os funcionários públicos, o favorecimento ao mercado financeiro, o agronegócio, a construção civil, as montadoras e indústrias de bens de consumo.

            Está em jogo uma grande operação política e sindical no sentido de construir-se a imagem de um país que caminha em direção ao futuro próspero e que para tanto é preciso apostar no desenvolvimentismo e na democracia burguesa. Esse projeto está sendo apresentado pelo PT a partir da perspectiva da exploração do Pré-Sal, do crescimento econômico conjuntural, do peso maior que o Brasil tem assumido no plano internacional. Porém tudo isso é apresentado condicionado ao interesse do capital. Ou seja, para que o país cresça, o capital tem que crescer. Como contrapartida, todos aqueles que se colocarem contra esse projeto, em qualquer de seus aspectos, enfrentarão a mais brutal repressão, a censura, campanhas midiáticas de difamação e descrédito, etc.

            Os primeiros meses do governo Dilma vieram a comprovar exatamente isso. O cartão de visita foi a discussão sobre o reajuste do salário mínimo. O governo federal não recuou um milímetro sequer da sua proposta inicial de R$ 545 reais, a qual acabou se impondo, em nome da necessidade de preservar as finanças públicas (ou seja, o pagamento da dívida aos especuladores). De sua parte, as centrais sindicais que negociaram o valor do reajuste “em nome dos trabalhadores” e a quem caberia em tese encabeçar um processo de luta e mobilização, aceitaram o reajuste em troca de cargos nas diretorias das estatais, rifando os interesses dos trabalhadores em nome dos seus interesses burocráticos.

            Essa operação de mistificação é necessária para legitimar um suposto “processo de negociação” puramente formal, quando na verdade tudo já estava decidido, e não havia qualquer possibilidade nem do governo alterar a proposta, nem das centrais encaminharem um processo de luta. Ao legitimar o processo de negociação, o Estado deslegitima a contestação. Os setores que se colocam contra os projetos do governo e ousam encabeçar qualquer processo de luta se deparam com a ausência de qualquer disposição real de diálogo e com a mais dura repressão.

            Além disso, tem havido uma divisão de tarefas entre as instituições do regime, com os diferentes poderes se revezando e assumindo o papel de garantir a aplicação das medidas. Essa dinâmica tem se expressado em vários assuntos estratégicos da política nacional, em que o judiciário tem chamado para si legislar sobre assuntos em que, por diversas razões, não se consegue avançar no âmbito do parlamento. É o caso do direito de greve para o funcionalismo, a reforma política relativa ao processo eleitoral e medidas tributárias. Além de substituir o legislativo, o judiciário tem buscado até mesmo se sobrepor ao executivo, como no caso em que invocou para si o direito de decidir sobre a extradição do militante italiano Cesare Batistti, que já havia sido decidida pelo presidente da república (conforme suas atribuições legais), mas cuja decisão desagradou os representantes da linha mais à direita que predominam na suprema corte. Para alguns esse papel do judiciário de substituir o legislativo representa uma crise do regime, mas na verdade se trata de uma capacidade do regime de conjunto em distribuir tarefas e garantir a aprovação das medidas necessárias ao capital e o ataque aos trabalhadores.

            O judiciário tem tido também um papel especial na criminalização dos movimentos sociais. Os processos de luta dos sem terra, sem teto, atingidos por barragens, indígenas, quilombolas, passe livre, greves, etc., tem sido tratados como caso de polícia, com a prisão de militantes, multas aos sindicatos, demissões e processos administrativos contra os ativistas, entre outras medidas repressivas. As operações de “pacificação” dos morros do Rio pelas UPPs (abrindo caminho para sua ocupação por milícias), a prisão de Gegê, líder dos sem-terra em São Paulo, a violenta repressão policial contra o movimento do passe livre também em São Paulo, em fevereiro, a prisão dos 13 manifestantes contra Obama no Rio (não se trata do tradicional “chá de cadeia” na delegacia, mas de enviar os manifestantes para uma penitenciária), o envio da Força de Segurança Nacional contra os grevistas da construção civil em Jirau – RO; são múltiplos exemplos do operativo de repressão contra as lutas acionado pelo Estado burguês para garantir, dentro de mecanismos “democráticos”, a aplicação da política do capital.

            A classe trabalhadora precisa fortalecer seus instrumentos de luta, construir ações unitárias e avançar no processo de organização, para fazer frente a essa ofensiva anti-democrática, garantir os seus salários, direitos e condições de vida sob ataque e reconstruir a perspectiva da luta pela superação dessa sociedade e por uma verdadeira democracia, possível apenas sob o socialismo.

 

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS A SERVIÇO DA DESTRUIÇÃO DO PENSAMENTO E CONTRA AÇÃO COLETIVA DOS PROFESSORES

O envolvimento de empresários, banqueiros e governos – tanto do PT como do PMDB, PSDB, DEM, PV, PSD e outros – na discussão das políticas educacionais revela o intenso empenho da burguesia nacional para mudar o perfil da Educação Pública brasileira, adequando-a às necessidades do momento atual. Porém, o que está por traz desse imenso esforço?

Os mesmos empresários e banqueiros que agora se interessam pelo tema da Educação sempre cobram e recebem dos governos isenção fiscal, redução de impostos, perdão das dívidas, incentivos à produção e, ainda, criticam os gastos públicos. Propõem o enxugamento dos gastos dos governos e a redução do tamanho do Estado.

Com isso, de imediato uma contradição se apresenta: Como podemos ter qualidade de ensino sem o aumento dos investimentos públicos na Educação?

A presença dos empresários e banqueiros na discussão sobre um novo perfil para a Educação Pública brasileira demonstra claramente que exigem um aprofundamento no ordenamento ideológico, político e social do pensamento. Esse ordenamento não é algo novo, já que a Educação cumpriu ao longo da história esse papel. No entanto, recuou em muitos aspectos durante a árdua luta pela democratização do ensino empreendida pelos movimentos sociais. Agora, querem retomar.

O novo ordenamento ideológico, político e social para a educação

Além de procurar se consolidar e se ampliar enquanto classe dominante, a burguesia procura destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga e se prevenir de rebeliões provocadas por uma massa de subempregados e desempregados que vai desde o emprego temporário, o dramático (bicos, catadores de papelão etc.) até o desemprego permanente.

Nesse sentido, embora esse reordenamento conservador ocorra em escala nacional, aqui em São Paulo está mais aprofundado, com a Educação cumprindo um papel reacionário no sentido de apagar da memória coletiva “… noções como… bem comum, solidariedade, igualdade, direitos sociais. Isto porque os conteúdos e valores associados a elas constituíram ancoragens simbólicas eficazes para a conformação material de atores sociais com força de negociação (partidos políticos, sindicatos, movimentos cívicos) e capacitados para produzir de maneira autônoma categorias e conceitos” como pensar, nomear, julgar e atuar na sociedade e no mundo. (Suárez. In: Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo na educação, p. 256)

Juntam-se a isso novos valores vinculados a ética da economia de mercado, tais como: eficácia, eficiência, competência, mérito pessoal, o privado (individual) em detrimento ao público, equidade em detrimento a igualdade, etc.

Como parte desse processo ocorre a fragmentação e estratificação da categoria de professores em efetivos, estáveis, OFA’s com várias letras (F, L, O, I, S, V, etc.), oficinas, projetos, etc.

O mesmo ocorre com os órgãos colegiados no interior das escolas (Conselho de Escola, APM e Grêmio Estudantil), há uma ofensiva dos agentes de governo no sentido de inviabilizar o funcionamento democrático dessas instâncias. Tudo o que envolve o coletivo, atualmente é questionado na tentativa de torná-los desacreditados: sindicatos, discussões sobre as saídas para solucionar os problemas do dia a dia nas escolas, os intervalos de períodos são divididos para separar professores, etc.

Não é por menos, são instrumentos que podem desafiar o poder e a possibilidade de pensar alternativas políticas viáveis, ou seja, que podem criar um cenário para a formação de identidades e coletivos sociais que em algum momento poderão questionar o sistema de dominação política e as próprias mudanças estruturais na Educação,Reforma da Previdência, retirada de direitos trabalhistas, falta de investimento nos serviços sociais, dentre outras.

A estratificação das escolas estaduais no estado de são paulo

Para justificar e tentar mostrar que tudo está dando certo, legitimar a implementação de política educacional e propagandear a favor da mesma, no estado de São Paulo, as escolas públicas estaduais estão sendo estratificadas. Há as escolas técnicas, que são o “top”; as escolas que recebem mais atenção em termos de verbas, cursos de idiomas e equipamentos, situadas em bairros mais centralizados; as escolas localizadas em bairros que não são periferia mas, têm um cotidiano tenso e, por último, as escolas na periferia.

Estas últimas apresentam uma série de problemas, sobretudo, por lidarem em maior intensidade com as contradições e problemas gerados pela sociedade capitalista. Cumprem um papel de contenção social, já que a sociedade permite a liberdade para o consumo, mas, nesse caso, nem tanto assim e a relação consumista exerce forte pressão.

A estratificação das escolas públicas também interfere no relacionamento coletivo dos professores, principalmente em momentos de luta e mobilização por melhores condições de trabalho e salários. Muitas vezes cria-se até uma rivalidade entre as escolas. Portanto, não é algo natural. É pensado, pois visa a fragmentação dos professores.

Essa estratificação também afeta os salários dos professores. O Bônus Mérito e a Prova de Mérito estão a serviço dessa lógica, pois um pequeno setor da categoria (até 20%) obtém algum ganho enquanto a maioria é penalizada. Ao mesmo tempo permite ao Estado a redução dos investimentos na Educação. Assim, uma política maior de não concessão de reajuste é transformada artificialmente em um problema individual de cada escola e de cada professor (acusa-se de falta de capacidade ou de dedicação), julgadas aparentemente de forma objetiva, em avaliações externas de rendimento padronizadas.

Essa política visa apagar do horizonte as causas da crise educacional como os profundos problemas sociais existentes nas comunidades no entorno das escolas e a precarização completa das condições de trabalho e de ensino existentes nas escolas. Isso para justificar o não enfrentamento real aos problemas, pois isso levaria a questionar não apenas a política dos governos estadual e federal, mas o próprio capitalismo que produz e reproduz essa realidade.      

A educação enquanto espaço da construção da coletividade dos trabalhadores de conjunto

Reiteramos que as saídas para os nossos problemas devem ser pensadas, discutidas e aprovadas de modo coletivo, pois não envolve um ou outro professor, mas o conjunto dos professores e deve transcender os limites do corporativismo.

Dessa forma, a discussão sobre a qualidade do Ensino Público, deve ir além da esfera de atuação dos professores. Os trabalhadores de um modo geral devem participar ativamente nessa luta. O nosso ensino deve tratar e defender exclusivamente os interesses da classe trabalhadora.

É preciso construir e fortalecer os vínculos coletivos no interior das escolas a partir das demandas concretas e da busca de reuniões, discussões, atividades sociais, etc. A organziação de grupos que se reúnam e discutam no intrior das escolas no sentido de buscar formas de resistência e de relação construtiva com os alunos e pais.    

Também é necessário participarmos e defendermos os espaços coletivos dentro das escolas(Conselho de Escola, APM e Grêmio Estudantil).

Os sindicatos de um modo geral devem empenhar-se ativamente na discussão sobre a Educação elaborando “outdoors”, mensagens na mídia, cartas abertas, faixas e fazer o uso de carro de som, além da utilização das novas ferramentas de comunicação como as redes sociais, de modo que denuncie e reivindique um ensino público de qualidade.

Além disso, é preciso que os sindicatos e as subsedes sejam espaços coletivos, em que haja uma gestão realmente democrática e aberta à participação dos professores e demais trabalhadores, onde possamos reconstruir e fortalecer o senso de coletividade não apenas nos aspectos diretamente políticos e sindicais mas também em atividades de formação, atividades culturais e sociais.            

Que a nossa luta assuma um caráter emancipatório, que vislumbre uma sociedade sem classes, fraternal entre os trabalhadores.

Pelo desenvolvimento contínuo da consciência socialista! 

 

Aumento das passagens de ônibus: os trabalhadores devem dar o troco!

Você acorda cedo, tão cedo que o sol ainda nem se mostrou ao mundo.  Se arruma após um banho, toma café apressado, despede-se da companheir@ e caminha ao ponto de ônibus rumo a mais um dia árduo de trabalho. Parece mais um dia comum, mas ao entrar no ônibus velho, apertado e sujo, repara que o troco foi menor, então percebe o pior: seu salário tem diminuído constantemente. Fica chateado pensando nas contas que só aumentam e no salário mínimo que mal dá pra sobreviver. Enquanto isso parlamentares e a própria presidenta aumentam seus próprios salários, para deputados R$ 16, 500 e para a presidenta R$ 26, 700. Quanta desproporção!

Após os últimos aumentos nas tarifas de ônibus, os salários de trabalhadores e trabalhadoras de várias cidades brasileiras têm reduzido drasticamente com o transporte diário e desconfortável ao seu trabalho. Muitos destes, ao lado de estudantes estão indo às ruas das principais capitais do país reclamar o passe livre para estudantes e trabalhadores.

Porém a questão do transporte coletivo tráz a necessidade de esclarecer o porquê destes aumentos absurdos.

O processo desordenado e desenfreado de urbanização ou “favelização” (Davis) da maior parte do globo terrestre movido pelas necessidades imperativas do sistema capitalista a que hoje estamos submetidos, tem trazido conseqüências de grande magnitude e nefastas aos trabalhadores, sobretudo dos chamados países “emergentes”, como Brasil, China, Índia etc.

Este processo aplicado por meio das políticas neoliberais ditadas pelos organismos imperialistas internacionais como FMI, OMC, BIRD, entre outros, forçou o que os teóricos chamam de desregulamentação agrícola ou “descampesinação”, que forçou o desenfreado processo de migração social para áreas urbanas.

Assim, sem nenhum planejamento, o crescimento urbano – na maioria dos casos não acompanhado por um desenvolvimento industrial (China) ou econômico na mesma medida – tornou a realidade social dos países do terceiro mundo ainda mais complicada.

Questões como desemprego, subemprego, aumento da violência, crescimento de favelas, falta de saneamento básico, e como vemos hoje claramente, o agravamento dos problemas referentes ao transporte coletivo, dizem respeito diretamente às imposições do capital, que busca superar sua sede de lucro por meio dos baixos salários e da transformação em mercadoria de todos os aspectos da vida social.

No caso brasileiro, mais especificamente nas grandes metrópoles, os trabalhadores estão submetidos todos os dias a transportes desumanos, lotados, sujos e antigos. Entra ano e sai ano e os políticos burgueses falam sobre o problema do trânsito como se fosse apenas um problema conjuntural, porém nada ou muito pouco se faz para atacar de fato a raiz do problema: a falta de um transporte público de verdade, que realmente esteja sob controle e a serviço dos trabalhadores.

O descaso com que é tratado o transporte coletivo no país é antes de qualquer coisa um ataque aos trabalhadores, visto que são estes que dependem do transporte coletivo para se locomover. Os grandes monopólios que dominam o transporte coletivo no país reduzem frotas para aumentar seus lucros, não renovam veículos (basta olhar as linhas que servem principalmente os moradores da periferia), atrasam constantemente, etc.

Hoje na maior parte dos grandes perímetros urbanos o serviço de transporte coletivo encontra-se dominado por corporações privadas, verdadeiras máfias que detém o monopólio do transporte coletivo e impõem à população serviços de péssima qualidade, fazendo lobby junto aos governos para garantirem ano a ano o aumento de seus lucros.

É sabido que estas máfias financiaram grande parte das campanhas eleitorais do último período em todos os estados brasileiros. Não é de se estranhar que agora os governos recompensem estas empresas privadas/máfias com o aumento das tarifas.

A situação se agrava quando observamos a desproporção entre o salário dos trabalhadores e o peso das tarifas. Atualmente o salário mínimo no Brasil é de vergonhosos R$ 540,00, desta forma um trabalhador de São Paulo (tarifa mais cara do Brasil) com o salário mínimo atual  e utilizando duas conduções por dia, gastará  R$120 por mês, ou seja, mais ou menos um quarto de seu salário será para se locomover, um ataque brutal aos trabalhadores e ao direito de ir e vir, tudo para a satisfação das empresas/máfias do transporte. Isso sem falar nas limitações horrendas a que estão submetidos desempregados e estudantes.

A falta de um transporte público de fato, sob controle dos trabalhadores, é responsável diretamente pelo trânsito intenso nas grandes metrópoles, pelo aumento da poluição do ar, mas principalmente, pela redução intensiva da qualidade de vida de trabalhadores e trabalhadoras.

Só conseguiremos de fato vencer a privatização dos transportes coletivos por meio da unidade de entre estudantes e trabalhadores, já que estes tem sofrido anualmente com as ambições capitalistas.

– Passe livre para estudantes e desempregados já!

– Pela estatização das empresas de transporte coletivo sob o controle dos trabalhadores (Ônibus, metrôs, trens, etc.)!

– Pela extensão imediata do transporte coletivo!

DESASTRES NATURAIS E A BARBÁRIE NUCLEAR DO CAPITAL

            Em janeiro de 2010 um terremoto de 7 graus de magnitude arrasou o Haiti, deixando 222 mil mortos, 310 mil feridos, 1,5 milhão de desabrigados e mais 766 mil pessoas que se deslocaram para outras regiões do país (globo.com, 17/03/2010).

            Em março de 2011, um terremoto de 8,9 graus atingiu o litoral do Japão, desencadeando um tsunami em seguida, cujas ondas destruíram tudo o que existia numa área de dezenas de quilômetros no leste do país. A contagem de mortos está em pouco mais de 10 mil vítimas, com cerca de 15 mil ainda desaparecidos.

            Considerando que cada ponto na escala de magnitude significa uma liberação de energia 32 vezes maior que o grau anterior, o terremoto no Japão foi quase 900 vezes mais forte que o do Haiti (bbc Brasil, 11/03/2011); e mesmo supondo que todos os habitantes da região atingida no litoral japonês que estão atualmente desaparecidos sejam ao final dados como mortos, ainda assim o número de vítimas no país asiático será  cerca de 10 vezes menor que no do Caribe.

            Por que uma catástrofe natural tantas vezes mais forte provoca um número tantas vezes menor de vítimas de um país para o outro? A resposta é óbvia, o Japão é um país rico, com PIB de US$ 5,39 trilhões, o 3º maior do mundo, enquanto que o Haiti é o 145º, um dos mais pobres, com PIB de US$ 6,49 bilhões (valores nominais de 2010, segundo dados compilados do FMI, Banco Mundial e CIA World Factbook, disponíveis na Wikipédia).

            Entretanto, essa resposta bastante óbvia nunca é desenvolvida até a sua conclusão lógica, ou seja, as catástrofes naturais se tornam mais mortíferas ou não de acordo com as condições sociais de cada país atingido. Os eventos naturais são até certo ponto aleatórios, pois, por exemplo, conhecem-se as regiões do planeta mais sujeitas a terremotos, porém nunca se sabe ao certo quando acontecerá o próximo e quão forte será. Mas as conseqüências sociais de cada evento se distribuem de acordo com uma lógica bastante precisa e previsível, que tem a ver com o papel que cada sociedade ocupa na hierarquia mundial. O Japão é uma das principais potências imperialistas mundiais, com recursos suficientes para fazer frente ao desastre.

            Evidentemente, isso não significa que as vítimas e desabrigados no Japão, por serem em menor número, são menos importantes, e que não tenham enfrentado um sofrimento bastante real e terrível. O terremoto seguido de tsunami, além das vítimas fatais, deixou mais de 200 mil desabrigados, cortou o fornecimento de energia elétrica em diversas regiões, inclusive a capital Tóquio, paralisou o transporte ferroviário e portuário, além de danificar fábricas e forçar uma paralisação na produção em diversos setores. Para complicar ainda mais a situação, uma nevasca dificultou nos primeiros dias imediatamente seguintes os trabalhos de remoção dos escombros e o alojamento dos desabrigados.

            As conseqüências do evento se farão sentir ainda por muito tempo. O Japão é o maior fornecedor mundial de componentes para produtos eletrônicos e de alta tecnologia, como chips e processadores que são usados em computadores, celulares, câmeras, aparelhos de TV, etc., montados em outros países como a China e o sudeste asiático e exportados para o mundo inteiro. Cerca de 30% das empresas tiveram suas atividades momentaneamente paralisadas. As estimativas de prejuízos com a queda da atividade econômica, pagamento de seguros, reconstrução das áreas atingidas, etc., estão em torno de US$ 310 bilhões (notícias uol, 22/03/2011), gigantesca mesmo para a 3ª maior economia do mundo.

            O fato de se tratar de um país rico não significa que esteja imune às conseqüências sociais dos eventos naturais, pois como dissemos acima, a população japonesa está enfrentando uma série de pesados sofrimentos. Ainda por cima, surgiu logo em seguida a ameaça de contaminação por radiação a partir da usina nuclear de Fukushima, seriamente avariada pelo terremoto e tsunami. A riqueza do Japão, que pode ter evitado um desastre ainda maior, contém em si um aspecto contraditório, que é o fato de ser produto das relações capitalistas de produção. A riqueza e a prosperidade do Japão estão assentadas sobre uma base social tão instável quanto as placas tectônicas cujo movimento provocou o terremoto.

            A economia japonesa precisa importar quase toda a energia que consome. Entre 70 e 75% da energia japonesa provém de petróleo, carvão e gás natural, dos quais praticamente 100% são importados. ¼ do petróleo consumido no país é processado em refinarias localizadas nas regiões atingidas pelo terremoto e tsunami, as quais estão paralisadas, seja por danos nas instalações ou por precaução (estadao.com.br, 14/03/2011).

            Para tentar compensar essa dependência crônica de petróleo, o país optou pelo uso de energia nuclear, que responde pelos quase 30% restantes do consumo de energia, a partir de 55 usinas. Isso representa no mínimo uma ironia cruel, pois o Japão é o único país até hoje atingido por armas nucleares. Para encerrar a disputa interimperialista da II Guerra Mundial, os Estados Unidos bombardearam as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945 com bombas que mataram mais de 200 mil pessoas, além de deixar outros milhares de feridos e pessoas doentes por conta da radiação, cujos efeitos, como câncer, má formação de fetos, etc., se prolongaram por décadas e afetaram várias gerações. Esse legado terrível deveria ser o suficiente para dissuadir os dirigentes japoneses do uso da energia nuclear, mas a necessidade de diminuir a dependência em relação ao petróleo falou mais alto.

            Assim, o terremoto de 11 de março de 2011 transformou as usinas da região atingida em novas bombas atômicas em potencial. As usinas nucleares produzem eletricidade a partir do calor gerado por materiais radioativos, cuja contenção é crucial, pois a radioatividade é mortal para o homem. O terremoto abalou as estruturas de contenção e resfriamento das usinas da região de Fukushima, que tiveram que ser desativadas. Para evitar o superaquecimento e a explosão, parte do vapor da usina, com carga radioativa, teve que ser liberado na atmosfera.

            A nuvem radioativa criou uma nova onda de medo após o terremoto e o tsunami. Mais de 100 mil habitantes num raio de 30 quilômetros da região tiveram que ser evacuados por precaução. Milhares de estrangeiros estão deixando o Japão por medo de uma catástrofe nuclear. Diversos países anunciaram a suspensão da importação de alimentos vindos do Japão. O nível de radioatividade está muito maior do que seria o aceitável, principalmente na água. O terror nuclear toma conta da população a cada nova notícia sobre a condição das instalações de Fukushima.

            O governo japonês demorou a tomar providências e divulgar a gravidade da situação, ameaçando a vida da população para não pôr em risco a imagem da indústria nuclear do país. "Os reatores fechados devido ao terremoto são responsáveis por 18% da capacidade de geração de energia nuclear do Japão" (http://www.agora.uol.com.br/mundo/ult10109u887723.shtml). Como sempre, os interesses econômicos falaram mais alto do que a vida das pessoas. A empresa Tepco, responsável pelos reatores, já produziu mais de duzentos incidentes desde 1978 (Boletim Crítica Semanal, nº 1056, 2011).

            O fato de que o Japão se localize sobre uma falha tectônica sujeita a terremotos é um dado da natureza que não se pode alterar. Mas a opção pela energia nuclear e seus riscos é uma opção puramente humana. Sem falar no perigo dos casos extremos de acidentes e explosões, a contaminação por vazamentos é um risco constante desde a produção do combustível nuclear, seu transporte e utilização, até o descarte final do material consumido, na forma de lixo nuclear, que conserva o poder radioativo por milhares de anos. Essa opção humana, irracional do ponto de vista das necessidades da espécie, somente se torna racional do ponto de vista do modo de produção capitalista, um sistema cuja irracionalidade o converte cada vez mais em uma ameaça para a simples sobrevivência da humanidade.

            O caso japonês demonstra mais uma vez o quanto o capitalismo é pernicioso e mortal. A energia nuclear sob controle de empresas capitalistas mais preocupadas com o lucro do que com a segurança, num país sujeito a terremotos, serve como exemplo de que não se pode deixar o conhecimento científico sob controle da propriedade privada. Para completar, precisamos retomar a questão de que a opção por energia nuclear é uma forma de minimizar a dependência em relação aos combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural. Mas se a energia nuclear tem o problema do risco de vazamento de radiação, os combustíveis fósseis também não são a opção mais adequada, pois até a ONU já reconheceu a relação entre os gases derivados da sua queima e o efeito estufa, fonte de uma série de outros desastres “naturais”. Basta lembrar das enchentes deste ano, no Brasil.

            O mundo precisa de uma nova matriz energética, renovável, limpa e sustentável. Mas a troca dos combustíveis fósseis (e da energia nuclear) por essas fontes alternativas não será feita pelo capitalismo, enquanto houver possibilidade de lucrar com as atuais fontes. Por mais mortíferas que tenham se provado. Somente uma sociedade socialista, que aproveite os recursos naturais e tecnológicos de acordo com as necessidades humanas e de uma forma racional e renovável, pode por fim às catástrofes e ao espectro da barbárie.

 

NORTE DA ÁFRICA E “O CASO LÍBIA”
 

Panorama geral das rebeliões árabes

A crise política aberta recentemente pelas rebeliões árabes indica, como tendência, uma saída bem diferente da outra grande “onda” de manifestações árabes ocorrida no século XX. Esta se declarava anti-imperialista e apresentava o objetivo principal de “libertar” os povos dominados por impérios europeus (britânico, francês e italiano).

Diferentemente do que ocorreu no mundo árabe durante o período de libertação do imperialismo colonial no século XX, este levante parece não trilhar o caminho do anterior em termos ideológicos. Pelo que se passa, não identificamos um movimento anti-imperialista, nem a idéia do “pan-arabismo”, que teve seu ápice no século XX através da figura de Gamal Nasser. Esta caracterização também nos indica que o caráter de luta hoje mais se aproxima à noção de Estado-Nação do que à noção de um pertencimento maior, o “pan-arabismo” (que talvez nunca tenha existido).

O fato é que a referência mútua entre os movimentos populares hoje têm se dado através de lutas por “melhores condições materiais de vida” e por liberdade política (ainda que meramente formal).

Os atuais levantes árabes, processos em geral democráticos e ainda em curso, não expressam o caráter anti-imperialista nas manifestações, em que pese serem os efeitos da administração burguesa da última crise econômica mundial de 2008 o estopim para o desencadeamento das contradições já presentes.

A natureza das manifestações iniciais na Líbia parece também se assemelhar aos vários levantes já ocorridos, como os da Tunísia e do Egito.  A semelhança continua quando se considera a importância dos levantes árabes para a demonstração das contradições do capitalismo atual, para a reconfiguração das forças políticas mundiais envolvidas e para a necessidade de organização popular com o fim de dar prosseguimento às lutas de interesses também populares.  Entretanto, a Líbia apresenta características que tornam mais complexa a análise de sua situação.

O país compõe-se de aproximadamente 140 grupos étnicos, unidades sócio-políticas sobre as quais qualquer governo da Líbia tem de se apoiar. Assim, essa divisão da população levanta também a própria questão de até que ponto as manifestações atuais da Líbia possuem um caráter nacional típico, uma vez que se sabe que a delimitação do território nacional da Líbia, e de outros países árabes em geral, não é ajustada com a história desses povos.

Hoje, o país tem um terço da população com menos de 15 anos de idade e a maioria de seus habitantes reside em áreas urbanas. A economia é fundamentalmente baseada na extração e exportação de petróleo e gás natural, setor responsável por mais da metade do Produto Interno Bruto. O país é pobre em recursos agrícolas e a produção do setor não chega a 3% da riqueza total produzida.

Apesar dessa configuração, a Líbia avançou em certos aspectos de uma modernização e Qadhafi desempenhou, no passado, papel de combate ao Imperialismo na região. No entanto, isso não quer dizer que o regime (Jamahiria – Estado das massas, regido pela população através de Conselhos locais) esteja mantido e seja hoje algo facilmente defensável como faz Hugo Chávez e Fidel Castro, haja vista a repressão política e a colaboração com o Imperialismo desenvolvidas nessas últimas décadas.

 

A intervenção militar na líbia e os interesses imperialistas: a farsa da zona de exclusão aérea

Nos últimos dias, o Conselho de Segurança da ONU decidiu autorizar o bombardeio militar na Líbia, sob pretextos de impedir um massacre de Qadhafi aos civis, de agir em situação de “crise humanitária” e de evitar maior ataque aos Direitos Humanos.

Para reavivarmos a memória, registre-se, antes de tudo, que, com o último dia 20 de março, passaram-se já oito anos em que EUA e “parceiros” invadiram o Iraque sob o pretexto de "estabelecer a democracia”. Mas, o que lá se passa está longe do que possa ser considerado como democrático.

Símbolo dessa realidade foi a ação do exército estrangeiro, em fevereiro deste ano, de reprimir covardemente milhares de iraquianos que foram às ruas reivindicar trabalho, pão, eletricidade e água potável. Contudo, nenhuma potência mundial clamou em favor dos direitos humanos e nem sugeriu que as autoridades, ditas democráticas, respondam perante os tribunais internacionais.

Faça-se lembrar, por fim, que a morte de Saddam Hussein demonstra bem a “democracia” oportunista do imperialismo capitaneado pelos EUA.

Parafraseando Tom Zé, ora inventa-se o pescoço, ora inventa-se a corda! É esta a política do imperialismo capitaneado pelos EUA: Qadhafi agora não pode mais ser um bom sócio do imperialismo, uma vez que não seria nada favorável a reconstrução da imagem “estadunidense” e de seus aliados. Logo, corda para o pescoço de Qadhafi! Veja-se: Ora o imperialismo mantém excelentes relações com regimes tirânicos (como é o caso da Arábia Saudita), ora defende a Democracia, defesa esta que demonstra a tendência da política imperialista atual para a região. Longe de se configurar como uma contradição, tais fatos só demonstram a coerência com o princípio do oportunismo.

Através do desenrolar das lutas árabes atuais, logo se mostram os interesses imperialistas envolvidos em cada conflito. Com a “guerra” destacam-se alguns dos interesses gerais dos imperialistas na Líbia: além do interesse já tradicional no petróleo e no gás natural também se mostram os interesses de fazer da Guerra uma vitrine para a venda de armamentos militares (EUA e França são 2 dos 5 países que mais vendem armamentos).

É importante atentarmos para as conseqüências das agressões militares como as que vêm ocorrendo na Líbia, dentre outras: essa invasão tende a aumentar a crise político-social em curso, uma vez que podemos analisá-la como uma atitude de “terrorismo”, em que nunca se sabe ao certo qual será o próximo grupo civil não envolvido diretamente com a “guerra” a ser atingido. Lembramos que esse discurso da “democracia” estadunidense nunca impediu a sua prática terrorista: as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, em que morreram 170 mil civis, demonstram isso.

O caso da Líbia, além de esclarecer o jogo atual dos interesses imperialistas, traz à tona a não eficácia da ONU diante de enfrentamentos a interesses imperialistas. A aprovação da Zona de Exclusão Aérea significa carta branca para a ação militar imperialista em tal grau que o Secretário de Defesa Britânico declarou que Qadhafi também é um “alvo legítimo”.  E logo nas primeiras atuações pudemos identificar que a máscara de que a ação seria em defesa de civis caiu. 

Entendemos que os interesses imperialistas específicos neste caso são: 1) a contenção da mobilização popular em curso (uma vez que podem fortalecer as mobilizações em países aliados do imperialismo como Arábia Saudita e Iêmen) e 2) uma saída favorável aos interesses imperialistas em relação ao petróleo e ao gás natural líbios.

A votação do Conselho de Segurança da ONU contou com 5 abstenções: China, Rússia (ambas com poder de veto), Índia, Brasil e Alemanha. A favor da “zona de exclusão aérea” votaram Reino Unido, Estado Unidos, França, África do Sul, Colômbia, Portugal, Bósnia e Herzegovina, Gabão, Líbano e Nigéria.   

As abstenções “transformaram-se” em manifestações contrárias a intervenção militar logo nos dias seguintes. O Estado brasileiro, por exemplo, divulgou nota pedindo o “cessar fogo” na Líbia. Já o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, afirmou ser a decisão da ONU um “apelo às cruzadas medievais”, uma espécie de cruzadas do século XXI.  A China lamentou a utilização da força por parte dos aliados.

O que aparentemente vai se configurando é o quadro mundial em que a hegemonia americana perde força e os chamados “BRIC´s” agem, cada qual, buscando expandir seus interesses, também de tendências imperialistas. Já os governos que reconhecidamente se contrapõem a hegemonia estadunidense saíram em defesa do “amigo” Qadhafi, como o fizeram Hugo Chávez e Fidel Castro, supostamente por ter o ditador líbio o apoio do povo.

No caso específico da Líbia, há um impasse político para aqueles que se colocam à esquerda na luta por um mundo justo, socialista. Apoiar a política imperialista estadunidense está fora de cogitação, uma vez que isto significaria o apoio a uma guerra civil sangrenta e ainda mais prolongada, a espoliação do petróleo líbio e a negação do direito do povo de se autodeterminar. Também não é possível apoiar a ditadura de Qadhafi uma vez que é a representação de um regime que tolhe a possibilidade de uma organização popular na Líbia, bem como qualquer possibilidade de uma organização à esquerda. Resta-nos apoiar a mobilização popular contra Qadhafi e contra os interesses imperialistas, o que não parece ter força capaz de conduzir o atual processo de reconfiguração político-social da Líbia. Parodiando Drummond, temos o tempo e as ações pobres fundidas num mesmo impasse.

 

Saída? só se a classe trabalhadora se colocar a frente

Ainda que as manifestações iniciais possam ter apresentado um caráter “espontâneo” contra o regime ditatorial há muito desgastado, rapidamente a “guerra” na Líbia transformou-se em um campo de batalha dos interesses imperialistatendo, talvez, um papel destacado para a influência dos BRIC´s.

Dada a correlação de forças dos interesses imperialistas, a quantidade imensa de informações distorcidas, as especificidades próprias da Líbia e o fato de que não é mais possível (no estágio atual do capitalismo, ou pelo menos não é essa a tendência) consolidar democracias aos moldes “clássicos” (com liberdades civis e democráticas consolidadas, com parlamento forte e etc.) torna-se extremamente complexa a caracterização de quais contornos do regime democrático são possíveis para um país como a Líbia. No entanto, sabemos que a luta por direitos e liberdades democráticas, como o direito a livre associação, é de fundamental importância para a luta revolucionária.

Para fortalecimento da luta e por conquistas revolucionárias a unidade dos trabalhadores é essencial e determinante. Somente esta unidade poderá transformar as cidades libertadas do jugo ditatorial em espaços de controle da riqueza produzida e em espaços de organização das forças rebeladas e armadas a fim de construir um regime que garanta os direitos e as liberdades democr

Leia mais