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Jornal 41: Fevereiro/Março de 2011

 

 

CRISE, REBELIÃO SOCIAL E A NECESSIDADE DA ALTERNATIVA SOCIALISTA

 

            O mundo vive hoje as conseqüências da grave crise econômica iniciada em 2008. A recuperação já é comemorada pela burguesia desde 2009, por causa da volta dos lucros das empresas. Mas trata-se de uma recuperação claudicante, incerta, ameaçada pelo gigantesco endividamento do Estado, pela instabilidade no comércio mundial e pela disputa cambial entre as nações exportadoras, que precisam rebaixar o valor de suas moedas para torná-las competitivas. Além disso, cresce a instabilidade social e o descontentamento popular por conta das medidas lançadas pelos governos burgueses para administrar a crise.

            A dívida pública dos Estados Unidos chegou a US$ 3,5 trilhões, contra cerca de US$ 1,4 trilhões do conjunto dos países periféricos. O total da dívida pública e privada da América Latina representa 22% do PIB do continente, contra 400% da Inglaterra, 263% de Portugal, 169% da Espanha, 168% da Grécia, 148% da Alemanha, 100% dos Estados Unidos e 979% da recordista Irlanda (ALAI, 31/01/2011). Para aplacar esse déficit gigantesco, estão sendo feitos cortes orçamentários nos gastos sociais, tais como aposentadorias, pensões, seguro-desemprego, saúde pública, educação, salários dos servidores, direitos trabalhistas, etc.

            Essa política está sendo aplicada tanto pelos países imperialistas como pelos países dominados, mesmo que em menor medida em alguns destes. Os trabalhadores dos países imperialistas, que desfrutavam de condições salariais e sociais melhores, estão sendo os mais diretamente atacados no momento e também têm se colocado em mobilização para resistir.  Estados Unidos, Japão, Europa, enfrentam altos índices de desemprego, crescimento da pobreza e queda dos indicadores sociais. Como conseqüência, greves gerais e grandes marchas paralisaram países como Grécia e França, espalhando focos por todo o continente europeu, e outras manifestações de revolta  e inquietação social se espalham no conjunto do mundo desenvolvido.

 

            A GUERRA CAMBIAL E AS TENSÕES INTERNACIONAIS

            As sete maiores economias do mundo, com o PIB medido pelo critério de paridade de poder de compra, são pela ordem Estados Unidos, China, Japão, Índia, Alemanha, Rússia e Brasil. Isso significa que os chamados BRICs deixaram para trás em termos de peso econômico velhas grandes potências como Inglaterra e França. Entretanto, na estrutura de poder geopolítico, os Estados Unidos e a Europa ainda controlam os principais organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, Banco Mundial, FMI e OMC, mantendo a capacidade de ditar políticas que privilegiam os seus interesses. O G20 foi montado como forma de compensar parcialmente os BRICs, aumentando sua participação na tomada de decisões, mas principalmente sua responsabilidade ao arcar com medidas que ajudem o capitalismo a sair da crise. Entretanto, enquanto pedem sacrifícios dos trabalhadores e dos povos do mundo inteiro, as burguesias imperialistas tratam de usar o Estado para preservar seus interesses particulares.

            A contradição entre a existência de um único sistema capitalista mundial e diversos Estados capitalistas rivais se manifestou no fenômeno da chamada “guerra cambial”. O dólar caiu 13% em relação ao yen em 2010 e 18% em relação ao euro entre junho e dezembro. A queda do dólar se refletiu na valorização do ouro, que subiu 28% em 2010, indo para US$ 1.420 a onça. A desvalorização do dólar também se manifesta como alta do preço das commodities, como petróleo, cobre, milho e outros alimentos. O FED anunciou no final de 2010 a impressão de mais US$ 600 bilhões, com o objetivo de desvalorizar ainda mais a moeda estadunidense.

            A decisão dos Estados Unidos foi duramente criticada pela China e Alemanha, os dois maiores exportadores do mundo, os quais, por sua vez, foram acusados por Obama de acumular superávits comerciais de maneira “desleal”, ou seja, mantendo suas moedas artificialmente desvalorizadas em relação ao preço de mercado. Os últimos meses de 2010 presenciaram uma verdadeira guerra de desvalorizações cambiais, com diversos países anunciando medidas para diminuir o valor de suas moedas e melhorar as exportações, entre os quais vários exportadores importantes, com destaque para o gigante Japão, mas também os demais “tigres asiáticos”, como Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia e Singapura. Outros como o Brasil anunciaram medidas para conter a entrada de dólares especulativos, impedir a valorização da moeda local e o perigo de inflação.

            A visita do presidente chinês Hu Jintao aos Estados Unidos em janeiro de 2011 não serviu para diminuir as tensões entre os dois países. Setores da mídia e do Congresso estadunidenses aproveitaram a visita para criticar a China abertamente por supostamente manipular sua moeda e desrespeitar os direitos humanos (o cúmulo da hipocrisia, já que os Estados Unidos fazem exatamente o mesmo em incontáveis operações criminosas e terroristas pelo mundo, como acaba de revelar abundantemente o site Wikileaks). Políticos e jornalistas, expressando os interesses da burguesia estadunidense, pressionam a administração Obama para que classifique a China como “manipulador de câmbio”, o que autorizaria o governo a impor sanções tributárias aos produtos chineses.

            Os Estados Unidos têm pressionado o restante do imperialismo para conter o crescimento chinês, por dentro e por fora dos organismos da ONU. Essa pressão se dá sob a forma de sanções e punições para países e empresas que se atrevem a negociar com países inimigos dos Estados Unidos, tais como o Irã, listados como “patrocinadores do terrorismo”. O Irã é o maior fornecedor de petróleo da China, que por sua vez é o país cujo consumo de petróleo mais cresce no mundo. Os Estados Unidos querem bloquear essa parceria, sob o pretexto de que o Irã busca desenvolver armas nucleares. O Irã possui um programa de uso de urânio para fins medicinais e de usinas nucleares para geração de energia. O nível de enriquecimento de urânio (processo técnico que permite o aproveitamento da radioatividade para produzir energia) requerido para essas atividades é de 3% e 20%, respectivamente, limite atingido até agora pela tecnologia iraniana. O nível de enriquecimento requerido para uso militar é de 90%. O Irã está longe de atingir a capacidade técnica para tanto e submete suas instalações à inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica.

            Enquanto isso, Israel, protegido dos Estados Unidos, já detém a tecnologia para produzir armas atômicas, recusa-se a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (portanto, comportando-se como o verdadeiro Estado criminoso) e sabotou o projeto nuclear iraniano, assassinando os cientistas Ali-Mohammadi e Majid Shahriari, chefes do programa, e disparando vírus de computador contra as usinas daquele país.

           

            A NOVA ALTA DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS

            Em 2008 o mundo produziu uma safra recorde de 2,23 bilhões de toneladas de grãos. Mesmo assim, os preços dos alimentos atingiram uma alta também recorde, resultando em protestos populares contra a carestia em mais de 30 países. Isso somente se explica pelo uso que os especuladores fizeram das commodities como alimentos, petróleo e minérios para se recuperar das perdas no mercado de hipotecas estadunidense, que já estava fazendo água desde fins de 2007. Especuladores aproveitam a abundância de liquidez nos mercados financeiros para comprar grandes quantidades de commodities, chantageando o mercado e lucrando com o aumento dos preços. Além disso, um terço da produção de grãos se destina a ração animal, que se transforma em carne para os países ricos, e um fração crescente está sendo transformada em agrocombustíveis.

            A maior parte dos países pobres na África, no sudeste asiático e na América Latina teve sua agricultura familiar destruída pelo agronegócio e se tornou importador de grãos. Os governos estão altamente endividados e não tem condições de subsidiar as importações, deixando os preços flutuar ao sabor do mercado. Em muitos países pobres o custo dos alimentos chega a comprometer 50% da renda familiar ou mais. Enquanto milhões passam fome e são obrigados a lutar nas ruas contra seus governos por comida, outros lucram com a miséria e o sofrimento. A Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio, viu seu lucro aumentar 300% entre 2009 e 2010, quando passou de US$ 489 milhões para 1,49 bilhão. O mesmo quadro de especulação financeira, aumento da produção e dos preços se repete agora.

            A FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, alertou para o preço recorde dos alimentos no início de 2011, o qual superou as marcas de 2008. Naquele ano, os preços subiram a ponto de dobrar num intervalo de 18 meses. Depois da queda dos preços em 2009, os índices voltaram a subir novamente em 2010. Nos últimos doze meses, o preço do milho subiu 52%, o trigo subiu 49%, a soja 28%, o café 53% e o algodão 119%. Outras commodities também estão subindo, como o cobre (30%) e o petróleo (26,5%). O preço do petróleo, por sua vez influencia no preço final dos alimentos, uma vez que aumenta o custo dos transportes, dos fertilizantes e também, indiretamente, o dos agrocombustíveis. A FAO tem uma lista de 29 países em situação de emergência alimentar, ou seja, fome.

                       

            A CRISE SE ESPALHA E PROVOCA REBELIÕES NO NORTE DA ÁFRICA

            A recessão e o desemprego na Europa fez com que vários países endurecessem as regras contra a imigração vinda do norte da África e de outros continentes. Nessas situações, os trabalhadores mais precários, em geral imigrantes, são os primeiros a serem demitidos e também enfrentam a hostilidade generalizada, o preconceito e a perseguição de bandos fascistas e neonazistas. A xenofobia se converte em política de Estado em países como a França e a Itália. Milhares de jovens que buscavam empregos permanentes ou temporários na Europa foram impedidos de entrar ou obrigados a voltar para seus países de origem. Assim como os nordestinos em São Paulo, muitos imigrantes africanos e de outros continentes estabelecidos na Europa mantém os laços com suas famílias nos países de origem, enviam dinheiro regularmente, retornam periodicamente, etc. Quando a porta do “sucesso” individual se fecha na Europa, a ação coletiva nos países natais é a única escolha que resta aos jovens.

            A ação coletiva se manifestou finalmente como rebelião social na virada do ano. O mundo foi surpreendido no início de 2011 pelo que foi batizado de “Revolução de Jasmim” na Tunísia. Mas as tensões já vinham se acumulando no norte da África e Oriente Médio há meses. O Egito na verdade precedeu a Tunísia, pois os protestos ocupam a praça Tahrir, na capital Cairo, desde meados de 2010. A queda do presidente tunisiano deu ânimo aos povos de toda essa vasta região, e fez com que se lançassem às ruas. Protestos semelhantes se espalharam pelo Marrocos, Argélia, Jordânia, Iêmen e Bahrein. As lutas sociais também se reavivaram fortemente em países já tensos da região, como Irã, Iraque e Líbano. A mesma combinação explosiva de alto desemprego, inflação galopante, autoritarismo político, corrupção, servilismo aos Estados Unidos e populações predominantemente jovens se repete em todos esses países para explicar o levantamento popular.

            A revolta dos povos árabes deixou o imperialismo em estado de alerta, pois a economia capitalista mundial é cronicamente dependente do fornecimento de petróleo do Oriente Médio, o qual é garantido por governos pró-ocidentais, extremamente corruptos, autoritários e violentíssimos na repressão aos seus povos. Muitos desses ditadores governam há décadas e se sustentam no poder graças ao medo que seus aparatos de terror estatal inspiravam na população. Esse cenário agora começa a mudar. Muitos desses países passaram por tumultos e greves por ocasião da alta dos preços dos alimentos em 2008, antes da crise mundial. Agora, com uma nova alta dos preços, a continuidade do desemprego e da repressão, novos levantamentos começam a acontecer. Mas dessa vez, em 2011, os povos árabes miram mais alto e exigem a saída dos odiados governantes, o que representa um salto em relação aos tumultos de 2008.

            O primeiro foco de revolta a chamar atenção foi o Maghreb, região do norte da África composta por Mauritânia, Marrocos, Sahara Ocidental, Tunísia, Argélia, e Líbia. Esses países são ocupados por povos de variadas composições étnicas, mas são unificados pela língua árabe e pela religião muçulmana. Todos partilham também um passado de ocupação imperialista, especialmente por parte de franceses e ingleses. Desde meados do século XX, esses países, como o restante do mundo colonial, se tornaram formalmente independentes, mas mantiveram-se submetidos à política imperialista, aos interesses das transnacionais das antigas metrópoles e ao imperativo de reprimir suas populações.

            Em alguns deles, como o Egito, chegou-se a ensaiar um movimento nacionalista, sob a liderança de Gamal Abdel Nasser, militar que nacionalizou o canal de Suez, enfrentando o imperialismo anglo-francês, dentro do contexto do movimento dos chamados “países não-alinhados” (supostamente equidistantes em relação aos Estados Unidos e URSS). Entretanto, o nacionalismo árabe gradualmente se dobrou ao imperialismo. O sucessor de Nasser no Egito, Anwar Sadat, foi o primeiro governante árabe a assinar um tratado reconhecendo Israel. Sadat foi assassinado em 1981 e sucedido por Hosni Mubarak, que se manteve no poder até 2011. No final das contas, as ditaduras nacionalistas serviram apenas para reprimir a oposição de esquerda, virtualmente exterminada, e abrir caminho para os fundamentalistas islâmicos, a principal forma de oposição conhecida no mundo árabe. Entretanto, esse cenário está mudando, pois uma nova forma de oposição popular, operária e da juventude, onde a influência do fundamentalismo islâmico é minoritária, está emergindo das lutas recentes.

           

            A “REVOLUÇÃO DE JASMIM” NA TUNÍSIA

            No início de janeiro de 2011 uma onda massiva de protestos populares levou à queda do presidente tunisiano Ben Ali, que governava o país desde 1987, sucedendo a Habib Bourguiba, que por sua vez governara desde a independência em 1957. O país era governado praticamente como um feudo por Ben Ali, seus parentes e um pequeno grupo de famílias, que controlam direta ou indiretamente bancos, emissoras de rádio, jornais, o aeroporto, transportadoras, linhas aéreas, cadeias de hotéis, imóveis e propriedades rurais. Associados a transnacionais européias, em especial francesas, os clãs mafiosos que governavam a Tunísia enviavam para o exterior uma fortuna anual de US$ 18 bilhões.

            O regime proibia candidatos de oposição de fazer campanha e não permitia liberdade de imprensa. O país é altamente dependente do turismo, que caiu bruscamente desde que a crise mundial afetou a Europa. Os preços dos alimentos também tem subido, numa reedição da alta de 2008. Mas dessa vez os protestos tem sido muito maiores, especialmente por parte dos jovens. Metade da população tem menos de 25 anos e as taxas de desemprego nessa faixa etária são muito maiores do que os 14% oficiais.

            Muitos jovens tem formação superior e continuam desempregados, o que os obriga a sobreviver na economia informal. Quando a polícia confiscou as mercadorias de um desses camelôs, Mohamed Bouazizi, o jovem ateou fogo ao próprio corpo. Outro rapaz se suicidou tocando cabos de alta tensão, e o sacrifício desses mártires incendiou a ira popular. Num dos vazamentos do Wikileaks, um diplomata estadunidense classificou a Tunísia como uma cleptocracia e uma ditadura, o que também contribuiu para atiçar a revolta. Os protestos tem sido divulgados e convocados via redes sociais como Facebook e Twitter, driblando a censura da televisão e jornais. O governo tentou culpar extremistas islâmicos e terroristas pelos protestos, mas sem a menor credibilidade. O levantamento popular foi massivo e espontâneo, sem qualquer orquestração nos bastidores. Os choques com a polícia não intimidaram os manifestantes, apesar de centenas de mortos, feridos e presos, e os protestos se espalharam por todas as cidades do país.

            Depois de apoiar Ben Ali por décadas, o imperialismo europeu e estadunidense percebeu a insustentabilidade da situação e cinicamente passou a criticar o governo pela violência da repressão policial. A intensidade dos protestos foi tão grande que o presidente se viu forçado a renunciar e deixar o país com sua família (e suas riquezas) para evitar um confronto mais agudo. Um novo governo foi instalado às pressas com remanescentes do grupo de Ben Ali para tentar administrar o descontentamento popular. Foram marcadas eleições para daqui a seis meses, mas o toque de recolher e as leis de exceção não foram suspensos, de forma que o governo continuou a perseguir os opositores e tentar impedir sua organização.

            Não obstante a continuidade da repressão, formou-se a "Frente 14 de Janeiro", composta de organizações de diversas tradições, desde nacionalistas-árabes, antigos grupos stalinistas e organizações operárias, a qual apresentou um programa de reivindicações democráticas, anti-imperialistas e reformistas, mas ainda sem um claro caráter anti-capitalista e socialista. Mesmo sem um programa e organizações decididamente socialistas, o povo tunisiano segue mobilizado e depois da queda de “Ali Babá”, exige a saída dos “40 ladrões”, ou seja, o restante de sua equipe ainda no poder.

 

            A QUEDA DE MUBARAK NO EGITO

            O Egito é um dos países mais importantes da África, pelo seu peso populacional (cerca de 84 milhões de habitantes), econômico (crescimento de 5,4% em 2010) e estratégico (controle do canal de Suez, entre África e Ásia, por onde o petróleo do Oriente Médio adentra a Europa). 44% da população vive abaixo da linha de pobreza de US$ 2 por dia. O salário mínimo foi estabelecido em um valor equivalente a cerca de US$ 50 dólares em 1984 e desde então não foi mais aumentado. Esse valor equivale a cerca de 13% da renda média per capita, uma das proporções mais baixas do mundo. Além de ganhar pouco, o trabalhador egípcio trabalha muito: a média de horas de trabalho por ano é de 2.373 na capital Cairo, contra uma média de 1.900 em outras 73 cidades pesquisadas pelo banco UBS. Esse cenário torna o país bastante atraente para o investimento estrangeiro. A China investiu US$ 500 milhões em 2009 e se tornou o maior parceiro comercial do país em 2010.  Dezenas de transnacionais como IBM, General Motors, McDonald's, BMW, Vodafone, Shell atuam no país. O Egito era o país africano mais próximo de se tornar uma plataforma de exportação ao estilo dos “tigres asiáticos”, graças à criação de zonas francas para as “maquiladoras”, empresas estrangeiras que montam produtos no país explorando a mão de obra barata.

            O Egito vive sob lei de exceção desde 1981, quando o presidente Anwar Sadat foi assassinado por grupos radicais por ter fechado um acordo de paz com Israel. Desde então a ditadura proíbe organizações partidárias, sindicais e ONGs de fazer oposição ao governo. O estado de sítio autoriza a polícia a deter cidadãos sem mandado judicial, o que torna as prisões arbitrárias, desaparecimentos e tortura de opositores fatos corriqueiros. A Irmandade Muçulmana, fonte do fundamentalismo islâmico, está sediada no Egito, e o estado de sítio se mantém sob pretexto de reprimí-la. A violação sistemática dos direitos humanos mais elementares foi a condição para a permanência do atual governo. O ditador Hosni Mubarak, de 82 anos, preparava seu filho Gamal para ser seu sucessor.

            A falta de democracia, a pobreza, o desemprego, a alta dos preços dos alimentos já vinham causando um crescimento das lutas desde 2008, quando o país foi um daqueles que protagonizou protestos contra a carestia, no que foi chamado de “revolta do pão”. Desde 2004 há um crescimento constante das greves, tanto no setor público quanto no privado, com destaque para as greves dos têxteis em 2007 e 2008. Por conta da inexistência de um movimento operário nacionalmente organizado, as greves são isoladas por empresa ou cidade, sem se converter em lutas nacionais. Mesmo assim, as manifestações na praça Tahrir, na capital Cairo, são praticamente diárias desde meados de 2010.

            Em fins de janeiro de 2011, com o exemplo da “Revolução de Jasmin” tunisiana, o movimento egípcio tomou corpo. O número de manifestantes na praça Tahrir passou de alguns milhares a algo em torno de um milhão de pessoas e passou a exigir abertamente a saída de Mubarak. Chamou muita atenção o uso das chamadas redes sociais da internet (facebook e twitter) e dos celulares para convocar e coordenar as manifestações. 40% da população tem menos de 30 anos. Essa imensa massa de jovens exasperados pela falta de perspectiva lançou-se às ruas sem a incitação de correntes Muçulmanas ou burocratas sindicais e partidários, o que representa uma mudança ideológica importante. Ao contrário do que foi alardeado pela mídia governista, as mobilizações não foram lideradas pela Irmandade Muçulmana. Assim como na Tunísia, os protestos foram em grande parte espontâneas e laicos.

            A princípio, o ditador tentou resistir, decretando toque de recolher e ordenando a prisão dos manifestantes. A população não se intimidou e manteve a ocupação da praça Tahrir. Confrontos com as forças de repressão deixaram dezenas de mortos na capital e nas grandes cidades, como Alexandria, Suez e Port Said. O governo tentou conter a mobilização popular bloqueando o acesso à internet e aos celulares, num atentado escancarado à liberdade de expressão, mas sem sucesso, o que prova que não é a tecnologia que faz avançar a rebelião e sim a disposição de luta.

            O movimento não refluiu e Mubarak apelou para o exército. Entretanto, uma ampla camada de oficiais médios se recusou a atirar contra o povo e afogar a revolta popular num banho de sangue, única forma de conter o movimento. Isso poderia resultar em guerra civil, pois temeu-se que parte das tropas se bandeasse para o lado da oposição. A partir desse momento, a sorte do governante estava selada. Mubarak e seus partidários ainda apelaram para bandos fascistas, que atacaram a população concentrada na praça Tahrir, mas foram derrotados em combates de rua, em 2 de fevereiro. O exército então se posicionou em setores estratégicos da capital para impedir novos confrontos. Além da grande mobilização popular, o movimento ganhou força quando entrou em cena a classe operária. Portuários de Suez, petroleiros, têxteis, servidores públicos e professores entraram em greve. A economia egípcia foi virtualmente paralisada por uma greve geral. Depois de 18 dias de fortíssima mobilização, a queda definitiva de Mubarak aconteceu em 11 de fevereiro.

            O ditador foi substituído por uma junta militar. Ao mesmo tempo em que retirou Mubarak do poder (embora lhe permitindo sair tranquilamente do país para usufruir no exterior das décadas de pilhagem), o exército cercou o palácio presidencial e a TV estatal, sitiados pelo povo, impedindo a ocupação. As forças armadas acabam por se provar como pilar fundamental da continuidade do regime. O exército egípcio recebeu uma média de mais de US$ 1 bilhão por ano dos Estados Unidos no últimos trinta anos, a segunda maior ajuda militar estadunidense depois da de Israel. Além de garantir o abastecimento de petróleo via canal de Suez, o Egito também cumpre o papel de dar suporte a Israel no mundo árabe, inclusive auxiliando no massacre dos palestinos ao fechar a fronteira da faixa de Gaza.

            O imperialismo tenta gestar em seus laboratórios um novo governo para o Egito, que seja capaz de impedir que a mobilização popular avance para reivindicações econômicas, como nacionalizações, controle dos preços e aumento de salários, que questionem a continuidade dos negócios da burguesia. O prêmio Nobel de química naturalizado estadunidense Ahmed Zewail e o ex-dirigente da Agência Internacional de Energia Atômica (fachada da CIA para espionar países hostis aos Estados Unidos) Mohamed El Baradei despontam como mais prováveis candidatos, ao lado da própria Irmandade Muçulmana, há tempos “domesticada” pela ditadura e tornada isenta de radicalismos.

                       

QUE PASSA NO EGITO?

O que vimos no Egito foi uma grave crise de dominação onde o governo (na pessoa de Mubarak) perdeu toda credibilidade e legitimidade, não tendo mais força para continuar impondo o seu projeto. O ódio era dirigido ao ditador Mubarak, portanto, contra uma parte do poder. No entanto, um poder burguês se apóia em um conjunto de instituições, como o parlamento, o exército, o judiciário e uma série de instrumentos ideológicos que procuram legitimar o regime. O peso de cada instituição na política determina o caráter do regime. Se é uma ditadura, o poder se apóia nas forças policiais e militares; sé é um poder democrático burguês, as principais instituição são o parlamento e o judiciário. Atacando todas as instituições, ataca-se o Estado burguês que é a trincheira mais importante da burguesia. A destruição do Estado burguês é condição para a revolução socialista.

No caso da mobilização no Egito, o ódio dos manifestantes ainda não se estendeu ao conjunto do regime, ou seja, as instituições que o sustentam (principalmente o exército) ainda não estão sendo atacadas pelos trabalhadores egípcios, até porque, diante da crise, a própria cúpula das forças armadas resolveu não intervir diretamente. O caráter de classe da mobilização também está bastante diluído. Um bom exemplo disso é o tratamento dispensado pelo povo ao executivo do Google que, por ser oposição e ser preso por Mubarak, foi saudado como um ídolo do movimento. Não estamos dizendo que o regime está intacto, pois a ameaça de uma mobilização desse porte balança qualquer regime e cria instabilidades que não podem durar muito tempo. É uma contradição importante que se colocou na realidade.

É importante ter uma definição precisa do processo que está em curso e destacar o papel do elemento ideológico nas revoluções, dando-lhe uma importância que a maioria da esquerda não leva em conta. Para uma revolução socialista, a primeira tarefa é derrotar política, social e ideologicamente a classe –ou bloco– dominante. Para isso, é necessária a formação, e principalmente o desenvolvimento de formas de poder paralelo dos trabalhadores, que avancem contra o poder da burguesia em seu conjunto, e não só o governo.

Uma rebelião se transforma em revolução somente quando passa a se propor resolver a disputa política e social em favor dos trabalhadores, procurando derrotar o Estado enquanto um  conjunto de instituições. A presença do elemento subjetivo nas revoluções abre a possibilidade de que os trabalhadores tomem em suas mãos o seu destino, diminuindo o peso das direções traidoras que começam o movimento já pensando em como desviá-lo da sua radicalidade.

A história do século XX demonstrou que podem ocorrer revoluções, como a chinesa ou a cubana, sem que estejam totalmente desenvolvidas as condições subjetivas, mas são revoluções que cumprem algumas tarefas –como a libertação nacional – mas não avançam no que é essencial, a substituição do poder burguês pelo poder dos trabalhadores. Ou seja, para que tenhamos uma revolução socialista, é preciso que os trabalhadores exerçam o poder diretamente, e não através de formas substituicionistas, como os partidos-exército. A ausência do elemento consciente da classe operária tornou os processos chinês e cubano mais dramáticos, porque esses Estados já nasceram completamente desviados das formas de poder democrático do proletariado.

 

A SITUAÇÃO AINDA ESTÁ INDEFINIDA      

A rebelião egípcia é sem dúvida a mobilização mais massiva e mais importante que a nova geração de trabalhadores militantes já presenciaram, colocando-se como uma das principais rebeliões do século XXI. A própria mídia burguesa indica que há um importante processo de auto-organização dos manifestantes. O acampamento na praça Tahrir, a resistência aos ataques das forças fascistas pró-Mubarak, as formas de auto-organização para garantir alimentação e infra-estrutura necessária para o movimento, são uma demonstração da força e decisão dos manifestantes. É um processo que surpreendentemente segue com uma força cada vez mais crescente. Outro elemento fundamental e que pode decidir os rumos do movimento é a entrada em cena do movimento operário, com as greves se alastrando por diversos ramos da economia egípcia, como os trabalhadores petroleiros, têxteis, do porto de Suez e grande parte do funcionalismo público.

O fato dos trabalhadores terem entrado no conflito significa que está dada a possibilidade de que haja uma saída classista, ou seja, pode ser o pontapé para uma organização dos trabalhadores independente da burguesia. Assim, os próximos acontecimentos serão decisivos para a sorte da rebelião dos trabalhadores egípcios.

 

            A NECESSIDADE DA ALTERNATIVA SOCIALISTA

            O processo egípcio permanece em aberto. A luta popular foi suficiente para derrubar o governo, mas não derrubou o regime. Seu pilar fundamental, as forças armadas, permanece de pé. Também não se pode dizer que houve mudança no sistema social, pois o capitalismo ainda se mantém praticamente inalterado. De qualquer forma, houve uma mudança muito importante na atitude da população e da classe trabalhadora, pois depois de décadas e ao custo de grande enfrentamento (com centenas de mortes), os egípcios colocaram-se em luta e obtiveram uma significativa vitória parcial ao derrubar o ditador. Não será simples fazer voltar para casa uma população que adquiriu confiança nas próprias forças e sentimento de vitória. Nos dias imediatamente seguintes à queda de Mubarak, a população permaneceu mobilizada e foram apresentadas exigências aos novos dirigentes. Elementos de organização, comitês e assembléias surgem das mobilizações e podem se manter como instrumentos de luta. Esses elementos podem avançar para exigir mudanças mais radicais no regime social, as únicas capazes de melhorar a vida da população.

            À medida em que o processo se generaliza para outros países, o imperialismo e a mídia burguesa tentam controlá-lo e distorcer seu sentido. As rebeliões árabes são apresentadas como uma nova versão das “revoluções de veludo” que derrubaram os Estados burocráticos do Leste Europeu entre 1989-91, pelo fato de que os povos árabes lutam em nome da democracia. Os acontecimentos de 1989-91 foram apresentados como prova da vitória do capitalismo e do “fim da história”. Mas ao contrário disso, as rebeliões de 2011 são rebeliões contra o fracasso do capitalismo, incapaz de oferecer uma verdadeira democracia e sequer de alimentar as populações. A verdadeira contradição da realidade mundial não é entre “democracia” e “ditadura”, mas entre trabalho e capital. Tanto as ditaduras árabes quanto as democracias burguesas são igualmente ditaduras do capital contra os trabalhadores. Só a derrubada do capitalismo e a construção do socialismo podem trazer uma verdadeira democracia.

            As greves e manifestações na Europa em 2010 eram lutas dos trabalhadores para defender suas conquistas históricas e sua qualidade de vida. As lutas dos povos árabes no início de 2011 são lutas contra a miséria e pela aquisição de uma melhor qualidade de vida. Duas faces de uma mesma moeda, a crise estrutural e societal do capital. O elo que falta para unir as duas lutas é a consciência da necessidade de superar o capitalismo, indo além da derrubada de governantes e reformulando todo o metabolismo social, sob controle dos trabalhadores. A ausência dessa consciência é o que chamamos de crise da alternativa socialista, o fator que terá que ser superado para que a rebelião árabe avance para uma verdadeira revolução socialista. A superação dessa crise e o avanço em direção a uma revolução dependerão não só da intervenção de organizações revolucionárias, mas fundamentalmente da construção de organismos de luta do conjunto da classe, por meio dos quais os trabalhadores sejam responsáveis pela própria emancipação.

 

 

O COMUNISMO E A INTERNET

            O caso Wikileaks

            Em fins de 2010 o site Wikileaks publicou um lote de 250 mil documentos provenientes de despachos das embaixadas estadunidenses no mundo inteiro. A publicação desses documentos revelou que a rede de embaixadas é na verdade uma vasta rede de espionagem, encarregada de coletar dados estratégicos, militares e de inteligência dos países em que estão estabelecidas, além de dados pessoais de governantes e ocupantes de cargos de alto escalão, incluindo extratos bancários, senhas, amostras de DNA, etc. Além de revelar essa função, os despachos contém análises dos agentes estadunidenses sobre a situação de cada país, do ponto de vista dos interesses da super potência. O vazamento dessas análises provocou um verdadeiro terremoto diplomático. Aliados ou adversários, grandes potências ou semi-colônias, são tratados nos documentos com brutal desprezo pela sua soberania e dignidade.

            Os documentos expõem o caráter criminoso e desumano do imperialismo estadunidense, a agressividade de seus militares, a voracidade de suas corporações, a perfídia de seus agentes, a total falta de escrúpulos ao atacar, coagir e corromper. Os textos revelam uma prepotência verdadeiramente monstruosa ao falar de planos de guerra contra a China e a Rússia, intenções de bombardear o Irã, bombardeio de civis no Iêmen, estocagem de armas proibidas na Inglaterra, planos para retirar governantes do poder e instalar outros mais “amigáveis”, conivência com o golpe em Honduras, aprisionamento ilegal de dissidentes e opositores, tortura e desrespeito sistemático aos direitos humanos, violação de tratados internacionais, crimes de agentes da CIA, operações ocultas de governos aliados mantidas em segredo para suas populações, subornos pagos a governantes em troca de acordos favoráveis às corporações estadunidenses, obstrução de investigações criminais e judiciais contra todos esses crimes, etc. Os escândalos se sucedem numa torrente interminável, expondo a sordidez ilimitada do imperialismo estadunidense em suas pretensões de domínio mundial.

            O volume de vazamentos é tão grande que o governo estadunidense nem sequer esboça uma tentativa de negar a autenticidade dos documentos. Ao invés de tentar limpar sua imagem, o que se provou de qualquer forma inviável, o governo estadunidense optou por tentar destruir a imagem de Julian Assange, o ativista australiano responsável pelo Wikileaks. Acusações de assédio sexual e estupro foram disparadas contra Assange na Suécia, o que o levou a ser detido na Inglaterra, onde aguarda julgamento sem poder sair do país. A extradição para a Suécia poderia fornecer a base para uma extradição aos Estados Unidos, onde seria acusado de “terrorismo”, conforme declarações de autoridades estadunidenses, o que poderia resultar até em pena de morte. As acusações não resistem a um escrutínio minimamente sério (há declarações anteriores das acusadoras atestando que as relações foram consensuais), o que revela que se trata de pura perseguição política.

            Os documentos publicados pelo Wikileaks foram obtidos em parte por operações de hackers e em parte por vazamentos fornecidos de dentro pelo pessoal do próprio aparato diplomático e de inteligência estadunidense e das forças armadas. Um dos autores de vazamentos, o soldado Bradley Manning, foi identificado como responsável pelo vazamento de dados chocantes da guerra no Iraque, e está sofrendo perseguição criminal.

            O problema da liberdade de expressão

            O ódio do governo estadunidense se combina com o ódio da mídia burguesa, tornada obsoleta pelo Wikileaks, já que este se provou muito mais capaz de expor sem disfarces a verdadeira face da realidade mundial. O ataque contra o Wikileaks é um ataque contra os direitos democráticos mais básicos e contra a liberdade de expressão. Julian Assange não é um militante socialista, é apenas um ativista da mídia com ideais “democráticos”. Mesmo assim, a democracia mais elementar se provou incompatível com a continuidade do capitalismo, pois esse sistema não pode conviver com a exposição da verdade.

            Por décadas tem vigorado um acordo tácito entre os grandes jornais e redes de TV nos Estados Unidos (que funciona da mesma forma no resto do mundo) pelo qual os segredos estatais mais embaraçosos não podem ser revelados. A auto-censura é uma exigência dos grandes grupos empresariais aos quais as empresas de mídia estão subordinadas, já que muitos desses grupos dependem de acordos com o governo. Agora, quando o Wikileaks cumpre o papel que caberia à mídia, os meios de comunicação se unem na campanha maciça para apresentar Julian Assange como “terrorista” e estuprador, por mais que as acusações contra ele tenham se provado escandalosamente forjadas.

            O potencial da internet para a livre comunicação é uma ameaça para as grandes empresas de mídia, daí o seu desespero para derrubar o Wikileaks e criminalizar seu fundador. A campanha contra o Wikileaks foi ao ponto de retirar o site do ar por meio de ataques de negação de serviço e bloqueio dos servidores pela Amazon. O Wikileaks foi forçado a se instalar em um servidor na Suíça. De qualquer forma, o material revelado pelo site já foi copiado e multiplicado pelo mundo.

            O controle sobre a internet

            O Wikileaks cumpriu o papel que o jornalismo deveria cumprir, ou seja, trazer informação. Acontece que o jornalismo feito sob controle das empresas de mídia, jornais, revistas, rádios, televisões e portais de internet, obedece aos interesses dos seus donos e patrocinadores, não do público. A informação transmitida por esses meios chega ao público truncada, fragmentada, filtrada, censurada em suas partes mais críticas, distorcida, reinterpretada para que se conclua dos fatos o contrário do que eles representam, conforme o viés ideológico desejado pelos poderes que controlam a comunicação (a rebelião no Egito, por exemplo, aparece como uma “festa da democracia”).

            Assim como os demais meios, a internet também esta sujeita a este controle. O órgão que regulamenta a rede World Wide Web, o famoso "www" que precede todos os endereços de internet,  é uma entidade pública sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, ICANN). Isto significa que o governo imperialista pode eventualmente "puxar a tomada" e tirar a internet do ar (na verdade, quase toda a internet, pois existem redes "subterrâneas" por fora do www e do protocolo "http", usadas apenas por usuários altamente preparados).

            Mesmo com as limitações do controle estatal e corporativo, a internet ainda propicia um espaço para a busca de formas de comunicação e compartilhamento de idéias. No período recente tem ganhado importância o fenômeno das chamadas "redes sociais", tais como os sites de relacionamento orkut (popularíssimo no Brasil), facebook e o twitter. Trata-se de uma forma de comunicação ágil e bastante prática, capaz de ligar os indivíduos em torno de gostos e preferências comuns.

            Extrapolando as possibilidades dadas aos usuários comuns como as redes acima, existe um setor dos usuários da informática e da internet que não se contenta com os limites impostos pelo controle estatal/corporativo e desenvolve práticas que visam burlar esse controle. Trata-se do chamado cyberativismo, que envolve desde a criação de veículos para a disseminação de informações e idéias, a prática sistemática de distribuir essas informações e também opiniões (em canais como o próprio Wikileaks, mas também o Youtube, Blogger, Twitter, etc.), até modalidades mais radicais, como ações diretas de invasão de sistemas corporativos e estatais para adquirir informações, ou a sabotagem desses sistemas por vírus e ataques de negação de serviço (milhares de acessos simultâneos que sobrecarregam um determinado sistema e o obrigam a se auto-desligar preventivamente).

 

            A propriedade privada como obstáculo para o desenvolvimento das forças produtivas

 

            No final do século XVIII e início do XIX, com a Revolução Industrial, o capital promoveu verdadeiros milagres em termos de crescimento das forças produtivas, de um modo que, em pouquíssimo tempo, a humanidade se viu capaz de “diminuir” o mundo e ampliar magnificamente o conhecimento. Não se trata aqui de se fazer apologia ao capital, pelo contrário. Na mesma medida que se desenvolviam as forças produtivas, os trabalhadores empobreciam. As descobertas da ciência e tecnologia, ao invés de se direcionarem para as necessidades humanas, eram direcionadas para acelerar o ciclo da mercadoria e da concentração e centralização de riqueza.

            Não obstante essa contradição, as grandes descobertas científicas faziam com que os antigos questionamentos passassem a ter resposta racional, derrubando a prevalência dos velhos dogmas da religião (depois de milênios de domínio retrógrado do cristianismo institucionalizado) como forma de explicar o mundo. A impressão que se tinha é de que a humanidade estava às vésperas de ser ver emancipada graças aos avanços científicos e tecnológicos. A busca constante pelo aumento da produtividade pelos capitais particulares era o grande motor propulsor que jogava a humanidade para tais descobertas e para o a crescimento das forças produtivas.

            Ocorre que, depois de passado dois séculos e meio, a humanidade vê-se a retornar ao período medieval, não só no que diz respeito ao conhecimento, mas também à produtividade. Se  antes a propriedade privada foi o combustível para as grandes descobertas, agora passa ser o maior empecilho para que as mesmas forças produtivas continuem a evoluir. A produtividade é tão alta que qualquer evolução técnica manda para os ares a propriedade privada. Podemos ver isso claramente no que diz respeito à tecnologia da informação e no setor audiovisual. Com um mínimo de conhecimento no manuseio de alguns programas de computador simples, qualquer pessoa pode “baixar” arquivos digitais da internet e montar uma discografia completa de seu artista preferido; montar uma videoteca com um sem-número de filmes dos mais variados gêneros, bem como uma coleção de “softwares” para as mais variadas necessidades.

            Caso a pessoa não tenha conhecimentos suficientes do uso de programas para ter tais materiais em casa de forma gratuita, é possível encontrá-los facilmente a preços reduzidos no comércio informal das ruas das grandes cidades. É uma verdadeira expropriação dos grandes capitalistas da informática e da indústria cultural, que fazem de tudo para manter o controle e a propriedade privada sobre os programas, filmes, músicas e textos. No desespero, os capitalistas fazem uma verdadeira campanha para que as pessoas adquiram somente “produtos originais”, por meio de um ataque ideológico à produção e ao comércio paralelo de tais mercadorias, denominado como “pirataria”. O ataque ideológico se completa com a ação policial e judicial, enquadrando as pessoas que fazem uso deste ramo como criminosas.

            Ocorre que a valorização da “originalidade” dos produtos de que tanto se faz menção é uma tentativa vã das das grandes corporações da mídia e da informática (detentoras da propriedade privada) de manterem o monopólio da produção e venda dos produtos. Não há, do ponto de vista da funcionalidade técnica, qualquer diferença entre um produto “original’ e o produto oriundo da pirataria, a não ser o fato de que a mercadoria “original” custa muito mais caro. Pateticamente, tenta-se moralizar a questão, como se não se tratasse de uma necessidade do dia a dia. Quem compra o produto original é “bom”, quem compra um “pirata” é “mau”. No entanto, do ponto de vista prático, quem adquire um produto por 100 ao invés de pagar 10 faz o mesmo que jogar 90 na lata do lixo.

            Os capitalistas tentam desenvolver formas de manter o seu monopólio, mas todas elas são insuficientes para impedir a crescente expropriação da propriedade intelectual resultante da democratização do acesso ao resultado do trabalho humano. A democratização é um resultado do desenvolvimento da capacidade de processamento e de armazenamento de dados dos computadores e de seu mais diversos componentes, e também do desenvolvimento da capacidade do pessoal especializado em informática, que rotineiramente derruba as travas colocados pelo capital para impedir o seu livre acesso. Uma prova contundente disso está nos softwares “craqueados”, em que o usuário consegue instruções para remover “manualmente” as travas que os capitalistas colocam para impedí-los de usar os programas sem pagar. Qualquer pessoa que saiba executar estas instruções pode ter todos os programas necessários para as suas rotinas diárias praticamente de graça. E não adianta a burguesia inovar para manter a sua propriedade privada, pois, em mais tempo ou menos tempo, encontra-se um jeito para derrubá-las.

 

            Possibilidades da internet

 

            Um dos exemplos de como o capitalismo está mais do que obsoleto como modo de produção é o chamado "e-commerce", os sites de compras coletivas. O fenômeno começou nos Estados Unidos com o Grup.on e chegou ao Brasil com o Peixe Urbano e similares. Trata-se de um mecanismo em que um grupo de consumidores interessado em um determinado produto ou serviço (desde um eletrodoméstico a um pacote de viagens ou curso de idiomas) faz um pedido coletivo, adianta o pagamento e recebe diretamente do fornecedor original, a preços muito mais vantajosos, devido à escala do pedido. Essa operação dispensa a intermediação do capital comercial (firmas como Wal-Mart, Carrefour e outras se tornaram tecnicamente dispensáveis). Numa economia racional, possível apenas numa sociedade socialista, esse mecanismo poderia orientar a produção social determinando com enorme praticidade a quantidade dos produtos e serviços necessários para determinada população. Sob o capitalismo em que vivemos, trata-se de mais uma artimanha de um setor do capital (o Grup.on e assemelhados são empresas capitalistas como outras quaisquer) na concorrência contra outro setor, o comércio varejista tradicional, tornado socialmente inútil.

            Um outro movimento que retrata exemplarmente a luta pelo desenvolvimento das forças produtivas contra o limite das relações capitalistas de propriedade privada é o do "software livre". Os softwares  (programas de computador, como o Windows, Internet Explorer, Word, Excel, etc.) de tipo tradicional são desenvolvidos e patenteados por empresas que detém a propriedade do seu "código-fonte", a “linguagem interna” por meio da qual o programa "conversa" consigo mesmo para desempenhar suas tarefas. Os softwares livres (o mais famoso dos quais é o Linux) são desenvolvidos por programadores que compartilham o código-fonte de sua autoria com outros programadores, de modo a permitir que os programas sejam aperfeiçoados por um processo coletivo de colaboração. Há empresas que comercializam versões do software livre para o usuário final, que em geral não domina a programação. Mesmo assim, o compartilhamento dos códigos-fontes contraria a lógica da concorrência capitalista, já que demonstra que a colaboração é mais produtiva que a concorrência.

            A revolução é real e não virtual

           

            Apesar de todas as possibilidades contidas na internet enquanto meio de comunicação, é preciso ressaltar que um veículo de comunicação por si mesmo não é capaz de substituir a luta de classes ao estilo tradicional, como acaba de demonstrar o Egito. As rebeliões populares na Tunísia e no Egito foram divulgadas, convocadas e até certo ponto coordenadas pelas redes sociais da internet, mas no momento decisivo o ditador egípcio "desligou" a internet (e também os celulares) cortando o acesso de todos os usuários do pais. Assim, a rebelião teve que prosseguir usando o método tradicional, ou seja, o bom e velho boca a boca, e conseguiu derrubar o ditador. O moral da história é que os veículos de comunicação têm uma certa utilidade na luta revolucionária, mas para realizar uma revolução real (e libertar a própria internet e outros recursos), nada substitui a consciência e a organização dos trabalhadores nas ruas.

 

PARA ALÉM DAS ENCHENTES:

A LÓGICA CAPITALISTA E A DEGRADAÇÃO DAS CIDADES

           

            No início de 2011 as fortes chuvas de verão provocaram deslizamentos que deixaram quase 800 mortos na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Tragédias desse tipo têm sido recorrentes: em 2010 as chuvas também deixaram mortes e desabrigados em São Luís do Paraitinga, interior de São Paulo, e no bairro de Jardim Pantanal, zona leste da capital. Também houve enchentes no norte de Alagoas e sul de Pernambuco em meados de 2010, com os mesmos efeitos catastróficos. Os governos e a imprensa burguesa colocam a culpa no excesso de chuvas, fazem acusações a algumas autoridades e mobilizam a sensibilidade popular na solidariedade às vítimas. Entretanto, as causas de fundo do problema das enchentes permanecem intocadas. As enchentes e outros problemas das grandes cidades não são produtos de causas puramente naturais, mas soc

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Jornal 35: Fevereiro/ Março de 2010

CONTRA AS SAÍDAS BURGUESAS, APRESENTAR UMA SAÍDA DOS TRABALHADORES!

Primeiramente, é preciso desmistificar a idéia de que a crise já tenha sido superada: embora haja uma recuperação nos setores de construção civil, exportação de matérias-primas e de serviços, a produção industrial brasileira – dado fundamental em qualquer análise econômica – teve queda de 7,4% em 2009, comparado a 2008. Foi a maior queda anual desde 1990. (http://economia.estadao.com.br/noticias/producao-industrial-tem-queda-de-7-4-em-2009,not_3375.htm).

O fôlego da retomada atual dependerá muito da economia mundial, particularmente dos países centrais, cujas economias praticamente continuam estagnadas, bem abaixo dos níveis pré-crise. As dificuldades crescentes dos países mais pobres da Europa em manter os pagamentos dos juros de suas dívidas demonstram que a situação mundial ainda não está definida no sentido de uma recuperação, o que também desautoriza a festa que a burguesia brasileira e o governo e vêm fazendo.

Trata-se de uma retomada em grande medida artificial, pois as causas estruturais da crise não foram resolvidas. Não há aumento real de poder de compra dos trabalhadores ou da classe média que possa sinalizar um novo ciclo de crescimento sobre bases sólidas.

Toda a ajuda financeira dos governos ocorreu no sentido de fornecer incentivos fiscais, crédito barato e seguro às empresas e às famílias para, com isso, incentivar o consumo e tentar recompor a taxa de lucro das empresas no curto prazo. Porém, isso gera novas contradições para um futuro não muito distante. Um exemplo é o aumento da Dívida Pública da União, que fechará 2010 entre 1,60 trilhão e 1,73 trilhão de reais. (http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPE60P02I20100126).

De forma geral, houve uma explosão das operações de crédito – leia-se de endividamento – que cresceram 14,9% no Brasil, só em 2009, atingindo a soma de R$ 1,410 trilhão. Esse valor representa 45% do PIB, contra 39,7% em 2008.  (http://www.diariosp.com.br/Noticias/Economia/180/Credito+cresce+14,9%25+no+Brasil+em+2009).         Mas ao mesmo tempo, a burguesia vem implementado uma nova reestruturação produtiva, através do aumento da sobrecarga de trabalho sobre os trabalhadores que permaneceram, da redução de salários e direitos, da precarização dos vínculos de contratação, etc. Outra saída adotada é a fusão de empresas, cujos exemplos mais atuais são a compra das Casas Bahia pela Rede Pão de Açúcar, e a compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. Quantas lojas e agências poderão ser fechadas?

Assim, por mais que o estado intervenha para aquecer artificialmente a economia – e essa intervenção tem um limite –, as ações estruturais de cada empresa individualmente têm o efeito de corroer o mercado real de consumo de massas. Ao longo do tempo, essa tendência estrutural de lento crescimento/estagnação dos mercados voltará a se impor e teremos a irrupção muito mais severa da crise, agravada ainda pela crise financeira devido ao enorme endividamento que vem sendo incentivado no Brasil.

 

Os mecanismos do estado para manter e aumentar a exploração

No imediato, mesmo com a recuperação atual, sentimos o endurecimento do empresariado e do estado capitalista para com os trabalhadores em todos os aspectos. Os empregos gerados no último período registram salários menores e vínculos precários.

Isso não é produto da vontade individual deste ou daquele empresário, mas expressão da situação a que chegou o sistema capitalista. Devido à tendência de estagnação/lento crescimento da demanda real apontada acima, a competição entre as empresas acirra-se mais ainda, e também os ataques aos trabalhadores.

O Estado tenta se equilibrar entre duas tendências: de um lado, os gastos com a ajuda ao capital produtivo e, do outro, o pagamento dos juros da Dívida Pública ao capital financeiro; esse equilíbrio só pode se manter à medida que o estado se desobrigue cada vez mais dos serviços públicos destinados à imensa maioria da população, aumente as taxas públicas, mantenha congelado o salário do funcionalismo público, faça reformas como a da Previdência, ou seja, também ataque os trabalhadores.

No plano político, jurídico, ideológico e militar, cumpre ao Estado “organizar e manter o consenso”, ou seja, a idéia de que não há outra saída a não ser propiciar as melhores condições de lucratividade para as empresas como forma de impedir a quebra da economia e o desemprego. É a ideologia do “Não há Alternativa”.

A democracia burguesa tem se mostrado uma política bastante eficaz para ludibriar, cooptar e controlar os trabalhadores. Através dos ditos “mecanismos participativos”, e de instituições comprometidas até a alma com os interesses dos empresários: o capital busca a legitimidade para impor seus interesses, fazendo passar a idéia de que os seus interesses são os interesses de todos ou da maioria. Na democracia burguesa não significa que não há repressão aos movimentos sociais, mas sim que essa repressão é legalizada. Há inclusive a possibilidade de uma combinação da democracia burguesa com a escalada militarista, como no caso de Honduras, em que os golpistas buscaram se legitimar a partir de instituições como o Congresso e a Suprema Corte e, ao final, para se consolidar, recorreram às eleições, em que seu candidato venceu.

Outro mecanismo bastante utilizado tem sido o assistencialismo, com o objetivo de acomodar e desmoralizar o setor mais pauperizado, dotado de maior explosividade, opondo-o aos demais setores da classe trabalhadora, para os quais a política é de endurecimento, como no caso dos funcionários públicos, dos correios, bancários, etc. Através das inúmeras formas de assistencialismo, também se coopta as direções e ativistas mais dinâmicos que poderiam se constituir num problema para o governo e o sistema. Esse foi o caso das inúmeras “Bolsas”, PROUNI, etc.

Já para os movimentos que alcançam maior conflitividade, a política é de repressão direta, como por exemplo a luta dos camelôs, dos movimentos dos atingidos pelas enchentes, das ocupações e ações do MST nas fazendas do agronegócio, entre outros. Nas favelas, a ordem é a mesma: controle e repressão sobre qualquer movimento que venha a ameaçar o funcionamento normal do consumo, do turismo, dos lucros.

 

CUT, FORÇA e CTB: Defendendo o capital, contra os trabalhadores

 É preciso frisar que todas essas ações, tanto dos empresários como do estado, têm contado com a ajuda direta ou indireta das direções do movimento, particularmente da CUT e da Força Sindical. Sua postura tem sido a de defender as parcerias com os empresários, via acordos de flexibilização de salários e direitos, isenções de impostos para as empresas e o incentivo ao endividamento geral como se fossem políticas positivas. Assim, as empresas demitem e/ou precarizam os contratos, mostrando que esse tipo de acordo só interessa aos empresários. Essas direções abriram mão de qualquer perspectiva de ruptura e superação da lógica do capital e do lucro. Assumindo para si o horizonte do capitalismo como o único possível, realmente há muito pouco a se fazer e cai-se, mais cedo ou mais tarde, no discurso de que os trabalhadores e os capitalistas são parceiros e que, quando um ganha, todos ganham, o que é uma grande mentira.

À falta de uma perspectiva de luta e socialista da classe trabalhadora, a burguesia que opera no Brasil consegue descarregar parte do peso da crise econômica sobre esta, impedindo momentaneamente uma grande recessão ou mesmo uma depressão.

 

Combate político e ideológico à lógica do capital

Portanto, o maior desafio que está colocado para o próximo período é o de ser parte e intervir na base dos vários movimentos e fóruns de luta e de reorganização da classe trabalhadora, no sentido da reconstrução de uma saída de luta e socialista desde a vanguarda até setores de massa, apresentando uma crítica profunda dos vários mecanismos de dominação dos trabalhadores aplicados pela burguesia e seu estado. Não basta apenas ficar repetindo que o governo Lula é traidor, como fazem a maioria das organizações da esquerda. É preciso demonstrar os fundamentos que o levam a agir assim, as contradições desses fundamentos e, a partir daí, apresentar uma saída crítica-prática, e não apenas um amontoado de palavras de ordem, sem relação com a realidade dos trabalhadores.

A intervenção da esquerda neste ano terá alguns desafios importantes: em primeiro lugar, é preciso denunciar a euforia enganosa de que agora tudo vai ficar bem e que o Brasil é o país do futuro. É preciso lembrar que o espaço reservado para o Brasil dentro da divisão mundial do trabalho é basicamente o de fornecedor de matérias-primas e de uma plataforma de exportação na América Latina. Esse papel não é nem de perto suficiente para alçar o Brasil à condição de país de primeira grandeza no mundo. Além disso, mesmo que a economia brasileira venha a se desenvolver, isso não significa que haverá melhores condições de vida para os trabalhadores. O padrão capitalista de desenvolvimento que está sendo implantado é extremamente explorador dos trabalhadores e destruidor do ambiente. A Copa em 2014 e as Olimpíadas em 2016 são muito mais despesas para o Estado do que investimentos do capital. Os empregos gerados serão temporários e mal remunerados. Um bom exemplo foi a realização do Pan no Rio de Janeiro, que de nada serviu para melhorar a situação dos trabalhadores e, ao contrário, os problemas sociais se agravaram, aumentando o poder de ação do tráfico e a repressão da polícia sobre os moradores das comunidades de periferia.

Com relação às campanhas salariais, o maior desafio é impulsioná-las para além dos limites imediatistas e corporativistas, no sentido de que busquem uma ponte entre suas demandas e as dos demais trabalhadores, apontando saídas mais gerais para aspectos estruturais da sociedade como a educação, a saúde, o emprego, a Previdência, o ambiente, os transportes, a violência, o racismo, a opressão da mulher, etc.

Este ano, nos dias 5 e 6 de junho, haverá a realização do CONCLAT – “Congresso Nacional da Classe Trabalhadora” – que poderá fundar uma nova Central de Luta, como alternativa de luta à CUT e demais centrais governistas. A tarefa central aí será, não apenas fundar uma nova central, mas acima de tudo uma nova concepção de atuação sindical que supere os limites atuais e esteja à altura dos desafios colocados pelo capitalismo de hoje. É preciso superar o sindicalismo imediatista, característico da maioria das correntes de esquerda, sob pena de não se conseguir sequer defender as conquistas existentes. É preciso debater com a classe trabalhadora a necessidade da ruptura com a lógica do lucro e a construção de uma outra sociedade, em base a um compromisso com as necessidades reais da maioria da população, definidas democraticamente. Outras lutas importantes são contra a burocratização – o que exige permanente ação de formação para que os trabalhadores venham a ocupar os espaços de decisão nas entidades –, bem como a adoção de medidas que dificultem o processo de burocratização, como rodízio, fim dos privilégios, controle sobre os mandatos, etc. Enfim, é preciso um novo sindicalismo, uma re-educação da própria esquerda atual.

 

Construir um movimento político dos trabalhadores pela base!

Outro fato importante, e que já está influenciando a realidade brasileira, são as eleições de 2010. Por trás de toda a disputa presidencial entre PT e PSDB, esconde-se a unidade de ambos os setores em torno do mesmo projeto para o país: a manutenção da inserção subordinada do país à lógica do capitalismo globalizado. Ambos defendem a manutenção dos compromissos com o capital financeiro, as isenções de impostos para as empresas, o corte dos direitos sociais, a entrega dos recursos naturais ao capital privado, etc. A única disputa é se a burocracia política, de estado e sindical representada pelo PT continuará abocanhando uma parte da renda do estado, ou se a burguesia propriamente dita ficará com tudo, ao administrar o país sem a intermediação da burocracia.

Já a tarefa da esquerda, muito mais do que buscar qualquer viabilidade por dentro da lógica eleitoral, é a de uma crítica profunda aos fundamentos do modelo de economia e de sociedade que está sendo implementado no Brasil e suas conseqüências. Mais do que qualquer coisa, é preciso disputar a consciência de amplos setores para um programa de ruptura com a lógica capitalista e a apresentação de uma alternativa socialista para o país e a sociedade.

Outro pilar de sustentação dessa atuação tem que ser a unidade da esquerda de luta, que essa unidade ocorra pela base e esteja enraizada nos movimentos sociais. Nesse ponto, não podemos deixar de dizer que as duas principais correntes, tanto o PSOL quanto o PSTU começaram mal.

O PSOL insistiu até o último momento em uma Frente com o PV de Marina Silva, um partido que diz defender a natureza, mas incoerentemente tem em seu programa a defesa da “livre iniciativa” e da “economia de mercado”. Quando, por fim, o PV demonstrou que em seu arco de alianças cabe até o PSDB, como no Rio de janeiro, o PSOL não teve mais como sustentar essa tentativa e a partir daí passou a defender uma candidatura própria em coligação com outros partidos da esquerda, candidatura essa que será definida em março, em sua conferência.

Já o PSTU, apesar de dizer que defende uma Frente Classista e Socialista dos Trabalhadores, assim que percebeu o movimento de aproximação do PSOL com o PV, preferiu já lançar seu pré-candidato – Zé Maria. Ao nosso ver, isso caracteriza uma concepção equivocada, em que o partido decide tudo e os ativistas e demais trabalhadores só entram na hora de fazer campanha e/ou votar…

Ora, do que se trata é justamente da constituição de algo muito mais amplo, um movimento político dos trabalhadores, que tenha sua expressão eleitoral, mas que essa expressão seja definida a partir de debates e fóruns os mais amplos possíveis, por exemplo, plenárias e debates abertos a todos que queiram construir essa alternativa unitária que seja a expressão política das necessidades imediatas e históricas dos trabalhadores, nas lutas e nas eleições.

Sem essa “alma” que só pode ser a empolgação dos ativistas e trabalhadores como sujeitos de sua própria representação política, essa pré-candidatura também não tem ainda entusiasmado a vanguarda, o que confirma que o lançamento ocorreu de forma precipitada e a partir de cima.

É preciso superar a lógica divisionista na esquerda, bem como fazer com que as decisões da base sejam superiores que as das cúpulas. É preciso constituir urgentemente e a partir da base um movimento político dos trabalhadores, que apresente uma saída socialista pra a sociedade nas lutas e também nas eleições.



É preciso uma explicação marxista para as recentes manifestações (violentas) da natureza. A idéia que tem prevalecido é a da burguesia, mas essa sempre esconde a verdade. Estamos nos propondo a iniciar esse debate no movimento e para isso apresentamos alguns textos à reflexão dos militantes e ativistas. Eles têm como centro a relação do capitalismo com a natureza. Partimos do aspecto antropológico e filosófico da relação entre trabalho alienado e natureza. Passamos nos textos a seguir pela explicação das conseqüências sociais dos desastres naturais, abordamos a incapacidade da burguesia resolver esses problemas (a conferência de Copenhague) e analisamos também o problema do trânsito nas grandes metrópoles, uma das manifestações mais irracionais do uso capitalista dos recursos.

 

TRABALHO ALIENADO E NATUREZA


Nem mesmo a burguesia consegue ocultar a discussão sobre os problemas ambientais causados pelo capitalismo, pois os efeitos da destruição da natureza já se apresentam de maneira dramática. Enchentes, secas, descontrole das temperaturas, degelo (e aumento do nível dos oceanos e mares), desertificação, perda da diversidade biológica, multiplicação de vírus e bactérias mortais, poluição, escassez de água potável, acúmulo de lixo, destruição da camada de ozônio, etc.; não são fenômenos naturais como quer fazer crer a burguesia e seus meios de comunicação.

Todos esses fenômenos têm relação com a exploração da natureza em função da acumulação de capital. O trabalho é a forma especificamente humana, social e histórica, de metabolismo com a natureza. Cada ser humano está em relação com a natureza por meio de seu corpo físico, cuja existência precisa ser mantida, mas essa relação não se dá de forma imediata, pois é social e historicamente mediada pelo trabalho. O uso de recursos naturais para produzir alimentos, vestimentas, moradias, utensílios, etc., não é feito separadamente por cada indivíduo, mas coletivamente por meio da formação social da qual este indivíduo faz parte. Ou seja, o homem somente se relaciona com a natureza indiretamente, por meio de sua relação com os outros homens, com o meio social de onde recebe uma cultura e no qual desempenha algum tipo de papel produtivo.

A humanidade do homem não está dada de modo imediato na realidade histórica, ou seja, cada homem não está imediatamente unificado com a sua humanidade, da forma como estão os animais. Cada animal é imediatamente idêntico a sua espécie e capaz de fazer tudo que a espécie é capaz. O homem, ao contrário, se encontra separado de sua espécie, da sua humanidade, seu ser genérico, por conta da condição histórica da divisão da sociedade em classes e do trabalho alienado.

Assim que o trabalho se torna capaz de produzir um excedente em relação às necessidades sociais, surge uma classe social que se apropria desse excedente. Ao longo da história desenvolve-se uma luta entre as classes proprietárias e as classes trabalhadoras pela posse desse excedente do trabalho social. O controle do excedente do trabalho pelas classes proprietárias transforma o trabalho numa atividade alienada, ou seja, estranha para a maior parte dos seres humanos. O homem se separa de seu ser genérico, sua humanidade, ao não poder determinar o que fazer com seu tempo de trabalho e ser forçado a trabalhar para outro. O homem se aliena da atividade do trabalho, dos produtos do trabalho, da sua relação com os outros homens, que aparecem todos como elementos externos e opressivos sobre o indivíduo; e se aliena também da natureza.

Se a relação com a natureza se dá primordialmente por meio da relação social e histórica de trabalho, o trabalho alienado leva a uma relação alienada com a natureza. Na sociedade de classes, a natureza se apresenta ao homem como ambiente externo e objeto estranho, a ser controlado, dominado, usufruído e descartado, conforme os interesses da classe dominante. A natureza deixa de ser o “corpo inorgânico do homem”, como a definiu Marx, e se torna propriedade privada. Na condição de propriedade privada, a natureza pode ser usada e abusada de maneira irresponsável, pois a necessidade coletiva é desconsiderada em detrimento dos interesses privados.

Na sociedade capitalista, que é a forma mais recente da sociedade de classes, a natureza mais do que nunca aparece como estranha ao homem, como puro objeto de manipulação, fonte supostamente inesgotável de matéria-prima e repositório dócil para os infinitos subprodutos da ação humana (lixo e poluição). O capitalismo simplesmente ignora que a natureza não é inesgotável nem pode suportar indefinidamente os dejetos que lhe atiramos. A lógica do capital considera apenas o curto prazo, o balanço das empresas, a cotação diária da bolsa de valores, e simplesmente despreza a sobrevivência da espécie. Como disse um autorizado representante da burguesia, o economista inglês John M. Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”.

Para restaurar o equilíbrio natural e reverter os graves danos já causados é preciso ao mesmo tempo reverter a lógica que dirige o emprego das forças produtivas sociais, direcionando-as para o atendimento das necessidades humanas. É preciso estabelecer racionalmente o que a humanidade precisa produzir e de que forma isso pode ser produzido sem afetar a capacidade do planeta de seguir fornecendo indefinidamente os recursos de que necessitamos. Ao invés de produzir armas nucleares e artigos de luxo (ou seja, coisas inúteis), o trabalho humano passaria a produzir aquilo de que os seres humanos realmente precisam para viver. Isso por si só já teria grande impacto na reversão dos danos ambientais.

Mas isso só é possível com o fim do trabalho alienado, ou seja, com a conquista do controle dos trabalhadores sobre seu tempo e seus instrumentos de trabalho. Para isso é preciso romper com a propriedade privada dos meios de produção e com a divisão da sociedade em classes. Somente uma humanidade sem classes pode se relacionar de forma racional com seu trabalho, direcionando seu tempo e recursos para produzir aquilo que realmente é necessário e considerando o equilíbrio da natureza e a continuidade da vida. Ao mudar a relação do homem com o trabalho, muda-se também a relação com a natureza.

Para a natureza é indiferente que o planeta seja habitado por seres inteligentes ou por bactérias, pois o planeta seguirá seu curso em torno do sol, quer sejam os homens os seus passageiros ou os microorganismos. Para o homem, entretanto, a preservação de certas condições indispensáveis para a sua sobrevivência, como ar respirável, água potável, terras férteis, temperaturas suportáveis, etc., deve ser resultado de sua ação consciente e coletiva. Essa ação passa necessariamente pela revolução social, pela superação da lógica do capital e pela construção do socialismo, único regime capaz de devolver ao homem o controle sobre seu trabalho, sua humanidade e sua relação racional e sustentável com a natureza.


 

O CAPITALISMO AGRAVA OS DESASTRES DA NATUREZA


A destruição da natureza não se explica pela ação do homem abstrato e genérico, deslocado do processo real de produção. A burguesia, para se livrar da responsabilidade, também propaga a idéia de que “o homem” é o destruidor da natureza, como se isso fizesse parte do seu próprio ser. Sem uma consciência que se opõe ao modo de produção, a ação do homem no mundo reflete as idéias da classe dominante, e é esse homem feito à imagem e semelhança da burguesia que, no seu produzir, domina a natureza e a destrói. O homem no mundo capitalista tem a característica de ao mesmo tempo viver na e contra a natureza.

Claro que há um mundo natural em constante transformação, em formação e em movimento permanente, mas o que presenciamos atualmente não é um “movimento natural” e sim as conseqüências destrutivas da forma capitalista de produção. É no processo de maximização da mais valia que a burguesia intensifica a exploração sem limites da natureza e leva a esse processo de destruição.

 

Alguns desastres são naturais, mas as consequências não são

Como já foi dito, há na natureza movimentos naturais – como é o caso do terremoto no Haiti, mas as conseqüências que esses fenômenos provocam não são naturais. É sabido que há tecnologia para minimizar ou mesmo evitar os impactos de desastres naturais (terremoto, tsunami), mas como essas tecnologias estão sob o controle do capital, elas são utilizadas somente nos países ricos. Ou seja, a condição do país no mercado mundial influi até mesmo na utilização de mecanismos de proteção e garantia de vida das pessoas.

No caso do Haiti, o fator determinante para o alto grau de destruição e o alto número de mortes é sua condição de colônia do imperialismo, pois decorre daí a sua pobreza. A grande concentração da população pobre na periferia das cidades, as casas sem nenhuma estrutura, a inexistência de um sistema público de saúde (hospitais, formação de médicos, enfermeiros, etc) e até de defesa civil; são causas quantitativas e qualitativas da tragédia humana que se seguiu ao terremoto. Não é por sorte que as mansões de Porto Príncipe não sofreram quase nenhum dano. Se um terremoto desse porte acontecesse em um país rico sem dúvida as conseqüências seriam muito menores.

Tanto lá como cá as causas e conseqüências (como uma relação dialética e não mecânica) têm a mesma explicação. As recentes tragédias no Brasil, como as do Rio de Janeiro ou as Zonas Sul e Leste de São Paulo tem tudo a ver com a destruição causada pela produção capitalista. Em primeiro lugar, o aumento do volume das chuvas é uma conseqüência das alterações climáticas. Em segundo, as vítimas são em sua maioria os moradores das áreas pobres, que por conta da especulação imobiliária são jogadas para as regiões pantanosas e para os morros, áreas sabiamente mais frágeis. Essa mesma especulação imobiliária está na raiz de outros tantos problemas ecológicos, como é o caso da contaminação das áreas de mananciais. Em terceiro lugar, não há por parte dos governos nenhum plano de habitação que permita e garanta que os trabalhadores saiam dessas áreas. Pelo contrário, há uma política de “jogar” ainda mais pessoas nessas regiões para que outras áreas próprias para moradia possam se valorizar e garantir o lucro dos especuladores.

Alguns tentam explicar o sofrimento das pessoas vitimadas pelas enchentes como se fosse por conta da escolha que fizeram de morar nessas áreas. Como se as pessoas morassem em áreas alagáveis e em favelas porque gostam e como se fosse uma questão de escolha. Não vêem (ou não querem ver) que a urbanização desordenada das grandes capitais, principalmente no sudeste, é produto do êxodo rural dos anos 60 e 70, e que a “escolha” de morar em favelas é a única que restou a esses trabalhadores por conta do salário miserável a que estão submetidos.

Por uma política revolucionária

Nos últimos anos temos presenciado o surgimento de uma consciência ecológica e de diversas organizações que militam no “movimento ecológico”. Algumas até tem um caráter “progressista” (como os ecosocialistas), mas o limite da maioria desse movimento está exatamente no fato de serem policlassistas e de não verem o necessário caráter classista e revolucionário da luta ecológica.

Entre as maiores organizações estão o Greenpeace e o WWF. Esse último luta “para harmonizar o homem e a natureza”, frase oca que na verdade esconde uma utopia reacionária, uma vez que também defendem que as “Parcerias com o setor privado são peças chave para o trabalho de conservação da natureza e uso sustentável dos recursos naturais desenvolvido pelo WWF-Brasil. Para nós, os negócios são parte central do bem-estar da sociedade e do planeta” (http://www.wwf.org.br/empresas_meio_ambiente/). Já o Greenpeace, mesmo declarando que não aceita ajuda de empresas, também se caracteriza por ser “uma organização (…) que atua para defender o meio ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos (…) desafiamos os tomadores de decisão a reverem suas posições e mudarem seus conceitos. Também defendemos soluções economicamente viáveis e socialmente justas” (http://www.greenpeace.org/brasil/quemsomos/).

O que as une é a crença e a ilusão de que é possível salvar o planeta mesmo sob o capitalismo, apenas “mudando a atitude das pessoas em relação ao meio ambiente”. Por outro lado estamos em uma situação em que o proletariado e suas organizações ainda não conseguiram encontrar mecanismos que sejam capazes de enfrentar esse problema com propostas e prática revolucionárias. Trata-se de um problema novo para o qual devem ser dadas respostas também novas.

Enfrentar a crise ambiental do ponto de vista do legado do marxismo (relação homem-natureza) é nesse momento pensar que a revolução socialista deve necessariamente ser marcada pela superação da totalidade das formas de alienação, se apresentando para a solução da problemática econômica, mas também ambiental (e também cultural, sexual, etc). Um mundo equilibrado ambientalmente só será possível quando, homens e mulheres, abolirem a propriedade privada e consigam avançar para o domínio consciente da natureza. Mudar o mundo para salvar o planeta!


 

A CÚPULA DE COPENHAGEN: SÓ ENCENAÇÃO


Entre 7 e 18 de Dezembro de 2009 realizou-se em Copenhagen, capital da Dinamarca, a Cúpula das Nações Unidas sobre Mudança Climática, também chamada de COP15. O objetivo da cúpula era discutir a implantação da chamada “Convenção Marco de Mudança Climática”, chegando a um compromisso global capaz de obrigar todos os governos a estabelecer metas de redução da emissão de gases de efeito estufa.

Essa discussão se impôs na pauta dos dirigentes globais depois que o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicado em 2007 expôs a relação entre a emissão de gases (principalmente o CO2 – dióxido de carbono – derivado da queima de combustíveis fósseis) e as alterações climáticas pelas quais o planeta tem passado, em especial a elevação da temperatura média global (com conseqüências como o derretimento de geleiras e calotas polares, o aumento do nível dos mares, a maior incidência de tempestades, furacões, etc.). Nem mesmo um órgão da burguesia como a ONU pôde esconder a discussão sobre esse aspecto dos desequilíbrios ambientais, tal a gravidade da situação.

Ainda restam muitos problemas por discutir, como a falta de saneamento básico e a profusão de doenças que daí decorrem, o acúmulo de lixo, a poluição, o desmatamento, a desertificação, a extinção em massa de espécies vegetais e animais, etc., problemas ambientais que afetam populações do mundo inteiro e não respeitam fronteiras nacionais. No capitalismo plenamente mundializado, o planeta inteiro se transformou em cenário da produção de mercadorias, da qual apenas uma pequena fração da população, a burguesia, se beneficia, ao passo que todo o restante sofre as conseqüências desse modo de produção (80% das emissões de gases são produzidas pelas indústrias, usinas elétricas, monocultura agrícola e pecuária intensiva dos países imperialistas, que concentram 20% da população – números de ALAI, 16/11/2009). A mundialização do capital mundializou também a contradição entre produção coletiva e apropriação privada. Os efeitos deletérios da degradação ambiental atingem principalmente as populações socialmente mais vulneráveis, ou seja, os setores mais pobres e mais explorados da classe trabalhadora mundial.

O fato de que os dirigentes do Estado tenham colocado em pauta a discussão sobre metas de redução de CO2 não significa que tenham condições de encaminhá-la satisfatoriamente. O debate foi conduzido de forma anti-democrática, ao estilo das últimas grandes reuniões de cúpula globais, cercadas por pesado aparato de segurança para manter afastados os manifestantes e representantes de concepções alternativas. De qualquer forma, a pressão de ONGs e grupos ambientalistas é pateticamente insuficiente para lidar com a escala dos problemas envolvidos, pois trata-se de limites do próprio capitalismo. Sem adotar uma perspectiva classista claramente socialista, os movimentos ambientalistas e partidos verdes se convertem em alas inofensivas da esquerda pequeno-burguesa.

Desde o início da COP15 tornou-se clara a clivagem entre as principais potências imperialistas e os países periféricos e semicoloniais. Os dois grupos lutaram para empurrar um sobre o outro o custo das mudanças necessárias para reverter o atual estado de degradação do meio ambiente planetário. Como conseqüência desse desacordo, a COP15 terminou sem encontrar um substituto para o Protocolo de Kyoto (firmado em 1997 e jamais ratificado pelos Estados Unidos), que saiu de cena sem qualquer resultado palpável em redução de emissões. O mecanismo por meio do qual as grandes corporações compravam o direito de poluir financiando projetos “verdes” foi apenas um disfarce para a manutenção do padrão de consumo destrutivo dos países imperialistas.

O relatório do IPCC apontava a necessidade de um corte nas emissões de 25 a 40% até 2020 em relação aos níveis de 1990 e de 50 a 80% até 2050, o que foi desconsiderado. Os documentos finais da Conferência não passaram de vagas declarações de intenções que não puderam esconder as profundas divergências entre os vários grupos de países. Nem as potências imperialistas puderam chegar a um acordo entre si por conta das suas rivalidades, nem apresentaram qualquer compensação aos países periféricos por conta do receio com o crescimento dos BRICs. A maior parte dos países, incluindo os maiores emissores per capita, os Estados Unidos, e em números absolutos, a China, assumiram metas de redução muito mais modestas e referentes aos níveis de 2005, mas sem compromissos jurídicos e formas de verificação do cumprimento das metas. Em termos de ajuda aos países mais pobres para sua transição a tecnologias mais limpas, os resultados da COP15 foram igualmente pífios.

A impossibilidade dos dirigentes políticos do Estado burguês de resolver os problemas ambientais e de chegar a um acordo sólido sobre qualquer questão relevante decorre do fato de que cada governo representa os interesses da sua fração nacional da burguesia, em luta contra as outras burguesias pelo controle do mercado mundial. Por isso cada governo luta para impor sobre os outros países os custos das mudanças e esse esquivam de compromissos que possam prejudicar os negócios da burguesia nacional.

Para manter os lucros das respectivas burguesias os governos despejaram quantias imensas de dinheiro no mercado financeiro por conta da crise econômica ao longo de 2008/2009 (U$ 23 trilhões segundo algumas estimativas), mas são incapazes de realizar os investimentos necessários para mudar a atual matriz energética, que representam um volume de gastos muito menor, calculados em cerca de U$ 500 bilhões anuais, ou ainda, para aliviar a situação dos países insulares e costeiros em face da elevação do nível dos mares, com custos estimados em U$ 100 bilhões (segundo o Banco Mundial). O controle do Estado pelo setor financeiro e petrolífero impede os governos capitalistas de adotar as medidas que a população trabalhadora e o meio ambiente planetário requerem com urgência.

A opção do Estado pelo salvamento do mercado financeiro e sua recusa a dar sequer os passos iniciais para combater o aquecimento global não são meros equívocos dos governantes de turno, mas evidências do papel de classe do Estado como garantidor da ordem capitalista e suas iniqüidades. Num contexto de grave crise econômica, o caráter de classe do Estado se acentua ainda mais, pois todas as suas medidas, não apenas no plano ambiental, vão no sentido de recuperar os lucros da burguesia através do aumento da exploração sobre os trabalhadores. Inversamente, a solução dos graves problemas ambientais atuais é inseparável da luta pela superação do modo de produção capitalista como um todo, em direção ao socialismo, no qual a cooperação da classe trabalhadora internacional será capaz de tomar as medidas necessárias para direcionar a produção para as necessidades humanas e reverter os danos causados pelo capitalismo, restaurando o equilíbrio do ecossistema global.

 

 

 

TRÂNSITO: CAOS DO MODO DE PRODUÇÃO BURGUÊS


O trânsito e a poluição urbana é um dos “calcanhares” dos administradores burgueses. Adota-se todo tipo de medida (restrição de circulação de ônibus e de carros, obrigação de vistoria, etc), mas os problemas continuam se agravando, uma vez que nenhuma delas mexe com o ponto central que é adotar um sistema de transporte que não privilegie o lucro e sim as necessidades da população. Não fazem porque teria que romper com a lógica capitalista que ordena o modelo de transporte adotado e da própria organização da cidade na sociedade capitalista.

É um debate importante porque a luta pelo socialismo compreende uma totalidade que envolve as transformações econômicas, mas também a cultura, o sistema de saúde (que está relacionado com a qualidade de vida), a localização das fábricas (e o que produzir), das escolas e dos hospitais e evidentemente a organização das cidades e do transporte, etc. No socialismo tudo será organizado racionalmente de modo que o nosso tempo esteja voltado para a satisfação das necessidades da coletividade e não para os interesses do capital.

A produção capitalista se caracteriza pelo caos, completamente desorganizada e dispersa obrigando as pessoas se deslocarem por quilômetros para venderem sua força de trabalho com consequências para o sistema de transporte e para a própria saúde. Mais duas questões (entre outras tantas que se poderia falar) que pode demonstrar  o caos é o que se produz e a especulação imobiliária que repercutem no sistema de transporte e na própria organização da cidade. O carro além de congestionar ainda polui e a especulação imobiliária joga os trabalhadores e explorados para as periferias, locais distantes do trabalho, da escola e dos hospitais.

 

Cidades e trânsito: o caos provocado pela burguesia

O atual sistema de transporte no Brasil foi construído a partir da década de 50, como parte do acordo com o imperialismo para a instalação das montadoras no país. Para garantir o lucro delas a malha ferroviária (de carga e de passageiros) foi sucateada e o transporte público passou a funcionar em torno dos ônibus produzidos por elas.  A base desse sistema são os veículos automotores seguidos pelos ônibus e caminhões e com o petróleo como matriz energética. Uma escolha para atrair e agradar as montadoras que desde então lucraram – e remeteram para as matrizes- bilhões e bilhões.

A insanidade do capital faz com que suas escolhas ocorram pelo lucro e isso causa vários problemas como a poluição, os congestionamentos, o deslocamento de bilhões para a construção e reforma da malha rodoviária (só trecho sul do Rodoanel em São Paulo tem um custo estimado em 4 bilhões de reais e é responsável por 25% do desmatamento na Grande SP no ano de 2008), a impermeabilização do solo e ideologicamente, em detrimento de um modelo coletivo, uma concepção individualista no transporte, pois a imensa maioria dos veículos são ocupados por uma pessoa. Um modelo que só atende aos interesses da burguesia.

Em relação a poluição não é novidade para ninguém que os carros estão entre as principais fontes de poluição do Brasil e do mundo. A causa é óbvia: o combustível. Tanto faz a gasolina, o álcool ou o diesel. Todas as medidas adotadas pelos governos de plantão, ou não têm nenhum efeito ou ele é desprezível. Já com relação ao meio de transporte a lógica também é perversa, pois com um transporte público de péssima qualidade muitos são empurradas para os carros o que agrava a poluição e os congestionamentos, mas garante o lucro das montadoras.

Há outras tecnologias que poderiam ser aplicadas no desenvolvimento de transporte com fonte energética muito menos poluidora, como são os trens e ônibus elétricos. Esses transportes além de poluírem menos podem transportar muito mais pessoas em um espaço muito menor. Mas adotar medidas que substitua os automóveis por um sistema coletivo de transporte significaria mexer com os interesses de grandes capitalistas das montadoras, das empresas ligadas ao refino do petróleo e da máfia que controla as empresas de transporte coletivo nas grandes cidades. Isso nenhum governo burguês está disposto a fazer.

Quanto aos congestionamentos os trabalhadores são as maiores vítimas, uma vez que na atual configuração da produção capitalista os trabalhadores são obrigados a irem trabalhar cada vez mais longe o que por si já representa o aumento na jornada de trabalho provocando maior desgaste físico e mental. Essa combinação do tempo gasto para o trabalho e o tempo gasto nos congestionamentos representa a continuidade da apropriação pela burguesia do tempo do trabalhador e que não é remunerado. Assim o trabalhador sequer consegue descansar para se recompor para o dia seguinte e sem falar na dificuldade de que o trabalhador possa participar de reuniões sindicais ou políticas. Ou seja, a burguesia utiliza o caos que o seu modo de produção provoca para manter os trabalhadores sob controle. É uma apropriação física e espiritual dos trabalhadores.

Em uma sociedade socialista, portanto racional, os trabalhadores além de terem uma jornada de trabalho muito menor trabalharão próximo de suas residências ou terão computado na sua jornada o tempo de deslocamento, podendo aproveitar essas horas “economizadas” para atividades políticas, culturais, de lazer e para descanso. Só uma sociedade irracional como a capitalista desperdiça tanto tempo.

Outro efeito devastador para a natureza é a impermeabilização das cidades. Para comportar a quantidade de carros que estão sendo produzidos (em 2009 foram  quase 3,2 milhões) é preciso construir uma extensa malha rodoviária, o que faz com que as cidades sejam permanentemente redesenhadas, representando uma destruição de força de trabalho e da natureza, uma vez que mais e mais árvores precisam ser derrubadas, o solo é impermeabilizado e o curso e as margens dos rios sofrem constantes mudanças. As recentes enchentes (que Serra culpou a natureza, Kassab a Marta Suplicy e o povo) são conseqüência dessas alterações e não das pessoas.

Parte importante do orçamento do país é direcionado para a construção e/ou reforma de estrada (em alguns Estados representa 50% de tudo que é aplicado pelo governo Federal), retirando dinheiro de outras áreas como saúde e educação. Essa grande quantidade de dinheiro em todos os orçamentos (federal e estaduais) fez com que se desenvolvesse no país grandes grupos econômicos (Camargo Correa, Espasamco, etc) que são dependentes dessas obras e para mantê-las faz todo tipo de falcatrua, como licitação direcionada, caixa dois para a campanhas eleitorais (além de doação pública), etc. É só mais um elo dessa corrente que se construiu a partir da adoção desse modelo de transporte.

 

Ideologia e automóvel

A adoção do automóvel como central no sistema de transporte também implica em que as pessoas precisam ser convencidas de comprá-lo e utilizá-lo, precisa tornar-se necessidade. Para isso foi montado um imenso aparato ideológico que envolve agências de propagandas, televisão, psicologia de massas, etc que tem o poder de “embelezar” homens e mulheres, de mascarar e mudar o meio em que vivemos (todas as propagandas apresentam ruas sem buraco e sem congestionamento) e de declarar o poder dos e das possuidoras de carros sobre o mundo.

Por essa ideologia  quem tem um carro é diferente e não está submetido aos caos do transporte público, destinado aos de pouca sorte; quem te carro é diferente, mais inteligente, faz a escolha certa e “venceu” na vida. O automóvel é o símbolo do capitalismo e para a própria burguesia alocada no Brasil era importante essa escolha como demonstração de que definitivamente o país se modernizava. Como vemos a partir do automóvel se estrutura parte importante da vida em uma sociedade capitalista.

Outro aspecto dessa ideologia é colocar o indivíduo acima da coletividade. Veículos altamente poluidores que transportam pouquíssimas pessoas (na maioria das vezes uma só pessoa) são a representação de que o sistema de transporte também é voltado para a propagação do individualismo, fundamental para a ideologia dominante e para a própria indústria automobilística. A degradação do transporte coletivo é parte dessa lógica, pois a todo momento na mesma avenida congestionada podemos ver de um ônibus lotado -com as pessoas em pé e amassadas- um veículo com um indivíduo livre desse inferno que é o ônibus. A construção consciente dessas comparações é uma tática muito bem pensada pela burguesia de modo que  nesse cenário as pessoas possam pensar em saídas individuais e ver o automóvel como o meio de realização desse desejo.

 

Construir uma saída pela esquerda

A anarquia da produção capitalista faz com que ela desloque imensas forças de trabalho para a produção de bens que significam a destruição das próprias condições de vida da humanidade, ou seja, em vez de produzir bens que contribuam para  o bem estar das pessoas produz-se aquilo que interessa aos capitalistas. É a lógica da burguesia.  Uma sociedade socialista organizaria a produção de modo que se produziria aquilo que realmente atendesse as necessidades humanas e não do lucro.

Precisamos, a partir de nossas frentes de atuação, abrir essa discussão no movimento, incorporando reivindicações que garantam transporte coletivo público, gratuito e de qualidade para os trabalhadores. Em uma perspectiva da revolução também está colocado a necessidade do desenvolvimento de energias que garantam a produção das necessidades dos trabalhadores e que não poluam o meio ambiente. Em relação ao transporte coletivo até mesmo “especialistas” burgueses reconhecem que  o transporte sobre trilho é muito mais barato e menos poluente. Também é preciso redirecionar a produção automobilística do país para veículos que garantam a produção de alimentos, como os tratores.

Só com essas mudanças como essas (que são mínimas) quantas carretas poderiam deixar de circular  e poluir com a adoção do transporte de cargas para os trens? E quantos ônibus deixariam de poluir e congestionar se adotássemos o transporte ferroviário como prioritário? Quantas horas os trabalhadores poderiam se dedicar ao lazer, ao estudo e a própria militância anti capitalista?

Se temos consciência de essas medidas são fundamentais também sabemos que o capitalismo –pela sua própria lógica do lucro- não pode realizar essas tarefas. Só a revolução socialista poderá levar a frente essas tarefas. Por isso, viremos à esquerda.


 


ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL E EDUCAÇÃO FLEXÍVEL


Objetivamos mostrar a intrínseca relação entre as transformações no capitalismo e o papel atribuído à educação. Essa análise leva em consideração o “grau de controle que logrou deter a grande burguesia sobre as crises cíclicas do capitalismo” (consciência adquirida a partir de 1929) como também a substituição dos sistemas de organização do trabalho taylorista e fordista pelo toyotista. Partimos das mudanças ocorridas na organização do trabalho provocadas pelo avanço tecnológico a partir dos anos 1970. O avanço tecnológico alterou o padrão produtivo e introduziu a acumulação flexível, substituindo o taylorismo e o fordismo pelo toyotismo.

A acumulação flexível, como resultado da taxa decrescente do lucro e, consequentemente, da dificuldade da realização do capital, aumentará exponencialmente a taxa de exploração dos trabalhadores, e ainda assim não inverterá ou evitará a diminuição da taxa de lucro, pois se trata de uma crise no seio da estrutura de funcionamento do sistema capitalista.

Por isso, a diminuição do emprego, dos salários e das condições de trabalho não são  fatos esporádicos no capitalismo, e sim parte do movimento do capital.

O desemprego deixa de ser um fator de crise e converte-se “… agora em um dos elementos do processo de controle das crises que aciona o mecanismo de desaquecimento da economia como forma de mantê-la ajustada às relações sociais vigentes, comandadas pelos interesses do sistema financeiro internacional.” (SAVIANI, Dermeval.In: Capitalismo, Trabalho e Educação, p.22)

 

O papel atribuído a educação

A educação passa a se submeter diretamente às condições de funcionamento da economia capitalista, pois o trabalho pedagógico articula-se com o processo do trabalho capitalista, se constituindo no toyotismo “em forma de disciplinamento para a vida social e produtiva no capitalismo.”

Esse disciplinamento “configura-se como uma transformação intelectual, cultural, política e ética, uma vez que tem por objetivo o desenvolvimento de uma concepção de mundo tão consensual quanto seja possível, tendo em vista as necessidades de valorização do capital.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p.82)

O que se pretende é formar “um povo manso e resignado, respeitoso e discreto, um povo para quem os patrões sempre tenham razão.” Ou seja, “um povo ideal para uma burguesia que só aspira resolver sua própria crise.” (PONCE,  Aníbal. In: Educação e Luta de Classes, p.173)

O disciplinamento é necessário uma vez que a educação assume, de acordo com as necessidades do mercado, o princípio da flexibilidade como condição para produção segundo a demanda. “Isso gera a necessidade não mais de produzir estoques de mão-de-obra com determinadas competências para responder às demandas de postos de trabalho – cujas tarefas são bem definidas -, mas para formar trabalhadores e pessoas com comportamentos  flexíveis, de modo que se adaptem, com rapidez e eficiência, a situações novas, bem como criarem respostas para situações imprevistas.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p. 87)

E não apenas isso, forma-se uma mão-de-obra que ora pode ser utilizada, ora pode ser parcialmente descartada ou totalmente descartada, de acordo com as necessidades do mercado, ou seja, mão-de-obra flexível.

Dessa forma, a escola deverá formar alunos com um repertório, ou seja, com competências e habilidades que possibilitem-no fazer escolhas. Uma aprendizagem para a inserção no mundo produtivo e solidário, e que se adapte a essa lógica flexível.

Além disso, o disciplinamento procura eliminar a existência de classes sociais e da luta de classes. Com a terminologia de parceiros sociais, a escola esconde o que sempre pretendeu a burguesia: ocultar a existência de classes sociais e da luta de classes para não ocorrer uma reação por parte dos trabalhadores contra a precarização econômica, e para aceitarem a “realidade como ela é”, evitando qualquer possibilidade de mudança.

 

Exclusão incluente e inclusão excludente

O toyotismo na educação e no trabalho tem como um dos objetivos o aprofundamento da separação entre trabalhadores e dirigentes, e entre trabalho intelectual e trabalho instrumental. Também entra em cena um processo de “exclusão incluente”, em que verificamos a exclusão do trabalhador do mercado formal, com direitos assegurados e a inclusão em condições de trabalho precárias. Dessa forma, os trabalhadores são desempregados e reempregados com salários rebaixados, muitos contratados por empresas terceirizadas, desempenhando a mesma função e ganhando menos ou indo para a informalidade. Com isto, o setor reestruturado se alimenta e mantém sua competitividade através do trabalho precarizado.

Essa lógica, do ponto de vista da educação, produz uma outra lógica na direção contrária, a “inclusão excludente”. Ou seja,&ldq

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Jornal 39: Outubro de 2010

 

SERRA E DILMA: a serviço do capital e contra os trabalhadores

Não vemos nem em Dilma/PT e nem na oposição burguesa/Serra qualquer possibilidade de melhora das condições de vida da classe trabalhadora porque os projetos de ambos têm conteúdos idênticos, ou seja, atendem única e exclusivamente os interesses da burguesia. A própria gestão do governo Lula foi na verdade a continuidade do governo FHC, mantendo integralmente todas as políticas desse governo.

Uma possível diferença entre Serra e Dilma está no fato de que o PT defende um projeto capitalista com um pouco mais de controle do Estado do que o PSDB. Mas essa diferença só ocorre porque a burocracia petista necessita mais do Estado para sobreviver economicamente, pois é da máquina do Estado que aufere seus rendimentos e privilégios, com participações nos gordos fundos de pensões, altos salários nos cargos de confiança nas estatais, privilégios parlamentares e privilégios sindicais.

Porém, em que pesem as divergências pontuais do PT com o PSDB, ambos têm acordo no projeto estratégico de tornar o Brasil um país viável do ponto de vista do capital, o que significa necessariamente a ajuda às empresas e o aumento dos ataques aos trabalhadores, particularmente com a possibilidade do agravamento da crise econômica nos países centrais.

Em relação ao apoio da burguesia e do imperialismo para Dilma ou para Serra, o que tem sido explicitado é que tanto Serra quanto Dilma agradam a burguesia e o imperialismo. Se o PSDB tem fortes ligações com o empresariado paulista e com o capital financeiro, o PT tem como característica principal não responder a nenhum setor específico do capital, mas sim preocupar-se com a movimentação do capital de conjunto que opera no Brasil, o que lhe dá a condição de trânsito entre os vários setores da burguesia. Outra questão importante para a burguesia é a integração de várias entidades (CUT, UNE, MST) ao Estado – convênios com ministérios, verbas para as centrais sindicais e estudantis, recursos para assentamentos, etc -, o que serviu para impedir que o movimento social radicalizasse as lutas.

Sobre o significado dos votos, nos parece que o PT consolidou uma tendência das últimas eleições que é a sua sustentação nos setores mais pauperizados do Brasil, situação que conseguiu com a implementação principalmente do “bolsa família”, um programa que não resolve a situação de miséria dos trabalhadores e tem se mostrado capaz de angariar muitos votos. Os votos do PSDB tiveram mais presença nos principais centros urbanos do país, onde se localiza uma classe média mais conservadora. Podemos até fazer uma analogia com a Venezuela e Bolívia, em que os partidos “ditos de esquerda” controlam as regiões mais pobres do país, e os de direita têm mais presença nas grandes cidades.

Já Marina conseguiu ganhar um outro segmento da classe média, sobretudo onde setores do funcionalismo têm grande peso como é o caso do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Não vemos esses votos como de esquerda ou algo parecido, mas que expressaram um certo desgaste tanto do PT quanto do PSDB, principalmente por conta dos seguidos escândalos protagonizados por esses dois partidos. Contudo, Marina ainda não tem base de sustentação para levar adiante o projeto que a burguesia tem para o Brasil.

A ida de Dilma e Serra para o segundo turno também representa a vitória nas eleições do projeto da burguesia, que hoje é administrado por Lula. A burguesia, através dos três principais candidatos, conseguiu impor as suas propostas e ter no segundo turno dois candidatos que representam “mais do mesmo”.

Abaixo elencamos algumas questões fatuais que ao nosso ver expressam a semelhança das propostas de Serra e Dilma.

 

Na crise, PSDB e PT socorrem os capitalistas

No auge da crise econômica, os governos Lula/PT e Serra/PSDB foram bastante generosos com os capitalistas, com uma série de concessões de isenções tributárias – IPI, ICMS, etc -, linhas de crédito com juros muito abaixo do mercado, adiamento da data de recolhimento de impostos – mais tempo para a burguesia trabalhar com o dinheiro -, totalizando por volta de R$ 300 bilhões para os capitalistas.

Se por um lado Lula/PT liberou bilhões para a burguesia, por outro, as direções sindicais ligadas ao PT – CUT – e às demais que o apóiam – Força Sindical, CGT, etc – começaram a fazer uma série de acordos com a patronal que permitiram a redução de salários e direitos trabalhistas. Na Embraer, onde o governo tem assento no conselho deliberativo, aconteceram 4200 demissões e mais uma vez Lula e as direções sindicais da CUT foram coniventes.

Mostrando que os dois governos têm o mesmo projeto – o de defender a burguesia -, Serra também não ficou atrás e, em fevereiro de 2009, liberou um pacote que totalizou R$ 20,6 bilhões com desoneração de investimento, linhas de créditos com taxas de juros reduzidas, etc. A contrapartida para o funcionalismo público do Estado foi um reajuste de 0% em 2010.

O Governo Lula/PT e Serra/PSDB adotaram todas as medidas possíveis para proteger o capital, tratando a burguesia com muito carinho e jogando para os trabalhadores a conta da crise. Essa é a lógica dessas “ajudas” dos dois governos: retirar dos trabalhadores para dar aos capitalistas.

 

Reforma da previdência: FHC/PSDB começou e LULA/PT continou

Dilma já declarou que vai precisar fazer outra reforma da previdência para mudar a idade mínima e tempo de contribuição para aposentaria, inclusive Nelson Barbosa, cotado para assumir o Ministério da Fazenda no governo Dilma, é o responsável para elaborar a proposta da nova reforma da previdência.

A primeira reforma da previdência foi no governo FHC, em 1998, que estabeleceu entre as principais mudanças idade mínima para aposentadoria e tempo de permanência no serviço público – 10 anos no serviço público e cinco no cargo -, e no setor privado, em vez de tempo de trabalho passou a considerar somente o tempo de contribuição – o que para muitos significou a perda de anos de trabalho, pois em muitos casos, mesmo o trabalhador fazendo a sua contribuição, as empresas não recolhiam a contribuição e esse tempo deixou de ser contado para a aposentadoria.

Em 2003, o governo Lula, dando sequência ao governo FHC/PSDB, impôs contra os trabalhadores a continuidade da reforma previdenciária que FHC não tinha conseguido fazer. Por essa reforma, que atingiu principalmente os servidores públicos, findou-se o pagamento integral do salário ao servidor que se aposentasse – este passou a não mais receber o salário que ganhava quando estava na ativa -, houve um limite de recebimento de R$ 2.400,00 e também um desconto de 11% dos vencimentos dos aposentados.

Quer dizer, o dinheiro foi retirado dos trabalhadores para ser dado aos banqueiros, e neste ponto também os governos do PT e do PSDB são muito semelhantes.

 

PSDB e PT privatizando a saúde

Um dos grandes projetos do Serra na saúde em São Paulo foi a transferência da gestão de hospitais públicos para as chamadas “organizações sociais”, que na verdade são empresas privadas de saúde. Essas organizações sociais recebem por isso a quantia de 10% do total de verbas destinadas ao hospital, ou seja, repasse de dinheiro público para a iniciativa privada. Nessa mesma política também permitiu que os hospitais públicos pudessem atender – com reserva de 25% do total de vagas – convênios particulares com mais lucros para essas “organizações sociais”. Ou seja, estamos diante da privatização do sistema público de saúde. Assim, há uma destinação das (já poucas) vagas, antes destinadas àqueles que necessitavam do serviço público de saúde, para a iniciativa privada. É o mesmo modelo do antigo PAS aplicado por Maluf e Pitta no sistema municipal de saúde da cidade de São Paulo.

Esse é o mesmo modelo adotado pelo governo Lula no Instituto Nacional do Câncer (INCA), em que pela proposta do governo federal passaria a ser administrado por entidade privada. A primeira tentativa de Lula de contratação (sem licitação) das “organizações sociais” também aconteceu, mas foi derrotada pelos trabalhadores. Depois, o governo volta à tona com a proposta de um tal “Serviço Social Autônomo”,que é outra versão de empresa privada para gerir recurso público, e as consequências são as mesmas que as da política do governo Serra, ou seja, terceirização e precarização da mão-de-obra. O mecanismo jurídico para a privatização, tanto do PSDB quanto do PT, é a criação das fundações de direito privado, uma manobra para se apropriarem de dinheiro público de “forma legal”.

O SUS – Sistema Único de Saúde -, que tem 95% dos serviços especializados prestados por empresas privadas, também tem sofrido constantes ataques ao seu caráter público, a ponto de o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, Francisco Batista Júnior, ter declarado que "essa lógica (da privatização) vem se aprofundando. Privatizaram as ações, depois a força de trabalho e agora a gestão (…) privatização do SUS o inviabiliza, não tem sistema no mundo que resista” (portal terra 23/08/2010)

Para não dizer que são casos isolados, o prefeito petista de Osasco/SP, Emídio de Souza, também aplicou o mesmo projeto de transferência do gerenciamento da saúde pública para a iniciativa privada.

 

Pagamento da dívida externa: PSDB e PT engordam os agiotas

No ano de 2009,o país torrou R$ 380 bilhões para pagamento de serviços da dívida. Somando-se o pagamento dos juros, amortizações e a rolagem da dívida, este valor chega a quase 50% do orçamento do país, ou seja, metade do que o governo arrecadou foi parar nas contas dos agiotas nacionais e internacionais. Esse dado é a continuidade da política dos anos anteriores, pois em 2008, gastou-se mais R$ 282 bilhões que correspondem a 30,5% de tudo que foi arrecadado, e se considerarmos a rolagem da dívida – a emissão de títulos públicos para empurrar a dívida pra frente -, chega-se a 48% de todo o orçamento. Em 2007, segundo dados da “auditoria cidadã da dívida”, foram destinados 53,2% – R$ 237 bilhões – do orçamento da União para pagamento dos serviços da dívida, enquanto para a saúde o investimento foi de R$ 40 bilhões e para a educação, 20 bilhões. Em 2011, a previsão é que cerca de R$ 678 bilhões, num orçamento de R$ 2,05 trilhões, serão utilizados para refinanciar a dívida pública.

Para comprovar que essa é uma política tanto do PT quanto do PSDB, basta verificarmos pelos dados da CPI da dívida que, entre 1995 e 2008 – mandatos de FHC e Lula – foram pagos R$ 1,8 trilhão em juros e amortizações. Nesse mesmo período a dívida interna cresceu de R$ 61 bilhões para R$ 1,68 trilhão. O governo FHC decuplicou a dívida até 2002 e o governo Lula acrescentou um trilhão a esse montante.

Nem Serra e nem Dilma vão romper com esse modelo.

 

Educação: A Precarização como continuidade

Na educação, por mais que tente se apresentar como algo diferente, os fatos mostram que o governo do PT seguiu e até aprofundou a política estabelecida por FHC de cortes de verbas, precarização do ensino púbico e dos vínculos de contratação e de culpabilização dos professores pelos baixos índices de desempenho. Assim, criou o PDE (Plano de Desenvolvimento da  Educação) formulado partir das diretrizes do Compromisso Todos Pela Educação que, na verdade, expressa os interesses dos setores empresariais de transformar a grande maioria dos jovens em uma mão de obra precária e flexível que se adapte à nova realidade do mercado de trabalho, desprovida de qualquer senso crítico na sua relação com o conhecimento.           

Também, logo no início de seu governo, Lula expandiu o FUNDEF (criado no governo FHC) transformando-o em FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). Esse mecanismo aprofundou a municipalização do Ensino, pois permite que os prefeitos recebam uma verba anual por aluno que o município absorver, verba essa que podem manusear livremente, abrindo espaço para a corrupção. Em várias cidades a gestão do PT firmou convênio com o governo estadual de Serra municipalizando o ensino, como em Diadema, Guarulhos e mantendo a municipalização em várias outras cidades, como em SBC.    

Neste ano, enquanto os professores do Estado estavam em greve contra a política de meritocracia do governo Serra, foram surpreendidos pelo governo Lula com o decreto federal nº 7.133, de 19/03/2010, que estabelececritérios e procedimentos para a realização das avaliações de desempenho individual e institucional e o pagamento das gratificações por mérito. Ou seja, a mesma política individualista de Serra e do PSDB!  

Encerrada a greve que também lutava contra o mecanismo das provas para os professores temporários, mecanismo esse que visa culpar os professores pela crise na educação e ao mesmo tempo justificar o desemprego, o governo federal publicou no dia 24/05/2010 a portaria em que formalizou a mesma prova em nível federal para os professores temporários!

Agora, durante sua campanha, Dilma deu entrevistas defendendo a criação do Promédio, um programa que pretende direcionar recursos públicos para redes de ensino privadas, ao invés de investir na melhoria da qualidade da educação pública. Os empresários do ensino particular agradecem!

Assim, para além das declarações, não há nenhuma medida de impacto que possa diferenciar o governo do PT  do PSDB quanto às políticas na Educação. No fundo tanto PT e seu bloco de sustentação (PMDB, PSB, etc) quanto o PSDB, DEM e agora o PV tratam de seguir as mesmas diretrizes do Banco Mundial e do FMI, órgãos gestores dos interesses do capitalismo e dos mercados financeiros na educação.  

 

Que futuro nos espera?

Ganhe quem ganhar no próximo governo, os trabalhadores precisam se preparar para um período de ataques aos nossos direitos. Esses ataques vão ocorrer pela necessidade objetiva do capital em responder à crise econômica que ocorre nos países centrais e que, mais cedo ou mais tarde, vai chegar ao Brasil. Outra questão importante é a “tradição” dos partidos burgueses brasileiros em agirem preventivamente com medidas que preservem o lucro dos capitalistas.

Um elemento que até poderá servir de balizamento para o apoio da burguesia à Dilma é o resultado eleitoral para o Congresso Nacional, que coloca o bloco liderado pelo PT em uma situação muito cômoda: o número de deputados e senadores eleitos garantem maioria do governo, inclusive para o quórum das reformas constitucionais. E não é de hoje que o Lula e o PT têm falado sobre a necessidade de reformas estruturais, reformas para garantir sustentação aos ganhos do capital e ataque aos trabalhadores.

Por outro lado, mesmo que Serra ganhe, o PT e seus aliados não devem se opor a qualquer ajuste encaminhado por Serra. O que deve acontecer é que utilizem o peso eleitoral para negociar alguns pontos dessas reformas sem, no entanto, impedir que elas aconteçam. Assim, o mais provável é que a burguesia utilize essa presença no parlamento para, desde o começo do ano que vem, iniciar o ataque contra os trabalhadores.

A única possibilidade de os trabalhadores assegurarem as poucas conquistas que nos restam é nos organizarmos para construir um processo de lutas e podermos avançar em outras conquistas. Se depender de Serra ou Dilma, os ataques aos direitos dos trabalhadores vão continuar porque eles vão governar para a burguesia.

Como se não bastasse o papel que o próximo governo vai desempenhar, há ainda o fato de que a direção majoritária do movimento sindical está incorporada ao Estado. Dizemos incorporada ao Estado porque a CUT já deu um salto de qualidade, e não só apóia o governo Lula, mas a gestão do capital que é mais amplo que o governo.  Isso se expressa também no que fazem nos sindicatos que, sob a sua gestão, atuam como parceiros das empresas. Isso não quer dizer que apoiarão o governo numa eventual vitória do PSDB, mas que a oposição será muito mais branda e atuarão também como parceiros desse governo.

 

A campanha da esquerda

A primeira coisa que nos chama a atenção é o fato de que o que vimos no processo eleitoral não foi um projeto de esquerda, mas candidaturas separadas, que inclusive disputavam entre si. Outra característica da campanha dos partidos de esquerda é que fizeram campanha para ganhar, como se isso fosse possível em uma eleição controlada pela burguesia. Com essa postura, abrem mão de fazer a disputa ideológica com a burguesia. Ao nosso ver, a campanha da esquerda não pode ter como centro da política ganhar votos, mas apresentar aos trabalhadores um projeto ideológico, com denúncias das mazelas do capitalismo, da democracia burguesa e acima de tudo colocar para os trabalhadores quais são as propostas da esquerda socialista para o país, ou seja, falar do não pagamento da dívida externa, da reforma agrária e urbana, do socialismo e da democracia operária como oposição à democracia burguesa.

No entanto, o que vimos no geral foi uma propaganda fragmentada e parcial em relação ao programa. O PCB, em que pese ter uma campanha mais programática, deixou de responder aos aspectos imediatos e conjunturais; o PSTU, mesmo apoiando as lutas, fez o contrário e se pautou em denúncias parciais e imediatas da realidade, deixando de lado, por exemplo, a denúncia da democracia burguesa. O PCO seguiu a mesma linha do PSTU, fazendo a campanha a partir de dois eixos programáticos. O PSOL, com os seus problemas de identidade de classe – apoio a Paim no RS, acordo com PTB no Amapá e outros -, não poderia cumprir o papel que os demais partidos não cumpriram.

É evidente que houve aspectos positivos, como a discussão sobre a homossexualidade, o apoio às lutas em curso, etc, mas o problema é que estavam limitadas pelo fato de as propostas estarem descoladas de um programa mais geral  de luta contra o capitalismo.

 

Pela unidade da esquerda

Mais uma vez se coloca com urgência a necessidade de que a esquerda se una para construir um projeto, que represente os interesses e as necessidades da classe trabalhadora, para enfrentar de maneira mais sistemática o projeto da burguesia que está em curso e foi vitorioso nas eleições.

Desde muito antes da campanha eleitoral temos insistido de que é necessária – e possível – a construção de um Movimento Político dos Trabalhadores, de forma a criar as condições para a intervenção da classe trabalhadora de conjunto no processo político, inclusive no âmbito eleitoral. Para nós, esse movimento primeiro tem que ser unitário e onde se incorpore a esquerda socialista; segundo, o programa desse movimento deve ser formulado num processo amplo de discussão com militantes e ativistas nas fábricas, escolas, bairros, etc. Partimos do pressuposto de que, se a esquerda não se unir, será muito difícil enfrentar a burguesia tanto no próximo período como nos próximos anos em que a crise estrutural do capital deve se manifestar de maneira mais dramática para a classe trabalhadora.

 

Nem Serra e nem Dilma: VOTO NULO

O segundo turno deve ser marcado por uma forte polarização entre Dilma e Serra, expressando a disputa que está em jogo que é quem vai aplicar o projeto burguês em curso no Brasil. Conforme demonstramos acima, as duas candidaturas estão no campo da burguesia, têm um programa burguês e se propõem a administrar o Estado para a burguesia.

Para nós, a participação no processo eleitoral deve se pautar em primeiro lugar pela independência de classe, e por um programa que expresse essa independência. Esse foi o critério que utilizamos para apoiar o PSTU no primeiro turno. E no segundo turno, não temos mais nenhuma candidatura que sequer se aproxime de um programa dos trabalhadores, pelo contrário, as duas candidaturas são do campo inimigo, ou seja, são candidaturas burguesas com um programa burguês contra os trabalhadores.

Por isso, a nossa campanha no segundo turno é pelo voto nulo, e junto com essa campanha pensamos que é muito importante continuarmos a defender um programa de ruptura com o capitalismo e explicar pacientemente para os trabalhadores que a única saída é a organização dos trabalhadores e a luta pelo socialismo.

 

 

A CLASSE TRABALHADORA EUROPÉIA EM LUTA CONTRA A CRISE

 

            Embora os Estados Unidos sejam o centro irradiador da crise mundial, as suas reverberações mais agudas se concentram nesse momento sobre o continente europeu. A diferença entre os dois maiores centros do capitalismo está em que, entre outros aspectos, os Estados Unidos detém o monopólio da emissão do dólar, moeda de reserva mundial, privilégio que os países europeus não possuem.

            Os Estados europeus membros da eurozona desobedecem sistematicamente os limites de endividamento (60% do PIB) e déficit público (3% ao ano) estabelecidos como critério para participação na moeda comum, o euro, na medida em que cada governo nacional precisa preservar os interesses da sua respectiva burguesia nacional, ou seja, entregar dinheiro público para salvar os negócios da sua fração da burguesia. Um conflito cada vez mais aberto se estabelece entre os Estados mais poderosos, em especial a Alemanha, e os mais fragilizados, como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha (“PIGS”, ou seja, porcos, na sigla em inglês), ou mesmo a Itália, em torno da necessidade de controlar o endividamento público. A Alemanha, que representa a fração mais concentrada do capital europeu, e já realizou “reformas” no seu mercado de trabalho (ou seja, retirou direitos dos seus trabalhadores) num grau ainda não efetuado por outros países europeus,  está na liderança dos índices de crescimento do período pós-crise econômica (2,2% nos dois primeiros trimestres de 2010).

            Entretanto, para consolidar a recuperação, o imperialismo alemão precisa forçar as frações menores do capital europeu a aceitar as perdas com a crise. Dentro da lógica do capital, os mais fracos devem sempre ser sacrificados em função dos mais fortes. A pressão da burocracia da União Européia para que os governos do continente paguem suas dívidas na verdade emana do capital financeiro alemão. O interesse em forçar os países menores da Eurozona e também os membros da União Européia no leste europeu (que não participam do euro) a honrar suas dívidas decorre do fato de que  essas dívidas, na sua maioria, foram contraídas junto aos bancos dos países centrais, ou seja, Alemanha, França e Inglaterra. Isso significa que os governos dos países mais fracos precisam atacar os empregos, salários e condições de vida de suas populações para arrecadar o dinheiro necessário para salvar os bancos dos países mais ricos.

           

            O contágio da crise grega e as medidas de austeridade

            Enquanto os lucros da burguesia voltam aos níveis pré-crise, a taxa de desemprego média nos países da OCDE (os vinte e poucos países mais ricos do mundo) saltou de 5,6% para 8,3%. O caso mais dramático é o da Espanha, com um índice de 22%, chegando a 40% para trabalhadores entre 18 e 24 anos.

            No início deste ano, a crise do endividamento explodiu na Grécia, quando se tornou patente que o governo do país não seria capaz de pagar suas dívidas. Imediatamente, foi armado um pacote de €$ 100 bilhões de euros para o governo grego, em maio. Entretanto, o tiro saiu pela culatra, pois o mercado identificou claramente que a fonte da crise estava nos bancos europeus, “contaminados” com títulos “tóxicos” de países extremamente endividados. Para conter uma crise bancária e financeira ainda maior que a de 2008, a União Européia e o FMI desembolsaram um pacote ainda maior, de €$ 750 bilhões em garantias para países ultra-endividados, em junho, o qual acalmou o mercado.

            Entretanto, tão logo saíram os pacotes de ajuda aos bancos, no intervalo de semanas, ou meses, a conta foi repassada aos trabalhadores. A partir de junho de 2010, os governos europeus anunciaram pacotes de redução de gastos, as chamadas “medidas de austeridade”, para recuperar o dinheiro gasto salvando os bancos: 100 bilhões de libras na Inglaterra, 42 bilhões de libras na Escócia, €$ 80 bilhões na Alemanha, €$ 75 bilhões na Rússia €$ 70 bilhões na França, €$ 25 bilhões na Itália, €$ 15 bilhões na Espanha, e assim por diante. Os pacotes incluem aumento de impostos sobre consumo (que agravam principalmente os mais pobres), aumento do tempo para aposentadoria, redução e congelamento dos salários dos servidores, cortes nos gastos públicos (saúde, educação, transportes, etc.), facilidades para demissões e redução das indenizações aos trabalhadores do setor privado, etc. Eslováquia, Bulgária, Dinamarca, Finlândia, Hungria, Irlanda, Romênia, Polônia, Rep. Tcheca; governados por partidos da direita clássica ou da velha “esquerda” social-democrata, todos anunciaram pacotes de bilhões de euros em cortes de gastos sociais e aumentos de impostos.

 

            Trabalhadores europeus reagem contra a crise

            Evidentemente, nada disso foi combinado com o adversário, ou seja, a classe trabalhadora. Na medida em que os governos anunciam suas medidas, os trabalhadores se mobilizam. Greves gerais, greves de servidores públicos, greves nacionais de categorias de peso (caminhoneiros na Grécia, ferroviários na Espanha), manifestações de massa, ação direta, bloqueios de estradas, etc., se generalizam no continente. A Grécia, que foi o estopim da atual fase da crise, enfrentou seis greves gerais em maio, algumas com contornos semi-insurrecionais. As greves nacionais por categoria continuaram explodindo e vários países e estão em curso neste momento, assim como manifestações de massa contra as reformas trabalhistas, reformas das aposentadorias, etc. Entre setembro e outubro, foi a vez da França enfrentar a greve dos servidores e da Espanha enfrentar a greve geral.

            A magnitude das mobilizações permite dizer que a Europa ocupa nesse momento o centro da conjuntura da luta de classes mundial. O proletariado europeu é o depositário de séculos de lutas contra o capital, herdeiro de guerras, revoluções, revoltas, protestos, greves, piquetes que se levantaram por séculos em nome da emancipação da classe. Essas lutas se materializaram em conquistas sociais importantes, como os altos salários, o nível de emprego, a estabilidade, a duração da jornada, as férias, descansos e licenças, o seguro-desemprego, a assistência social, as aposentadorias, a saúde e a educação públicas, etc. Agora, com o agravamento da crise estrutural do capital, a burguesia tenta reverter essas conquistas históricas.

 

            A crise da alternativa socialista

            A resistência dos trabalhadores em face desses ataques torna-se cada vez mais massiva. Mas a retomada da tradição de luta do proletariado europeu enfrenta um sério obstáculo, a crise da alternativa socialista. Desde a queda da URSS e dos Estados do leste europeu, o socialismo foi alvo de uma violenta campanha política e ideológica de desmoralização, de tal sorte que a idéia de uma alternativa socialista ao capitalismo está ausente ou desacreditada na consciência da maioria dos trabalhadores.

            Sem um projeto alternativo de sociedade a ser apresentado em substituição ao capitalismo, a luta acaba se limitando a medidas defensivas que não rompem com a ordem estabelecida. O discurso dos trabalhadores em mobilização é tão somente contra a “injustiça” das medidas de austeridade, por meio das quais os governantes querem obrigá-los a pagar pelos “erros” dos especuladores. Esse discurso não se eleva ao nível da consciência de que não se trata de erros “acidentais” de gestores mal-intencionados e de injustiças eventuais, mas de uma lógica social capitalista que inevitavelmente produz crises. Essa lógica social não pode ser atenuada ou controlada por medidas parciais, nem muito menos “humanizada”, pois a alienação está na sua própria essência.

            Não existe saída vitoriosa e definitiva para a luta dos trabalhadores europeus que não a ofensiva pela destruição do capitalismo. Portanto, é positivo que o proletariado europeu tenha se colocado em movimento, mas é preciso que no movimento e na luta em defesa das condições de vida seja forjada uma consciência socialista renovada. Um obstáculo político a ser superado para a reconstrução de uma consciência socialista de massa, além da própria ideologia burguesa que predomina no senso comum dos trabalhadores, é composto pelos partidos políticos e direções sindicais da antiga esquerda, de diversas tradições reformistas, social-democratas, stalinistas e ex-revolucionárias, todas hoje convertidas em instrumentos auxiliares da administração do capitalismo.

 

            As lutas devem ir além da ordem do capital!

            As lutas desse período têm seguido um padrão: o governo anuncia pacotes de austeridade, os trabalhadores se revoltam nas bases e pressionam os sindicatos para a greve, a burocracia sindical (que em geral apóia os partidos reformistas nas eleições) ameaça marcar greves contra as medidas dos governos, mas não define a data, depois cede à pressão das bases e marca a greve, mas na hora H suspende a greve para entrar em novas negociações com o Estado (cujos dirigentes em muitos casos ajudaram a eleger), para dar tempo a que as medidas de austeridade sejam aprovadas nos parlamentos, depois permite que as greves aconteçam, para liberar a pressão acumulada, mas sem que haja mais tempo para reverter as medidas. Mesmo assim, as greves e ações de massa seguem reunindo multidões impressionantes de trabalhadores, como não se viam há décadas no continente.

            A saída passa portanto pela construção de organismos que rompam com as burocracias, organizem ações diretas e radicais, com bloqueios de estradas, piquetes e ocupações que ataquem a continuidade dos negócios da burguesia. Somente através da luta radicalizada, da independência de classe e da coesão ideológica em torno de uma alternativa socialista os trabalhadores podem adquirir consciência e confiança nas próprias forças e colocar em cheque o poder do capital.

            Em defesa das conquistas históricas dos trabalhadores! Em defesa dos salários, da aposentadoria, dos direitos sociais e dos serviços públicos! Cancelamento das dívidas públicas com os especuladores! Estatização do sistema financeiro, sob controle dos trabalhadores!

            Abaixo a burocracia sindical e os partidos “socialistas” e stalinistas a serviço do capital! Pela organização independente dos trabalhadores! Por um movimento político dos trabalhadores, rumo ao socialismo!

 

           

Que Educação Defendemos?

 

                                                                  (Fogo Monteiro, Alexandre Ferraz e Cláudio Santana)

 

Para além das mazelas estabelecidas nos marcos da luta pela educação enquanto pólo de “salvação social”, a questão aqui abordada busca colocar a educação como problema chave na superação do capital, porém destacando o seu papel fundamental para o próprio sistema do capital.

Marx trata esta questão, em seu terceiro ponto das “Teses sobre Feuerbach”, da seguinte forma: “ A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por exemplo, em Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.”

A importância desta observação de Marx está justamente no fato de que a educação não é algo externo às circunstâncias sociais históricas, mas antes parte constitutiva do tecido social em questão, na atual conjuntura histórica: o sistema do capital. Logo, a transformação da educação e das circunstâncias sociais não podem ser concebidas separadamente, porque estão intrinsecamente ligadas e sua superação depende da prática transformadora dos homens.

Esta afirmação tem importância particular, ao demonstrar que a transformação da educação passa necessariamente pela transformação da lógica da reprodução capitalista, inviabilizando assim, enquanto possibilidade transformadora, a mera transformação da educação como agente transformador do quadro social estabelecido.

Uma outra importante constatação de Marx aparece no primeiro parágrafo de “O Capital” e diz:  “A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘imensa coleção de mercadorias’…”. Dentro desta aparência imediata que Marx apreende em suas análises, está uma das principais características do sistema capitalista, notadamente a produção de mercadorias e a transformação de todos os aspectos da vida social em mercado.

Sendo assim, a educação enquanto produto histórico é colocada inevitavelmente no âmbito da produção capitalista, não apenas como reprodutora dos valores essenciais da sociedade capitalista burguesa, e como formadora técnica da mão-de-obra necessária para a produção do capital, mas sobretudo como mais uma mercadoria dentre todas as outras. Sendo assim, não é nada surpreendente que dentro da lógica expansiva do capital, a educação tenha se transformado em um grande mercado capitalista, que atende às necessidades de formação de mão-de-obra (barata, no caso brasileiro), mas também enquanto mercadoria vendida como se vende qualquer outro produto.

Estas constatações, porém, não significam que a luta pelo acesso à educação (ainda que burguesa) não seja importante, e isto fica evidente quando falamos do caso brasileiro.

Afinal como disse Guevara: “Um povo que não sabe ler nem escrever é fácil de ser enganado.”

Por isso, é tarefa dos socialistas é lutar sempre pela qualidade e pelo acesso à educação, com vistas a expandir as possibilidades de debate e de compreensão da classe trabalhadora sobre a necessidade histórica de superação do regime do capital.

 

O acesso do trabalhador no ensino superior e os interesses do capital:

No que se refere ao ensino superior no Brasil,  apenas 4% da população tem acesso a este, sendo que estão matriculados nas universidades públicas do país majoritariamente os membros dos 20% mais ricos da população. Está situação tem contribuído diretamente para o controle social da classe trabalhadora brasileira, por meio da exclusão cultural, o que significa que a luta pela educação pública, gratuita, de qualidade e acessível faz parte do embate com os interesses do capital e contribuem para a luta pela emancipação da classe trabalhadora.

Hoje no Brasil, a educação é parte essencial do projeto de expansão do capitalismo mundial e do processo de reestruturação produtiva empreendido desde as décadas de 80/90 com as políticas neoliberais, a terceirização da mão-de-obra e a redução da classe trabalhadora diretamente engajada no processo de produção.

As novas tecnologias implantadas na produção – com vistas a reduzir o número de trabalhadores diretos engajados nesta produção e os empecilhos do sindicalismo de massas – forçaram a ampliação do ensino técnico e do acesso às tecnologias microeletrônicas – não surpreendem os gritos dos próprios capitalistas por inclusão digital -, e desta forma a ampliação do número de pessoas que ingressam no ensino superior está ligada a esta necessidade imperativa do capital em formar mão-de-obra barata e qualificada para dar cabo da nova demanda da produção capitalista. Por outro lado, essas tecnologias expandiram os negócios capitalistas e a especulação na educação, por meio das universidades privadas e a mais grave transferência de recursos públicos através de projetos federais como o PROUNI e o FIES.

O ensino público do país vem sendo extirpado em favorecimento direto aos especuladores da educação, e o acesso fictício dos trabalhadores à educação superior representa apenas a expansão do ensino técnico nas universidades, para a formação de mão-de-obra barata qualificada.

Atendendo assim aos interesses especulativos do capital na educação é que assistimos ao desmantelamento das universidades públicas e ao processo de privatizações do ensino superior no Brasil.

 

AS FORMAS DE ACESSO À EDUCAÇÃO PROMOVIDAS PELO CAPITAL

 

PROUNI e PROMÉDIO, FATECs, escolas técnicas e cursos profissionalizantes

Com base em uma demanda real dos setores mais explorados entre os jovens – incluindo os negros que vinham ampliando sua luta contra o racismo e pela inclusão no ensino universitário –, o governo Lula/PT teve como política a criação do PROUNI.

A partir daí, o PROUNI foi apresentado como a grande política para a inclusão dos jovens trabalhadores e de periferia no Ensino Universitário, e aplaudido como avanço, inclusive por segmentos importantes dos movimentos sociais, do movimento negro, embora também seja verdade que houve setores críticos. No entanto, através de um olhar mais profundo é possível constatar que o PROUNI tem sido uma forma de atender a duas necessidades do capital:

 a) Ampliar a formação rápida de uma mão-de-obra com nível universitário como um diferencial limitado, em cursos de curta duração, de modo a exercer uma pressão para baixo em termos salariais e de direitos ligados a essas profissões.

b) Salvar grandes grupos de empresas (inclusive internacionais) que compraram redes que nos anos 90 apostaram a fundo no mercado de cursos universitários, e que passavam por dificuldades devido à saturação desse mercado. Assim, o estado entrou para contrabalancear um mecanismo natural do capitalismo, que seria a falência pura e simples dessas faculdades.

Uma das áreas com maior quantidade de cursos disponibilizados pelo PROUNI é a de licenciatura, destinada a formar professores que geralmente vão trabalhar nas escolas públicas.

Há uma profunda ligação entre a precariedade da formação desses profissionais e a precarização das condições de contratação e salários a que estão cada vez mais submetidos, pois o estado, ao mesmo tempo em que é o agente da precarização da formação acadêmica, usa o argumento – quando quer justificar uma política de corte de direitos e de rebaixamento salarial – de que esses profissionais não atendem aos pré-requisitos desejados pelo governos e que, em última instância, são os responsáveis pela baixa qualidade do ensino.

 

PROMÉDIO, a aplicação do PROUNI ao ensino médio

  “Batizado de ProMédio, o programa é um dos itens presentes na proposta de programa de governo entregue pelo PMDB, partido de Michel Temer, vice de Dilma, ao PT, e propõe a expansão do sistema que vigora hoje no ProUni, que distribui bolsas de estudo em instituições privadas, ampliando-as para os ensino Fundamental e Médio.” (www.uol.com.br – 2010/07/19)

Já no Estado de São Paulo, Serra criou o “Programa de Aperfeiçoamento em Idiomas, da Secretaria de Estado da Educação. A iniciativa disponibiliza cursos gratuitos de inglês, espanhol e francês em 586 escolas de idiomas particulares conveniadas com o governo do Estado. O investimento é de R$ 296 milhões e são oferecidas 362.539 vagas.” (noticias.terra.com.br 18/03/2010)

 

Cursos à distância

 A gigantesca expansão do EAD (Ensino à Distância) representa de modo mais nítido essa lógica perversa de subordinação total da educação aos interesses do capital, pois a qualidade é sacrificada de vez em função da formação imediatista e mercantilizada de profissionais. “Em 2000, o Brasil tinha apenas 1.682 alunos no ensino a distância, segundo censo da educação superior do Inep –órgão do MEC. Em 2009, já eram 814.183, segundo a Secretaria de Educação a Distância.” (http://www.observatoriodaead.com/2010/02/)

 

ETEC’s, FATEC’s, SENAI’s – Formação Tecnicista, Destituída de Reflexão

Outras formas de ensino apregoadas como modos de inserção dos jovens no mercado de trabalho têm sido as ETEC’s, FATEC’s, SENAI’s e cursos profissionalizantes implantados inclusive em parcerias entre o estado e empresas.

Esses cursos têm um certo reconhecimento em termos de formação de uma mão-de-obra com maior qualidade, mas uma qualidade que serve apenas aos interesses empresariais, destituída de crítica e de reflexão, a partir de um contato pragmático e superficial com o conhecimento.

Katlin Cristina de Castilho, em seu estudo sobre “Estudar e Aprender de Alunos do PROUNI” e de outras instituições voltadas para a formação de mão-de-obra, afirma:   “Estas instituições que se voltam à profissionalização priorizam a formação condicionada pelas determinações do mercado de caráter instrumental e pela aprendizagem de conhecimentos “úteis” à atuação profissional, que não implicam necessariamente a pesquisa, a discussão e a análise (…) Esta formação – ideologicamente ajustada às configurações flexíveis da economia e da sociedade contemporânea – se caracteriza pela aprendizagem rápida e fácil de conhecimentos transmitidos pelos professores, na maioria das vezes resumidamente, e que, em suma, são aceitos pelo público de estudantes sem que sejam compreendidos os embates teóricos e científicos próprios do desenvolvimento do conhecimento (…) “Tal profissionalização não implica, ao estudante, desenvolvimento de uma postura epistemológica crítica frente ao conhecimento e ao mundo, ou, como esclarece Robinson Santos, tem como resultado: “pessoas incapazes de estabelecer relações entre fatos, de analisar situações e debater sobre temas que fazem parte do cotidiano numa perspectiva global e crítica. Tecnicamente são ‘experts’, mas sócio, política e culturalmente alienadas”.

Isso se dá em um processo destinado à formação que não tenha compreensão dos aspectos sociais, econômicos e políticos envolvidos na constituição do conhecimento e no papel da educação em sua dimensão mais ampla (histórica e crítica).

 

Que Educação devemos defender?

Em uma abordagem transformadora, a educação deve estar situada numa dimensão mais ampla, como parte da relação dos indivíduos com a realidade prática em que vivem, para além portanto da sala de aula e da preparação para o mundo do trabalho, numa formação global e interativa, que esteja vinculada às necessidades gerais e concretas dos trabalhadores, de modo que se apropriem dos processos teóricos e metodológicos envolvidos na produção do conhecimento.

Essa dimensão educacional implica uma profunda ligação e engajamento consciente com a luta de classes e com seus desdobramentos nos campos econômico, político, ambiental, científico, de gênero, racial, filosófico, enfim, de todos os aspectos vinculados à produção do conhecimento. Requer portanto a ruptura com os limites do capital e a combinação entre a expropriação da burguesia do controle do conhecimento e da pesquisa científica – o que logicamente implica a luta pela expropriação dos meios de produção – e sua transformação em propriedade coletiva sob controle dos trabalhadores.

 

Como parte de um programa de transição para a Educação defendemos:

  • Investimento já de 10% do PIB na Educação, rumo aos 13%!!
  • Para viabilizar esse investimento: não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro nos serviços públicos, sob controle dos trabalhadores, em especial na educação, saúde, moradia, transporte, cultura e lazer;
  • Verbas públicas apenas para instituições públicas! Estatização sem indenização das redes de ensino privadas, sob controle dos trabalhadores;
  • Fim da remessa de verbas públicas para instituições privadas (PROUNI, PROMEDIO, etc). Criação de vagas suficientes a partir da Expansão das Universidades Públicas, de modo que todo jovem tenha acesso ao ensino superior, possibilitando o fim do vestibular;
  • Que o estudo seja considerado parte da jornada de trabalho, sem redução do salário;
  • Cotas proporcionais para negros e negras em todos as universidades e cursos;
  • Democratização das Universidades com a composição paritária nos órgãos de deliberação das Universidades e Escolas (1/3 de professores, 1/3 de funcionários e 1/3 de alunos) e sem ingerência dos governos e empresas;
  • Produção do conhecimento voltada para as necessidades dos trabalhadores e da humanidade, e não do capital.               

A Educação global dos trabalhadores precisa ser parte do programa da emancipação socialista, e como tal deve ser incorporada à luta dos vários setores e categorias dos trabalhadores do campo e da cidade. É necessário ir além dos muros das escolas e universidades. Os trabalhadores, de um modo geral, precisam participar das discussões sobre a qualidade de ensino e da luta dos estudantes e professores. Os sindicatos, sobretudo os de esquerda, devem romper com os limites corporativistas e discutir no âmbito de suas categorias os problemas da educação, como parte da luta por um poder dos trabalhadores apoiado em suas organizações de base, rumo  socialismo.

 

 

BANCÁRIOS EM GREVE! CONTRA OS BANQUEIROS, O GOVERNO LULA/PT E A BUROCRACIA SINDICAL!

            A greve nacional dos bancários é a principal luta em curso no país, em pleno período das eleições. Para explicar o significado político desta greve, podemos partir do lucro dos maiores bancos do país, que subiu em média 54,4% em relação a 2009. Entra governo, sai governo, com crise ou sem crise, os lucros dos bancos aumentam 30, 40, 50% todos os anos. Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, alcançam lucros de 8, 9, 10 bilhões de reais a cada ano, e sempre aumentando. Os bancos brasileiros estão entre as empresas mais lucrativas do mundo. Um verdadeiro “negócio da China”.

            Esses lucros gigantescos são conseguidos por meio da especulação com títulos da dívida pública, por meio da extorsão dos clientes, dos juros elevados em cheque especial e cartões de crédito, das tarifas abusivas cobradas pelos serviços, e da venda de “produtos” bancários (capitalização, previdência, seguros, consórcios, etc.), muitas vezes “empurrados” sobre os clientes na forma de venda casada, como condição para conceder empréstimos, que também aumentam ano a ano. E também da exploração dos trabalhadores bancários, cujos salários são reajustados por índices ínfimos, de 4, 5, 6% ao ano, segundo a inflação oficial. Em todas as agências e departamentos existe sobrecarga de serviço, com dois ou três bancários fazendo o serviço que deveria ser de quatro ou cinco trabalhadores. As filas para o atendimento são enormes, as reclamações e até agressões do público são constantes, mas os gestores só estão preocupados com o atingimento das metas de vendas, pois disso dependem os bônus milionários que eles e as diretorias dos bancos recebem. O assédio moral, as agressões verbais e ameaças de perda de cargos e até de demissão se transformaram em ferramentas cotidianas de gestão. O adoecimento físico e psicológico atinge grande parte da categoria bancária.

 

            A organização da categoria bancária

            Por todos esses motivos, os trabalhadores bancários entraram em greve nacional desde 28/09. Para explicar a greve, é preciso explicar como se organiza a categoria bancária em nível nacional. Existem cerca de 400 mil trabalhadores bancários no país (excetuando cerca de 200 mil terceirizados e correspondentes), sendo que metade trabalha em bancos privados e metade em públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e bancos estaduais remanescentes). Deste total, cerca de 120 mil estão na base sindical da cidade de São Paulo, principal centro econômico do país, sendo que nesta base a proporção é de 80% em bancos privados e 20% nos públicos. O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, dirigido pela Articulação/PT e filiado à Contraf/CUT, é o mais importante do país, capaz de ditar a linha política dos demais sindicatos do país (com algumas exceções, pois há sindicatos combativos não centralizados pela CUT em outras bases, como Rio Grande do Norte, Maranhão e Bauru).

            A Articulação está reivindicando 11% de reajuste, uma ninharia comparada com os lucros dos bancos, e com as perdas da categoria, que chegam a 24% em privados, 80% no BB e 90% na CEF. Os banqueiros ofereceram 4,29% antes da greve, subindo para 6,5% com o movimento.

            A greve é muito forte nos bancos públicos. Há Estados em que a paralisação atinge índices de 100%, com todas as agências e departamentos fechados. Entretanto, nos bancos privados, uma vez que não há organização interna dos trabalhadores, por conta de décadas de omissão da CUT, de sua política de colaboração de classe, do acordo geral do PT com os banqueiros, etc., não há adesão à greve “de dentro para fora”. Assim, a maior parte das agências está funcionando normalmente nos bancos privados de São Paulo, o que faz com que os banqueiros se sintam confortáveis para não fazer concessões e acertar acordos rebaixados.

 

            A burocracia sindical como obstáculo para as conquistas

            Isso cria um problema para a Articulação, que precisa forçar os trabalhadores dos bancos públicos, onde a greve é muito forte, a aceitar os índices rebaixados. Para isso, a burocracia sindical usa a estratégia da Mesa Única, ou seja, um formato de negociação em que o índice de reajuste e demais cláusulas econômicas da convenção coletiva nacional da categoria é negociada numa mesa comum que reúne públicos e privados. Essa estratégia impede que os trabalhadores de bancos públicos negociem diretamente com o governo federal, patrão dos bancos públicos, que além de se limitar a pagar os índices rebaixados da Mesa Única da FENABAN (federação patronal dos bancos), pode empurrar as questões específicas dos bancos públicos (isonomia entre funcionários novos e antigos, planos de cargos e salários, plano odontológico, etc.) para as mesas de negociação (enrolação) permanente.

            Confiante no mecanismo da Mesa Única para segurar os trabalhadores de bancos públicos, e mais ainda, confiante de que Dilma Roussef venceria as eleiç&oti

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Nota do Espaço Socialista sobre a prisão dos companheiros no RJ

Nota do Espaço Socialista sobre a prisão dos companheiros no RJ

            Como se não bastasse a violenta e desproporcional repressão policial a um ato claramente pacífico, ficamos surpresos com a notícia da prisão de 13 companheiros, nesta sexta feira, 18, no ato de protesto contra o presidente dos EUA, Barack Obama no Rio de Janeiro.  Os manifestantes foram enquadrados em diversos artigos e sequer terão direito a fiança, já tendo sido transferidos para o presídio de Bangu I.

 Os companheiros presos, dentre eles 3 mulheres, protestavam contra a imagem de um grande símbolo do imperialismo capitalista, responsável pelo massacre diário de seu povo e pela manutenção das invasões assassinas no Oriente Médio, que matam e mutilam constantemente nossos companheiros de classe.

 A vinda de Obama está a serviço dos interesses das grandes empresas estadunidenses em se apossar de partes importantes do pré-sal, em abrir mercados para os seus produtos, ao mesmo tempo em que fecham o seu mercado para os produtos brasileiros. Há também o interesse em obter contratos para tocar as obras  da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e pressionar  o Governo brasileiro na questão da compra dos jatos militares. Ou seja, o Governo Obama, por meio da diplomacia e dos acordos econômicos, visa repassar para o Brasil parte dos efeitos da crise do capitalismo, que tem o seu centro justamente nos EUA.

 O governo Dilma demonstra seu compromisso com os EUA e o desejo de retomar uma relação privilegiada, buscando conseguir uma vaga no Conselho de Segurança da ONU e para isso não hesita, em parceria com o Governo Cabral, em reprimir duramente qualquer manifestação que possa manchar a imagem de país dócil e obediente ao "amo do norte". 

 Essa repressão duríssima para com uma simples manifestação mostra uma tendência do regime democrático-burguês em querer criminalizar os movimentos sociais e além disso tratá-los como crime comum.

 Além disso, após a entrada das forças armadas nas favelas o que se tem é uma maior militarização do Rio de Janeiro e das grandes cidades e uma menor liberdade democrática de manifestações.

 O Espaço Socialista declara total apoio aos companheiros presos injustamente e se põe contra qualquer criminalização dos movimentos. Somos lutadores e não criminosos. Prestemos solidariedade aos companheiros e repudiemos fortemente tais punições. Chamamos todos os todos os trabalhadores a se incorporar à campanha pela imediata libertação os companheiros.

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Vida à mulher trabalhadora, por uma sociedade livre do machismo e do sexismo!

 

Vida à mulher trabalhadora, por uma sociedade livre do machismo e do sexismo!

          Nós, trabalhadoras, sofremos diariamente um massacre, temos nossas condições de vida rebaixadas, nosso salário mal pago, não temos tempo nem condições financeiras para cuidar de nossa saúde, muito menos ter lazer. Além da falta de garantias, muitas vezes ainda somos humilhadas em nosso trabalho e obrigadas a aguentar caladas muitas afrontas para poder ao menos sobreviver.

 Enquanto vemos nossas vidas passarem em branco, os patrões sugam nosso suor mal pago e vivem muito bem, compram imóveis, carros, têm os melhores médicos e hospitais, viajam o mundo!

Infelizmente ganhamos ainda um bônus de sofrimento, pois além de sermos massacradas diariamente por sermos trabalhadoras, somos obrigadas a conviver com o machismo e o sexismo, que nos humilham ainda mais. Ser mulher e trabalhadora na sociedade capitalista é um fardo pesadíssimo de se carregar. Somos consideradas inferiores, subestimadas, consideradas incapazes e muitas vezes motivo de piada. Mas ao mesmo tempo em que tentam nos inferiorizar exigem que sejamos servis, cuidemos dos filhos, da casa, da aparência impecável e que andemos rigorosamente conforme as regras religiosas conservadoras.

Nós, mulheres da classe trabalhadora, somos requisitadas, cada vez mais, para ocupar postos de trabalho antes ocupados pelos homens, para receber salários mais baixos nas indústrias e ainda contribuir com as despesas da casa. Temos jornadas de oito a dez horas diárias no trabalho e, em média, outras cinco ou seis horas em casa. O grau de violência é elevado: ganhamos menos que os homens em funções iguais na fábrica e continuamos sem tempo livre do trabalho doméstico. Quando negras e conseguimos entrar no mercado de trabalho formal, somos obrigadas a aceitar um valor ainda mais baixo pela venda da força de trabalho e os trabalhos mais precarizados, e assim acumula uma violência sobre a outra.

Devemos lutar contra o machismo e o sexismo todos os dias. Não devemos deixar passar uma oportunidade sequer de lutar contra estes males e contra o capitalismo, que pisoteia nossa classe. Somos tão capazes quanto o homem de assumir qualquer tarefa na sociedade e devemos ser tratadas com igual respeito e dignidade.

O fato de uma mulher ter assumido a presidência da república é com certeza positivo, mas infelizmente Dilma não representa as mulheres trabalhadoras e a situação da mulher da nossa classe não melhorou pelo fato dela estar no poder. Mais do que uma mulher no poder precisamos da classe trabalhadora no poder!

Transformemos o Dia Internacional de Luta da mulher em um dia luta da nossa classe! Para isso, defendemos:

Jornada de trabalho: Por mais tempo livre dos trabalhos domésticos!

  1. Redução da jornada de trabalho, sem redução do salário, sem a dupla jornada e com cotas proporcionais para as mulheres negras;
  2. Divisão das tarefas domésticas entre todos os membros da casa;

Violência contra a mulher: Por uma vida digna e justa para a nossa classe!

  1. Pela descriminalização e legalização do aborto. Pela obrigatoriedade do atendimento pelo SUS e planos de saúde.
  2. A mulher deve decidir sobre o seu próprio corpo, em todos os sentidos;
  3. Apoio psicológico e políticas de inclusão ou recolocação no mercado de trabalho para as mulheres vítimas de violência doméstica, além das medidas de assistência social. A nova legislação (Lei Maria da Penha 11.340/06) avança quando trata da violência contra a mulher e por trazer a possibilidade de que todo boletim de ocorrência de violência doméstica se transforme em inquérito policial. No entanto não aponta nada quanto à situação, existente em muitos casos, da dependência financeira da mulher e quanto a um dos principais fatores associado a atos de violência doméstica, que é o alcoolismo;
  4. Pela união civil homossexual, inclusive com direitos à adoção;
  5. Por uma sexualidade livre dos preconceitos religiosos, de raça, de orientação sexual e não submetida às imposições do capital.

Emprego: Pela não dependência financeira que humilha e maltrata!

  1. Redução da Jornada de trabalho com salário mínimo do Dieese para todas as mães do campo e da cidade que trabalham fora com cotas proporcionais para as mulheres negras;
  2. Carteira assinada e com todos os direitos trabalhistas a todas mulheres que trabalham em situações precárias e terceirizadas. Exemplo: estagiárias, operadoras de telemarketing, empregadas domésticas, trabalhadoras do campo, etc;
  3. Não a discriminação da mulher negra.
  4. Pela diminuição da idade de aposentaria para a mulher que trabalha fora ou dentro de casa. A mulher da nossa classe trabalha a vida inteira. O tempo de contribuição não pode ser um impedimento para a sua aposentadoria. Se a mulher está vivendo mais, certamente está trabalhando mais;
  5. Licença Gestante de 6 meses para todas as trabalhadoras, tempo ideal para a amamentação exclusiva, com redução da jornada após a volta ao trabalho (entrar uma hora mais tarde e sair uma hora mais cedo) para complementar com o leite materno a alimentação da criança até completar dois anos e meio.

 

Espaço Socialista
Março, 2011

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