Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

O grito Guarani-Kaiowá e o riso do agronegócio

O mês de outubro de 2012 testemunhou o desesperado grito Guarani-Kaiowá chamar a atenção nas redes sociais e furar o bloqueio da imprensa. Veio à tona o problema das condições de vida dos indígenas no Brasil, através de seu caso mais grave no país: o conflito entre latifundiários e os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Foi através de uma carta-denúncia que a situação atingiu tal repercussão, circulando pelas redes sociais e escancarando um problema que acontece há décadas. Um trecho da carta:

(…) pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.

Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal, Assim, é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e para enterrar-nos todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem morto e sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado. (…)

Esta carta ecoou como um grito de desespero emitido pela comunidade Guarani-Kaiowá, a todos os ouvidos atentos. Circulou pelas redes sociais e parou na mente de trabalhadores que se identificaram com a luta deste povo.

Ao mesmo tempo, seu grito demonstrou também o estreito laço entre o judiciário, a imprensa e o agronegócio.
Esta é uma questão tão complexa que soa estranho até ser chamada de conflito, uma vez que entre os fazendeiros sulmatogrossenses e a população indígena das diversas etnias sobreviventes é somente esta última que sofre as consequências do dito conflito.

O “X” DA QUESTÃO

Uma pequena amostra dos números nos dá uma ideia de que muita dor ainda será infligida àqueles que assumem sua ancestralidade indígena e tem disposição pra sustenta-la até as últimas consequências.

Atualmente em Mato Grosso do Sul sobrevive a segunda maior população indígena do Brasil, com 73.295 remanescentes (IBGE 2010, 1º Amazonas, 108.080), e é nesse espaço físico que o agronegócio avança.

Os estímulos federais via PlanoSafra (o que só demonstra a aliança agronegócio e governo federal) aumentaram os recursos destinados ao setor de R$ 93 bilhões na safra 2009/2010 para R$ 115,2 bilhões na safra 2012/2013. Ao mesmo tempo em que a falta de recursos para a FUNAI realizar os estudos necessários gerou, em 2009, a desculpa necessária para o desembargador Luis Stefanini, do TRF 3ª Região suspender a demarcação das terras indígenas. Simples equação: Sem dinheiro, sem estudo, sem demarcação, mais terra para o agronegócio, mais dividendos para os acionistas.

De acordo com a estimativa de safra da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em 2012 o Brasil produzirá 165,9 milhões de toneladas de grão, 1,9% a mais do que na safra anterior, só em Mato Grosso do Sul, o aumento foi de 22,9%. Se considerarmos a área plantada percebemos a fome de terra nesse estado, pois o crescimento nacional foi de 2% enquanto que das cercas sulmatogrossenses o aumento foi de 12,8%, ou seja, mais de seis vezes a média nacional.

Tal boom agrícola reflete tanto no mercado imobiliário que em maio de 2011 o estado sofreu um aumento médio de 30% no valor da terra em relação a 2010, sendo que esse índice chegou a 100% no norte do estado, de acordo com o Sindicato dos Corretores de Imóveis de Mato Grosso do Sul.

OLHANDO NO MAPA

E é na hora de esticar o mapa que a contradição salta os olhos. Se as terras indígenas demarcadas no estado ocupam 6.782 km² (FUNAI 2011) podemos fazer uma conta tosca e morrermos de vergonha por nunca termos pensado nisso: Para tanto, basta dividir a população indígena de 73.295 no território que o “civilizado” estado brasileiro demarcou e teremos 10,8 sobreviventes por Km². O absurdo é tanto que o rebanho bovino para ter uma produtividade mediana necessita de 3 a 5 KM² por cabeça.

E o que dizermos de nações inteiras com idiomas, costumes, rituais, concepção de mundo, tempo e espaço completamente diferentes entre si limitados por um estado com instituições e indivíduos que nem param pra pensar nisso? Que dizermos também da diferença cultural entre um universo formado fora do que habituamos chamar de “mundo ocidental”? Qual seu espaço vital?

É dentro dessa lógica nefasta que 60 famílias Kadiwéu estão sendo retiradas pela Polícia Federal de uma área de cerca de 160 mil hectares de terra indígena demarcada em 1900 e homologada em 1984, no município de Porto Murtinho, na região do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Tal área fica dentro da Terra Indígena (TI) Kadiwéu e mesmo assim sofre ataque do judiciário que concedeu liminar de reintegração de posse, e claro, já foi cumprida. Nessas questões a “justiça” nunca tarda!

…E A SITUAÇÃO AINDA PODE PIORAR!

Não bastasse todo o já sofrido, o deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR) apresentou substitutivo ao Projeto de Lei 1610/96, que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas. Entre tantos ataques que o capital já fez sobre as populações originárias acrescentasse mais esse: “Qualquer interessado” poderá requerer ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) o direito de minerar qualquer terra indígena no Brasil, além da anulação de qualquer direito sobre mineração concedida antes da promulgação desta nova lei.

Ou seja, as nações que ainda não obtiveram reconhecimento continuaram sofrendo ataques de pistoleiros a mando do capital e a demora do judiciário e as que já arrancaram esse reconhecimento do estado brasileiro sofrerão assédio das companhias mineradoras, além de perderem toda e qualquer salvaguarda constitucional.

Num cenário de crise mundial, os grandes bancos e seus acionistas precisam garantir novas fontes de lucro e rentabilidade. As velhas guerras no Oriente Médio já não são suficientes, então resta o rico território indígena dessa pobre país emergente.

ORGANIZAR E RESISTIR

Compreendemos que o conflito pelo qual passam os índios Guarani-Kaiowá não é isolado, mas parte de um todo. A lógica do lucro a todo custo beneficia pouquíssimos indivíduos enquanto que colocam a maior parte da população em situação de medo, insegurança e preocupação. Um exemplo disso é a seguinte contradição: se a quantidade de terras cultivadas pelo latifúndio aumentou, por que o preço dos alimentos só sobem?

O problema está em que, os meios que deveria ser utilizado para resolver os problemas materiais do conjunto da sociedade (estes meios são: máquinas, ferramentas e terra) são hoje dominados por um conjunto mínimo de indivíduos. Os latifundiários, por exemplo, só querem saber de plantar soja e cana-de-açúcar. Nós, trabalhadores, simplesmente vendemos nossa força de trabalho a estes poucos proprietários, mas são eles que decidem o que fazer com as forças produtivas, não interessando o benefício da população, mas seu lucro.

Essa forma de organização é inerente ao sistema capitalista. Devemos propor uma nova forma de organização, onde os trabalhadores (que produzem a riqueza do mundo) detenham os controles da produção e a direcionem para o benefício do conjunto da sociedade.

Para isso, é necessário organizar-se, resistir e lutar pela derrubada do capitalismo, rumo a uma sociedade socialista. Nesse sentido, o combate ao agronegócio, bem como a todas as suas expressões políticas e institucionais, seja no Judiciário, no Executivo e ou no Legislativo, deve ser realizado sem trégua por todos aqueles que lutam por uma sociedade que supere o capitalismo.

Aos Guaranis-Kaiowás nossa solidariedade e disposição de luta!

Novembro de 2012

 

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Vida à mulher trabalhadora, por uma sociedade livre do machismo e do sexismo!

 

Vida à mulher trabalhadora, por uma sociedade livre do machismo e do sexismo!

          Nós, trabalhadoras, sofremos diariamente um massacre, temos nossas condições de vida rebaixadas, nosso salário mal pago, não temos tempo nem condições financeiras para cuidar de nossa saúde, muito menos ter lazer. Além da falta de garantias, muitas vezes ainda somos humilhadas em nosso trabalho e obrigadas a aguentar caladas muitas afrontas para poder ao menos sobreviver.

 Enquanto vemos nossas vidas passarem em branco, os patrões sugam nosso suor mal pago e vivem muito bem, compram imóveis, carros, têm os melhores médicos e hospitais, viajam o mundo!

Infelizmente ganhamos ainda um bônus de sofrimento, pois além de sermos massacradas diariamente por sermos trabalhadoras, somos obrigadas a conviver com o machismo e o sexismo, que nos humilham ainda mais. Ser mulher e trabalhadora na sociedade capitalista é um fardo pesadíssimo de se carregar. Somos consideradas inferiores, subestimadas, consideradas incapazes e muitas vezes motivo de piada. Mas ao mesmo tempo em que tentam nos inferiorizar exigem que sejamos servis, cuidemos dos filhos, da casa, da aparência impecável e que andemos rigorosamente conforme as regras religiosas conservadoras.

Nós, mulheres da classe trabalhadora, somos requisitadas, cada vez mais, para ocupar postos de trabalho antes ocupados pelos homens, para receber salários mais baixos nas indústrias e ainda contribuir com as despesas da casa. Temos jornadas de oito a dez horas diárias no trabalho e, em média, outras cinco ou seis horas em casa. O grau de violência é elevado: ganhamos menos que os homens em funções iguais na fábrica e continuamos sem tempo livre do trabalho doméstico. Quando negras e conseguimos entrar no mercado de trabalho formal, somos obrigadas a aceitar um valor ainda mais baixo pela venda da força de trabalho e os trabalhos mais precarizados, e assim acumula uma violência sobre a outra.

Devemos lutar contra o machismo e o sexismo todos os dias. Não devemos deixar passar uma oportunidade sequer de lutar contra estes males e contra o capitalismo, que pisoteia nossa classe. Somos tão capazes quanto o homem de assumir qualquer tarefa na sociedade e devemos ser tratadas com igual respeito e dignidade.

O fato de uma mulher ter assumido a presidência da república é com certeza positivo, mas infelizmente Dilma não representa as mulheres trabalhadoras e a situação da mulher da nossa classe não melhorou pelo fato dela estar no poder. Mais do que uma mulher no poder precisamos da classe trabalhadora no poder!

Transformemos o Dia Internacional de Luta da mulher em um dia luta da nossa classe! Para isso, defendemos:

Jornada de trabalho: Por mais tempo livre dos trabalhos domésticos!

  1. Redução da jornada de trabalho, sem redução do salário, sem a dupla jornada e com cotas proporcionais para as mulheres negras;
  2. Divisão das tarefas domésticas entre todos os membros da casa;

Violência contra a mulher: Por uma vida digna e justa para a nossa classe!

  1. Pela descriminalização e legalização do aborto. Pela obrigatoriedade do atendimento pelo SUS e planos de saúde.
  2. A mulher deve decidir sobre o seu próprio corpo, em todos os sentidos;
  3. Apoio psicológico e políticas de inclusão ou recolocação no mercado de trabalho para as mulheres vítimas de violência doméstica, além das medidas de assistência social. A nova legislação (Lei Maria da Penha 11.340/06) avança quando trata da violência contra a mulher e por trazer a possibilidade de que todo boletim de ocorrência de violência doméstica se transforme em inquérito policial. No entanto não aponta nada quanto à situação, existente em muitos casos, da dependência financeira da mulher e quanto a um dos principais fatores associado a atos de violência doméstica, que é o alcoolismo;
  4. Pela união civil homossexual, inclusive com direitos à adoção;
  5. Por uma sexualidade livre dos preconceitos religiosos, de raça, de orientação sexual e não submetida às imposições do capital.

Emprego: Pela não dependência financeira que humilha e maltrata!

  1. Redução da Jornada de trabalho com salário mínimo do Dieese para todas as mães do campo e da cidade que trabalham fora com cotas proporcionais para as mulheres negras;
  2. Carteira assinada e com todos os direitos trabalhistas a todas mulheres que trabalham em situações precárias e terceirizadas. Exemplo: estagiárias, operadoras de telemarketing, empregadas domésticas, trabalhadoras do campo, etc;
  3. Não a discriminação da mulher negra.
  4. Pela diminuição da idade de aposentaria para a mulher que trabalha fora ou dentro de casa. A mulher da nossa classe trabalha a vida inteira. O tempo de contribuição não pode ser um impedimento para a sua aposentadoria. Se a mulher está vivendo mais, certamente está trabalhando mais;
  5. Licença Gestante de 6 meses para todas as trabalhadoras, tempo ideal para a amamentação exclusiva, com redução da jornada após a volta ao trabalho (entrar uma hora mais tarde e sair uma hora mais cedo) para complementar com o leite materno a alimentação da criança até completar dois anos e meio.

 

Espaço Socialista
Março, 2011

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Lutar contra a homofobia e contra o capitalismo

Lutar contra a homofobia e contra o capitalismo

Desde Novembro de 2010 já se somam cinco ataques homofóbicos na região da Av. Paulista. Esses ataques não são um fenômeno isolado. São parte de um processo geral que está em curso na sociedade. Vivemos um momento onde o conservadorismo, ideologicamente imposto pelo capitalismo, está voltando à tona – mais forte do que nunca.

 No ano passado, durante a campanha eleitoral, vários temas “polêmicos” foram usados para confundir a grande maioria das pessoas, para disfarçar o que realmente estava em jogo. Para continuar a aplicação do projeto neoliberal sobre nosso país, os candidatos fizeram pose de “defensores da moral e dos bons costumes”, se colocando contra a descriminalização do aborto e contra o casamento de homossexuais. 

Esses “defensores da moral e dos bons costumes” são os mesmos políticos corruptos que, entra governo, sai governo, impõem uma maiorexploração e a opressão sobre os trabalhadores. A necessidade da classe dominante de aumentar a exploração é ainda maior em tempos de crise do capitalismo. Para dobrar a resistência dos trabalhadores contra a exploração, aumentam as manifestações fascistas, machistas, racistas e homofóbicas. As idéias conservadoras ganham espaço.

Os exemplos desse conservadorismo são vários. Tivemos a infame “campanha” na internet contra a presença dos nordestinos em São Paulo, a campanha para entregar o militante italiano Cesare Batistti ao governo fascista e corrupto de seu país, e na semana que passou, a violenta repressão policial sobre os jovens que protestavam contra o aumento das passagens de ônibus.

Quando nos perguntamos o que está por trás destes ataques e de tanto preconceito, nos deparamos com toda uma lógica social. Para defender osistema capitalista, a classe dominante impõe aos trabalhadores a sua visão de mundo, para fazê-los aceitar uma lógica que privilegia e garante a obtenção de mais e mais lucro, condição para a manutenção e perpetuação do sistema.

E como isso se dá? Ocorre através da exploração do trabalhador, e através da imposição de ideias para que todos permaneçam obedientes. Dentre elas está a família patriarcal, que é um dos pilares da sociedade burguesa. A família patriarcal garante a reprodução de mais mão-de-obra (trabalhadores) e ainda favorece a instauração do conservadorismo, do machismo, do racismo, da homofobia, do consumismo e de muito mais da lógica capitalista.

Pensando nisso percebemos que os homossexuais não se “encaixam” neste padrão da família patriarcal. Não servem para reproduzir a mão de obra. Por isso os homossexuais são perseguidos na sociedade de classes. Os homossexuais são parte da classe trabalhadora, mas são tratados como uma parte “inferior”, “imoral”, “pecadora”, etc. Os preconceitos contra os homossexuais colocam a própria classe trabalhadora contra esse setor da população.

A classe dominante se utiliza desse mecanismo, dessas “diferenças”, para dividir a classe trabalhadora, colocando uns contra os outros. As mulheres, os negros e LGBTs são tratados como inferiores aos demais, como pecadores, como marginais, etc. idéias que os próprios trabalhadores absorvem. Isto torna “natural” que as mulheres, os negros e LGBTs, fiquem com os piores empregos, aceitem salários mais baixos, sofram toda espécie de violência e assédio. Através de divisões artificiais, a classe dominante faz com que alguns trabalhadores discriminem os outros, reproduzindo a lógica de dominação e opressão.
 

Por isso quando pensamos em lutar contra a Homofobia e o preconceito contra os LGBTs, constataremos que o fim da Homofobia e da Opressão só é possível com o fim do próprio capitalismo e da sociedade de classes. E para isso é preciso que a luta dos LGBTs contra a violência e preconceito que estamos sofrendo se unifique com a luta dos trabalhadores em geral, pelo fim da exploração e da opressão.

 Muitos LGBTs são levados a acreditar que podem ser aceitos nessa sociedade capitalista, desde que demonstrem que são “bem sucedidos”, “bem comportados”, “discretos”, usem roupas de marca, frequentem lugares caros, não se misturem com os pobres, etc. Trata-se de uma ilusão, já que esse modelo de “sucesso” é falso, não está aberto para todos, exige que se viva uma vida de aparências, uma escravidão aos objetos de consumo, em que não há verdadeira liberdade. Além disso, os LGBTs continuam sendo assassinados, torturados, estuprad@s, agredidos, demitidos, humilhados e ofendidos.
 

Enfim, é preciso lutaremos tod@s unificad@s por uma sociedade Socialista! Somente no socialismo, quando não houver mais exploração do homem pelo homem, quando não houver mais violência e dominação, quando tod@s forem realmente iguais, homens e mulheres, negros e brancos, hetero e homossexuais, será possível sermos plenamente livres e exercermos nossa liberdade sexual.

 O Espaço Socialista faz um chamado aos trabalhadores LGBTs para que se somem à luta contra as verdadeiras causas profundas da homofobia, do preconceito e da violência, que tem sua origem na sociedade de classes. Lutemos junt@spela emancipação dos trabalhadores e pelo socialismo! E para isso se faz necessário fortalecer nossa organização e construir a unidade com os movimentos de luta da classe trabalhadora.

Aprovação do PL 122/06. Punição aos agressores!

 Pelo casamento civil homossexual!

Pela liberdade sexual!

 Pelo fim de toda e qualquer forma de opressão!

Pelo fim do capitalismo! Por uma sociedade socialista!
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O trabalho escravo no Brasil: a acumulação para a metrópole e a resistência dos trabalhadores negros

O objetivo desse texto é abordar brevemente duas questões relativas ao trabalho escravo empregado no que hoje chamamos de Brasil: a utilização majoritária da renda auferida com o sistema escravista ( venda de escravos, produção desse trabalho compulsório) para a acumulação na Europa – portanto, não se destinava a formação de uma burguesia interna; e a relação subjetiva do trabalhador escravo negro com a escravidão.

Partimos da compreensão de que a escravidão por aqui era parte do que o marxismo chama de acumulação primitiva do capital, ou seja, a produção derivada do trabalho escravo não era destinada ao mercado interno, mas ao mercado europeu, servia a acumulação para a metrópole. A combinação de venda de escravos, trabalho escravo e produção voltada para a exportação formam os elementos essenciais desse processo de acumulação.

A acumulação com o lucro resultante do comércio de escravos era fabulosa, constituindo-se como uma atividade econômica das mais lucrativas. Para se ter uma idéia o escravo negro era um dos principais produtos de importação do Brasil no final século XVIII: "O ramo mais importante do comércio de importação é, contudo, o tráfico de escravos que nos vinham da costa de África: representa ele mais de uma quarta parte do valor total da importação, ou seja, no período 1796-1804, acima de 10.000.000 de cruzados, quando o resto não alcançava 30.000.000". Prado Júnior (História econômica do Brasil, p.116). Ainda segundo caio Prado Júnior, no final do século XVIII e início do XIX, o total de escravos que desembarcavam por aqui era cerca de 40.000 por ano. Dá para se ter idéia do potencial do aumento do capital de comerciantes que se dedicavam ao tráfico negreiro.

Em relação às taxas de lucro do que se produz com a utilização do trabalho escravo dá para supor que eram elevadíssimas. O fato de os escravos serem submetidos às piores condições de trabalho e de subsistência faz com que o tempo do trabalho destinado à satisfação de suas necessidades (tempo de trabalho necessário) seja reduzido a um curto intervalo de tempo e consequentemente o tempo de trabalho excedente constitui quase a totalidade de sua jornada de trabalho que não raro ultrapassava 15 horas diárias, incluindo sábados, domingos e feriados.

Ao comércio de homens e mulheres como escravos e a utilização em larga escala do trabalho escravo agrega o fato de que a produção era de monocultura de matérias primas e que ela estava essencialmente voltada para a metrópole onde servia para a formação das fortunas. Ou seja, o que se produzia era voltado quase que exclusivamente para a exportação. Esse era o "sentido da colonização": "Se vamos à essência de nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamante, depois, algodão e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isso" (Caio Prado, Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. p. 31-32)

A expansão ultramarina, portanto, não era resultado do desejo da Nobreza, mas uma necessidade histórica que se colocava para responder às pressões econômicas do novo sistema social que surgia das cinzas da sociedade feudal. Assim, essa relação que a metrópole estabeleceu com a colônia portuguesa foi fundamental para a consolidação da acumulação primitiva do capital e foi a que deu bases para o financiamento do capitalismo industrial nos séculos seguintes no continente europeu.

O processo de acumulação do capital (assim como em outras de suas fases) ocorre em base a uma super exploração do trabalho, mas esse processo não aconteceu sem resistência por parte dos trabalhadores negros escravizados. Historiadores apontam várias formas de resistência, entre elas a que ficou mais conhecida pela complexidade de sua organização econômica e social, os quilombos.

Há, no entanto, historiadores que minimizam o processo de resistência apontando que sequer a relação entre senhores escravocratas e escravos era negociada e, portanto livre de violência. E mesmo quando havia alguma forma de violência essa era considerada como justa pelos próprios escravos, ou seja, os castigos eram como lições pedagógicas. Uma das conclusões que podemos tirar dessas concepções historiográficas (reconheço que há diferenças entre eles) é que há uma acomodação e aceitação por parte do escravo de sua condição, ou seja, um escravo dócil porque tem um senhor generoso. Prevalece nessa tese a coexistência pacífica entre ambos.

De acordo com essa concepção, por parte do escravo havia uma consensualidade na escravidão, um acordo entre escravos e escravocratas. Esse consenso fazia com que o escravo pudesse se sentir não como instrumento, como coisa, mas como ser humano que se deixa levar pela passividade e aceita os desígnios de ser submetido à escravidão.

O absurdo da tese consensualista está no fato de que entre o homem que escraviza e o escravizado há uma relação contratual, com direitos e garantias para as duas partes. E como sabemos uma relação contratual só pode ocorrer entre homens livres, o que de fato desmonta a tese do consenso. O uso do chicote para impor a vontade do escravocrata é outro elemento que desmonta a tese de que havia qualquer forma de consenso entre senhores e escravos.

Penso ser impossível, pelas necessidades da acumulação primitiva do capital, qualquer relação de consensualidade ou mesmo de "pacto social" entre escravos e escravocratas. A violência (em todas as suas formas) ao extremo é a explicação plausível para entendermos como um sistema de apropriação de trabalho alheio tão cruel tenha durado tanto tempo. "Para explicar o caráter repressivo e violento das relações escravistas de produção é necessário compreender que o escravismo é um sistema de produção de mais-valia absoluta, sistema esse no qual a mercadoria aparece imediata e explicitamente como produto da força de trabalho alienada. Aliás, o escravo é duplamente alienado, como pessoa, enquanto propriedade do senhor, e em sua força de trabalho, faculdade sobre a qual não pode ter comando. O escravo é obrigado a produzir muito além do que recebe para viver e reproduzir-se; e não dispõe de condições para negociar, nem o uso da sua força de trabalho, nem a si mesmo. Esse é o fundamento do caráter repressivo e violento do escravismo" Octávio Ianni.

Para Gorender, o que havia era uma adaptação, que não quer dizer passividade. No processo de resistência (que se manifestava em diversos aspectos da vida social) a "adaptação para seguir sobrevivendo" tornava-se uma forma de resistência. Mesmo que tenham nascido e morrido na condição de escravos isso não quer dizer que tenham aceitado tal condição. Essa resistência, por exemplo, podia se manifestar no relaxamento no trabalho, trato danoso para com os animais das fazendas, a sabotagem, etc. Para esse autor, a resistência era parte ativa do cotidiano dos escravos. Essa forma de resistência não se tratava exatamente de uma escolha, mas o que em muitos casos era o possível diante das condições objetivas impostas, uma vez que a elite colonial brasileira impunha aos escravos uma severa repressão a toda forma de rebelião. Assim, a adaptação não era uma acomodação, mas uma forma de resistência possível.

Destaco essa forma de resistência para ressaltar que a luta dos escravos contra a sua condição era permanente e cotidiana. Mas também merecem destaque todas as formas de resistência, em especial a que se organizava nos quilombos e ainda mais especial a dos Palmares, que questionava não só a escravidão, mas que colocou em xeque todo o modelo econômico implementado pela Coroa. Por isso o ódio particular da elite escravocrata brasileira contra esses resistentes quilombolas.

É importante compreender e dar valor a todos esses processos de resistência porque significa que entendemos que se o sistema escravocrata, pelas condições objetivas, conseguiu coisificar o seu ser social, graças a resistência que os milhões de escravos exerceram durante todos esses anos, os senhores escravocratas não conseguiram coisificar a sua subjetividade.

Graças a essa subjetividade os escravos conseguiram continuar as suas lutas e essas mesmas lutas que os escravos travaram durante séculos conquistaram o fim do trabalho compulsório. Mas sabemos que isso não significou o fim das condições precárias de vida, pelo contrário, vários aspectos de nossa vida denunciam que a verdadeira liberdade do trabalho ainda está por vir. E isso só vai acontecer quando nós trabalhadores conquistarmos o fim da escravidão assalariada.

As palavras como reprodução do preconceito

Os temas relativos ao racismo e a escravidão são muito sensíveis porque neles, se por um lado significa poder conhecer o papel dos trabalhadores negros e suas lutas pela libertação, por outro lado também nos deparamos com práticas que são preconceituosas e até racistas. A história brasileira que aparece nos livros, meios de comunicação, etc é aquela forjada pela classe dominante branca, da qual a ideologia dominante impõe sobre todos nós modos de agir que em muitas ocasiões terminamos por utilizar palavras e expressões que reproduzem a idéia de que tudo que é preto ou negro sempre está associado a algo ruim ou negativo.

As palavras têm um significado que foi sendo construído historicamente e essa construção, via de regra, obedece a interesses político ideológicos da classe dominante, uma vez que as palavras -assim como a linguagem- também se constituem como instrumento de dominação dos exploradores.

A expressão "a coisa tá preta" é uma dessas em que logo se assemelha a situações difíceis, ruins, seja na vida ou mesmo na situação política do país. Poderíamos também falar da expressão consagrada pelo filme Star Wars "o lado negro da força" utilizada como forma de exprimir que um dos personagens passou para o lado do mau.

Outra palavra muito utilizada é o verbo "denegrir", geralmente utilizado para desqualificar a reputação de alguém e como o significado dela nos dicionários é tornar negro, escuro; enegrecer, escurecer, logo é feita a associação negro e desqualificação, negatividade se torna seu sinônimo.

Às vezes até utilizamos essas palavras sem saber o seu significado e o papel que têm, de reproduzir a linguagem dos dominadores, mas é preciso que fiquemos cada vez mais atentos para, na nossa prática militante, não reproduzamos tais preconceitos. Esses são apenas alguns exemplos relativos à questão racial. Há outros termos que se referem a mulheres, homossexuais e etnias, expressões estas que também merecem a nossa repulsa.

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