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Leia maisO velho movimento operário está em crise e em crise terminal. Aquele movimento operário surgido após a segunda guerra, baseado nos grandes sindicatos, nos partidos parlamentares ditos operários e numa estratégia nacional de luta já não consegue, de nenhum modo, dar respostas aos problemas atuais. Este era um modelo próprio ao período de prosperidade do capitalismo (1945-73), no qual as organizações operárias compunham o esforço de reconstrução do capitalismo (na Europa) ou de modernização retardatária (como na América Latina). Particularmente em nosso continente, a função modernizadora (nacional-desenvolvimentista) da antiga estratégia do movimento, sob controle ou não dos velhos PCs ou outras correntes nacionalistas, baseava-se fundamentalmente na idéia de um desenvolvimento nacional independente a partir de um papel soberano do Estado, o qual deveria participar da economia, desenvolvendo-a e distribuindo rendas. Era uma função histórica semelhante ao que cumpriam, na Europa, os partidos socialistas e comunistas e suas centrais sindicais.
A mundialização da economia que nada mais é do que o controle do mercado mundial por imensas corporações transnacionais deu uma imensa liberdade de movimento ao capital, representando um poder frente ao proletariado ao qual este não pode se contrapor senão superando completamente a estratégia e os métodos de luta tradicionais. Sob este aspecto, o que está em crise não é uma ou outra experiência de luta proletária, uma ou outra corrente política: mas o conjunto do antigo movimento operário, em todos os cantos do mundo.
Como basear a luta proletária nas lutas de categorias, quando a condição para a implantação das sedes das transnacionais são precisamente os baixos salários? Como basear nos sindicatos a organização da classe, se a maioria da classe está desempregada ou em situação precarizada? Como buscar politizar as lutas proletárias e populares tendo como alvo central os governos e Estados nacionais, se o poder real hoje (inclusive no que toca à legislação trabalhista, ambiental, científico-tecnológica etc) está não mais nos Estados nacionais, mas, nas corporações monopolistas transnacionais e suas instituições (OMC, BM, FMI e acordos comerciais regionais)?
O que explica o esvaziamento das antigas formas de organização e de luta de massas, e inclusive a crise das correntes políticas, é, antes de tudo, essas mudanças na realidade e a incapacidade do movimento tradicional de corresponder às novas exigências.
O interessante, no entanto, é que, na crise, está nascendo um novo movimento operário. A manifestação em Seattle (EUA), em novembro do ano passado, durante a abertura da nova rodada do milênio da OMC é um exemplo disso. 5O mil pessoas, de diversas partes do mundo e de diversos setores sociais, atrasaram, durante duas horas, o início da reunião; presidentes e ministros de diversas partes do mundo ficaram presos nos hotéis, sem segurança para saírem; outros, só entraram no Teatro Parammount, onde se realizaria a abertura oficial do evento, pulando janelas, como ladrões de galinha; Clinton foi aconselhado a adiar a decolagem de seu avião. Nas ruas, completamente ocupadas pelas massas, as pessoas festejavam a demonstração de força popular. Uns cartazes diziam: Fechamos a OMC! Um jovem trabalhador, fotógrafo, declarava ao repórter do Le Monde Diplomatique: Viemos aqui porque não queremos mais ser tratados como coisas. Não somos mercadorias. Quem estava lá? Jovens trabalhadores, sindicalistas alternativos, ecologistas, movimentos de mulheres, movimentos de gays e lésbicas, estudantes, pescadores, pequenos agricultores, movimentos de direitos humanos… O que reivindicavam? Contra os baixos salários, o desemprego, o trabalho infantil, o trabalho escravo no Terceiro Mundo, a extinção das tartarugas… E reivindicavam contra quem? Contra a OMC que, segundo afirmavam, é o verdadeiro poder das corporações… A força do movimento foi tão grande que, durante três dias, a Prefeitura local decretou toque de recolher a partir das 18 horas! O interessante, no entanto, é que este não foi a única manifestação. No mesmo dia, 30 de novembro, os sindicalistas e ambientalistas oficiais também fizeram uma pequena, sem massa, em local e ritual acordado com as autoridades… Neste cenário, defrontaram-se claramente o novo e o velho movimento operário.
A organização da manifestação de Seattle se deu a partir das iniciativas dos movimentos que compõem a AGP (Ação Global dos Povos). A AGP é uma articulação mundial, que congrega de forma horizontal e não-hierárquica, movimentos autônomos dos cinco continentes; sua estratégia principal é a unificação na ação e na reflexão dos movimentos de base que, independentes dos Estados e poderes econômicos, se baseiem na democracia direta e na ação direta tendo como alvo o combate mundial ao poder do capital transnacional. Antes dessa manifestação de Seattle, já havia impulsionado a manifestação de fevereiro de 98, em Genebra, durante a reunião do G-7, e, em 18 de junho do ano passado, um dia de luta internacional contra os centros do capital financeiro. A sua próxima atividade é o chamado a realizar em 1º de maio próximo uma nova Ação Global Contra o Capitalismo.
O que há de novo nessa experiência é tanto uma nova estratégia, como novos métodos de organização e ação. Uma estratégia anticapitalista que é inseparável do internacionalismo; um método de luta baseado na ação direta, que é inseparável da autonomia das formas de organização de base. Fundamentalmente, o que esta nova experiência demonstra é a possibilidade de ultrapassarmos positivamente o corporativismo e o nacionalismo, como também a idéia de que a força do movimento depende de quem está na sua direção. Essas novas formas de movimento, no centro e na periferia do movimento, está buscando se basear na auto-organização, numa relação horizontal, sem a velha divisão de trabalho entre dirigentes e dirigidos, especialistas e executantes. Busca ultrapassar a idéia do combate econômico centrado no salário e demonstra que o domínio da economia sobre a vida humana é que é o problema, e problema que se manifesta em todas as áreas da vida social: os direitos humanos, a cultura, a opressão sobre as mulheres, o trabalho infantil, a crise ecológica… como também sobre o desemprego, os baixos salários, os direitos trabalhistas. Está questionando, portanto, o próprio mercado: a mercantilização da vida, das pessoas, da cultura… E não tem mais a ilusão de que o poder está nos Estados nacionais: como tornou-se visível, o Estado não pode mais ser a via pela qual busquemos a emancipação da humanidade; do que se trata, como diz o manifesto da AGP, é colocar nas mãos dos povos os poderosos meios de vida que hoje estão nas das corporações, estabelecendo relações igualitárias e solidárias, sem o objetivo de lucro.
Será que conseguiremos aprender com as novas experiências, nós que viemos de uma tradição marxista que privilegiou sempre as formas tradicionais do movimento operário? Nós que, a despeito do nosso internacionalismo professado, buscamos sempre basear nossos esforços numa estratégia de luta pela tomada do poder de Estado nacional? Nós que sempre acreditamos que o central era nos catapultarmos como direção dos trabalhadores e construirmos nossas próprias organizações dirigentes? Será que não está na hora de estabelecermos uma relação horizontal com o restante da classe, tendo em vista contribuirmos para a sua auto-organização? Não estará na hora de buscarmos dar essa contribuição através das múltiplas formas que o próprio movimento espontâneo da classe está nos apontando: o trabalho de cultura proletário, grupos operários autônomos, organizações autônomas dos precarizados etc? Enfim, não estará na hora de compreendermos na sua radicalidade a afirmação de que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores?
João Emiliano- militante do Contra a Corrente Fortaleza- CE.
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