Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Acumulação flexível e educaça flexível

Objetivamos mostrar a intrínseca relação entre as transformações no capitalismo e o papel atribuído à educação. Essa análise leva em consideração o “grau de controle que logrou deter a grande burguesia sobre as crises cíclicas do capitalismo” (consciência adquirida a partir de 1929) como também a substituição dos sistemas de organização do trabalho taylorista e fordista pelo toyotista. Partimos das mudanças ocorridas na organização do trabalho provocadas pelo avanço tecnológico a partir dos anos 1970. O avanço tecnológico alterou o padrão produtivo e introduziu a acumulação flexível, substituindo o taylorismo e o fordismo pelo toyotismo.

A acumulação flexível, como resultado da taxa decrescente do lucro e, consequentemente, da dificuldade da realização do capital, aumentará exponencialmente a taxa de exploração dos trabalhadores, e ainda assim não inverterá ou evitará a diminuição da taxa de lucro, pois se trata de uma crise no seio da estrutura de funcionamento do sistema capitalista.

Por isso, a diminuição do emprego, dos salários e das condições de trabalho não são  fatos esporádicos no capitalismo, e sim parte do movimento do capital.

O desemprego deixa de ser um fator de crise e converte-se “… agora em um dos elementos do processo de controle das crises que aciona o mecanismo de desaquecimento da economia como forma de mantê-la ajustada às relações sociais vigentes, comandadas pelos interesses do sistema financeiro internacional.” (SAVIANI, Dermeval.In: Capitalismo, Trabalho e Educação, p.22)

 

O papel atribuído a educação

A educação passa a se submeter diretamente às condições de funcionamento da economia capitalista, pois o trabalho pedagógico articula-se com o processo do trabalho capitalista, se constituindo no toyotismo “em forma de disciplinamento para a vida social e produtiva no capitalismo.”

Esse disciplinamento “configura-se como uma transformação intelectual, cultural, política e ética, uma vez que tem por objetivo o desenvolvimento de uma concepção de mundo tão consensual quanto seja possível, tendo em vista as necessidades de valorização do capital.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p.82)

O que se pretende é formar “um povo manso e resignado, respeitoso e discreto, um povo para quem os patrões sempre tenham razão.” Ou seja, “um povo ideal para uma burguesia que só aspira resolver sua própria crise.” (PONCE,  Aníbal. In: Educação e Luta de Classes, p.173)

O disciplinamento é necessário uma vez que a educação assume, de acordo com as necessidades do mercado, o princípio da flexibilidade como condição para produção segundo a demanda. “Isso gera a necessidade não mais de produzir estoques de mão-de-obra com determinadas competências para responder às demandas de postos de trabalho – cujas tarefas são bem definidas -, mas para formar trabalhadores e pessoas com comportamentos  flexíveis, de modo que se adaptem, com rapidez e eficiência, a situações novas, bem como criarem respostas para situações imprevistas.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p. 87)

E não apenas isso, forma-se uma mão-de-obra que ora pode ser utilizada, ora pode ser parcialmente descartada ou totalmente descartada, de acordo com as necessidades do mercado, ou seja, mão-de-obra flexível.

Dessa forma, a escola deverá formar alunos com um repertório, ou seja, com competências e habilidades que possibilitem-no fazer escolhas. Uma aprendizagem para a inserção no mundo produtivo e solidário, e que se adapte a essa lógica flexível.

Além disso, o disciplinamento procura eliminar a existência de classes sociais e da luta de classes. Com a terminologia de parceiros sociais, a escola esconde o que sempre pretendeu a burguesia: ocultar a existência de classes sociais e da luta de classes para não ocorrer uma reação por parte dos trabalhadores contra a precarização econômica, e para aceitarem a “realidade como ela é”, evitando qualquer possibilidade de mudança.

 

Exclusão incluente e inclusão excludente

O toyotismo na educação e no trabalho tem como um dos objetivos o aprofundamento da separação entre trabalhadores e dirigentes, e entre trabalho intelectual e trabalho instrumental. Também entra em cena um processo de “exclusão incluente”, em que verificamos a exclusão do trabalhador do mercado formal, com direitos assegurados e a inclusão em condições de trabalho precárias. Dessa forma, os trabalhadores são desempregados e reempregados com salários rebaixados, muitos contratados por empresas terceirizadas, desempenhando a mesma função e ganhando menos ou indo para a informalidade. Com isto, o setor reestruturado se alimenta e mantém sua competitividade através do trabalho precarizado.

Essa lógica, do ponto de vista da educação, produz uma outra lógica na direção contrária, a “inclusão excludente”. Ou seja,“as estratégias de inclusão nos diversos níveis e modalidades da educação  escolar aos quais não correspondem os necessários padrões de qualidade que permitam a formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas do capitalismo; ou, na linguagem toyotista, homens e mulheres flexíveis, capazes de resolver problemas novos com rapidez e eficiência, acompanhando as mudança e educando-se permanentemente.” (KUENZER, Acácia Zeneida. In: Trabalho, Educação e Capitalismo, p. 92)

Atribui-se à educação a função de corrigir as distorções e contradições geradas pela lógica de funcionamento do modo de produção capitalista, amenizando a precarização econômica, bem como conter socialmente, sobretudo nas periferias, os descartados pelo sistema para garantir liberdade de consumo.

Com base nisso, é necessário lutarmos por uma educação que rompa com a lógica de funcionamento do modo de produção capitalista.

 Por isso, defendemos:

– A luta por uma Educação pública de qualidade sob o controle dos trabalhadores deve ser combinada com a luta pelo fim do capitalismo e por uma sociedade socialista!

– A Educação deve ser tratada em todos os níveis, como um bem coletivo, um dos instrumentos de transformação social e como um espaço de produção de conhecimento e desenvolvimento humano!

– Ensino público laico e gratuito em todos os níveis!

– Uma escola emancipadora de todo tipo opressão e que desenvolva a consciência socialista!

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Honduras: mais uma prova de que não se deve cofiar em político burguês

jornada de trabalho, do aumento salarial, etc., ou seja, poderia surgir um movimento massivo dos trabalhadores pelos seus direitos.

Manuel Zelaya não é socialista e muito menos revolucionário. Foi eleito pelo partido Liberal e se caracteriza por ser um governo capitalista. Mas, por conta da pressão da crise econômica e das manifestações populares passou a defender algumas medidas que, além de afetarem minimamente as margens de lucro da burguesia reacionária de Honduras, também poderiam abrir caminho para processos de luta e organização dos trabalhadores que viessem a ultrapassar os limites desejados até mesmo pelo próprio Zelaya.

Caracterizamos de caráter preventivo o golpe contra o governo Zelaya a fim de evitar que as reformas – mínimas e insuficientes – que estavam sendo implementadas pudessem mexer no lucro da burguesia, numa demonstração bem evidente de que não tem disposição nenhuma de fazer ou aceitar qualquer reforma por menor que seja.

 

Só os trabalhadores podem garantir mudanças

A burguesia é incapaz de defender e levar adiante as reformas. É assim com todo tipo de governo reformista (Chávez, Correa, Morales, etc.) que, diante de qualquer conflito com o setor mais reacionário, recua, sabota e até reprime as mobilizações mais radicalizadas.

Durante todo o processo de luta contra o golpe, Zelaya e seus seguidores apostaram na “via pacífica”, de negociação com os golpistas e o imperialismo com o único objetivo de  retomar o seu cargo de presidente. Esse era o seu objetivo. Nada mais além.

Podemos destacar algumas medidas políticas apresentadas por Zelaya que foram contrárias aos interesses, necessidades e até mesmo contra os objetivos dos trabalhadores o que demonstra sua limitação. Primeiro disseminando a ilusão de que o governo dos Estados Unidos e as organizações a serviço do imperialismo (ONU, OEA, etc.) pudessem estar contra o golpe (afirmamos em Boletim do Espaço Socialista que na verdade os Estados Unidos foram um dos organizadores do golpe). Segundo, que ao optar pelas negociações, tratou de frear todo tipo de mobilização dos jovens e trabalhadores que pudesse desestabilizar o conjunto do regime e abrisse caminho para uma ação independente dos trabalhadores que fosse além das medidas que tinha adotado. Terceiro, terminou por legitimar o processo eleitoral organizado – e fraudado – pelos golpistas em que menos da metade dos eleitores compareceram. Política que levou à derrota o movimento contra o golpe e legitimimou-o.

As bases dessa traição são objetivas, pois Zelaya, como burguês e proprietário de terras que é, não adotaria uma posição contra a sua classe social. Um processo radicalizado que avançasse contra a propriedade privada significava que a sua propriedade também estaria em risco.  Zelaya , com essa política, buscava substituir a luta contra os interesses da burguesia em geral para uma luta movida unicamente pelos seus interesses, que é uma combinação da luta pelo seu poder com a manutenção dos interesses da burguesia.

O ensinamento mais importante para os trabalhadores e principalmente para os militantes e ativistas é que não devemos confiar em nenhum burguês e nem em seus agentes, pois ao primeiro sinal de que os seus interesses políticos e materiais estejam em risco irão mostrar a sua cara e trair os trabalhadores e que também pela via de negociações com o inimigo nada se consegue. É uma lição da história. Desde as revoluções burguesas do século XIX até as contemporâneas (Boliviana de 1952, Nicaragüense e Iraniana de 1979, etc.) tem-se em comum a traição e a conseqüente derrota dos trabalhadores.

Quando são obrigados a irem além de suas pretensões o fazem para não perderem o controle da situação, mas no primeiro momento de descuido do movimento operário voltam a trair. Exceção que confirma a regra.

Somente os trabalhadores a partir de uma ação política independente da burguesia podem levar adiante as tarefas de enfrentar as ditaduras fascistas e ao mesmo tempo se emanciparem politicamente. Somente os trabalhadores, pela relação de explorados que mantêm com a propriedade privada, podem acabar com a propriedade privada. Nenhum burguês vai lutar e garantir a democracia plena porque significaria o seu fim.

 

As mobilizações assustaram os golpistas e Zelaya

Em todo processo de mobilização, principalmente quando provoca alguma instabilidade no regime político, a questão do poder está colocada, seja como tarefa imediata (quando há condições objetivas e subjetivas) ou como propaganda. As mobilizações e as greves levam os trabalhadores a refletirem sobre a sua condição de vida, sua força na sociedade, a se organizarem, a vislumbrar a possibilidade de tomarem em suas mãos o seu próprio destino, ou seja, de que as coisas podem mudar. Por isso as mobilizações, por menores que sejam, deixam a burguesia apavorada.

Após a ida de Zelaya para a embaixada brasileira o movimento deu um salto de qualidade, inclusive com a possibilidade de construção de uma greve geral. O enfrentamento direto era a única forma de obrigar os golpistas a abandonarem o poder, mas Zelaya, como todo burguês reformista, se assustou com a possibilidade de que a classe trabalhadora, radicalizada, se colocasse como sujeito social e fosse mais além de suas tímidas medidas reformistas.

Tudo que Zelaya conseguiu pela via da negociação foi ser enganado pelo representante do governo dos Estados Unidos, o direito de sair do país “pelas portas da frente”, mas na prática foi obrigado a reconhecer o resultado da eleição de 29 de novembro, da qual saiu vencedor Pepe Lobo – que se não apoiou diretamente o golpe foi um dos cúmplices mais importante. Um acordo de cavalheiros em que tudo continuou como antes.

Na base do movimento essa política se expressava pela defesa, por parte dos zelaystas, de que o momento é de reconciliação nacional e as negociações e acordos visam construir as condições para que se dê tal reconciliação. Não falam, entretanto que essa reconciliação tem como pressuposto a aceitação das condições impostas pelos golpistas: nenhuma reforma constitucional, nenhuma concessão para os trabalhadores, que o poder fique nas mãos da burguesia e de seus lacaios (igreja, judiciário e legislativo) e nenhuma punição aos golpistas assassinos.

Não há nenhuma possibilidade de reconciliação com a burguesia de Honduras e nem com nenhuma outra. Reconciliação para a burguesia significa que as coisas ficam como estão. Lição fundamental que os trabalhadores hondurenhos precisarão compreender para as próximas lutas, ou seja, construir as suas próprias organizações políticas e se colocarem como direção e força política do processo em oposição a toda burguesia.

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Declaração contra a ocupação do Haiti – Janeiro 2010


ESPAÇO SOCIALISTA

Solidariedade real ao povo haitiano e não à ocupação!!!

Apesar do terremoto que atingiu o Haiti ter sido um acontecimento da natureza, a gravidade das suas consequências é resultado da situação de miséria que assola a grande maioria de sua população. A dificuldade diária de se conseguir alimento e água, a precariedade das construções, a falta de uma rede de serviços sociais, são problemas que agravam muito o que já seria trágico, aumentando assim as dimensões da catástrofe. Terremotos com a mesma intensidade ocorreram em outros países –como o Japão –, sem que o impacto fosse tão devastador.

Da mesma forma, no Brasil, a imprensa atribui a causa das enchentes e deslizamentos ao excesso das chuvas. Com isso tentam encobrir o fato de que é a lógica capitalista que gera as condições precárias de moradia nas periferias e que os governos priorizam obras em favor dos empresários ao invés de outras que permitam melhores condições de escoamento da água nos bairros populares. A mesma quantidade de chuva cai no Morumbi e nos Jardins, mas não ouvimos falar de enchentes nos bairros onde mora a burguesia…

No caso do Haiti, com seus 9 milhões de habitantes, trata-se do país mais pobre do hemisfério ocidental – 146º lugar entre 177 países avaliados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) –, onde mais da metade da população vive com menos de 1 dólar por dia, e cerca de 78% com menos de 2 dólares. A taxa de mortalidade infantil é altíssima: 60 em cada 1.000 nascimentos. Essa miséria não é natural, é a conseqüência das sucessivas ocupações e colonização das potências imperialistas sobre o país.

 

O terremoto é natural, mas as conseqüências não

  A miséria do Haiti não é um produto do acaso, e muito menos uma vocação desse povo. Ao contrário, o povo negro do Haiti protagonizou lutas gloriosas contra inimigos muito mais fortes.

Prova disso, é que ele foi o primeiro país das Américas a se tornar livre, na Revolução liderada pelos “Jacobinos Negros”: “Em 1803, a bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. Mas a terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação…”

Fruto de seu isolamento e do pouco desenvolvimento de suas forças produtivas “…o Haiti acabou caindo nas mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perda por haver cometido o delito da dignidade.”(Eduardo Galeano – Os pecados do Haiti, em www.resistir.info.net).

De lá para cá, o povo haitiano novamente esteve submetido ao saque e à dominação dos países imperialistas. Em 1915 foram os EUA que invadiram o país, governando-o até 1934, e só saindo após conseguir cobrar as dívidas do Haiti com o Citibank e modificar o artigo constitucional que proibia a venda de terras a estrangeiros. Desde então, a Casa Branca exerce uma espécie de protetorado no país.

Portanto, essas potências mantiveram o Haiti como seu fornecedor barato de matérias-primas como   açúcar, banana, manga, milho, batata-doce, legumes, tubérculos e outros mais. Hoje, aliado ao peso majoritário da agricultura, surgiu um setor de produção voltado para a exportação e que superexplora os trabalhadores.

 

ONU, EUA e Brasil no Haiti: Armas e Repressão  para manter o povo haitiano na miséria

Recentemente, em 2004, o Brasil passou a comandar a Minustah (missão de ocupação da ONU). Desde então, sempre que há revoltas ou manifestações contra a miséria e os baixos salários, entram em ação as “Tropas de Paz” para reprimir duramente. O argumento da reconstrução da institucionalidade do país não se sustenta. Os problemas sociais não foram resolvidos e, ao contrário, agravaram-se. Em janeiro de 2006, o general Urano Teixeira Bacellar, que estava no comando da Minustah há poucos meses – desde setembro de 2005 -, se suicidou após ter alertado que os problemas no Haiti não demandavam tropas e sim justiça social.

Atualmente, a liderança do Brasil na Minustah também serve de treinamento para os militares brasileiros conterem rebeliões nas favelas brasileiras, que tendem a se agravar à medida em que o capital exclui de cada vez mais pessoas dos direitos mínimos a uma vida digna.

Uma simples comparação de valores expõe o descaso da ONU e dos países dominantes diante da situação do Haiti: desde a irrupção da crise econômica, os governos destinaram para as grandes empresas e o sistema financeiro mais de US$ 15 trilhões (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/02/11), enquanto que para socorrer as vítimas do Haiti, a ONU pediu aos países membros US$ 562 milhões, um valor absolutamente irrisório diante da magnitude da catástrofe. Mesmo assim, até agora só foram enviados US$ 207 milhões, 36,1% do prometido. Neste valor ainda estão incluídos os gastos militares, como deslocamento, manutenção das tropas etc.

Já o governo Lula dedicou aos empresários o equivalente a R$ 475 bilhões desde quando eclodiu a crise no Brasil (http://economia.uol.com.br/ultnot/bbc/2009/04/03/ult2283u1708.jhtm). Mas para a ajuda  humanitária ao Haiti – excluindo-se a manutenção das tropas -, até agora foram enviados apenas R$ 15 milhões.  Por outro lado, a manutenção das tropas no Haiti já tem um custo de mais de R$ 703 milhões desde 2004, segundo dados do Ministério da Defesa (www.agenciabrasil.gov.br). Isto é mais de 120 vezes a ajuda humanitária até agora destinada ao Haiti pelo governo brasileiro. E agora, como se não bastasse, Lula propôs e o Congresso aprovou o envio de até mais 1.300 militares, duplicando o efetivo atual no país.

 
Estados Unidos, mais uma vez, mostra a sua cara

Os EUA se aproveitam para, de fato, ocupar o país com cerca de 20 mil soldados – o dobro do efetivo total da ONU –, assumindo o comando do espaço aéreo, portos e estradas do país caribenho.( ww1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u683605.shtml) .Assim, ao todo são 30 mil militares em um país de apenas 9 milhões de habitantes!

Ao contrário do que é dito pela ONU, EUA, Lula, e a grande mídia, as tropas não têm função humanitária, nem de reconstrução, mas sim de manter os trabalhadores haitianos numa situação de submissão, recebendo salários miseráveis e assumindo jornadas subumanas de trabalho para as empresas prestadoras de serviços de grandes transnacionais.

Os principais argumentos dos que defendem a manutenção e o envio de mais soldados para o Haiti são os mesmos dos que sempre defenderam a ocupação e submissão do país: argumentam que a população trabalhadora não é capaz de se organizar e de coordenar a ajuda internacional e reconstruir sua economia. Mas a história deste povo mostra o contrário, como vimos acima. Além disso, a realidade também mostra que a população haitiana possui uma rede de organizações de base como sindicatos, organizações populares, estudantis e de bairros. São essas organizações que de fato estão fazendo de tudo para manter um mínimo de serviços essenciais como alimentação, saúde e segurança.

O verdadeiro receio dos EUA e da ONU é justamente de que essa população – cuja imensa maioria é de trabalhadores e pobres – venha a assumir o controle do seu destino, em outras palavras, que seja deflagrada uma rebelião social ou um processo revolucionário, com impacto em toda a América.  

Além de tentarem prevenir um possível processo insurrecional no Haiti, os EUA aproveitam para buscar reforçar seu controle militar na região e impor limites ao papel que o Brasil vem tentando ocupar no terreno internacional.. As bases militares na Colômbia e a reativação da Quarta Frota, encarregada de patrulhar o Atlântico Sul, também fazem parte dessa estratégia.  

As metralhadoras e baionetas no peito dos soldados mostram o verdadeiro objetivo das forças militares do Brasil, dos Estados Unidos e da ONU.

 

É preciso solidariedade real e não ocupação militar!

Defendemos uma campanha internacional de solidariedade aos trabalhadores do Haiti.. Mas a solidariedade que defendemos é a solidariedade a serviço da luta e não se confunde com o assistencialismo propagado pelos governos e a mídia burguesa.   

A ONU, Lula, e os EUA têm a intenção de usar a “ajuda humanitária” para com isso levar as pessoas à passividade e a aceitarem a ocupação no Haiti. Já a nossa solidariedade deve ter um conteúdo diametralmente oposto. Deve estar a serviço da luta pela retirada das tropas e para que os governos responsáveis pela tragédia social do Haiti venham a ressarcir a dívida que têm com aquele país.           

Em primeiro lugar, temos que denunciar e exigir a imediata retirada de todas as Tropas de Ocupação e que o dinheiro desperdiçado para manter essas tropas seja direcionado para a ajuda humanitária e a reconstrução do país!

 Também é preciso exigir ajuda internacional compatível ao tamanho da catástrofe e não apenas as migalhas doadas até agora e sem nenhuma garantia de que chegarão, pois os governos burgueses fazem demagogia até com a vida das pessoas. A cobrança deve ser maior para as potências que sempre exploraram a economia haitiana, como EUA, França e Inglaterra.

Além disso, é preciso que toda a ajuda recolhida seja entregue às organizações de luta dos trabalhadores e estudantes do Haiti, e não nas mãos da ONU, dos EUA ou das tropas brasileiras, que usam o mote da ajuda humanitária para disfarçar e legitimar a ocupação. Só as organizações de luta dos trabalhadores podem garantir que os recursos arrecadados sejam usados para reconstruir a luta contra a ocupação, a exploração e a dominação do seu país, na perspectiva socialista, de um governo dos trabalhadores no Haiti.

 

Espaço Socialista – São Paulo, jan/2010

 

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“O sequestro do metrô” e o sumiço da crise

    “O seqüestro do metrô 123” é mais um típico filme de ação enlatado do cinema estadunidense. A sua peculiaridade está na alegoria que se pode fazer entre a sua narrativa e o discurso ideológico por meio do qual os políticos, economistas, jornalistas e outros gestores do sistema querem nos fazer crer que a crise econômica já foi superada.
    O protagonista do filme é um executivo da companhia do metrô de Nova York (interpretado por Denzel Washington) que está sob investigação por suspeita de aceitar suborno em uma licitação. Por conta disso ele foi rebaixado para a função de controlador de tráfego, encarregado de monitorar o fluxo dos trens nas linhas e se comunicar com os maquinistas. É nessa função que ele entra em contato com seu antagonista, um ex-presidiário (interpretado por John Travolta) que seqüestra um trem e exige um resgate milionário da prefeitura. Mas não se trata de um ex-presidiário qualquer: o seqüestrador havia sido preso por aplicar um golpe em Wall Street.
    Seguem-se então as piruetas tradicionais dos filmes de ação, o clássico duelo do mocinho e do bandido, a ideologia tradicional do heroísmo hollywoodiano, etc. Nessa linha, trata-se de uma produção competente, realizada por profissionais de bom nível. O diretor é Tony Scott, o irmão sem talento de um dos grandes artistas em atividade no cinema (Ridley Scott, responsável por clássicos como “Alien, o 8º passageiro” e “Blade Runner”, além de uma longa coleção de obras acima da média, como “Os duelistas”, “Chuva Negra”, “1492”, “Telma e Louisie”, “Gladiador”, entre outros). Mesmo sem o talento do irmão, Tony Scott já emplacou um mega-sucesso de bilheteria, o icônico “Top Gun”, filme paradigmático da década de 1980 e seu “revival” da Guerra Fria, com a apologia explícita do aparato militar estadunidense, embalada no clichê do herói rebelde romântico.
    Em “seqüestro do metrô 123” temos outro tipo de discurso ideológico, adequado a uma época de crise econômica.
    O herói é um funcionário público civil, apesar de também pegar em armas no final. Isso representa uma defesa do papel do Estado ao supostamente tirar a economia estadunidense da crise (sem no entanto abrir mão das guerras no Oriente Médio).
    O vilão da história é um especulador do mercado financeiro. Ou seja, a causa da crise são as “maçãs podres” de Wall Street, os banqueiros inescrupulosos que transformaram a economia num cassino. A mensagem é que, expurgando-se essas maçãs podres, o sistema vai voltar a funcionar normalmente. Não há nada de errado com o capitalismo, apenas com alguns indivíduos problemáticos.
    O herói da história é um negro, assim como o atual presidente estadunidense é negro. O herói cometeu um erro no passado, assim como o governo estadunidense (que praticou torturas, prisões ilegais, morte de civis inocentes, entre outros crimes de guerra.) cometeu. O combate ao vilão redime o herói de seus crimes, assim como Obama acoberta os crimes dos seus antecessores. O prefeito é um político tradicional, demagogo, mulherengo, etc., que não está concorrendo à reeleição, assim como os republicanos conservadores cederam o bastão a Obama e se retiraram para os bastidores, para voltar quando o serviço sujo de administrar a crise tiver sido feito. Um encobre os crimes do outro, uma mão lava a outra, e estamos conversados. O mocinho do filme pode voltar para casa feliz, como se nada tivesse acontecido.
    O resumo da ópera é que o Estado salvou o capitalismo. Um conto de fadas para quem acredita num mundo de mocinhos e bandidos “made in Hollywood”. No mundo real, é preciso mais do que marketing e demagogia estatista. A crise continua, o capital fictício foi estocado nos cofres públicos, o Estado socializou os prejuízos das falcatruas privadas, trabalhadores perderam seus empregos, suas casas, seus salários e seus direitos, as guerras continuam no Oriente Médio, golpes de Estado na América Central, bases militares na Colômbia e a IV Frota estadunidense de olho no nosso pré-sal, e Lula, em conluio com Sarney e outros caciques, está loteando o pré-sal para as transnacionais, garantindo uma fatia para que a burocracia petista possa continuar anestesiando as massas com bolsa-esmola, e assim eleger Dilma.
    O show vai continuar, enquanto não dermos fim ao seqüestro das consciências.

    

 

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Avatar: revolução e paradoxo da técnica

    As revoluções da história do cinema

    Periodicamente, a cada uma ou duas décadas, o cinema passa por revoluções que atualizam sua capacidade de funcionar como a arte típica da sociedade capitalista moderna e expressar seus dilemas e contradições. Esbocemos sumariamente algumas dessas revoluções:
    – A primeira delas foi a própria invenção do cinema como veículo para contar histórias, saindo do submundo das curiosidades circenses para se tornar um ramo independente da indústria cultural com regras, métodos e cânones próprios. Esse processo de construção do cinema como instrumento da arte narrativa passa pelas criações de Méliès, Griffith, Chaplin, Eisenstein, o movimento expressionista, até alcançar a maturidade com Orson Welles e seu “Cidadão Kane”.
    – A invenção do cinema falado no fim dos anos 1920.
    – A introdução das cores no fim dos anos 1930.
    – O aperfeiçoamento nas técnicas de projeção nos anos 1950 (CinemaScope, Cinerama, 3D), na tentativa de fazer frente à concorrência da televisão.
    – A revolução temática impulsionada pela explosão das cinematografias não-hollywoodianas (neo-realismo, nouvelle vague, cinema novo, Fellini, Kurosawa, Bergman, Kubric, etc.) no pós-II Guerra e nos anos 1950.
    – A chegada dessa revolução temática a Hollywood pelas mãos da contra-cultura, na virada entre os anos 1960 e 70, deixando para trás a inocência dos musicais e contos de fadas com final feliz obrigatório. O cinema se tornou capaz de falar da vida de pessoas reais e abordar abertamente certas questões sociais, com marcos como “Adivinhe quem vem para jantar?”, “Sem destino”, “Uma rajada de balas”, “A primeira noite de um homem”, até chegar ao “Poderoso chefão”.
    – A revolução dos efeitos especiais entre os anos 1970 e 80, cujos maiores expoentes são as trilogias “Guerra nas Estrelas” e “Indiana Jones”.
    Conhecedores mais profundos da história do cinema poderão completar e precisar essa lista e enriquecê-la com muitos outros exemplos. Mas tal debate alongaria demais esse texto e o desviaria de seu propósito.
    Voltemos à última “revolução” indicada. O desenvolvimento dos efeitos especiais foi tido como uma resposta ao surgimento dos videocassetes (assim como nos anos 1950 fora preciso responder à massificação da televisão). Era preciso criar um espetáculo suficientemente grandioso para concorrer com o conforto do vídeo doméstico e motivar os espectadores a sair de casa para continuar freqüentando as salas de cinema.
    Na época esse fenômeno foi interpretado por Pauline Kael (reputada como a maior crítica de cinema estadunidense) como a verdadeira morte do cinema, pois os filmes passariam a estar cada vez mais baseados nos efeitos visuais do que na história.
    Coerentemente com essa interpretação “apocalíptica”, vimos cada vez mais as salas de projeção serem invadidas por filmes de ação, aventura, fantasia, ficção científica e histórias em quadrinhos, que se sustentam em efeitos visuais e secundarizam a expressão da realidade humana. Assim como o cinema deslocou o teatro para uma espécie de gueto habitado por remanescentes cultuadores das antiguidades culturais, o cinema de efeitos especiais transformou os filmes que tratam de pessoas reais num segmento apreciado por uma restrita tribo de cinéfilos, seguidores de produções independentes, européias, asiáticas, sulamericanas, etc.
    
    A obra de James Cameron

    Toda essa digressão sobre a história do cinema se propõe a preparar o terreno para a tentativa de localizar o significado do filme “Avatar”, de James Cameron. Passemos rapidamente em revista a obra desse diretor. Cameron foi um dos protagonistas da revolução dos efeitos especiais com “O Exterminador do Futuro”, de 1984, obra impulsionada por uma história originalíssima, de profundo impacto e marcante influência no imaginário da época (influência que perdura até hoje), culturalmente representativa do último surto da Guerra Fria e embalada por uma narrativa de suspense bastante eficiente, elementos que o tornam um clássico. A partir desse sucesso inicial, Cameron desenvolveu uma carreira pouco prolífica, mas repleta de títulos que o tornaram sinônimo de ambição e inovação: “Aliens, o resgate”, “Segredo do abismo”, “O Exterminador II”, “True Lies”, “Titanic” e agora “Avatar” (tornaram-no também titular da minha lista pessoal de diretores preferidos, fato que não tem a menor importância, mas para quem ficou curioso aqui vai: Martin Scorcese, Ridley Scott, Oliver Stone, Tim Burton e David Fincher).
    A curta filmografia de Cameron inclui os 2 filmes de maior bilheteria da história (o recorde de “Titanic” estava sendo superado por “Avatar” no momento em que este comentário era finalizado), fato este sim da maior relevância para os executivos de Hollywood e para a votação dos prêmios Oscar. E tal filmografia inclui ainda os marcos de mais duas revoluções na história do cinema, ou pelo menos dentro da atual fase da história:
    – “Exterminador II”, primeiro exemplar de utilização maciça e bem-sucedida de imagens geradas em computador (conhecidas pela sigla em inglês “CGI”), que causou escândalo na época pelo seu elevado custo de produção (mais de U$ 100 milhões, marca esta tornada rotineira a partir de então).
    – O próprio “Avatar”, filme quase inteiramente feito em CGI e concebido para ser apreciado em 3D.

    O paradoxo da técnica

    No que se refere à técnica cinematográfica, “Avatar” é indubitavelmente um salto adiante. As diversas revoluções técnicas do cinema citadas acima acrescentaram sucessivos aperfeiçoamentos à sua capacidade de funcionar como uma armadilha sensorial que suspende o espectador da sua relação com o mundo real e o arremessam no universo da fantasia. A sala escura, a tela gigante, a luz em que brilham os astros e estrelas, o volume ensurdecedor do som, a trilha sonora cuidadosamente arquitetada para conduzir as emoções, o ritmo da edição, a profusão dos efeitos especiais, ganharam nas últimas décadas a companhia das imagens em CGI e no caso em questão, da profundidade em três dimensões. Essas sucessivas inovações técnicas, nas quais aliás Cameron tem demonstrado inigualável aptidão, dotaram o cinema das ferramentas necessárias para reproduzir na tela as fantasias mais delirantes que o cérebro for capaz de criar.
    Os elementos criativos que povoam a história de “Avatar” (colonização interplanetária, engenharia genética, controle da mente sobre outro corpo, raças de humanóides descendentes de felinos com 4 metros de altura e ossos de fibra de carbono, que moram numa aldeia-árvore e são capazes de se comunicar com animais e vegetais, que cavalgam em dragões e voam entre montanhas flutuantes) são lugares-comuns em vários nichos da ficção científica, como os contos da lendária revista de quadrinhos alternativos “Heavy Metal”. Claro que, para tornar o filme palatável para as grandes audiências, Cameron teve que retirar quase todo o sexo, violência, provocação política e amoralidade que caracterizam aquela publicação, retirando também a vulgaridade e futilidade em que os elementos acima costumam vir empacotados na revista. “Avatar” é Heavy Metal em embalagem da Disney.
    A simplicidade quase banal da história e a falta de originalidade tem rendido a Cameron uma série de processos por plágio. Entretanto, a confiança do diretor em sua capacidade técnica o fez desdenhar impavidamente esses contratempos insignificantes e se dar ao luxo de se esbaldar com o brinquedo, dando livre curso a algumas das suas obsessões típicas já exploradas em filmes anteriores: o ambiente militar, a ética dos soldados, a parafernália tecnológica armamentista, os limites da ciência (e as criaturas bioluminescentes, como o absurdo “inseto-cóptero” que passeia no filme), etc.
    “Avatar” representa a chegada ao patamar histórico em que qualquer coisa que pode ser imaginada pode também ser filmada de modo tecnicamente convincente, o que coloca em pauta uma outra questão: o hiper-realismo proporcionado pela técnica cinematográfica acrescenta credibilidade à fantasia ou destrói a sua fecundidade, já que não deixa nada ao espectador para ser livremente imaginado? Ou dito de outra forma, porque o cinema fantástico-hiper-realista deve ser considerado um avanço em relação ao teatro de bonecos, se este pode ser tão eficiente quanto aquele na sua tarefa fundamental, que é contar uma história?
    O culto da novidade e da técnica como substitutos da vida é mais um sintoma da patologia social contemporânea, da qual “Avatar” é mais uma confirmação. Mas é uma confirmação invertida, pois a moral da história é justamente… a volta à natureza!
    Esse paradoxo é o grande achado de “Avatar”. O homem adquire a capacidade de viajar pelo espaço, conservar-se vivo em sono criogênico, colonizar outros planetas, construir e reconstruir corpos por engenharia genética, controlar remotamente um outro corpo, etc., mas o seu objeto de desejo é retornar à mesma relação com a natureza que os índios praticam: caminhar descalço pela floresta, beber água coletada da chuva pelas folhas das árvores, dormir em rede, contar histórias em torno da fogueira…

    A hipótese apocalíptica

    Para explicar esse paradoxo, é preciso entrar na discussão sobre a relação do cinema com o contexto político-ideológico. Dentre os filmes de Cameron, “Avatar” é uma espécie de antípoda do primeiro “Exterminador”, pois se aquele contava com uma história poderosa e efeitos que hoje podemos considerar precários, este possui um visual absolutamente deslumbrante e uma história sofrível. Ponto para Pauline Kael? Depende.
    A hipótese apocalíptica que explica a decadência artística do cinema pelo abuso da técnica dos efeitos especiais tem uma contraparte dialética que consiste no fato de que a extrapolação da corrida tecnológica para o cinema corresponde proporcionalmente à vigência dessa mesma corrida tecnológica na vida social em geral. Não é apenas o cinema que se tornou irreal, mas a vida real que se tornou cinematográfica, espetacular, fantástica, ilusória e instável, no contexto histórico do capitalismo plenamente mundializado, o que vale dizer, plenamente atravessado pela aceleração explosiva das suas contradições constituintes. Nesse sentido, o cinema mais espetacular e irreal pode ser também o produto ideológico mais típico e ilustrativo de determinados fenômenos sociais muito reais. Isso atualiza o valor crítico do cinema e da crítica de cinema, ainda que o cinema em questão venha à tela completamente despido de intenções críticas; e demonstra também a impossibilidade de se fazer crítica de cinema e de arte com alguma seriedade e coerência sem uma perspectiva crítica do conjunto da vida social.
    O paradoxo técnica X natureza em “Avatar” o torna culturalmente significativo a ponto de merecer a qualificação de obra revolucionária, para além do aspecto cinematográfico e do recorde de bilheteria. Para avaliar esse significado cultural, é preciso relacionar sua narrativa aos discursos ideológicos em voga. A história do filme, que já foi descrita como “Pocahontas no espaço”, é um completo clichê: soldado se apaixona por nativa e se volta contra os colonizadores dos quais era parte. Essa mesma história já foi contada antes muitas outras vezes, merecendo destaque pela profundidade antropológica e paixão humanista um outro clássico do cinema recente: “Dança com lobos” (outro fato sem a menor relevância: primeiro filme que me fez chorar).
    O que torna essa narrativa culturalmente significativa é o acréscimo da questão ambiental. O ambientalismo é o bom-mocismo do século XXI. É a causa que aparentemente unifica a todos, gregos e troianos (veremos que não é bem assim nas próximas seções deste texto), o que ajuda a explicar o sucesso do filme (e o recorde de bilheteria), para além do refinamento visual. Ao colocar de um lado a defesa da natureza e de outro a sua destruição, “Avatar” fornece ao público heróis para os quais torcer e vilões aos quais odiar, e não há nada que o grande público aprecie mais do que heróis virtuosos derrotando vilões odiosos. Sem isso, não há efeitos especiais que bastem para construir um sucesso artístico e comercial dessa magnitude. Mesmo sendo rasa, banal, repetitiva, pouco criativa, a narrativa central de “Avatar” fornece ao espectador uma experiência dramática gratificante, ou seja, boa diversão.
    
    Gregos e troianos?

    A consagração artística e comercial do ambientalismo em “Avatar” (através de uma overdose de técnica cinematográfica) representa ainda uma espécie de “vingança estética” contra a era Bush. O discurso dos vilões do filme é literalmente o mesmo dos sinistros personagens que povoaram os noticiários na década de 2000, os procônsules estadunidenses no Oriente Médio e os executivos rapaces da Enron, Halliburton, AIG, Lehman Brothers e Cia. O executivo que dirige a exploração do mundo de Pandora em “Avatar” diz que tudo o que importa para os acionistas é o balanço trimestral, a mesma obsessão dos especuladores trazidos à berlinda pela atual crise econômica. O coronel que chefia a milícia particular da empresa diz que se deve “combater o terror com terror”, a mesma coisa que os Estados Unidos fizeram no Iraque e no Afeganistão (e em Guantánamo ou em outras bases secretas nas quais torturaram “suspeitos de terrorismo”) ou que Israel fez contra Gaza.
    Dando mostras do quanto está sintonizado com o sentimento anti-Bush ainda presente na opinião pública mundial, “Avatar” dá a pista dos próximos alvos da “guerra ao terror”, quando lembra que o protagonista, antes de ser mandado para o espaço, serviu na Venezuela, enquanto o coronel servira na Nigéria, ambos “coincidentemente” produtores de petróleo. Ao aterrissar em Pandora, o ex-fuzileiro paraplégico ainda acredita que na Terra as forças armadas estadunidenses estão “lutando pela liberdade”, sendo que a corrupção dos soldados no processo da colonização seria causada apenas pelo fato de estarem servindo como mercenários de uma empresa privada.
    Algumas de suas falas poderiam ter saído da boca de um veterano do Iraque dos nossos dias de crise econômica e desemprego galopante nos Estados Unidos, quando diz que seria possível reparar sua espinha para que pudesse voltar a andar, “mas não nessa economia, não com essa pensão”. Gradualmente o protagonista muda seu ponto de vista sobre o mundo de onde veio, pois passa-se para o lado dos nativos. Supera-se também aos poucos a hostilidade mútua entre o soldado e os cientistas. A separação entre o homem de pensamento e o homem de ação, entre trabalho intelectual e trabalho braçal, típica da cultura estadunidense, também é vencida no filme, conforme o soldado se torna capaz de refletir (o videolog mostra-se uma ferramenta bastante útil, mas também perigosa) e os cientistas de se engajar numa rebelião contra a corporação.
    Cameron também subverte outro padrão típico da cultura estadunidense, retirando as mulheres do seu papel subalterno tradicional e dando-lhes funções decisivas, o que aliás é um dos traços mais marcantes da sua filmografia. Em todos os seus filmes há personagens femininas fortes, que não ficam atrás dos protagonistas masculinos, seja em inteligência ou desenvoltura. Em “Avatar”, temos a cientista-chefe e até a piloto de helicóptero, mas o destaque fica para a guerreira nativa, capaz de desafiar as tradições de seu povo para unir-se ao estrangeiro por quem se apaixonou.
    Há outros traços “politicamente corretos” e pós-modernos em “Avatar”, como a concessão que se faz à religião, quando a “mãe natureza” se envolve pessoalmente no combate, enviando um exército de criaturas para enfrentar os humanos, ainda que se faça um esboço de explicação científica para a experiência mística de comunicação com a divindade-natureza vivenciada pelos Na'vi. A mesma concessão à religião, as mesmas boas intenções e o mesmo paradoxo de técnica X natureza comentado duas seções acima já foram vistos antes em “Final Fantasy”, tentativa pioneira e infeliz de substituir atores reais por CGI que fracassou estética e comercialmente. Prova de que é preciso algo mais do que boas intenções e propostas politicamente corretas para que um filme possa funcionar. “Avatar” oferece esse algo mais, expondo uma ilustração um pouco mais radical das contradições sociais.
    “Cedo ou tarde, sempre temos que acordar”, aprende o fuzileiro. A operação de exploração mineral em Pandora é uma metáfora de todas as invasões imperialistas no planeta Terra. Repete-se ali o mesmo processo que se desencadeou sobre a América, a África e a Ásia, onde se destruíram povos, culturas e ecossistemas em busca de riquezas efêmeras, com a diferença de que, na batalha de Pandora, os nativos venceram. E o público que lotou os cinemas do mundo inteiro para dar a “Avatar” o recorde de bilheteria torceu pela vitória dos nativos. Eis uma novidade ideologicamente significativa, que sinaliza a vitória política do ambientalismo.
    Entretanto, qual é a conclusão a que a vitória dos nativos pode nos levar? Devemos abandonar a tecnologia e voltar a viver como os índios? Será que “caminhar descalço pela floresta, beber água coletada da chuva pelas folhas das árvores, dormir em rede, contar histórias em torno da fogueira…” devem ser o nosso ideal de felicidade e realização humana? Todo o progresso técnico realizado até hoje deve ser jogado fora, pois representa um pecado contra a inviolabilidade da mãe-natureza? Toda a ciência, a arte, a cultura, a humanização do mundo, o conforto, são inseparáveis dos males que o homem provocou?

    Trabalho alienado e natureza
    
Para responder a essas perguntas, é preciso recorrer a uma perspectiva histórica concreta. Não existe tecnologia (nem arte, nem religião, etc.) que não esteja envolvida no contexto de determinadas relações sociais. O problema das agressões da nossa tecnologia contra a natureza não está na tecnologia em si, mas no propósito social que dirige a sua utilização. A tecnologia é apenas uma ferramenta a serviço de uma lógica social, que determina o que deve ser produzido e de que forma, e em proveito de quem. A lógica que dirige a utilização da tecnologia em nossa sociedade é a da acumulação de capital.
Portanto, não é “o homem” abstrato que agride a natureza, mas quem o faz é o homem histórico e concreto, o homem envolvido em relações de produção social e historicamente determinadas, o homem envolvido nas relações capitalistas (para as quais inconscientemente se dirige a condenação moral estetizada em filmes como “Avatar”). A relação destrutiva com a natureza (e portanto auto-destrutiva) posta em prática pelo homem é uma decorrência das relações de trabalho alienado. O paradoxo técnica X natureza que viemos debatendo se enraíza em contradições muito profundas, que requerem uma adequada contextualização antropológica e filosófica do trabalho alienado.
O trabalho é a atividade que diferencia o homem dos demais animais. O homem se torna humano por meio do trabalho, que se define como atividade previamente ideada, ou seja, consciente. Ao contrário dos demais animais, cuja atividade é inconsciente, instintiva, repetitiva e imutável, o homem altera o mundo com seu trabalho e ao fazer isso altera também a si mesmo. Por ser a única espécie capaz de alterar o mundo e a si mesmo, só o homem possui uma História propriamente dita, que é na verdade um desdobramento da história natural. O surgimento da espécie humana, com sua capacidade de trabalho, é um desenvolvimento de propriedades inerentes ao mundo natural, mas ao mesmo tempo representa o surgimento de um mundo novo, humano.
O trabalho constrói biologicamente o corpo do homo sapiens, com seu caminhar ereto, polegar opositor e cérebro superdesenvolvido, e cria o gênero humano como ser capaz de atribuir uma finalidade aos objetos e um sentido para as próprias ações. Ao satisfazer suas necessidades naturais (comer, vestir-se, abrigar-se, procriar) por meio do trabalho, o homem cria novas necessidades sociais, pois as satisfaz de modo humano. As características humanas do homem, a socialidade, a historicidade, a liberdade, a universalidade, a consciência, a linguagem, são produto do trabalho.
O trabalho é a forma especificamente humana, social e histórica, de metabolismo com a natureza. Cada ser humano está em relação com a natureza por meio de seu corpo físico, cuja existência precisa ser mantida, mas essa relação não se dá de forma imediata, pois é social e historicamente mediada pelo trabalho. O uso de recursos naturais para produzir alimentos, vestimentas, moradias, utensílios, etc., não é feito separadamente por cada indivíduo, mas coletivamente por meio da formação social da qual este indivíduo faz parte. Ou seja, o homem somente se relaciona com a natureza indiretamente, por meio de sua relação com os outros homens, com o meio social no qual desempenha algum tipo de papel produtivo e de onde recebe uma cultura.
A humanidade do homem não está dada de modo imediato na realidade histórica, ou seja, cada homem não está imediatamente unificado com a sua humanidade, da forma como estão os animais. Cada animal é imediatamente idêntico a sua espécie e capaz de fazer tudo que a espécie é capaz. O homem, ao contrário, se encontra separado de sua espécie, da sua humanidade, seu ser genérico, por conta da condição histórica da divisão da sociedade em classes e do trabalho alienado.
Assim que o trabalho se torna capaz de produzir um excedente em relação às necessidades sociais, surge uma classe social que se apropria desse excedente. Ao longo da história desenvolve-se uma luta entre as classes proprietárias e as classes trabalhadoras pela posse desse excedente do trabalho social. O controle do excedente pelas classes proprietárias transforma o trabalho numa atividade alienada, ou seja, estranha para a maior parte dos seres humanos. O homem se separa de seu ser genérico, sua humanidade, ao não poder determinar o que fazer com seu tempo de trabalho e ser forçado a trabalhar para outro. O homem se aliena da atividade do trabalho, dos produtos do trabalho, da sua relação com os outros homens, que aparecem todos como elementos externos e opressivos sobre o indivíduo; e se aliena também da natureza.

Capitalismo e destruição da natureza

Se a relação com a natureza se dá primordialmente por meio da relação social e histórica de trabalho, o trabalho alienado leva a uma relação também alienada com a natureza. Na sociedade de classes, a natureza se apresenta ao homem como ambiente externo e objeto estranho a ser controlado, dominado, usufruído e descartado, conforme os interesses da classe dominante. A natureza deixa de ser o “corpo inorgânico do homem”, como a definiu Marx, e se torna propriedade privada. Na condição de propriedade privada, a natureza pode ser usada e abusada de maneira irresponsável, pois a necessidade coletiva é desconsiderada em favor dos interesses privados.
    Na sociedade capitalista, que é a forma mais recente da sociedade de classes, a natureza mais do que nunca aparece como estranha ao homem, como puro objeto de manipulação, fonte supostamente inesgotável de matéria-prima e repositório dócil para os infinitos subprodutos da ação humana (lixo e poluição). O capitalismo simplesmente ignora que a natureza não é inesgotável nem pode suportar indefinidamente os dejetos que lhe atiramos. A lógica do capital considera apenas o curto prazo, o balanço trimestral das empresas, a cotação diária da bolsa de valores, e simplesmente despreza a sobrevivência da espécie. Como disse um autorizado representante da burguesia, o economista inglês John M. Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”.
    O trabalho excedente apropriado pela burguesia é a fonte da imensa acumulação de riqueza social que tem se multiplicado desde o início da Revolução Industrial, ponto de partida do capitalismo propriamente dito. Parte dessa riqueza social apropriada pela burguesia é consumida improdutivamente em luxo e parte tem que ser necessariamente reinvestida na continuidade da produção.
    Acontece que não basta ao capitalista apenas manter a produção nos mesmos patamares do ciclo anterior de realização do capital, pois ele é forçado a produzir sempre mais mercadorias com o emprego de menos força de trabalho, para reduzir seus custos, aumentar seu lucro e vencer os concorrentes na competição por mercado. Essa é a única forma de realizar mais capital. A reprodução ampliada do capital é a força motriz que comanda as ações de burgueses e conseqüentemente também dos proletários na sociedade capitalista. Essa é a fonte material da ideologia do crescimento econômico (que não é sinônimo de desenvolvimento humano), do culto cego ao progresso e à novidade, que impulsiona um modo de vida voltado para o imediato e desprovido de sentido, em que os objetos se tornam sujeitos e os homens objetos.
    Essa lógica social da reprodução ampliada origina uma espiral infinita de aumento da produção de mercadorias. Esse aumento da produção não leva em consideração as necessidades humanas e sim a possibilidade de lucro. A sociedade capitalista cria o paradoxo de uma gigantesca capacidade produtiva usada para gerar objetos absolutamente inúteis, como bombas atômicas e bens de luxo, ao mesmo tempo em que mais de 1 bilhão de pessoas passa fome.
    Como se não bastasse o absurdo social desse desperdício e do desvio de capacidade produtiva, isso ainda é feito de uma forma tal que compromete a capacidade da natureza de suportar o impacto das ações humanas. O consumo de matérias-primas e de fontes de energia, o esgotamento da fertilidade do solo, o acúmulo de lixo, a poluição da terra, do ar e das águas chegaram a um nível tal que já ameaça a continuidade da vida. O efeito estufa, a elevação do nível dos mares, as secas e inundações, as tempestades e furacões, a escassez de água potável, as ondas mortais de frio e calor, a desertificação, a extinção em massa de espécies animais e vegetais, a multiplicação de vírus e bactérias mortais, etc.; tudo isso são conseqüências da ação irracional do capitalismo sobre a natureza.
    
    Superação da alienação    

    Na natureza, a cada ação corresponde uma reação igual e contrária. Os desastres naturais não são resultado de castigo divino, mas reações naturais aos desequilíbrios provocados pelo capitalismo. Esses desastres atacam justamente as populações mais vulneráveis, os pobres, os pequenos camponeses, os moradores das periferias das metrópoles, os segmentos mais desprotegidos da classe trabalhadora, que somente acessam uma fração insignificante das riquezas geradas pelo trabalho social.
    Os desequilíbrios não podem ser corrigidos sem uma ruptura com a lógica do capital. O capital é uma força social inerentemente incontrolável e submete ao seu controle todas as demais relações sociais. Não é possível impor restrições às atividades das grandes corporações capitalistas. Não existe Estado ou legislação capaz de impedir essas corporações de seguir explorando a natureza de forma irracional. Não existe pressão dos consumidores capaz de forçar as empresas a produzir de forma ambientalmente responsável A competição entre as empresas e a corrupção das instituições que teriam o papel de fiscalizar suas atividades abrem as portas para novas transgressões a cada remendo imposto pela pressão social.
    Para restaurar o equilíbrio natural e reverter os graves danos já causados é preciso ao mesmo tempo reverter a lógica que dirige o emprego das forças produtivas sociais, direcionando-as para o atendimento das necessidades humanas. É preciso estabelecer racionalmente o que a humanidade precisa produzir e de que forma isso pode ser produzido sem afetar a capacidade do planeta de seguir fornecendo indefinidamente os recursos de que necessitamos. Ao invés de produzir a infinidade de objetos inúteis em que estamos entulhados, o trabalho social passaria a produzir aquilo de que os seres humanos realmente precisam para viver. Isso por si só já teria grande impacto na reversão dos danos ambientais.
    Mas isso só é possível com o fim do trabalho alienado, ou seja, com a conquista do controle dos trabalhadores sobre seu tempo e seus instrumentos de trabalho. Para isso é preciso romper com a propriedade privada dos meios de produção e com a divisão da sociedade em classes. Somente uma humanidade sem classes pode se relacionar de forma racional com seu trabalho, direcionando seu tempo e recursos para produzir aquilo que realmente é necessário e considerando o equilíbrio da natureza e a continuidade da vida. Ao mudar a relação do homem com o trabalho, muda-se também a relação com a natureza.
    Para a natureza é indiferente que o planeta seja habitado por seres inteligentes ou por bactérias, pois o planeta seguirá seu curso em torno do sol, quer sejam os homens os seus passageiros ou sejam os microorganismos. Para o homem, entretanto, a preservação de certas condições indispensáveis para a sua sobrevivência, como ar respirável, água potável, terras férteis, temperaturas suportáveis, etc., deve ser resultado de sua ação consciente e coletiva. Essa ação passa necessariamente pela revolução social, pela superação da lógica do capital e pela construção do socialismo, único regime capaz de devolver ao homem o controle sobre seu trabalho, sua humanidade e sua relação racional e sustentável com a natureza.    
 

Leia mais

HIP-HOP: Cultura e Política

O próprio capitalismo cria e arma os seres que corroem as estruturas deste sistema podre.

O imperialismo americano ao invadir a América Latina corrompendo todo o cotidiano de sua vida, às vezes atira pela culatra. A indústria de cultura de massa ao impor o idioma inglês como referência de comunicação trouxe a reboque, uma nova linguagem altamente nociva aos seus interesses consumistas.

Como toda linguagem de periferia "que sobrevive à estatísticas" o Hip-Hop também tem seu lado violento.

Rimando em letras incendiárias o rap mostra sua cara e lembra à pequena população do Shopping Center que o garoto do semáforo também sonha, tem orgulho e não está disposto a aceitar apenas centavos. Como um pesadelo para a classe média (em extinção) este garoto não está só e reconhece que faz parte de um exército de marginalizados mundo afora.

Como porta-vozes da periferia, seja ela paulista (Racionais), carioca (MV Bill) ou da "quebrada" de Brasília (G.O.G.) atiram com sua metralhadora giratória em todos os valores burgueses, atingindo tanto o sonho do carro importado, quanto a ilusão da representatividade política dentro do congresso ou na assembléia legislativa mais próxima.

Exigindo tomada de posição de todos que escutam sua "batida", não permite vacilo prova o alto custo dos cortes no orçamento social, que toda propriedade é um roubo, já que os "manos" nunca tiveram nada e só conhecem a lei da sobrevivência.

Dançando Break e grafitando seu dia a dia, forma-se um grande "tráfico de informações" estendendo seus tentáculos pelas periferias de todo continente, influenciando bandas como: Rage Against the Machinne (apoio declarado ao E. Z. L. N. e ao M. S. T.), Charlie Brown Jr e grande parte da nova geração musical contemporânea a mesclar guitarras e batidas com letras ácidas e protestos práticos, inclusive apoio à formas anti-capitalistas de participação política.

Uma nova consciência internacionalista brota do gueto: TODOS SÃO MANOS.

Marcelo Marques

ABC – São Paulo: As raízes do hip-hop

Os efeitos desse sistema excludente, que adota procedimentos obscuros, revelam-se muitas vezes criminosos, outras vezes assassinos. Nas favelas e periferias, a agressividade dessa violência é dupla, não se limita a fatores de abandono. Os grupos do status quo (formado por policiais) punem àqueles que faltam com seu dever. O dever de permanecer passivo na miséria, num sistema capitalista totalmente excludente.

Será que queriam os burgueses (que são responsáveis por esse sistema) que todos os jovens se conformassem com os remédios suaves – carnaval, copa do mundo, pagode, religião e tantos outros anestesiantes – que são bondosamente doados aos miseráveis promovidos pelos meios de comunicação?

Mas por trás de todo esse mascaramento da realidade, desse espetáculo preguiçosamente engolido (o qual a esquerda tradicional participa ativamente onde ela "gentilmente" administra o capitalismo), pesa o sofrimento humano, um sofrimento real, gravado no tempo, naquilo que tece a verdadeira história sempre ocultada. Sofrimento irreversível das massas sacrificadas, quer dizer, de consciências torturadas e negadas uma por uma.

Para os jovens que estão destinados de antemão à exclusão, o desastre é sem saída e sem limites, nem mesmo ilusórios. Toda uma rede rigorosamente tecida, que já é quase uma tradição, lhes proíbe a aquisição não só de meios legais de viver, mas também de qualquer razão homologada para fazê-lo. Marginais pela sua condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato, eles são os "excluídos" por excelência. Virtuoses da exclusão! Por acaso eles não moram naqueles lugares concebidos para se transformar em guetos? Guetos de trabalhadores antigamente, já que hoje a fonte de trabalho secou. Por acaso esse endereço em face de nossos critérios sociais não indica: "terras de ninguém" ou "terras dos que não são homens" ou mesmo de "não homens"?

É imediata e flagrante aqui a situação de injustiça e de desigualdade, sem que os interessados sejam os responsáveis, sem que eles próprios tenham-se colocado nessa situação. Seus limites já estavam fixados desde antes de nascer, por esse sistema capitalista.

A sociedade indiferente a situação desperta assustada, escandalizada: "eles não se integram; eles não aceitam tudo com a gratidão que era de se esperar" – pelo menos sem se debater, sem sobressaltos aliás inúteis, sem infrações ao sistema que os expulsa, que os encarcera na reivindicação de algo que ele não pode lhes dar (o trabalho). Bloqueados numa segregação não formulada, "eles" têm a indecência de não se integrar!

Mas integrar-se a quê? Ao desemprego, à miséria? À rejeição? Às vacuidades do tédio, ao sentimento de ser inútil, ou até mesmo parasita? Ao futuro sem projeto? Integrar-se! Mas a que grupo rejeitado, a que grau de pobreza, a que tipos de provas, que sinais de desespero? Integrar-se a hierarquias que, de imediato, relegam ao nível mais humilhante sem dar jamais a possibilidade de fazer as provas? Integrar-se à ordem capitalista que, de ofício, nega todo direito ao respeito? A essa lei implícita que quer que aos pobres seja concedida vida de pobre, interesse de pobre (isto é, nenhum interesse) e trabalhos de pobre (se houver trabalho)?

É aí, nesse vazio, nesse estado vago sem fim que destinos são aprisionados e desagregados, que se afogam energias, que se anulam trajetórias. Aqueles cuja juventude, impotente, caiu na armadilha da marginalidade oficializada, têm consciência disso e preferem não demorar a enfrentar a seqüência de suas vidas.

Mas é também aí que parte desse vazio é preenchido de forma subversiva (ameaçadora à ordem vigente). Os excluídos agora tem um movimento cultural que pode (tende para isso) se converter em algo desestabilizador do sistema capitalista. Algo político. Ou melhor, algo politizadamente político (tende para isso) já que toda e qualquer forma de ação é política! Só que o movimento Hip-Hop tende a ser aquela ação que não aceita a sua exclusão, da forma que descobrirão que a única forma de se incluírem na sociedade é excluindo (pondo abaixo) o sistema capitalista. E assim vingando os mortos, vítimas desse sistema. Mortos muitas vezes deixados nas ruas com seus duros paralelepípedos, mas bem mais macios que esse sistema capitalista.

Carlos Wellington – ABC – São Paulo.

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