Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

SAIA JUSTA NO CENTRO DO ESPETÁCULO

O espetáculo e os fatos

No clássico “Sociedade do Espetáculo”, de 1967, Guy Debord identifica um salto de qualidade nos mecanismos de mistificação ideológica, por meio do qual se criou uma esfera que concentra em si toda a representação do mundo, substitui a representação real, impede a manifestação do real e impõe o domínio da falsificação. É a essa esfera que Debord denomina espetáculo. Não se trata de uma simples explosão quantitativa do volume de produção e influência da indústria cultural e dos meios de comunicação, mas da conformação de toda uma estrutura que permeia de alto a baixo as relações sociais, da cultura até a política.
A característica central do mundo do espetáculo é a falsificação. O inautêntico se impõe como verdade e bloqueia a aparição do autêntico. Todas as relações sociais trazem a marca da encenação, do inautêntico, do falsificado. O fetichismo da mercadoria se concretiza como império da imagem, da narrativa e da encenação. Tudo é performance e nada é ação. De cada um se espera que cumpra o seu papel.
A ruptura com a ordem espetacular exigirá a ação coletiva e a afirmação de indivíduos reais capazes de estabelecer relações autênticas. As rupturas parciais, que não afetam em profundidade a ordem do capital, acabam sendo assimiladas pela lógica do espetáculo. Os fatos são deglutidos pelos factóides. A função do espetáculo é sobrepor-se ao fato e torná-lo incompreensível, ou pior do que isso, inacessível à consciência.
O recente fato acontecido na faculdade Uniban e sua transformação em espetáculo expõe/oculta várias camadas de falsificação nas quais estão enredadas as relações sociais na atual etapa histórica de capitalismo mundializado e em plena crise estrutural.
No dia 22 de outubro de 2009 uma estudante do curso de turismo da faculdade Uniban, do campus de São Bernardo, foi vítima da agressão de centenas de colegas por estar usando um vestido curto. Geisy Arruda foi cercada por gritos, xingamentos, ameaças de estupro, e teve que sair da faculdade escoltada por policiais. As cenas da agressão vazaram para a internet e se tornaram domínio público. O incidente ganhou as proporções de um escândalo e se transformou em assunto nacional.
As engrenagens da indústria cultural digeriram implacavelmente mais esse incidente, encaixando-o por fim no script pré-fabricado da moça-pobre-injustiçada-que-consegue-15-minutos-de-fama-e-desaparece. Conforme o interesse do público na celebridade-mercadoria do momento arrefece, um novo episódio-escândalo-entretenimento passa a ser demandado para se tornar o assunto público. Por conta de mecanismos como esse, é provável que o destino de mais essa celebridade instantânea seja o mesmo de outros “famosos descartáveis” que retornam para o anonimato de onde nunca deveriam ter saído tão logo o interesse do público é dirigido para outro foco. Por trás do giro interminável das máquinas desse show de horrores e espuma sem conteúdo, se desenvolvem tendências que revelam mutações no estado ideológico da sociedade. São essas tendências que devemos examinar mais atentamente.

O fato e o contexto

No momento da sua maior audiência, as proporções do escândalo na Uniban foram amplificadas pela atitude da própria direção da faculdade, que puniu a vítima com a expulsão. A maioria dos alunos apoiou a expulsão, mesmo os que não participaram da agressão. A repercussão negativa contra a expulsão foi geral. A resposta contou com pressões vindas até do Ministério da Educação, que forçou a faculdade a voltar atrás e readmitir a estudante. Mas o estrago já estava feito. A Uniban já havia ganho o apelido de “Unitaliban”, por ser intolerante, ou “Unibambi”, por não gostar de mulheres com roupas curtas. Empresas começaram a recusar currículos de estudantes vindos dessa faculdade (e coloca-se a seguinte interrogação: os currículos provenientes da Uniban estão sendo recusados porque o incidente mostrou que os seus estudantes e dirigentes são intolerantes? Ou porque mostrou que seus estudantes se parecem com a vítima em questão? Ou as duas coisas ao mesmo tempo?).
Vejamos mais de perto o que é de fato a Uniban. Trata-se de um simulacro de faculdade em que se vende uma mercadoria, um simulacro de educação superior, produto certificado por um diploma, cujos compradores acreditam que servirá como via de acesso para uma carreira, uma profissão na qual se projetam as esperanças ilusórias de sucesso material e acumulação de riqueza (capital em reprodução ampliada), processo que é apresentado como sendo o ápice da realização humana, ou seja, o ideal de felicidade em nossa época.
Os clientes da loja de diplomas da Uniban são oriundos da pequena-burguesia e de estratos superiores da classe trabalhadora. Eventualmente, alguns filhos de camadas mais baixas do proletariado conseguem ingressar também na faculdade, à custa de grande esforço pessoal e familiar. É o caso da própria Geisy, moradora de um bairro periférico de Diadema, filha de pais trabalhadores braçais e ela própria balconista de uma loja. Quanto à burguesia, esta evidentemente tem suas vagas garantidas nas instituições universitárias públicas, nas quais ainda se pratica algo semelhante ao ensino superior real, e nas quais um número muito menor de integrantes das classes subalternas consegue penetrar.
Todos enxergam a faculdade como uma via para a ascensão social, não porque a instituição universitária oferece algum conhecimento real sobre o mundo, mas porque fornece um verniz de “formação profissional” devidamente certificado pelo diploma, que é na realidade o objetivo final. Os professores, as aulas e o conhecimento em si são na verdade obstáculos que se interpõem entre os compradores (supostamente estudantes) e o vendedor (supostamente uma faculdade) numa transação comercial ordinária. Isso tudo é sintetizado por uma piada célebre nas faculdades particulares: “os alunos querem comprar o diploma, a faculdade quer vender, e o professor é o obstáculo no meio do caminho”.
A irritação dos estudantes da Uniban com a sua colega se deve ao fato de que a repercussão negativa desvalorizou a mercadoria em que estão empenhando seu tempo e dinheiro, o ambicionado diploma, que agora se transformou em uma mancha em seus currículos. Por isso houve grande apoio dos estudantes à tentativa de expulsar Geisy por parte da reitoria, a qual, por sua vez, estava também tentando preservar a atratividade da mercadoria que está vendendo, movimento que acabou saindo pela culatra.
Quanto a Geisy Arruda, o incidente a arremessou no redemoinho da indústria de celebridades, o mundo das revistas de fofocas e programas de TV que vivem de expor a intimidade (combinada com o exibicionismo calculado) de modelos, artistas de TV, esportistas, empresários, políticos, arrivistas, aventureiros, alpinistas sociais e oportunistas de todos os tipos. A indústria do entretenimento é sempre bastante ágil na busca de carne fresca para oferecer ao apetite do público. Geisy foi cotada para revistas masculinas, filmes pornô e desfiles de escola de samba.
Do ponto de vista do público espectador do espetáculo, Geisy deve fazer exatamente o que a indústria espera que ela faça, ou seja, aproveitar sua exposição na mídia para faturar. Se alguém fica famoso, é porque quer ganhar algum dinheiro em cima disso, raciocina o público. A narrativa-padrão em que o episódio está sendo encaixado inverte a ordem dos fatos, transformando a vítima em autora de alguma espécie de golpe. A estudante teria provocado o incidente propositalmente para obter algum tipo de notoriedade, a partir da qual poderia extrair algum lucro. O investimento da mulher em seu corpo-mercadoria (academia, salão de beleza, roupas e acessórios) deve obter seu retorno. Não há outro comportamento a se esperar da mulher que não o de encontrar alguma forma de vender seu corpo (ver textos do blog maçãs podres de 5, 8 e 15 de novembro de 2009 – http://nucleogenerosb.blogspot.com/).

A lógica da mercadoria e a ética de Big Brother

O instinto comercial e o pragmatismo explicam as reações da comunidade da Uniban a posteriori e também a interpretação do público sobre o comportamento de Geisy. Mas o que explica o fato em si na sua origem, ou seja, a agressão que vazou para a internet e se transformou em escândalo? Por que Geisy foi hostilizada a ponto de precisar de proteção policial? O que há de tão extraordinário no vestido curto? Não se trata do mesmo tipo de traje que todos estão acostumados a ver nas ruas? E mais, não estão todos acostumados a ver mulheres com muito menos roupa a cada minuto na televisão? Os estudantes da Uniban são simplesmente machistas? São talibans ou bambis que não gostam de mulheres com pouca roupa? A juventude retrocedeu para antes dos anos 60, antes da chamada “revolução sexual”, e se tornou conservadora?
Essas hipóteses são parcialmente verdadeiras, mas o conservadorismo puro e simples não explica todo o fenômeno. Há algo mais sinistro do que puro e simples conservadorismo tradicional em cena. Esse exemplo de proto-fascistização da juventude não é um fato isolado, e é produto de certos aspectos peculiares da situação histórica em que vivemos e suas correspondentes narrativas ideológicas.
A forma-mercadoria é a célula básica da sociabilidade burguesa e matriz de todas as relações sociais. O sexo é também uma mercadoria, algo que as mulheres devem vender (tornando-se atraentes, ao custo de grande sacrifício, e ao mesmo tempo seletivas, repelindo os homens, exigindo provas de compromisso e viabilidade material em troca de oferecer seu corpo aos vencedores) e os homens devem comprar (prometendo casamento, fidelidade e estabilidade material, provando que são economicamente capazes de prover um lar de contos de fadas). Toneladas de moralismo religioso, ideologia romântica e hipocrisia social costuram essa relação entre matrimônio e patrimônio, colaborando para a imposição do consumismo como razão de viver, elemento fundamental do conformismo geral que anestesia os trabalhadores na sociedade capitalista.
No mundo da vendabilidade universal, as mercadorias devem ser trocadas pelo seu valor equivalente. Essa lei absoluta da esfera da circulação foi de alguma forma transgredida pela estudante de turismo ao expor seu corpo daquela forma, o que explica a reação das demais concorrentes no mercado. Geisy teria supervalorizado seu corpo-mercadoria, buscando se sobressair na competição por meios espúrios. Ela “apelou” ao usar o traje que foi pivô da agressão, e foi punida por ter saído do seu “devido lugar”. A lógica social que motivou a agressão mistura repressão sexual, machismo, discriminação (elementos do velho conservadorismo) e uma nova espécie de ética mercadológico-comportamental. Esse fascismo de mercado aparece no nível das consciências por meio de uma “ética de Big Brother”, e aqui nos referimos não ao personagem do “1984” de Orwell, mas ao do programa de TV (embora este seja indubitavelmente uma das faces contemporâneas daquele).
O Big Brother da TV sintetiza a concorrência entre os indivíduos na competição por exposição no mercado. Os participantes do jogo são julgados pelos espectadores, que aprovam ou rejeitam as estratégias por meio das quais os jogadores tentam se destacar: há os “bad boys”, os “santinhos”, os “manipuladores”, etc. Os critérios pelos quais os espectadores julgam essas estratégias para escolher os vencedores do show são os mesmos pelos quais esses mesmos espectadores são julgados numa dinâmica de grupo ou numa entrevista para vaga num emprego. É preciso ser ao mesmo tempo firme e humilde, ousado e contido, autêntico e comedido, etc. Uma série de exigências comportamentais contraditórias desafiam os participantes, sempre em busca de um equilíbrio impossível entre estratégias de competição simultâneas e mutuamente excludentes. O Big Brother da TV é a forma dramática condensada do ambiente das agências de emprego (ver o texto “My Big Brother” – http://politicapqp.blogspot.com/2007/05/my-big-brother-o-crtico-de-cinema-da.html em que se desenvolve essa interpretação e se dá o devido crédito ao autor).
A geração de universitários educados pelo Big Brother vivencia as faculdades particulares como uma ante-sala da empresa, com visual de shopping center e códigos morais de agência de emprego. Existem regras por meio das quais os estudantes-clientes devem “vender seu peixe”. Dentro dessa lógica, Geisy teria adotado a estratégia de se vender como mulher-que-tem-o-controle-sobre-seu-corpo-e-faz-com-ele-o-que-quiser. Essa estratégia lhe foi negada pelas demais estudantes, que se sentiram lesadas na concorrência.

O script do fascismo de mercado

A mulher que usa um traje nos moldes do fatídico vestido vermelho é socialmente interpretada tanto pelos homens como pelas outras mulheres como estando “disponível para o sexo”. E aqui é irrelevante determinar se esse estereótipo é ou não compatível com a pessoa em questão. Não importa se Geisy tem um comportamento sexual livre (o qual no caso das mulheres é socialmente valorado de forma negativa e estigmatizado com epítetos como o de “vagabunda”, “vadia”, “galinha”, “puta”, etc.) autêntico e saudável ou se apenas deseja aparentar que o tem. Não importa se se trata de um comportamento real ou de simples aparência, mesmo que a aparência signifique a opção por uma estratégia de exposição que é também uma expressão de alienação e desejo de aparentar algo que não é (um padrão de beleza e comportamento que por sua vez constitui uma submissão a imperativos sociais de dominação impostos sobre as mulheres). Não importa porque não se pode conceder aos seus agressores o direito de reprimir aquilo cuja aparência não lhes apraz.
Isso seria o mesmo que dizer que ela mereceu a agressão, porque provocou, assim como as mulheres que são estupradas provocaram os criminosos por despertarem seu desejo; ou os torcedores que são vítimas dos elementos fascistas nas torcidas organizadas mereceram apanhar porque foram pegos “vacilando” com a camisa de uma agremiação rival no campo esportivo; ou ainda os jovens “emos” mereceram ser agredidos pelos carecas do ABC porque se atreveram a adotar um determinado visual que não os agrada; e assim por diante. Não se pode ser tolerante com a intolerância e o fascismo, e nesse sentido a reação das organizações de esquerda e movimentos de defesa das mulheres foi correta ao organizar manifestações de repúdio contra a faculdade Uniban (embora a compreensão real das organizações de esquerda sobre os elementos psicossociais profundos aqui discutidos seja nula).
Voltando pois ao incidente. As demais estudantes da Uniban negaram a Geisy o direito de se vestir como lhe aprouver. Ela não tem esse direito porque pertence a um estrato mais baixo da classe trabalhadora, porque é filha de migrantes nordestinos, porque não se encaixa no padrão de beleza ariano-anoréxico vigente, porque não é uma autêntica patricinha sarada e malhada, mas alguém que “indevidamente” ousa aparentar sê-lo. O fato de que ela queira aparentar sê-lo é sem dúvida uma expressão da miséria cultural da qual ela é produto e da falta de alternativas da juventude, mas nem por isso os seus agressores tem o direito de perseguí-la, pois isso expressa uma degradação muito mais perversa. Além de tudo, trata-se também de preconceito de classe e racismo. Geisy se atreveu a aparentar distintivos de inserção social que são vedados a sua classe social. Ao proceder dessa forma, ela supervalorizou sua mercadoria no cenário do Big Brother universitário capitalista.
Para que fique bem claro, repetimos o que viemos dizendo nos parágrafos anteriores: a agressão partiu de colegas do sexo feminino (conforme os relatos mais detalhados que circularam depois do escândalo – ver por exemplo http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2088/artigo156256-1.htm). Depois que as mulheres perseguiram Geisy, vieram seus namorados e afins, e depois desses toda a massa que apenas gosta de ver o circo pegar fogo e aproveita qualquer ruptura da rotina para expressar desejos reprimidos e vontade de destruição (“estupra ela”, “vamos estuprar”, gritavam).
As mulheres reprimiram em Geisy aquilo que não tem coragem de expressar através de si mesmas, ou seja, o comportamento sexual livre insinuado pelo vestido vermelho. A transformação do recalcamento psicológico individual em força social repressiva é o mecanismo essencial da psicologia de massas do fascismo. Esse mecanismo hoje está a serviço de um pragmatismo mercadológico mesquinho que enquadra a juventude (uma força social contestadora décadas atrás) no roteiro dramatúrgico barato dos reality-shows, livros de auto-ajuda e manuais de administração de empresas, entre outras formas abjetas da apologética vulgar do capital. A seguir, cenas do próximo capítulo.

Daniel M. Delfino
09/02/2010

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O culto ao nazismo nas bancas de jornais – Daniel Delfino

Uma rápida olhada nas bancas de jornal no mês de julho de 2009 revelou a ocorrência de um fenômeno editorial bastante significativo. Há um “boom” de publicações voltadas para a II Guerra Mundial, para o nazismo em especial, e para a figura de Hitler em particular.
Vejam-se os seguintes títulos:
– II Guerra Mundial – Edição Ilustrada – Campos de Concentração – A estratégia de extermínio de Hitler – Holocausto – Organização do Partido – Campos de concentração – Ed. Escala.
– Especial 70 anos da II Guerra – Grandes guerras – Tudo de novo no front – Dia D minuto a minuto – Ed. Abril.
– Coleção Battlefield – Aventuras na história – DVD – As maiores batalhas da II Guerra numa só coleção – A batalha da Grã-Bretanha – Ed. Abril.
– Stalingrado, um duelo mortal entre Hitler e Stalin – Aventuras na história – DVD – A batalha mais dramática da II Guerra Mundial – Ed. Abril.
– Hitler, simbologia e ocultismo – A história secreta do ditador – Anticristo, Lança de Longinus, Suástica, Nazismo, Forças Ocultas – Ed. Escala.
– Segunda Guerra – A história oficial e seus heróis anônimos – Ed. Universo dos livros.
– História revelada – A lança sagrada de Hitler – Os segredos do nazismo – Origem, filosofia, história, influência, simbologia – Ed. Universo dos livros.
– História ilustrada do nazismo – O poder e as conseqüências – 1933 – 45 – Vol. 2 – Ed. Larousse.
– Atlas II Guerra Mundial – Alemanha vs. Inglaterra – Livros Escala.
– História viva – 70 anos da Guerra Civil Espanhola – Ed. Duetto.
– Edição totalmente ilustrada – HOLOCAUSTO – A estratégia de purificação racial de Hitler – Ed. Escala.
– Hitler e os segredos do nazismo – Vol. 1 – Ed. Universo dos livros.
Aparentemente, isso pode significar uma simples curiosidade “inocente”, um interesse neutro pelo conhecimento histórico. Pode haver uma flutuação cíclica do interesse do público leitor, que vai de temas como o nazismo a outros fenômenos históricos, como as cruzadas ou o império romano. Entretanto, a continuidade dessa observação nos meses seguintes demonstrou a consistência do fenômeno. As publicações sobre o nazismo e Hitler continuaram “em cartaz”, e novas publicações apareceram.
Além disso, um exame mais cuidadoso dos títulos revela também que não se trata de simples curiosidade histórica ou interesse neutro. Títulos como “os segredos do nazismo”, “a mitologia”, “a simbologia”, “a filosofia”, “as sociedades secretas e o nazismo”; não têm nada de inocente ou neutro. São títulos pensados para tornar o objeto mais atraente. Disfarçadamente, o sensacionalismo esconde uma apologia do objeto, ajudando a alimentar o fascínio e o mistério.
Para completar, deparamo-nos com a quase total ausência de um contraponto ideológico a essa avalanche de lançamentos sobre o nazismo. Há um ou outro lançamento sobre Ernesto Che Guevara (ver por exemplo: Superinteressante – Aventuras na história – 50 anos da Revolução comunista – Cuba e Che – revista e DVD – Ed. Abril), e se bem que o Che sempre tenha sido um “fenômeno de vendas”, fato cujo significado ideológico também merece uma boa discussão, há uma esmagadora prevalência da direita sobre a esquerda nas bancas de jornal.
Estamos diante de um verdadeiro culto ao nazismo. É certo que não se pode julgar o livro pela capa. Seria preciso fazer o exame detalhado de cada uma dessas publicações para verificar a linha política que defendem. Certamente, nenhum autor ou editora cometerá a sandice de fazer uma apologia aberta do nazismo. Entretanto, independentemente do conteúdo, a simples aparição desse fenômeno editorial é ideologicamente significativo. As publicações podem até mesmo ser academicamente corretas ao mostrar as atrocidades que o nazismo cometeu, os campos de concentração, etc., mas isso funciona apenas como cobertura para uma apologia indireta do fenômeno. Há um gosto sádico no inconsciente coletivo sendo alimentado por esse tipo de mercadoria “inocente” irresponsavelmente cultivado pela indústria editorial. Para bom entendedor, meia palavra basta. É preciso saber tirar as conclusões políticas desse sinistro fenômeno ideológico em processamento nas profundezas da consciência social.
O aparecimento desse “boom” editorial, se não configura uma apologia explícita do nazismo, pode bem significar uma espécie de culto disfarçado. Se não há uma crítica e uma denúncia do nazismo, uma explicação do seu papel histórico de alternativa extrema da burguesia alemã em face da Grande Depressão, etc., a compreensão fica prejudicada. O leitor desavisado pode ser seduzido pelo apelo do visual, da simbologia, da sofisticada hierarquia do partido nazista, da disciplina, da ordem, da determinação “heróica”, do romantismo, etc.
Não basta a denúncia de que o nazismo exterminou milhões de judeus. É preciso explicar porque a burguesia alemã precisou do nazismo. Na década de 1930, o capitalismo desmoronava a olhos vistos e o desemprego atingia milhões de pessoas em todos os países ligados ao mercado mundial, desde os grandes impérios até as semi-colônias. Do outro lado havia o exemplo da União Soviética (mesmo sob o terror stalinista), com pleno emprego, industrialização e melhoria nas condições de vida. O movimento comunista internacional era uma ameaça concreta para a burguesia, pois mostrava uma alternativa palpável ao capitalismo em plena crise.
O nazismo cresceu explorando exatamente a divisão entre o stalinismo e a social-democracia. As duas principais forças da esquerda não se unificaram para combater a ascensão do nazismo e foram derrotadas nas disputas de rua no início da década de 1930. Hitler construiu um exército com bandos de lúmpens para espancar militantes de esquerda e aplastar sindicatos. Com isso o nazismo tornou-se alternativa para a burguesia alemã. A burguesia francesa e inglesa considerava a revolução socialista uma ameaça maior do que o próprio nazismo. Isso permitiu o rearmamento do imperialismo alemão, que precipitou a guerra.
O nazismo matou milhões de judeus, mas não apenas isso. A II Guerra provocou a morte de dezenas de milhões de trabalhadores de várias nacionalidades, além de outros tantos milhões de feridos e desabrigados, da destruição de recursos e forças produtivas, fábricas, infra-estrutura e cidades inteiras. Foi somente sobre a base dessa destruição que o capitalismo pôde se reerguer da crise mundial iniciada em 1929.
Resgatar essa história (há muitos outros detalhes a serem esclarecidos) é importante no cenário marcado por uma crise econômica que é a mais séria desde a Grande Depressão. Se a Depressão provocou uma destruição do tamanho daquela da II Guerra, algo semelhante pode estar se preparando no nosso presente. Por mais que os ideólogos do sistema digam que a atual crise “está superada”, nenhum dos problemas estruturais do capitalismo foram resolvidos (e nem podem sê-lo dentro dos marcos desse modo de produção). O capital fictício transbordando no mercado financeiro, o endividamento dos Estados, a emissão descontrolada de moeda, o desemprego, etc., são legados dessa crise que continuarão durante vários anos. A burguesia pode responder à insatisfação social por meio da guerra. Basta escolher o adversário: o Irã, a Coréia do Norte, a Venezuela, etc., ou ainda o terrorismo, as drogas, a violência, o crime, etc.
Por isso, não é coincidência o reaparecimento de golpes de Estado, como em Honduras. Assim como não é coincidência o fenômeno editorial do culto ao nazismo. Diante do recrudescimento das ações da direita, nenhuma concessão pode ser feita, sob qualquer forma em que apareça, mesmo as mais aparentemente “inocentes” como publicações sobre o nazismo, ou as ameaças contra uma estudante na Uniban. A disputa ideológica contra a decadência capitalista e suas doentias manifestações proto-fascistas precisa ser feita em todas as dimensões, apontando as alternativas contra as crises, as guerras, a miséria e a barbárie em todas as suas formas, uma alternativa que só pode ser o socialismo.

Daniel M. Delfino
15/11/2009

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O nascimento de um novo movimento operário

O velho movimento operário está em crise e em crise terminal. Aquele movimento operário surgido após a segunda guerra, baseado nos grandes sindicatos, nos partidos parlamentares ditos operários e numa estratégia nacional de luta já não consegue, de nenhum modo, dar respostas aos problemas atuais. Este era um modelo próprio ao período de prosperidade do capitalismo (1945-73), no qual as organizações operárias compunham o esforço de reconstrução do capitalismo (na Europa) ou de modernização retardatária (como na América Latina). Particularmente em nosso continente, a função modernizadora (nacional-desenvolvimentista) da antiga estratégia do movimento, sob controle ou não dos velhos PCs ou outras correntes nacionalistas, baseava-se fundamentalmente na idéia de um desenvolvimento nacional independente a partir de um papel soberano do Estado, o qual deveria participar da economia, desenvolvendo-a e distribuindo rendas. Era uma função histórica semelhante ao que cumpriam, na Europa, os partidos socialistas e comunistas e suas centrais sindicais.

A mundialização da economia que nada mais é do que o controle do mercado mundial por imensas corporações transnacionais deu uma imensa liberdade de movimento ao capital, representando um poder frente ao proletariado ao qual este não pode se contrapor senão superando completamente a estratégia e os métodos de luta tradicionais. Sob este aspecto, o que está em crise não é uma ou outra experiência de luta proletária, uma ou outra corrente política: mas o conjunto do antigo movimento operário, em todos os cantos do mundo.

Como basear a luta proletária nas lutas de categorias, quando a condição para a implantação das sedes das transnacionais são precisamente os baixos salários? Como basear nos sindicatos a organização da classe, se a maioria da classe está desempregada ou em situação precarizada? Como buscar politizar as lutas proletárias e populares tendo como alvo central os governos e Estados nacionais, se o poder real hoje (inclusive no que toca à legislação trabalhista, ambiental, científico-tecnológica etc) está não mais nos Estados nacionais, mas, nas corporações monopolistas transnacionais e suas instituições (OMC, BM, FMI e acordos comerciais regionais)?

O que explica o esvaziamento das antigas formas de organização e de luta de massas, e inclusive a crise das correntes políticas, é, antes de tudo, essas mudanças na realidade e a incapacidade do movimento tradicional de corresponder às novas exigências.

O interessante, no entanto, é que, na crise, está nascendo um novo movimento operário. A manifestação em Seattle (EUA), em novembro do ano passado, durante a abertura da nova rodada do milênio da OMC é um exemplo disso. 5O mil pessoas, de diversas partes do mundo e de diversos setores sociais, atrasaram, durante duas horas, o início da reunião; presidentes e ministros de diversas partes do mundo ficaram presos nos hotéis, sem segurança para saírem; outros, só entraram no Teatro Parammount, onde se realizaria a abertura oficial do evento, pulando janelas, como ladrões de galinha; Clinton foi aconselhado a adiar a decolagem de seu avião. Nas ruas, completamente ocupadas pelas massas, as pessoas festejavam a demonstração de força popular. Uns cartazes diziam: Fechamos a OMC! Um jovem trabalhador, fotógrafo, declarava ao repórter do Le Monde Diplomatique: Viemos aqui porque não queremos mais ser tratados como coisas. Não somos mercadorias. Quem estava lá? Jovens trabalhadores, sindicalistas alternativos, ecologistas, movimentos de mulheres, movimentos de gays e lésbicas, estudantes, pescadores, pequenos agricultores, movimentos de direitos humanos… O que reivindicavam? Contra os baixos salários, o desemprego, o trabalho infantil, o trabalho escravo no Terceiro Mundo, a extinção das tartarugas… E reivindicavam contra quem? Contra a OMC que, segundo afirmavam, é o verdadeiro poder das corporações… A força do movimento foi tão grande que, durante três dias, a Prefeitura local decretou toque de recolher a partir das 18 horas! O interessante, no entanto, é que este não foi a única manifestação. No mesmo dia, 30 de novembro, os sindicalistas e ambientalistas oficiais também fizeram uma pequena, sem massa, em local e ritual acordado com as autoridades… Neste cenário, defrontaram-se claramente o novo e o velho movimento operário.

A organização da manifestação de Seattle se deu a partir das iniciativas dos movimentos que compõem a AGP (Ação Global dos Povos). A AGP é uma articulação mundial, que congrega de forma horizontal e não-hierárquica, movimentos autônomos dos cinco continentes; sua estratégia principal é a unificação na ação e na reflexão dos movimentos de base que, independentes dos Estados e poderes econômicos, se baseiem na democracia direta e na ação direta tendo como alvo o combate mundial ao poder do capital transnacional. Antes dessa manifestação de Seattle, já havia impulsionado a manifestação de fevereiro de 98, em Genebra, durante a reunião do G-7, e, em 18 de junho do ano passado, um dia de luta internacional contra os centros do capital financeiro. A sua próxima atividade é o chamado a realizar em 1º de maio próximo uma nova Ação Global Contra o Capitalismo.

O que há de novo nessa experiência é tanto uma nova estratégia, como novos métodos de organização e ação. Uma estratégia anticapitalista que é inseparável do internacionalismo; um método de luta baseado na ação direta, que é inseparável da autonomia das formas de organização de base. Fundamentalmente, o que esta nova experiência demonstra é a possibilidade de ultrapassarmos positivamente o corporativismo e o nacionalismo, como também a idéia de que a força do movimento depende de quem está na sua direção. Essas novas formas de movimento, no centro e na periferia do movimento, está buscando se basear na auto-organização, numa relação horizontal, sem a velha divisão de trabalho entre dirigentes e dirigidos, especialistas e executantes. Busca ultrapassar a idéia do combate econômico centrado no salário e demonstra que o domínio da economia sobre a vida humana é que é o problema, e problema que se manifesta em todas as áreas da vida social: os direitos humanos, a cultura, a opressão sobre as mulheres, o trabalho infantil, a crise ecológica… como também sobre o desemprego, os baixos salários, os direitos trabalhistas. Está questionando, portanto, o próprio mercado: a mercantilização da vida, das pessoas, da cultura… E não tem mais a ilusão de que o poder está nos Estados nacionais: como tornou-se visível, o Estado não pode mais ser a via pela qual busquemos a emancipação da humanidade; do que se trata, como diz o manifesto da AGP, é colocar nas mãos dos povos os poderosos meios de vida que hoje estão nas das corporações, estabelecendo relações igualitárias e solidárias, sem o objetivo de lucro.

Será que conseguiremos aprender com as novas experiências, nós que viemos de uma tradição marxista que privilegiou sempre as formas tradicionais do movimento operário? Nós que, a despeito do nosso internacionalismo professado, buscamos sempre basear nossos esforços numa estratégia de luta pela tomada do poder de Estado nacional? Nós que sempre acreditamos que o central era nos catapultarmos como direção dos trabalhadores e construirmos nossas próprias organizações dirigentes? Será que não está na hora de estabelecermos uma relação horizontal com o restante da classe, tendo em vista contribuirmos para a sua auto-organização? Não estará na hora de buscarmos dar essa contribuição através das múltiplas formas que o próprio movimento espontâneo da classe está nos apontando: o trabalho de cultura proletário, grupos operários autônomos, organizações autônomas dos precarizados etc? Enfim, não estará na hora de compreendermos na sua radicalidade a afirmação de que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores?

João Emiliano- militante do Contra a Corrente Fortaleza- CE.

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A História … é outros 500!

Com a comemoração eufórica dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, os meios de comunicação e mídia não produzem somente uma falsificação da nossa história, mascaram todo o processo de invasão e ocultam a real situação de exploração, discriminação, preconceito, violência social, destruição de todos os valores humanos e coletivos que sofremos.

A outra marca da campanha Brasil – 500 Anos é seu clima de otimismo conformista sobre o futuro. É o que está embutido na idéia de que o Brasil é um país jovem (?), globalizado, integrado ao primeiro mundo e rumo ao desenvolvimento, o que poderia ser constatado na disseminação de computadores, celulares, TV´s a cabo, turismo, que povoa os sonhos e a vida dos que ainda podem consumir.

Mas, se formos ver, esse otimismo conservador não tem a menor base na realidade dos milhões que vivem do seu trabalho, hoje mais explorados, inseguros e infelizes do que nunca.

O desemprego estrutural bate novo recorde e o rebaixamento dos salários e direitos são a tônica no Brasil como em toda América Latina. Com o emprego de novas tecnologias, terceirizações, etc a super-exploração dos capitalistas ocorre sobre um número menor de trabalhadores com jornadas e ritmos extenuantes e nos mostra uma face bem mais monstruosa do que vemos na telinha ou nos sambas-enredos do Carnaval.

O aumento da discriminação e segregação dos negros, problemas como as drogas, chacinas executadas por grupos de extermínio ou diretamente pela polícia vão se tornando cada vez mais normais.

Quanto ao que restou das comunidades indígenas, o capitalismo lhes impõe a adaptação às suas regras ou a morte, o que já está levando à destruição completa de identidades e tradições muito ricas, mas sem valor para o capital.

Um menor olhar crítico também basta para deixar qualquer um perplexo com as catástrofes urbanas e camponesas (enchentes, desabamentos, poluição ambiental, desmatamentos, efeito estufa, destruição da camada de ozônio) criadas pela civilização do capital. Projetar nosso pensamento para o futuro nos faz sentir um calafrio…A barbárie está batendo à nossa porta!

Sendo assim, toda a euforia dos meios de comunicação a respeito da situação e das perspectivas do Brasil e do mundo só pode corresponder aos interesses dos grandes empresários que tentam passar a imagem de que aqui tudo está bem. No momento em que os 10 mais ricos controlam 50,6% da renda nacional (maior taxa de concentração do mundo).

Como todo rico emergente, procuram festejar o hoje e não pensar nem nos outros seres humanos, nem no amanhã. Presos à sua própria realidade de parasitas, comemoraram o aniversário de um processo de conquista e pilhagens, passando a idéia de que os seus êxitos de dominação são de todos. Querem nos contaminar com suas idéias e valores.

Essa farsa pode ser até eficaz por um período, até que venham os próximos momentos de agravamento da crise econômica hoje varrida para debaixo do tapete.

Hoje, as classes dominantes podem comemorar principalmente o fato de que os trabalhadores e demais explorados brasileiros das diversas etnias e origens não desenvolveram ainda uma alternativa unificada e internacionalizada de resistência e muito menos um projeto de sociedade alternativa ao capitalismo.

Mas, a história não deu sua última palavra. Atravessado por contradições insolúveis e sem oferecer qualquer perspectiva de um futuro digno, esse sistema não é indestrutível como procura se apresentar.

O movimento subterrâneo de experiências e descontentamento se desenvolve e em toda parte vemos que os explorados se recusam a perecer sem lutar. Ainda que desorientada, nossa classe começa a reagir, inventando diversas formas de resistência e organização (os sem-terra, o movimento Hip-Hop, as lutas dos camelôs, dos perueiros, dos caminhoneiros, lutas essas que já não se enquadram nos esquemas sindicais envelhecidos e corrompidos.

Devemos reconhecer que, ao estarmos deste lado, as tarefas não são nada fáceis. Mas não podemos cair no desânimo ou no conformismo. Tão pouco o desespero e o imediatismo conduzirão a bons resultados. É preciso livrarmo-nos dessa herança escravista. Não podemos levar mais 500 anos para mudarmos o rumo de nossa história.

Pensar e lutar por uma saída frente a atual da situação dos explorados e oprimidos exige estudo e atuação nas diversas formas de resistência que se constituíram e ainda sobrevivem contra o processo de dominação e exploração que se implantou no país nesses 500 anos.

As lutas dos indígenas para sobreviverem e dos negros com sua recusa a viverem como escravos; as experiências comunitárias como os quilombos, aldeias indígenas; as lutas dos imigrantes por melhores condições de trabalho e remuneração; as insurreições como a Cabanagem, Canudos, a Balaiada, etc; as lutas da jovem classe operária influenciada pelas idéias libertárias do anarquismo italiano, etc… as experiências das comunidades e guerrilhas camponesas pela terra; a resistência contra a ditadura militar; as lutas sindicais dos anos 70 e 80,etc. As lutas das mulheres pelo fim regime patriarcal, das comunidades camponesas e tantos outros que surgiram nesses anos todos de dominação constituem um imenso patrimônio, geralmente menosprezado pelas esquerdas.

Hoje, cabe aos novos movimentos que se colocam em cena, se coordenarem e atuarem sobre os trabalhadores industriais e de outros setores fortes da economia, no sentido de influenciá-los com suas bandeiras. Também será necessário que os segmentos tradicionais da classe que vive do seu próprio trabalho, por sua vez, estabeleça a unidade com todos esses setores, incorporando suas reivindicações e várias de suas experiências.

A expropriação das máquinas, técnicas e ciências desenvolvidas pelo capitalismo, transformando-as e colocando-as sob a gestão direta e coletiva dos trabalhadores, direcionando o seu uso para o bem estar humano e não para o lucro, é a única forma de assimilar os progressos desenvolvidos sob o capitalismo e fazer com que os estragos humanos e ambientais provocados por esses 500 anos sejam revertidos.

Por outro lado é necessário combatermos o nacionalismo desenfreado e estabelecermos vínculos na direção dos outros países e povos da América Latina, que também são fruto de uma mesma cultura de dominação. Seria necessário retomar a idéia de uma Segunda Libertação latino-americana, desta vez a libertação da dominação capitalista.

Ao nosso ver, duas tarefas hoje se destacam nessa direção:

  • A participação social nas lutas e experiências da classe trabalhadora como seus aliados e impulsionadores e não como seus guias; como seus interlocutores e não como seus mestres; lutando para ajudar a produzir a consciência e uma saída de classe e não como transmissores de uma suposta consciência que julgamos possuir.
  • O reagrupamento internacional dos revolucionários que ganha sentido como forma de multiplicarmos a força e influência das idéias anticapitalistas, socialistas e libertárias com o objetivo de se construir sínteses e não dogmas.

Na verdade o projeto Brasil, 500 anos é a tentativa mais violenta de demonstração de uma nação sem conflitos às custas da falsificação da história e do ocultamento da dura realidade da nossa classe.

500 anos de extermínio e etnocídio;

389 anos de massacre ao negro e a cultura afro;

111 anos de exploração da classe trabalhadora e imposição da cultura capitalista.

Não podemos negar a nossa história, mas, podemos mudar o seu rumo!

Alex e Ira (ABC).

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O remédio amargo do capitalismo

Os aumentos nos preços dos remédios foram tão violentos nos últimos cinco anos, que além de causarem a revolta nos consumidores, obrigaram o Congresso e o Governo a se posicionarem diante do que está conhecido na mídia como o escândalo dos remédios. Até mesmo uma CPI dos medicamentos foi criada na Câmara Federal, e o Ministro da Saúde José Serra veio a público denunciar os abusos da indústria farmacêutica.

Levantamentos feitos pelos Conselhos Regionais de Farmácia e pelo próprio ministério da saúde, apontam aumentos de até 200% acima da inflação de 1994 a 1999. Enquanto isso as matérias primas usadas na fabricação desses remédios sofriam redução de preços nos exterior. Uma exploração covarde contra milhões de brasileiros, principalmente os mais idosos obrigados a usar os chamados medicamentos de uso contínuo.

Globalização que vem de longe

O setor de medicamentos no Brasil é um dos mais internacionalizados da economia, a abertura aqui foi intensificada na década de 70. Hoje os laboratórios que ditam os preços no Brasil são multinacionais. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Química Fina apenas 10% da matéria prima dos remédios é produzida aqui.

Os laboratórios estatais também sofreram um processo de desmonte a fim de limpar o caminho das multis, mas nos que ainda funcionam pode se ver a disparidade de preços. Exemplo são os hospitais federais no Rio de Janeiro, que gastavam R$ 5 milhões nos laboratórios privados, e para os mesmos produtos gastaram R$ 1,8 milhões em laboratórios do Estado.

Diante desse quadro o ministro José Serra e o presidente da CPI Nelson Marchezan (PSDB-RS), fazem discursos demagógicos de indignação, mas apresentam como propostas para reduzir os preços dos remédios a isenção de impostos para os laboratórios e também para a importação de matérias primas. Um verdadeiro escândalo dentro do escândalo! Essas medidas só servem para engordar mais ainda os lucros dessas empresas, reduzindo a arrecadação justamente daqueles que podem pagar. Essa é a resposta do governo FHC e das instituições políticas do capitalismo, cúmplices e agentes dessa exploração.

É preciso transformar a indignação de milhões de brasileiros com tudo o que se relaciona ao setor de saúde em uma campanha contra o capitalismo e seus agentes, é necessário romper com qualquer expectativa de saídas institucionais, construir com as vítimas desse sistema, os diversos segmentos profissionais da área, e o conjunto dos trabalhadores um programa e uma teia de organizações de luta contra a exploração na saúde! Exigir a humanização e a socialização de tudo que se relaciona à saúde pública no Brasil.

Ney Nunes – Coletivo Bandeira Vermelha/ RJ.

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Em quem você vai votar?

Chega este tempo de eleições e uma das principais questões que envolvem a maioria das pessoas que gravita a orbita da esquerda, seja ela a tradicional (PT, PCdoB)  ou a "oficialmente" revolucionária (PSTU, PCO)  é justamente a questão de em quem se vai votar, que tem chances de se eleger, quem comporá chapa com quem, etc. Do lado da esquerda parlamentar oficial, esta questão é de "vida ou morte" literalmente, pois ela dirige seus esforços para este fim em si, que são as eleições, uma vez que ela depende do parlamento para sobreviver. Já a esquerda dita revolucionária faz malabarismo teóricos e escolásticos, evocando os "ensinamentos" (sic) de Lenin, contidos no "Esquerdismo : doença infantil do comunismo" e outros escritos "sagrados" para justificar a sua eterna submissão ao calendário eleitoral. De outro, há uma série de ex-militantes de diversos partidos e grupos de esquerda que frente a atual situação de apatia do movimento de massas e da ofensiva política da direita, embarcam na questão de que tem-se que votar no mal menor, no caso no reformismo do PT, pois este partido pode fazer administrações melhores que a da direita, minorar o sofrimento dos marginalizados, etc. O que fazer ?

 

VOTAR NO PT?

 

            Do ponto de vista do regime democrático burguês, o voto é um dos pilares em que se baseia a "pretensa" legitimidade dos governantes. Neste sentido a farsa (transformada em festa) eleitoral tem como fundamento as campanhas milionárias para ludibriar os trabalhadores em geral e manter a dominação da minoria privilegiada sobre a maioria explorada. As eleições são parte de um mecanismo profundamente complexo de dominação no qual o resultado já se sabe a priori quem será o vencedor, no caso a burguesia, independente de que partido venha ocupar o poder.

            Mesmo se o PT, por exemplo, vier a ganhar as eleições em tal ou qual cidade, seu governo será igual, em essência, ao de qualquer partido burguês, talvez com menos denúncias de corrupção aqui e algumas ações no campo filantrópico ali. Qualquer administração está subordinada primeiro as dominação da burguesia e em segundo às conjunturas econômicas que lhes permitam fazer tal ou qual obra e o PT não foge desta regra. Se compararmos por exemplo, a administração do PT em Santo André e do PSDB em São Bernardo, não se nota diferença alguma, seja no quesito de obras, seja na relação com os trabalhadores do funcionalismo, seja na organização dos trabalhadores. Tanto uma como outra fizeram obras que privilegiaram a classe média e a burguesia, focaram esforços em reduzir os custos da máquina administrativa para pagar as dívidas com os banqueiros, reprimiram e arrocharam o salário do funcionalismo e estiveram a todo o momento contra a auto organização dos trabalhadores e suas lutas. É óbvio que não poderia esperar outra coisa tanto do PSDB como do PT, aquele por ser um partido burguês declarado e de não ter dúvidas de que lado está na luta de classes. Ao PT, que dizem Ter uma base "operária", a muito tempo é um partido social democrata típico, inimigo da auto organização dos trabalhadores e do socialismo, com profundas relações com setores da burguesia, apesar d0esta nutrir uma certa desconfiança em relação a esse partido.

            Neste sentido, votar no PT é hoje uma escolha ilusória dentro da ilusão que são as eleições. Se este partido vai ou não fazer  obras ou combater a corrupção, se ganhar as eleições, não depende da vontade partidária e sim da sua relação com os interesses da burguesia. E o fato de fazer obras, que tem sido observado, não torna este partido melhor que os outros uma vez que estas obras primeiro tiverem como objetivo melhorar a infra estrutura das cidades para o desenvolvimento dos negócios capitalistas e em segundo lugar, aquelas pequenas obras populistas que foram feitas junto aos setores marginalizados, tiveram como objetivo a construção de currais eleitorais e de impedir a auto organização dos trabalhadores.

 



A ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA OFICIAL E AS ELEIÇÕES

 

            Do lado da ultra esquerda oficial, a questão é aparentemente mais complexa. Aparente porque o objetivo de concorrer na eleições é o mesmo que de qualquer partido : eleger. Como não tem chances de chegar a cargos executivos, foca toda sua ação nas eleições para vereador e deputado. Esta opção pela necessidade desesperada para eleger de pelo menos um vereador está ligada a uma questão também de vida ou morte para estas organizações que é manter, com o dinheiro do parlamento os inúmeros profissionais partidários que segundo a pseudo tradição leninista, devem se dedicar integralmente a revolução. Como o número de militantes dispostos a sustentar burocratas vem diminuindo, cada vez mais estas organizações giram em função do calendário eleitoral, seja das eleições normais ou para as direções sindicais, outra fonte de renda para estes partidos.

E o mais incrível são os argumentos apresentados para esconder esta realidade e justificar a eterna participação nas eleições. Nas discussão preparatórias, são feitos textos e textos com centenas de citações de Lenin sobre participar das eleições, como participar, que é um crime não participar, que na eleições esta a oportunidade de ouro de fazer política, etc ,etc,  etc.

Mas surge a questão: mesmo assim, por que não votar nos candidatos da esquerda revolucionária ? por que não fortalecer um "polo revolucionário de esquerda e dos trabalhadores" frente ao reformismo do PT e frente aos partidos burgueses?

Por simples razão: através das eleições não é possível formar pólo revolucionário algum. As eleições, como foi dito anteriormente, são uma farsa sobre o controle da burguesia. Nelas se concentram toda a mentira, a hipocrisia e a desilusão com a política em geral. Isto não é sem razão uma vez que para a burguesia quanto menos discussão, projetos, idéias forem debatidas, melhor. Não é a toa que as campanhas eleitorais são um circo. Acreditar que se pode discutir com os trabalhadores nesta época é um duplo engano. Primeiro que não só deve procurar os trabalhadores neste época, como fazem os outro partidos; segundo que muitos trabalhadores estão cheios de serem enganados pelos mesmos partidos.

 

O FAZER NAS ELEIÇÕES?

 

Neste marco fica a pergunta: o que fazer frente as eleições uma vez que a maioria de uma forma ou de outra vai ou fazer campanha ou votar?

Como fica claro do nosso ponto de vista as eleições são um engodo e que independente em quem se vote, a vida continuará a mesma para os explorados. Por outro lado há a necessidade de que os revolucionários procurem cavar no meio desta situação difícil do movimento de massas em espaço para que suas idéias cheguem aos mais explorados da sociedade, pois são eles quem acabarão com a exploração.

A primeira questão que salta aos olhos como necessidade para uma genuína ação revolucionária é romper com a passividade dos movimento de massas e dos mais destacados ativistas. É romper com as formas alienadas de militância e de ação, de subordinação política e sindical. Para isso o papel dos revolucionários é se inserir nas estruturas sociais dos explorados principalmente os bairros populares e nas estruturas sociais (escola, trabalho, etc) para a realização de um trabalho de conscientização e de organização, interessada somente em que estes trabalhadores tomem em suas mãos suas lutas.

A Segunda questão é a denúncia sistemática e em todos os momentos das estruturas de poder. Um trabalho pedagógico está por ser feito uma vez que pouco tem sido feito neste campo e há espaço para isso pois muitos  trabalhadores e jovens estão desiludidos com as eleições e partidos. Canalizar este descontentamento para forma progressivas de organização e consciência é um dever em primeira instância para os revolucionários.

E em terceiro lugar realizar uma CAMPANHA PELO VOTO NULO como forma de materializar a denúncia do regime democrático burguês e dos partidos em geral. Uma campanha que esteja centrada em levar as setores de massa as nossas idéias sobre o sistema, regime e governo, rompendo com a passividade e alienação que significam as eleições. Podemos fazer plenárias, palestra, pixações, panfletos, sobre o tema. Podemos fazer uma verdadeira campanha contra as eleições. Cabe aos revolucionários empunhar esta bandeira. 

 

           

 



Recebemos esta carta da direção do PSTU do MS e a publicamos, conforme o pedido, na integra. O companheiro Marcio Cabral não quis responder, pois acredita que a carta é, na verdade, a confirmação do que foi dito na matéria publicada no jornal anterior sob o título “Zeca do PT (do PSDB,…)

 

Esclarecimentos- PSTU- Regional Campo Grande/MS

Campo Grande (MS), 12 de Maio de 2000.

Prezados Companheiros do "Espaço Socialista",

Solicitamos aos companheiros a publicação no próximo número do Jornal "Espaço Socialista" da matéria abaixo lançada, matéria esta concernente a esclarecimentos quanto à opinião formulada por Márcio Cabral, constante no nº 1 de abril/2000 respectivo:

Com relação ao artigo Zeca do PT (do PSDB, do PFL, do PPB, do PTB, das construtoras…), escrito por Márcio Cabral, oportunidade em que foi feita alusão ao papel do PSTU de Mato Grosso do Sul quanto à campanha eleitoral do candidato, à época, Zeca do PT (eleições de 98), dito artigo merece os esclarecimentos seguintes:

No Estado nós não coligamos com quaisquer Frentes e/ou Partidos, tendo lançado, portanto, nossos candidatos em legenda única, tanto para o cargo majoritário de Senador, quanto para os proporcionais, quais sejam, Deputado Federal e Deputados Estaduais.

No que concerne ao Cargo de Governador, não tendo sido lançado candidato para o mesmo, o PSTU, após ampla e democrática discussão em sua base, deliberou pelo chamado "Voto Crítico" ao candidato da Frente Popular, com exigências e denúncias diretas para que este (Zeca do PT) rompesse com os Partidos Burgueses. Portanto, não houve apoio "de fora" àquela Frente.

O programa do PSTU se diferenciou sim da Frente Popular supramencionada, tendo em vista ter destacado com amplitude as caracterizações das candidaturas lançadas pela direita, o ataque aos trabalhadores do Governo de FHC e as mazelas do neoliberalismo com a política do FMI (…), mesmo o programa ter sido bancado pelo PT.

Denunciamos com veemência, através de farto material de campanha distribuído em escolas públicas, em Universidades e nos locais de trabalho de seus militantes, o caráter burguês de dita Frente Popular.

Após a eleição de 98, não houve tal crise total, não perdendo vários de seus filiados diretamente para o aparato do Governo. O que houve, isto sim, foram afastamentos de três militantes por razões diversas que não crise política e, inclusive, o afastamento do próprio companheiro Márcio, sendo que os filiados democráticos são os que estão no Governo..

Mesmo com a ironia do companheiro Márcio, de fato o PSTU chama o PT e o Pc do B (e também o PCB) para compor uma frente classista ("vala comum"), pois os considera Partidos Operários, até porque suas fileiras são formadas pela grande massa trabalhadora e estudantil. Dessa forma, é questão de visão política e estratégica quanto à formação de uma frente classista. Se o comp. Márcio não mais comunga dessa idéia …

E mais… o que muito nos estranha hoje na matéria citada é que o "camarada" Márcio (ainda o consideramos integrante do campo revolucionário) se esquece o que é tática, estratégia e, até mesmo, como diferenciar um partido revolucionário do "ponto conspirativo" (para jogá-lo na vala comum) da institucionalidade burguesa do partido legal exigido por sua via eleitoral a qual somos obrigados a participar com toda essa compreensão que temos (do que fazermos quando lá porventura chegarmos).

Entendemos que esta é a discussão mais correta e coerente a ser feita entre revolucionários.

Por fim, não há quaisquer militantes do PSTU exercendo cargos no Governo Popular encabeçado pelo PT.

PSTU – Regional Campo Grande/MS

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