Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Relação partido e movimento: um debate atual e necessário

A relação Partido e Movimento é um tema crucial na luta pelo socialismo. A depender da concepção sobre o tema tem consequências graves para a luta de classes, como a "apropriação" das entidades do movimento pelo partido. Esse é um debate fundamental para os ativistas e para as organizações revolucionárias. Internamente também fazemos esse debate e como contribuição, publicamos o texto do companheiro Márcio da Oposição Bancária de São Paulo. Ao mesmo tempo convidamos os demais companheiros para participarem desse debate.

As diversas tradições trotskistas tem como um ponto comum a idéia de que é necessário construir o partido revolucionário, como garantia de que a a revolução socialista seja bem sucedida. Essa idéia, que em si está correta, tem sido aplicada de uma maneira unilateral, como se a única tarefa fosse a construção do partido, a qual acaba se sobrepondo às necessidades do movimento socialista como um todo. O objetivo desse texto não é evidentemente fazer um balanço do trotskismo na sua totalidade, mas discutir um aspecto problemático da atuação da maior parte das correntes trotskistas, a sua concepção da relação entre partido e movimento.

Quando Trotsky disse em 1938 que "a crise da humanidade é a crise de sua direção revolucionária", essa afirmação tinha o sentido de apontar para o fato de que o proletariado como classe revolucionária capaz de trazer uma alternativa societária para a humanidade estava em crise, e essa crise incluía a ausência de uma organização política. Foi para suprir essa ausência que o grande dirigente revolucionário lançou a iniciativa da construção da Quarta Internacional. Na visão de Trotsky, a função da IV seria liderar uma revolução política que derrubasse o stalinismo dos "Estados operários burocratizados", retomando a construção do socialismo sobre uma base social já transformada.

Deixando de lado as questões a respeito da validade da caracterização da URSS e seus satélites como "Estados operários burocratizados" e da revolução anti-burocrática ser concebida exclusivamente como "revolução política" pelo fato de já se ter uma base social supostamente socialista; o fato é que as diversas correntes que reivindicam o trotskismo passaram a ter como eixo praticamente exclusivo de sua ação a construção de um "partido revolucionário marxista-leninista-trotskista" para tomar o poder.

Em nome dessa preocupação exclusiva, deixou-se de lado o estudo das condições concretas e a ação sobre a consciência do conjunto da classe trabalhadora. Quando aconteceu o desmantelamento da URSS, surgiu no movimento trotskista a caracterização (cuja versão mais acabada está nas "Teses de 1990" da LIT) de que estava aberta uma nova etapa revolucionária, pois havia sido removido o maior obstáculo para a revolução, que era a burocracia stalinista. Essa caracterização mecanicista e superestrutural ignorava o elemento estrutural central que era a defasagem na consciência da classe trabalhadora dos países do ex-bloco soviético, ou seja, a ausência de uma consciência socialista sobre a qual se poderia edificar um partido revolucionário. Essa caracterização equivocada e os apelos vazios à construção do partido para tomar o poder, num contexto de derrotas objetivas e retrocessos subjetivos da consciência da classe em nível mundial, foram responsáveis por desnortear e "quebrar" toda uma geração de militantes. A despeito disso, as correntes trotskistas continuam reivindicando a construção do partido como se nada tivesse acontecido na consciência da classe. Quanto mais a crise de direção se tornava patente como algo mais profundo e estrutural, uma crise da alternativa socialista, mais essas correntes se apegam à obsessão da construção do partido como a um dogma religioso (com o agravante de que cada militante acredita que o seu partido é "o escolhido" pela revolução para guiar a classe trabalhadora à vitória. A partir disso, os partidos passam a ter uma relação estranha com os organismos de luta da classe, como se o movimento operário e seus organismos fossem um "mercado" de militantes a serem disputados pelas organizações revolucionárias para o crescimento do partido, tal e qual os capitalistas se engalfinham na disputa de mercado para seus produtos. Essa prática está na origem da divisão da esquerda. Como cada organização socialista vê a outra como concorrente, vale tudo nesta disputa. Valem desde manobras para que a base não participe, usurpando a vontade dos trabalhadores, até encaminhar propostasSS, surgiu no movimento trotskista a caracterização (cuja versão mais acabada está nas "Teses de 1990" da LIT) de que estava aberta uma nova etapa revolucionária, pois havia sido removido o maior obstáculo para a revolução, que era a burocracia stalinista. Essa caracterização mecanicista e superestrutural ignorava o elemento estrutural central que era a defasagem na consciência da classe trabalhadora dos países do ex-bloco soviético, ou seja, a ausência de uma consciência socialista sobre a qual se poderia edificar um partido revolucionário. Essa caracterização equivocada e os apelos vazios à construção do partido para tomar o poder, num contexto de derrotas objetivas e retrocessos subjetivos da consciência da classe em nível mundial, foram responsáveis por desnortear e "quebrar" toda uma geração de militantes.

A despeito disso, as correntes trotskistas continuam reivindicando a construção do partido como se nada tivesse acontecido na consciência da classe. Quanto mais a crise de direção se tornava patente como algo mais profundo e estrutural, uma crise da alternativa socialista, mais essas correntes se apegam à obsessão da construção do partido como a um dogma religioso (com o agravante de que cada militante acredita que o seu partido é "o escolhido" pela revolução para guiar a classe trabalhadora à vitória.

A partir disso, os partidos passam a ter uma relação estranha com os organismos de luta da classe, como se o movimento operário e seus organismos fossem um "mercado" de militantes a serem disputados pelas organizações revolucionárias para o crescimento do partido, tal e qual os capitalistas se engalfinham na disputa de mercado para seus produtos. Essa prática está na origem da divisão da esquerda. Como cada organização socialista vê a outra como concorrente, vale tudo nesta disputa. Valem desde manobras para que a base não participe, usurpando a vontade dos trabalhadores, até encaminhar propostas do partido DIRETAMENTE no movimento, sem passar pelos fóruns deliberativos dos organismos da classe. Também é comum colocar como condição para a unidade o controle (maioria) sobre a direção das entidades do movimento. Discutiremos a seguir três exemplos relacionados a atitudes de três organizações em acontecimentos recentes do movimento: PSOL, PSTU, e LER-QI.

Antes de desenvolver os exemplos acima, é preciso deixar claro que: 1-os casos relacionados aos partidos acima são apenas exemplos, pois a prática de aparelhar os organismos do movimento é disseminada por toda esquerda; 2- o Espaço Socialista não vê tais siglas como inimigas, mas como aliadas, por terem um projeto estratégico socialista. A divergência paira sobre a relação que os partidos tem com o movimento, que entendemos ser equivocada.

Sob a alegação de combate ao burocratismo de seus militantes, que também são dirigentes sindicais no Rio Grande do Norte, o PSTU colocou como condição para que permanecessem no partido a renúncia à direção do sindicato para o qual foram eleitos pelos trabalhadores. Em respeito à soberania da base, os dirigentes sindicais optaram por permanecer nas direções dos sindicatos e saíram do partido.

Não entraremos no mérito da caracterização da direção nacional do PSTU sobre o burocratismo dos diretores sindicais, mas sim no problema de método que está em exigir a renúncia dos diretores sindicais em fóruns estranhos aos do organismo de luta dos trabalhadores, no caso, o sindicato. Isso é um atentado à democracia operária e não contribui para a educação das massas. Para se ter uma luta conseqüente contra a burocratização, o máximo que o partido poderia fazer seria expulsar os dirigentes burocratizados e denunciar perante a base os desvios desses dirigentes, travando a luta política para que os trabalhadores, de forma consciente, destituíssem os diretores tidos por burocratas. O PSTU optou por simplesmente desligá-los, o que revela que para o partido é normal fazer ingerências nos organismos de classe onde seus militantes exercem função de direção ou são maioria, como alguém que dispõe livremente que é "seu".

O PSOL, que é a direção política da INTERSINDICAL, coloca uma série de óbices para fazer unidade com a CONLUTAS, cuja direção é do PSTU, numa frente sindical e de movimentos populares. As diferenças "políticas" estão em torno da definição de qual organização terá maioria e de saber se há espaço suficiente para acomodar os maiores quadros de cada partido. Setores do PSOL claramente aparelhistas (sobretudo aquelas correntes que são aliadas da Articulação, como as que fizeram chapa com a burocracia nas eleições para os sindicatos dos bancários de São Paulo e do Rio), não querem saber de unificação, com medo de perder os seus cargos. Usam o movimento em proveito próprio.

No caso do Encontro dos Trabalhadores do ABC que deliberou pela construção do Comitê Contra o Desemprego e a Exploração Capitalista, a Liga Estratégia Revolucionária Quarta Internacional (LER-QI) colocou como condição para sua participação no Encontro o critério de que os participantes fossem delegados eleitos na base, ao invés de uma participação aberta a todos. Como a sua proposta foi derrotada, a organização se retirou da construção da unidade da região do ABC Paulista. No caso, o critério da eleição foi apenas uma desculpa para não participar, uma vez que os companheiros consideram, de forma equivocada, que o Comitê é um aparelho a serviço da construção do próprio Espaço Socialista, que é um dos seus maiores impulsionadores. Ou seja, a LER-QI não participou da construção do Encontro porque entendeu que isso significaria construir o ES e não ela própria. Ao invés de aproveitar a oportunidade para educar os trabalhadores e construir o movimento em conjunto com outras organizações, a LER-QI optou por se retirar ao perceber que não poderia "tirar proveito" do movimento.

Finalmente, no processo de formação de chapas para o diretório acadêmico da FAFIL (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Fundação Santo André – FSA), o grupo formado pelo Espaço Socialista e independentes, ligados à gestão anterior do DA e que aglutina os principais ativistas do movimento de 2007 e 2008 (o qual culminou no afastamento do antigo reitor); propôs uma convenção aberta para formação de uma chapa unitária da esquerda, com base em um programa mínimo e em princípios elementares de independência de classe, como não aceitar dinheiro da reitoria para financiar a ida de delegados da FSA para o Congresso Nacional de Estudantes. PSTU e LER não aceitaram esses critérios e a esquerda concorreu em três chapas separadas. Isso expôs os estudantes da FAFIL à possibilidade de ter o DA dirigido por uma 4ª chapa, composta por estudantes dos cursos politicamente hostis ao movimento. Felizmente, apesar da divisão da esquerda, a chapa composta pelo Espaço Socialista e independentes foi eleita.

O papel do partido no movimento

Também consideramos que a construção do partido revolucionário é necessária, mas para nós o partido deve estar a serviço do crescimento do movimento. Não se trata de marginalizar o papel do partido, nem de subordiná-lo ao movimento, mas de fixar de forma clara os limites de atuação dos partidos nos organismos de luta da classe trabalhadora. Assim, consideramos errado que os partidos encaminhem suas propostas sem passar pelo crivo dos organismos do movimento, ou seja, pelas assembléias e instâncias deliberativas de base.

Esse tipo de postura faz com que muitos trabalhadores abandonem a luta, porque se sentem como marionetes na disputa entre os partidos, como objetos de disputa das organizações. Muitos trabalhadores também se frustram por não serem ouvidos, não terem participação na construção do movimento, não terem influência na direção do movimento, pois tudo é decidido nos fóruns internos do partido que dirige a entidade, e as decisões já vêm "prontas" de cima para baixo.

Isso não significa que os partidos não devam participar dos movimentos. Pelo contrário. É um dever dos partidos inserir- se nos organismos de luta da classe, mas com um papel muito bem definido, que é o de educar a classe trabalhadora para a tomada do poder. Assim, o partido tem uma função precisa no movimento, mas não pode de substituí-lo.

A unidade entre os lutadores é um princípio a ser seguido por todos os partidos, pois isso é necessário para que os trabalhadores tenham uma referência, um movimento no qual possam se engajar e se colocar como sujeitos do processo histórico. A necessidade da unidade deve estar acima das preocupações desta ou daquela organização em particular de ser maioria ou minoria nas entidades e nos fóruns da classe. Nós do Espaço Socialista não cansamos de chamar o PSOL e o PSTU para construir um fórum de resistência à crise no ABC, mesmo estando conscientes de que seríamos minoria. Mais tarde este fórum viria a ser o Comitê Contra o Desemprego e a Exploração Capitalista, ao qual o PSTU e outras organizações não se integraram. Mesmo assim, continuamos chamando todas essas organizações para construir um polo político na região que tenha um caráter de oposição classista contra a burocracia, ainda que em tal polo o Espaço Socialista seja minoria. Para nós, o mais importante é construir e educar a base, para que ela, sim, seja o sujeito da história.

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Cem dias da gestão Obama: a lógica segue a mesma

O governo Obama, contrariando as expectativas daqueles que embarcaram na atmosfera de mudança de sua campanha eleitoral, já completou mais de cem dias à frente do maior império da história humana, demonstrando claramente o que pretende continuar fazendo no comando da Casa Branca.

Não podemos observar seus primeiros três meses de governo sem lembrar que o sistema eleitoral que lhe deu legitimidade para governar é ainda um dos menos democráticos que existem na Terra, pois um colégio eleitoral em que apenas 538 membros escolhem, em nome de mais de 300 milhões de pessoas, o presidente do país mais rico e perigoso do planeta revela a incoerência entre o ideal de democracia exercido pelo povo estadunidense e aquele utilizado pelas forças armadas para invadir o Afeganistão e o Iraque e chantagear a Coréia do Norte.

Não podemos esquecer que os EUA são governados por uma elite política que se viu alçada a dirigente de metade do mundo desde o fim da 2° Guerra Mundial e pretensamente do mundo inteiro após a queda da União Soviética. A escolha por essa elite de um homem negro e não descendente direto da oligarquia é significativa como indicação de até onde ela pode ir para garantir a aplicação de seu projeto de Estado. Mas não podemos nos enganar, esse projeto visa garantir os interesses de uma elite que, por ironia ou não, é formada por brancos.

Travestir a realidade de ilusões sempre foi necessário para qualquer elite em qualquer parte do mundo para seguir dominando. O discurso de mudança sem dizer para onde também já foi utilizado muitas vezes antes. A novidade no caso da eleição de Barack Obama era ele próprio. Após dois mandatos de George Bush (filho) e de se esgotar uma política escancaradamente imperialista, fez-se necessário para a elite estadunidense reciclar suas formas de dominação. Para tanto, não foi preciso fazer nenhuma concessão política ou econômica aos trabalhadores ou às minorias oprimidas, bastou escolher um candidato que tivesse a constituição física de alguém que foi historicamente oprimido, caso dos negros e mulçumanos em um país de maioria branca e protestante, para com isso representar a mudança. Os acordos e alianças com as organizações populares, compromissos programáticos e demais propostas políticas e econômicas para embasar uma proposta realmente progressista foram substituídos por uma calorosa recepção da mídia e pelo apoio das celebridades do cinema.

Na verdade, quem venceu a disputa eleitoral que levou Obama a Casa Branca foi a mesma elite vinculada ao petróleo, às indústrias militares e aos grandes financistas que vêm ditando os rumos estratégicos dos EUA, ora com o Partido Republicano, ora com o Partido Democrata. O controlado processo eleitoral estadunidense serviu para que essa elite, que está no epicentro da maior crise econômica do pós-guerra e que sofre questionamentos políticos pelo mundo inteiro, conseguisse em plena crise reunir em torno de si as melhores condições de seguir aplicando seu projeto baseado em três pilares básicos: o controle das fontes de energia, a utilização e expansão do complexo industrial militar e o controle econômico mundial através do sistema financeiro baseado no padrão dólar.

É visando aplicar esse projeto de Estado que a burguesia daquele país se debruça periodicamente sobre as eleições para reciclar sua dominação e extrair dentre os possíveis candidatos o melhor representante de seus interesses. Da mesma forma que a burguesia brasileira escolheu uma figura identificada com os trabalhadores para melhor aplicar uma política contra os trabalhadores, a burguesia dos EUA escolheu uma figura identificada com tudo o que poderia evocar mudança para garantir que nada de substancial fosse mudado.

Nos mais de cem dias de Obama ficou evidente que o critério de escolher "os melhores e mais brilhantes" utilizado em seu discurso para justificar a formação de um governo composto por ultraconservadores como Paul Volker, James Jones e Robert Gates serviu apenas para continuar iludindo aqueles que acreditam que existe neutralidade quando falamos em política.

Paul Volker é um veterano em salvar sua elite de crises: em 1971 ele foi um dos artífices da manobra do Presidente Nixon que acabou com o lastro em ouro do dólar, e dessa forma permitiu ao tesouro estadunidense emitir o dinheiro necessário para que os EUA pagassem as dívidas contraídas durante a guerra do Vietnã; em 1979, para salvar a burguesia de uma perigosa combinação de inflação alta com baixo crescimento econômico, ele reajustou as taxas de juros dos Estados Unidos, o que por tabela mais que dobrou as dívidas dos países latino-americanos, uma vez que os contratos dos empréstimos eram atrelados a cláusulas de juros flutuantes.

Em política militar, o conservadorismo não poderia ser maior sem James Jones e Robert Gates. O primeiro é um general veterano da guerra fria e ex-comandante da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte); o segundo foi nomeado para ocupar o cargo de Secretário de Defesa ainda por George Bush em 2006, sendo mantido por Obama. Esse fato por si só já marca o tamanho da distância entre o discurso de mudança e a realidade de continuidade, já que nunca antes houve a permanência do mesmo Secretário de Defesa após uma troca de partido nas eleições presidenciais.

Não podemos esperar que um governo formado com esses tipos de representantes hesitará em elaborar medidas contra os trabalhadores para buscar saídas de uma crise econômica que pela primeira vez desde 1974/1975 reduziu o PIB em 6,1% e que já registra uma taxa de desemprego de 9,4 %.

É considerando o governo como um instrumento dos interesses da elite estadunidense que podemos entender a natureza das políticas que Obama implementa contra os trabalhadores, imigrantes e contra o próprio povo negro do qual descende diretamente. Em contra-partida à aplicação de mais de US$ 700 bilhões para socorrer bancos, nada foi feito para garantir moradia para milhões de famílias de baixa renda endividadas e que tiveram suas hipotecas executadas. Essas moradias são em sua maioria utilizadas por afro-americanos e hispano-americanos.

Na política externa, depois de emocionados discursos sobre a paz mundial, o que a gestão Obama oferece de concreto é a constante ameaça do uso da força caso "fracassem os meios diplomáticos", e por fracasso diplomático devemos entender condições não aceitas pelos países alvos. Têm sido assim com o Irã: a cada novo movimento do xadrez da política internacional, a Secretária de Estado Hillary Clinton lembra que existem tropas mobilizáveis no vizinho Iraque. Enquanto isso, no Afeganistão, houve um aumento dos efetivos militares e do uso da força de forma indiscriminada, o que resultou no genocídio de mais de 150 civis afegãos em maio.

Nem mesmo no terreno dos direitos humanos houve avanços substanciais, uma vez que as denúncias de tortura nas prisões militares não foram investigadas a fundo e somente se anunciou o fechamento da base-prisão de Guantánamo. Ainda nem se tocou na situação jurídica de seus detidos, uma vez que não foram submetidos a julgamento e mesmo que um dia o sejam é pouco provável que isso seja feito por um Tribunal Penal Internacional. Os Estados Unidos se negam a reconhecer esse Tribunal, pois se o fizerem terão que entregar seus oficiais acusados de crimes de guerra. Ou seja, a administração Obama espalha sorrisos ao mesmo tempo em que segue desrespeitando a dignidade humana. Outro exemplo desse desrespeito é que, desde sua posse, se mantém ilustres presos políticos, como os Cubanos acusados de espionagem, o militante do Partido dos Panteras Negras, Múmia Abul Jamal, além dos supostos terroristas de Guantánamo.

Dois exemplos ilustram de maneira definitiva os interesses aos quais Obama serve. Nos primeiros meses do ano explodiu o escândalos dos bônus milionários pagos aos executivos dos bancos e financeiras, os mesmos que provocaram a quase-falência do sistema financeiro e cujas empresas receberam centenas de bilhões de dólares em pacotes de salvamento do governo. Em meio à indignação geral de milhões de trabalhadores que perderam seus empregos e suas casas contra os financistas, o governo Obama não fez nada concreto para limitar o pagamento dos bônus, que em última instância representam a entrega pura e simples de dinheiro público aos barões de Wall Street.

Pouco depois, em abril, foram divulgados os memorandos internos do Departamento de Justiça do governo Bush autorizando os agentes da CIA e o do Pentágono a praticar tortura contra prisioneiros capturados na "guerra ao terror" e mantidos ilegalmente cativos. Obama não fez nada para que os responsáveis, ou seja, todo o alto escalão do governo Bush, fosse criminalmente processado de acordo com as próprias leis estadunidenses, tornando-se assim ele próprio um cúmplice de crimes de guerra, de acobertar violações aos direitos humanos e de desrespeito a todas as convenções internacionais contra a tortura e as prisões ilegais.

Devemos avaliar um governo pelas suas forças de sustentação e pelas políticas que seus atos representam. No caso da administração Obama seus aliados são os mesmos dos seus antecessores, seus atos de governo beneficiam a mesma elite do petróleo, das armas e dos bancos e seu padrão de produção e consumo seguem destruindo o planeta.

Não podemos depositar nenhuma confiança em projetos que não nascem da classe trabalhadora e de suas lutas e por isso não representam nossos interesses. Qualquer governo formado e sustentado pela burguesia somente conduzirá à guerra, à miséria e à barbárie.

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Epidemias e crise econômica: o capitalismo mata

Dalmo Duarte

 

Nos últimos meses o mundo está sendo ameaçado com a possibilidade de proliferação de um vírus inicialmente denominado "gripe suína" e depois A H1N1 com alta taxa de transmissão entre humanos e de uma perigosa letalidade.

Apesar do desinteresse da mídia nos últimos dias o perigo ainda está nos rondando. Os casos continuam se espalhando pelo mundo e no Brasil só nos últimos 30 dias os casos mais que dobraram (e continuará subindo). Sua presença está em vários países, dos mais pobres aos mais ricos. A própria OMS a caracteriza como "pandemia moderada". Apesar da insistência dos diversos órgãos da burguesia mundial em caracterizá-lo como uma catástrofe natural, uma análise um pouco mais apurada desmonta esse argumento irresponsável. As doenças que se caracterizaram como grandes catástrofes mundiais tem tanto no seu surgimento como no desenvolvimento causas sociais, ou seja, as condições do meio em que as pessoas e os animais estão inseridos, são a verdadeira causa dessa e de outras doenças que apareceram.

A falta de saneamento básico, a fome e a miséria que expõe milhões de seres humanos a todo tipo de doença, alterações genéticas em vários tipos de alimentos que consumimos diariamente, a industrialização das criações de animais (grandes fazendas automatizadas), as rações modificadas para acelerar o processo de engorda e tornar a carne mais lucrativa, a destruição do meio ambiente constituem a base para o desenvolvimento de tantas e tantas doenças.

No caso da "gripe suína" especialistas independentes apontam que a vacinação das criações de porcos com antivirais de eficácia duvidosa (só para atender exigências de alguns países consumidores) é outro facilitador de mutações desses vírus, o que os tornam potencialmente perigosos e anuncia outras epidemias. São nessas condições, próprias do capitalismo, que as doenças se propagam rapidamente e coloca em risco milhões de pessoas.

O desenvolvimento técnico que se alcançou poderia permitir a humanidade ter uma qualidade de vida nunca antes imaginada, mas essa técnica sob domínio da burguesia se transforma em destruição. As forças produtivas passam a se opor à natureza, com tecnologias que constantemente levam a destruição e a acidentes de grandes proporções, como chuvas ou sol em excesso, o desenvolvimento de novas doenças, etc.

A atual configuração do capital torna o seu processo produtivo extremamente destrutivo tornando a natureza uma presa. Quase tudo que se produz na sociedade capitalista deixa um lastro de destruição da vida natural. A devastação das florestas, dos rios e de toda vida selvagem deixa o sistema ecológico frágil e debilitado de maneira que não mais consegue encontrar em seu próprio meio as formas de controle de bactéria, fungos, vírus, etc, desenvolvendo situações que facilitam a proliferação de todo tipo de doenças que atingem homens e outros seres da natureza. A produção capitalista é um risco para a humanidade.

A ideologia burguesa sempre oferece explicações falsas para o que acontece. Escondem as reais causas de tantas doenças e tantas mortes "imbecis" que se espalham pelo mundo. E para isso aparecem "cientistas" e "especialistas" muito bem pagos pelos grandes laboratórios em suspeitas entrevistas aos meios de comunicação tratando tais doenças como se fossem fatos sobrenaturais e imprevisíveis.

Como parte da luta contra o capitalismo, é preciso dar uma explicação para essas e outras doenças a partir do marxismo, ou seja, de que o modo de produção capitalista é o verdadeiro responsável pelas doenças que se alastraram rapidamente. Nos últimos anos tivemos a vaca louca, a gripe do frango e agora a gripe suína todas elas provocadas por manipulações na ração ou mesmo o confinamento a que estão submetidos, condições impostas pela produção capitalista que sempre objetiva o lucro. A "gripe suína" é só mais uma delas.

Crise econômica e saúde pública

A grave crise da economia capitalista, a qual todos os países estão submetidos, colocou em movimento um plano dos Estados capitalistas para salvar as suas burguesias, distribuindo enormes quantias de dinheiro público para o setor privado e sem qualquer perspectiva de que o Estado vai receber de volta. Nos Estados Unidos foram bilhões de dólares para bancos, companhias de seguro e mais recentemente injetaram bilhões para "recuperar" a GM. No Brasil é o financiamento das empresas automobilísticas e tantas outras "ajudas" para os grandes grupos capitalistas.

O Estado coloca a disposição dos capitalistas bilhões de dólares. Só que para garantir a liberação desse dinheiro para as empresas privadas os governos precisam cortar verbas do serviço público seja da educação ou mesmo da saúde pública. A crise econômica e a política adotada pela maioria dos governos colocam em risco qualquer plano para enfrentar uma pandemia como essa ameaça pela gripe suína.

Outra questão dessa relação crise e saúde pública é o aumento do lucro dos laboratórios que fabricam medicamentos (principalmente o Tamiflu) adotados pela maioria dos governos para combater a "gripe suína". O fato de terem a sua eficiência questionada, tanto porque foram fabricados antes desse surto como pelo fato de que são estoques antigos – era para combater a gripe viária-, não impediu que a OMS (Organização Mundial de Saúde), em abril, recomendasse aos governos que comprassem e aumentassem os seus estoques desses antivirais. O resultado foi que o lucro aumentou e o valor das ações da Roche e Gilead (fabricantes) subiu mais de 4% mês de abril. A curiosidade é que Donald Rumsfield (ex-secretário de defesa dos Estados Unidos no governo Bush) é um dos diretores dessa empresa. Só após várias pressões é que a OMS reconheceu a possibilidade de que esses antivirais não surtem o efeito desejado.

Até o momento ainda há um controle, frágil, do vírus da "gripe suína", mas o que já provou que o atual sistema de saúde pública mundial não tem condições de enfrentar uma pandemia dessa natureza ou qualquer outra doença que ganhe proporções mundiais. Como os trabalhadores e pobres dependem da saúde pública o descontrole desse vírus pode fazer com que milhões de trabalhadores sejam condenados a morte.

É para não expor a precariedade da saúde pública capitalista que a mídia burguesa esconde e mente para o mundo. O desvio de recursos públicos para a iniciativa privada é mais uma demonstração que no capitalismo os interesses dos grupos e empresas sempre estão acima das necessidades humanas. Para o capitalismo o lucro vem antes da vida.

Quebrar as patentes: o conhecimento a serviço da humanidade

Os laboratórios farmacêuticos estão entre os negócios mais lucrativos do capitalismo, lucram mais que tráfico de drogas e armamentos. São verdadeiras fortalezas do capitalismo, que acumula bilhões tornando os doentes seus reféns.

Mas na formação dessa fortuna também tem um dedo dos Estados capitalistas que, mesmo com milhões de pessoas morrendo, mantém a proteção das patentes de medicamentos que poderiam curar as pessoas. Outra contribuição muito generosa é a destinação de verbas públicas para esses laboratórios. Nos Estados Unidos, por exemplo, o que os laboratórios gastam com pesquisa e propaganda podem ser abatidos dos tributos. Sem falar no fato de que já pagam impostos bem menores. Outra forma de ajuda do Estado ao laboratório está na distribuição das verbas para as pesquisas. Como as pesquisas iniciais são mais caras e arriscadas (a chance de não dar certo é maior) o Estado as financia, sendo que 90 % dos custos de pesquisas dos 5 medicamentos mais vendidos nos anos 90 foram custeadas por verbas públicas. Elias Zerhouni, diretor do NIH (Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos) confirma: "…nós financiamos quase 90% da investigação nos Estados Unidos na esfera da saúde…".

Todo esse mecanismo é garantido com a preservação das patentes (propriedade da fórmula dos medicamentos) e que para os trabalhadores representa a morte. As pesquisas são feiras com dinheiro público, os laboratórios ficam com a fórmula e os trabalhadores morrem porque não podem comprar remédios tabelados pelos monopólios que, por serem os únicos que produzem, cobram o que querem.

O lucro não pode estar acima da vida. Por isso é fundamental a luta pela estatização, sob controle dos trabalhadores, de todos os laboratórios tornando público todas as fórmulas dos medicamentos. A "gripe suína" e apenas um dos casos, pois há outras doenças como a AIDS, a tuberculose, a malária, a doença de chagas, vários tipos de câncer que têm medicamentos que ou curam ou garantem uma vida com mais qualidade para as pessoas, mas que as pessoas não conseguem utilizá-los pelos altos custos.

O capitalismo já provou o seu poder de destruição e sob o domínio dele os homens não controlam as forças da natureza, pelo contrário, cada ato seu é sinônimo de destruição e de oposição do homem ao próprio homem e à vida.

Só colocando o conhecimento a serviço da população do mundo é que acabaremos com doenças que ainda matam milhões de pessoas pelo mundo. Fim do monopólio dos laboratórios. Quebra de todas as patentes de medicamentos. Saúde pública e gratuita para todos os trabalhadores. Tarefas que só podem ser levadas adiante com o socialismo, único sistema social que produz de acordo com as necessidades humanas e não pelo lucro, única maneira de livrar a humanidade de todo sofrimento.

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Medidas do governo não evitam a continuidade da crise

As tendências da crise

O centro das discussões sobre a realidade atual está nos desdobramentos da crise econômica mundial. Está em curso um debate para determinar se se trata apenas de uma crise periódica, cuja superação aconteceria no curto ou médio prazo, ou de uma crise mais estrutural, que traz à tona desequilíbrios insuperáveis do sistema capitalista. Partilham da primeira opinião os ideólogos burgueses e também a esquerda reformista, que propagam a crença de que o capitalismo possa se recuperar da crise atual com "mínimos arranhões". Para os marxistas revolucionários, a crise ainda está apenas no seu início e ainda trará importantíssimas conseqüências sociais e políticas.

O impasse teórico sobre a natureza da crise será resolvido nos próximos meses, conforme se definirem as tendências concretas da economia, em especial nos países centrais, relacionadas à produção industrial, ao nível de produtividade e emprego,à condição do dólar como moeda de reserva mundial (ameaçada pelo estratosférico déficit público estadunidense), etc. Entretanto, qualquer que seja o resultado ulterior dessas tendências, a crise já provocou enormes retrocessos nas condições de vida da classe trabalhadora mundial. Aquilo que, para a burguesia, poderá ser contabilizado como "arranhões mínimos" no funcionamento de seu sistema, já são de imediato tragédias monumentais na vida de milhões de trabalhadores, confrontados com o desemprego e a miséria.

O ataque sobre as condições de vida da classe é a única forma do capital recuperar sua taxa de lucro. As demissões, as reduções de salários e os cortes de direitos são a receita da burguesia para salvar o capital, sendo aplicados com a colaboração dos governos e burocracias sindicais do mundo inteiro. Em tese, o capital precisaria nivelar por baixo o grau de exploração da força de trabalho em escala global, forçando os trabalhadores do mundo inteiro a aceitar as condições salariais e laborais mais rebaixadas possíveis, que são aquelas já vigentes hoje na China e nos países asiáticos. Se isso ainda não foi conseguido nos países centrais, como Estados Unidos, Europa e Japão, é porque a burguesia até o momento não construiu politicamente uma correlação de forças suficientemente favorável para impor tais medidas sobre o proletariado desses países.

Em países intermediários, como o Brasil, há setores da classe trabalhadora que também estão numa condição econômica e social ligeiramente acima do nível mínimo chinês. Trata-se de uma minoria da classe, já que a maioria dos trabalhadores brasileiros vive entre o desemprego e o subemprego, o trabalho precário, terceirizado, temporário e informal, sem proteção social, sem regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho, ou mesmo da duração da jornada, sem direito à organização, sindicalização ou greve;e com uma renda que mal cobre os custos de sobrevivência. Há um setor da classe, porém, que ainda está protegido por contratos de trabalho formais, previdência pública, seguridade social, legislação trabalhista, direito à organização e sindicalização, etc. Do ponto de vista do capital, esse setor é mais um alvo potencial da política geral de rebaixamento das condições de vida do proletariado global.

A situação do Brasil

Se não conseguir impor rapidamente uma derrota política brutal ao proletariado dos países centrais, ou deparar-se com uma resistência suficientemente forte, o capital poderá deslocar seu foco para os países periféricos que ainda possuem alguma margem de conquistas salariais e sociais disponíveis para serem "queimadas" na busca do nivelamento global, entre os quais o Brasil. Por enquanto, o desemprego, a redução de salários e o corte de direitos seguem avançando nos Estados Unidos, Europa e Japão, tendo provocado uma resistência mais significativa principalmente por parte dos trabalhadores europeus, que tem se mostrado insuficiente porém para barrar o processo. Em função disso, o ataque direto aos setores organizados do proletariado brasileiro ainda não é uma prioridade para a burguesia.

O Brasil tem sido relativamente poupado das conseqüências mais devastadoras da crise. Depois da primeira onda de demissões, especialmente nas montadoras e setores ligados à exportação, a situação foi momentaneamente estabilizada. Isso não se deve a nenhuma virtude, competência ou demonstração de habilidade do governo de plantão, mas ao fato de que a nossa vez ainda não chegou. Antes de partir para o ataque direto contra os trabalhadores, a burguesia ainda tem uma importante carta na manga, o controle sobre o Estado, que lhe permite socializar indiretamente as conseqüências da crise.

O Estado pode endividar-se, emitir títulos, gastar reservas cambiais, ampliar o crédito, baixar os juros, fornecer dinheiro às empresas e bancos com problemas, cortar investimentos em saúde, educação e serviços públicos, reforçar os programas assistenciais para manter os mais pobres sob controle e consumindo, etc. Com pequenas variações, essas têm sido as políticas de todos os governos burgueses em face da crise, e o caso de Lula no Brasil não é exceção. Essa margem de manobra do Estado permite à burguesia brasileira administrar a crise sem que os desequilíbrios se tornem explosivos.

A Falsa Recuperação e a Propaganda Governista

O fato de que uma explosão mais grave não tenha acontecido está sendo interpretado pela propaganda governista como indício de que uma recuperação já está à vista. Os índices econômicos oficiais apresentam um cenário estável, senão róseo. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho, houve uma variação positiva de 0,15% entre o número de admissões e desligamentos no primeiro quadrimestre do ano. Segundo o DIEESE, o desemprego nas principais regiões metropolitanas mais o Distrito Federal ficou em 15,3% em abril. A inflação medida pelo mesmo organismo ficou em 1,43% entre janeiro e abril de 2009.

Essa situação até que não parece ser muito ruim, considerando-se a ameaça de uma crise catastrófica que paira no horizonte. É preciso considerar porém o fato de que, segundo o mesmo DIEESE, o salário mínimo necessário (que constitucionalmente deve cobrir as despesas do trabalhador e sua família com alimentação, saúde, educação, vestuário, higiene, moradia, transporte, lazer e previdência) deveria estar na casa de R$ 1.972,64 – sendo que a remuneração média do trabalhador nas regiões metropolitanas (ou seja, onde a renda é mais alta) está em R$ 1.240,00 – e o salário mínimo oficial está em apenas R$ 465,00. Ou seja, a maior parte dos trabalhadores sobrevive com menos do que o mínimo necessário. Esse aperto imposto aos trabalhadores é o segredo para a recuperação da economia capitalista. O aperto permite aumentar a taxa de lucro num momento em que há uma diminuição da massa de mais-valia por conta das quedas na produção.

Para completar a propaganda governista, entram em cena os números das bolsas de valores, que há alguns meses têm apresentado altas significativas. O Ibovespa fechou o mês de maio aos 53.198 pontos, quase o mesmo nível de agosto de 2008 (55.680), antes da eclosão da crise. Da mesma forma, o dólar também chegou a uma cotação (R$ 1,970 em maio) praticamente idêntica à de agosto de 2008 (R$ 1,905). Os índices das bolsas são tomados como indicadores da saúde do conjunto da economia, quando na realidade indicam apenas as expectativas de lucro dos capitalistas, as quais estão momentaneamente elevadas por conta do empenho do governo em ajudar as grandes empresas. Não há uma recuperação real e duradoura, mas um simples reflexo das políticas governamentais para salvar o capital. A divulgação de que o PIB do 1º trimestre de 2009 caiu ainda mais é mais um balde de água gelada no discursodo governo.

Essa política envolve medidas como o pacote da habitação, que vai desviar dinheiro do FGTS dos trabalhadores para as construtoras em apuros, sem qualquer traço de um projeto estrutural de reforma urbanística, que envolva, além da moradia de qualidade, obras de saneamento, infra- estrutura,transporte público,equipamentos públicos de lazer, etc. Há também atos puramente demagógicos, como a troca do presidente do Banco do Brasil por um nome mais afinado com a queda dos juros, mas que está longe de representar uma mudança real na atual política de um banco de mercado, em direção a um banco verdadeiramente público e de fomento.

A importância de uma alternativa ideológica

É importante destacar todas as falácias do governo para se contrapor ao discurso dos representantes de Lula no interior do movimento dos trabalhadores, as correntes do PT e seus satélites, que dirigem burocraticamente os principais organismos da classe, como CUT, UNE, MST, pastorais sociais, etc., impedindo os trabalhadores de entrar em luta. Os setores lulistas apresentam o discurso de que a ação do Estado pode livrar o Brasil da crise. Em função disso, defendem Lula e apontam o PT como suposta alternativa contra a ameaça da direita, o PSDB, DEMos e demais oportunistas, que trariam a volta das privatizações e outros ataques contra os trabalhadores.

Que a direita seja uma ameaça é um fato real, mas não é real que Lula e o PT sejam alternativas. Lula governa desde 2003 para a burguesia, os bancos, os latifúndiários, as grandes empresas e o capital internacional, que obtiveram lucros como nunca antes. O governo Lula seguiu pagando a dívida externa fraudulenta, privatizando patrimônio público, retirando direitos dos trabalhadores, reprimindo suas lutas, destruindo o meio ambiente, sucateando os serviços públicos, compactuando fisiologicamente com setores corruptos e conservadores, etc.; e ampliou em escala colossal o assistencialismo, que proporciona alívio temporário para a miséria, mas não muda estruturalmente a situação dos miseráveis.

Em 2002 e no 2º turno de 2006 o Espaço Socialista defendeu o voto nulo nas eleições, como forma de indicar a necessidade de uma alternativa política e ideológica para organizar a classe trabalhadora brasileira. O PT e os organismos que dirige não são essa alternativa. Tornaram-se parte integrante da gestão burguesa da economia e do Estado. Em tempos de crise, o papel dessas burocracias como instrumento dos interesses burgueses e obstáculos para as lutas dos trabalhadores se torna ainda mais acentuado. Os sindicatos ligados à CUT e demais centrais pelegas assinam acordos de demissão, rebaixamento de salário e retirada de direitos. A direção do MST impede as ocupações de terras. A UNE apóia o sucateamento das universidades públicas. Essas direções demonstram assim seu compromisso com a defesa da ordem burguesa e a exploração capitalista.

Por um encontro nacional dos trabalhadores e um programa socialista contra a crise

Em função dessa política das direções dos principais organismos da classe, torna-se urgente discutir novas alternativas de organização. No período recente, a Conlutas tem se destacado por agrupar a vanguarda combativa do movimento sindical e popular. Entretanto, seu peso ainda é muito limitado. Está em discussão no movimento a possibilidade de unificação entre a Conlutas e a Intersindical, que também agrupa alguns sindicatos que romperam com a CUT. As direções dessas duas centrais realizaram um seminário em São Paulo (19,20 e 21 de abril) de onde tiraram inclusive um calendário que aponta para um possível congresso de unificação no início de 2010.

Somos a favor da construção de uma alternativa orgnizativa para a classe trabalhadora. Por isso defendemos a realização de um Encontro Nacional dos Trabalhadores para discutir a reorganização da classe. Entretanto, esse processo não pode seguir sendo discutido a partir das cúpulas das centrais. É preciso levar o debate para as bases da classe trabalhadora. Esse Encontro seria precedido de plenárias regionais, com convocação e agitação nas bases, nas portas de fábrica, faculdades e colégios, locais de grande concentração popular, etc. Também é preciso que Conlutas e Intersindical rompam com sua política de atos unificados com a CUT e demais centrais pelegas, como o de 30/ 03, que ao invés de apresentar uma alternativa, serviram apenas para confundir os trabalhadores.

Mais do que um simples debate sobre a possível unificação da Conlutas e Intersindical, é preciso discutir que tipo de alternativa organizativa os trabalhadores necessitam. É preciso discutir formas de impedir que uma nova central seja burocratizada e aparelhada como a CUT foi pelo PT, estabelecendo formas democráticas de funcionamento, com decisão nas instâncias de base, rodízio dos dirigentes, transparência nas finanças, cuidado com a formação teórica e política dos ativistas e dos trabalhadores.

Por último, se é correto dizer que a crise não chegou ao Brasil com todo seu impacto, também é fato que já causou estragos em vários setores, que sofreram demissões em massa (Embraer, Vale), reduções de salários, cortes no orçamento para despesas de pessoal de vários governos estaduais e municipais. Essa primeira onda da crise já provocou respostas por parte dos trabalhadores. Nos últimos meses aconteceram greves importantes, como a dos ferroviários do Rio, trabalhadores da USP e da Sabesp, dos funcionários técnicos da Caixa Econômica Federal, de várias categorias de servidores públicos, estaduais e municipais, em especial da educação, em vários estados do norte e nordeste (Pará, Roraima, Piauí, Paraíba e Ceará).

Essas greves sinalizam a existência de uma disposição de luta por parte dos trabalhadores. É preciso avançar a partir dessas lutas isoladas, localizadas, parciais, economicistas, para uma luta da totalidade da classe contra a totalidade do sistema capitalista. Isso exige por parte das direções combativas a construção de uma alternativa organizativa que traga uma perspectiva de classe, em que os trabalhadores vejam a si mesmos como protagonistas de sua história, e reconheçam na burguesia e seus governantes de plantão os adversários. Para isso é preciso construir um programa socialista contra a crise, que questione não apenas os ataques conjunturais de que estamos sendo vítimas, mas a própria ordem capitalista, com suas crises, misérias e violências.

  1. Não às demissões! Estabilidade no emprego e reintegração dos demitidos!
  2. Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!
  3. Estatização sob controle dos trabalhadores e sem indenização das empresas que demitirem, ameaçarem fechar ou se transferirem!
  4. Reestatização da Vale e demais empresas privatizadas sob controle dos trabalhadores , sem indenização e com readmissão dos demitidos!
  5. Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa , e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer . Fim da remessa de lucros para o exterior!
  6. Estatização do Sistema Financeiro sob controle dos trabalhadores!
  7. Reforma agrária sob controle dos trabalhadores. Fim do latifúndio e do agronegócio. Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!
  8. Cotas proporcionais para negros e negras nos empregos gerados!
  9. Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!
  10. Por uma sociedade socialista!
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AVATAR: REVOLUÇÃO E PARADOXO DA TÉCNICA

As revoluções da história do cinema

Periodicamente, a cada uma ou duas décadas, o cinema passa por revoluções que atualizam sua capacidade de funcionar como a arte típica da sociedade capitalista moderna e expressar seus dilemas e contradições. Esbocemos sumariamente algumas dessas revoluções:
– A primeira delas foi a própria invenção do cinema como veículo para contar histórias, saindo do submundo das curiosidades circenses para se tornar um ramo independente da indústria cultural com regras, métodos e cânones próprios. Esse processo de construção do cinema como instrumento da arte narrativa passa pelas criações de Méliès, Griffith, Chaplin, Eisenstein, o movimento expressionista, até alcançar a maturidade com Orson Welles e seu “Cidadão Kane”.
– A invenção do cinema falado no fim dos anos 1920.
– A introdução das cores no fim dos anos 1930.
– O aperfeiçoamento nas técnicas de projeção nos anos 1950 (CinemaScope, Cinerama, 3D), na tentativa de fazer frente à concorrência da televisão.
– A revolução temática impulsionada pela explosão das cinematografias não-hollywoodianas (neo-realismo, nouvelle vague, cinema novo, Fellini, Kurosawa, Bergman, Kubric, etc.) no pós-II Guerra e nos anos 1950.
– A chegada dessa revolução temática a Hollywood pelas mãos da contra-cultura, na virada entre os anos 1960 e 70, deixando para trás a inocência dos musicais e contos de fadas com final feliz obrigatório. O cinema se tornou capaz de falar da vida de pessoas reais e abordar abertamente certas questões sociais, com marcos como “Adivinhe quem vem para jantar?”, “Sem destino”, “Uma rajada de balas”, “A primeira noite de um homem”, até chegar ao “Poderoso chefão”.
– A revolução dos efeitos especiais entre os anos 1970 e 80, cujos maiores expoentes são as trilogias “Guerra nas Estrelas” e “Indiana Jones”.
Conhecedores mais profundos da história do cinema poderão completar e precisar essa lista e enriquecê-la com muitos outros exemplos. Mas tal debate alongaria demais esse texto e o desviaria de seu propósito.
Voltemos à última “revolução” indicada. O desenvolvimento dos efeitos especiais foi tido como uma resposta ao surgimento dos videocassetes (assim como nos anos 1950 fora preciso responder à massificação da televisão). Era preciso criar um espetáculo suficientemente grandioso para concorrer com o conforto do vídeo doméstico e motivar os espectadores a sair de casa para continuar freqüentando as salas de cinema.
Na época esse fenômeno foi interpretado por Pauline Kael (reputada como a maior crítica de cinema estadunidense) como a verdadeira morte do cinema, pois os filmes passariam a estar cada vez mais baseados nos efeitos visuais do que na história.
Coerentemente com essa interpretação “apocalíptica”, vimos cada vez mais as salas de projeção serem invadidas por filmes de ação, aventura, fantasia, ficção científica e histórias em quadrinhos, que se sustentam em efeitos visuais e secundarizam a expressão da realidade humana. Assim como o cinema deslocou o teatro para uma espécie de gueto habitado por remanescentes cultuadores das antiguidades culturais, o cinema de efeitos especiais transformou os filmes que tratam de pessoas reais num segmento apreciado por uma restrita tribo de cinéfilos, seguidores de produções independentes, européias, asiáticas, sulamericanas, etc.

A obra de James Cameron

Toda essa digressão sobre a história do cinema se propõe a preparar o terreno para a tentativa de localizar o significado do filme “Avatar”, de James Cameron. Passemos rapidamente em revista a obra desse diretor. Cameron foi um dos protagonistas da revolução dos efeitos especiais com “O Exterminador do Futuro”, de 1984, obra impulsionada por uma história originalíssima, de profundo impacto e marcante influência no imaginário da época (influência que perdura até hoje), culturalmente representativa do último surto da Guerra Fria e embalada por uma narrativa de suspense bastante eficiente, elementos que o tornam um clássico. A partir desse sucesso inicial, Cameron desenvolveu uma carreira pouco prolífica, mas repleta de títulos que o tornaram sinônimo de ambição e inovação: “Aliens, o resgate”, “Segredo do abismo”, “O Exterminador II”, “True Lies”, “Titanic” e agora “Avatar” (tornaram-no também titular da minha lista pessoal de diretores preferidos, fato que não tem a menor importância, mas para quem ficou curioso aqui vai: Martin Scorcese, Ridley Scott, Oliver Stone, Tim Burton e David Fincher).
A curta filmografia de Cameron inclui os 2 filmes de maior bilheteria da história (o recorde de “Titanic” estava sendo superado por “Avatar” no momento em que este comentário era finalizado), fato este sim da maior relevância para os executivos de Hollywood e para a votação dos prêmios Oscar. E tal filmografia inclui ainda os marcos de mais duas revoluções na história do cinema, ou pelo menos dentro da atual fase da história:
– “Exterminador II”, primeiro exemplar de utilização maciça e bem-sucedida de imagens geradas em computador (conhecidas pela sigla em inglês “CGI”), que causou escândalo na época pelo seu elevado custo de produção (mais de U$ 100 milhões, marca esta tornada rotineira a partir de então).
– O próprio “Avatar”, filme quase inteiramente feito em CGI e concebido para ser apreciado em 3D.

O paradoxo da técnica

No que se refere à técnica cinematográfica, “Avatar” é indubitavelmente um salto adiante. As diversas revoluções técnicas do cinema citadas acima acrescentaram sucessivos aperfeiçoamentos à sua capacidade de funcionar como uma armadilha sensorial que suspende o espectador da sua relação com o mundo real e o arremessam no universo da fantasia. A sala escura, a tela gigante, a luz em que brilham os astros e estrelas, o volume ensurdecedor do som, a trilha sonora cuidadosamente arquitetada para conduzir as emoções, o ritmo da edição, a profusão dos efeitos especiais, ganharam nas últimas décadas a companhia das imagens em CGI e no caso em questão, da profundidade em três dimensões. Essas sucessivas inovações técnicas, nas quais aliás Cameron tem demonstrado inigualável aptidão, dotaram o cinema das ferramentas necessárias para reproduzir na tela as fantasias mais delirantes que o cérebro for capaz de criar.
Os elementos criativos que povoam a história de “Avatar” (colonização interplanetária, engenharia genética, controle da mente sobre outro corpo, raças de humanóides descendentes de felinos com 4 metros de altura e ossos de fibra de carbono, que moram numa aldeia-árvore e são capazes de se comunicar com animais e vegetais, que cavalgam em dragões e voam entre montanhas flutuantes) são lugares-comuns em vários nichos da ficção científica, como os contos da lendária revista de quadrinhos alternativos “Heavy Metal”. Claro que, para tornar o filme palatável para as grandes audiências, Cameron teve que retirar quase todo o sexo, violência, provocação política e amoralidade que caracterizam aquela publicação, retirando também a vulgaridade e futilidade em que os elementos acima costumam vir empacotados na revista. “Avatar” é Heavy Metal em embalagem da Disney.
A simplicidade quase banal da história e a falta de originalidade tem rendido a Cameron uma série de processos por plágio. Entretanto, a confiança do diretor em sua capacidade técnica o fez desdenhar impavidamente esses contratempos insignificantes e se dar ao luxo de se esbaldar com o brinquedo, dando livre curso a algumas das suas obsessões típicas já exploradas em filmes anteriores: o ambiente militar, a ética dos soldados, a parafernália tecnológica armamentista, os limites da ciência (e as criaturas bioluminescentes, como o absurdo “inseto-cóptero” que passeia no filme), etc.
“Avatar” representa a chegada ao patamar histórico em que qualquer coisa que pode ser imaginada pode também ser filmada de modo tecnicamente convincente, o que coloca em pauta uma outra questão: o hiper-realismo proporcionado pela técnica cinematográfica acrescenta credibilidade à fantasia ou destrói a sua fecundidade, já que não deixa nada ao espectador para ser livremente imaginado? Ou dito de outra forma, porque o cinema fantástico-hiper-realista deve ser considerado um avanço em relação ao teatro de bonecos, se este pode ser tão eficiente quanto aquele na sua tarefa fundamental, que é contar uma história?
O culto da novidade e da técnica como substitutos da vida é mais um sintoma da patologia social contemporânea, da qual “Avatar” é mais uma confirmação. Mas é uma confirmação invertida, pois a moral da história é justamente… a volta à natureza!
Esse paradoxo é o grande achado de “Avatar”. O homem adquire a capacidade de viajar pelo espaço, conservar-se vivo em sono criogênico, colonizar outros planetas, construir e reconstruir corpos por engenharia genética, controlar remotamente um outro corpo, etc., mas o seu objeto de desejo é retornar à mesma relação com a natureza que os índios praticam: caminhar descalço pela floresta, beber água coletada da chuva pelas folhas das árvores, dormir em rede, contar histórias em torno da fogueira…

A hipótese apocalíptica

Para explicar esse paradoxo, é preciso entrar na discussão sobre a relação do cinema com o contexto político-ideológico. Dentre os filmes de Cameron, “Avatar” é uma espécie de antípoda do primeiro “Exterminador”, pois se aquele contava com uma história poderosa e efeitos que hoje podemos considerar precários, este possui um visual absolutamente deslumbrante e uma história sofrível. Ponto para Pauline Kael? Depende.
A hipótese apocalíptica que explica a decadência artística do cinema pelo abuso da técnica dos efeitos especiais tem uma contraparte dialética que consiste no fato de que a extrapolação da corrida tecnológica para o cinema corresponde proporcionalmente à vigência dessa mesma corrida tecnológica na vida social em geral. Não é apenas o cinema que se tornou irreal, mas a vida real que se tornou cinematográfica, espetacular, fantástica, ilusória e instável, no contexto histórico do capitalismo plenamente mundializado, o que vale dizer, plenamente atravessado pela aceleração explosiva das suas contradições constituintes. Nesse sentido, o cinema mais espetacular e irreal pode ser também o produto ideológico mais típico e ilustrativo de determinados fenômenos sociais muito reais. Isso atualiza o valor crítico do cinema e da crítica de cinema, ainda que o cinema em questão venha à tela completamente despido de intenções críticas; e demonstra também a impossibilidade de se fazer crítica de cinema e de arte com alguma seriedade e coerência sem uma perspectiva crítica do conjunto da vida social.
O paradoxo técnica X natureza em “Avatar” o torna culturalmente significativo a ponto de merecer a qualificação de obra revolucionária, para além do aspecto cinematográfico e do recorde de bilheteria. Para avaliar esse significado cultural, é preciso relacionar sua narrativa aos discursos ideológicos em voga. A história do filme, que já foi descrita como “Pocahontas no espaço”, é um completo clichê: soldado se apaixona por nativa e se volta contra os colonizadores dos quais era parte. Essa mesma história já foi contada antes muitas outras vezes, merecendo destaque pela profundidade antropológica e paixão humanista um outro clássico do cinema recente: “Dança com lobos” (outro fato sem a menor relevância: primeiro filme que me fez chorar).
O que torna essa narrativa culturalmente significativa é o acréscimo da questão ambiental. O ambientalismo é o bom-mocismo do século XXI. É a causa que aparentemente unifica a todos, gregos e troianos (veremos que não é bem assim nas próximas seções deste texto), o que ajuda a explicar o sucesso do filme (e o recorde de bilheteria), para além do refinamento visual. Ao colocar de um lado a defesa da natureza e de outro a sua destruição, “Avatar” fornece ao público heróis para os quais torcer e vilões aos quais odiar, e não há nada que o grande público aprecie mais do que heróis virtuosos derrotando vilões odiosos. Sem isso, não há efeitos especiais que bastem para construir um sucesso artístico e comercial dessa magnitude. Mesmo sendo rasa, banal, repetitiva, pouco criativa, a narrativa central de “Avatar” fornece ao espectador uma experiência dramática gratificante, ou seja, boa diversão.

Gregos e troianos?

A consagração artística e comercial do ambientalismo em “Avatar” (através de uma overdose de técnica cinematográfica) representa ainda uma espécie de “vingança estética” contra a era Bush. O discurso dos vilões do filme é literalmente o mesmo dos sinistros personagens que povoaram os noticiários na década de 2000, os procônsules estadunidenses no Oriente Médio e os executivos rapaces da Enron, Halliburton, AIG, Lehman Brothers e Cia. O executivo que dirige a exploração do mundo de Pandora em “Avatar” diz que tudo o que importa para os acionistas é o balanço trimestral, a mesma obsessão dos especuladores trazidos à berlinda pela atual crise econômica. O coronel que chefia a milícia particular da empresa diz que se deve “combater o terror com terror”, a mesma coisa que os Estados Unidos fizeram no Iraque e no Afeganistão (e em Guantánamo ou em outras bases secretas nas quais torturaram “suspeitos de terrorismo”) ou que Israel fez contra Gaza.
Dando mostras do quanto está sintonizado com o sentimento anti-Bush ainda presente na opinião pública mundial, “Avatar” dá a pista dos próximos alvos da “guerra ao terror”, quando lembra que o protagonista, antes de ser mandado para o espaço, serviu na Venezuela, enquanto o coronel servira na Nigéria, ambos “coincidentemente” produtores de petróleo. Ao aterrissar em Pandora, o ex-fuzileiro paraplégico ainda acredita que na Terra as forças armadas estadunidenses estão “lutando pela liberdade”, sendo que a corrupção dos soldados no processo da colonização seria causada apenas pelo fato de estarem servindo como mercenários de uma empresa privada.
Algumas de suas falas poderiam ter saído da boca de um veterano do Iraque dos nossos dias de crise econômica e desemprego galopante nos Estados Unidos, quando diz que seria possível reparar sua espinha para que pudesse voltar a andar, “mas não nessa economia, não com essa pensão”. Gradualmente o protagonista muda seu ponto de vista sobre o mundo de onde veio, pois passa-se para o lado dos nativos. Supera-se também aos poucos a hostilidade mútua entre o soldado e os cientistas. A separação entre o homem de pensamento e o homem de ação, entre trabalho intelectual e trabalho braçal, típica da cultura estadunidense, também é vencida no filme, conforme o soldado se torna capaz de refletir (o videolog mostra-se uma ferramenta bastante útil, mas também perigosa) e os cientistas de se engajar numa rebelião contra a corporação.
Cameron também subverte outro padrão típico da cultura estadunidense, retirando as mulheres do seu papel subalterno tradicional e dando-lhes funções decisivas, o que aliás é um dos traços mais marcantes da sua filmografia. Em todos os seus filmes há personagens femininas fortes, que não ficam atrás dos protagonistas masculinos, seja em inteligência ou desenvoltura. Em “Avatar”, temos a cientista-chefe e até a piloto de helicóptero, mas o destaque fica para a guerreira nativa, capaz de desafiar as tradições de seu povo para unir-se ao estrangeiro por quem se apaixonou.
Há outros traços “politicamente corretos” e pós-modernos em “Avatar”, como a concessão que se faz à religião, quando a “mãe natureza” se envolve pessoalmente no combate, enviando um exército de criaturas para enfrentar os humanos, ainda que se faça um esboço de explicação científica para a experiência mística de comunicação com a divindade-natureza vivenciada pelos Na’vi. A mesma concessão à religião, as mesmas boas intenções e o mesmo paradoxo de técnica X natureza comentado duas seções acima já foram vistos antes em “Final Fantasy”, tentativa pioneira e infeliz de substituir atores reais por CGI que fracassou estética e comercialmente. Prova de que é preciso algo mais do que boas intenções e propostas politicamente corretas para que um filme possa funcionar. “Avatar” oferece esse algo mais, expondo uma ilustração um pouco mais radical das contradições sociais.
“Cedo ou tarde, sempre temos que acordar”, aprende o fuzileiro. A operação de exploração mineral em Pandora é uma metáfora de todas as invasões imperialistas no planeta Terra. Repete-se ali o mesmo processo que se desencadeou sobre a América, a África e a Ásia, onde se destruíram povos, culturas e ecossistemas em busca de riquezas efêmeras, com a diferença de que, na batalha de Pandora, os nativos venceram. E o público que lotou os cinemas do mundo inteiro para dar a “Avatar” o recorde de bilheteria torceu pela vitória dos nativos. Eis uma novidade ideologicamente significativa, que sinaliza a vitória política do ambientalismo.
Entretanto, qual é a conclusão a que a vitória dos nativos pode nos levar? Devemos abandonar a tecnologia e voltar a viver como os índios? Será que “caminhar descalço pela floresta, beber água coletada da chuva pelas folhas das árvores, dormir em rede, contar histórias em torno da fogueira…” devem ser o nosso ideal de felicidade e realização humana? Todo o progresso técnico realizado até hoje deve ser jogado fora, pois representa um pecado contra a inviolabilidade da mãe-natureza? Toda a ciência, a arte, a cultura, a humanização do mundo, o conforto, são inseparáveis dos males que o homem provocou?

Trabalho alienado e natureza

Para responder a essas perguntas, é preciso recorrer a uma perspectiva histórica concreta. Não existe tecnologia (nem arte, nem religião, etc.) que não esteja envolvida no contexto de determinadas relações sociais. O problema das agressões da nossa tecnologia contra a natureza não está na tecnologia em si, mas no propósito social que dirige a sua utilização. A tecnologia é apenas uma ferramenta a serviço de uma lógica social, que determina o que deve ser produzido e de que forma, e em proveito de quem. A lógica que dirige a utilização da tecnologia em nossa sociedade é a da acumulação de capital.
Portanto, não é “o homem” abstrato que agride a natureza, mas quem o faz é o homem histórico e concreto, o homem envolvido em relações de produção social e historicamente determinadas, o homem envolvido nas relações capitalistas (para as quais inconscientemente se dirige a condenação moral estetizada em filmes como “Avatar”). A relação destrutiva com a natureza (e portanto auto-destrutiva) posta em prática pelo homem é uma decorrência das relações de trabalho alienado. O paradoxo técnica X natureza que viemos debatendo se enraíza em contradições muito profundas, que requerem uma adequada contextualização antropológica e filosófica do trabalho alienado.
O trabalho é a atividade que diferencia o homem dos demais animais. O homem se torna humano por meio do trabalho, que se define como atividade previamente ideada, ou seja, consciente. Ao contrário dos demais animais, cuja atividade é inconsciente, instintiva, repetitiva e imutável, o homem altera o mundo com seu trabalho e ao fazer isso altera também a si mesmo. Por ser a única espécie capaz de alterar o mundo e a si mesmo, só o homem possui uma História propriamente dita, que é na verdade um desdobramento da história natural. O surgimento da espécie humana, com sua capacidade de trabalho, é um desenvolvimento de propriedades inerentes ao mundo natural, mas ao mesmo tempo representa o surgimento de um mundo novo, humano.
O trabalho constrói biologicamente o corpo do homo sapiens, com seu caminhar ereto, polegar opositor e cérebro superdesenvolvido, e cria o gênero humano como ser capaz de atribuir uma finalidade aos objetos e um sentido para as próprias ações. Ao satisfazer suas necessidades naturais (comer, vestir-se, abrigar-se, procriar) por meio do trabalho, o homem cria novas necessidades sociais, pois as satisfaz de modo humano. As características humanas do homem, a socialidade, a historicidade, a liberdade, a universalidade, a consciência, a linguagem, são produto do trabalho.
O trabalho é a forma especificamente humana, social e histórica, de metabolismo com a natureza. Cada ser humano está em relação com a natureza por meio de seu corpo físico, cuja existência precisa ser mantida, mas essa relação não se dá de forma imediata, pois é social e historicamente mediada pelo trabalho. O uso de recursos naturais para produzir alimentos, vestimentas, moradias, utensílios, etc., não é feito separadamente por cada indivíduo, mas coletivamente por meio da formação social da qual este indivíduo faz parte. Ou seja, o homem somente se relaciona com a natureza indiretamente, por meio de sua relação com os outros homens, com o meio social no qual desempenha algum tipo de papel produtivo e de onde recebe uma cultura.
A humanidade do homem não está dada de modo imediato na realidade histórica, ou seja, cada homem não está imediatamente unificado com a sua humanidade, da forma como estão os animais. Cada animal é imediatamente idêntico a sua espécie e capaz de fazer tudo que a espécie é capaz. O homem, ao contrário, se encontra separado de sua espécie, da sua humanidade, seu ser genérico, por conta da condição histórica da divisão da sociedade em classes e do trabalho alienado.
Assim que o trabalho se torna capaz de produzir um excedente em relação às necessidades sociais, surge uma classe social que se apropria desse excedente. Ao longo da história desenvolve-se uma luta entre as classes proprietárias e as classes trabalhadoras pela posse desse excedente do trabalho social. O controle do excedente pelas classes proprietárias transforma o trabalho numa atividade alienada, ou seja, estranha para a maior parte dos seres humanos. O homem se separa de seu ser genérico, sua humanidade, ao não poder determinar o que fazer com seu tempo de trabalho e ser forçado a trabalhar para outro. O homem se aliena da atividade do trabalho, dos produtos do trabalho, da sua relação com os outros homens, que aparecem todos como elementos externos e opressivos sobre o indivíduo; e se aliena também da natureza.

Capitalismo e destruição da natureza

Se a relação com a natureza se dá primordialmente por meio da relação social e histórica de trabalho, o trabalho alienado leva a uma relação também alienada com a natureza. Na sociedade de classes, a natureza se apresenta ao homem como ambiente externo e objeto estranho a ser controlado, dominado, usufruído e descartado, conforme os interesses da classe dominante. A natureza deixa de ser o “corpo inorgânico do homem”, como a definiu Marx, e se torna propriedade privada. Na condição de propriedade privada, a natureza pode ser usada e abusada de maneira irresponsável, pois a necessidade coletiva é desconsiderada em favor dos interesses privados.
Na sociedade capitalista, que é a forma mais recente da sociedade de classes, a natureza mais do que nunca aparece como estranha ao homem, como puro objeto de manipulação, fonte supostamente inesgotável de matéria-prima e repositório dócil para os infinitos subprodutos da ação humana (lixo e poluição). O capitalismo simplesmente ignora que a natureza não é inesgotável nem pode suportar indefinidamente os dejetos que lhe atiramos. A lógica do capital considera apenas o curto prazo, o balanço trimestral das empresas, a cotação diária da bolsa de valores, e simplesmente despreza a sobrevivência da espécie. Como disse um autorizado representante da burguesia, o economista inglês John M. Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”.
O trabalho excedente apropriado pela burguesia é a fonte da imensa acumulação de riqueza social que tem se multiplicado desde o início da Revolução Industrial, ponto de partida do capitalismo propriamente dito. Parte dessa riqueza social apropriada pela burguesia é consumida improdutivamente em luxo e parte tem que ser necessariamente reinvestida na continuidade da produção.
Acontece que não basta ao capitalista apenas manter a produção nos mesmos patamares do ciclo anterior de realização do capital, pois ele é forçado a produzir sempre mais mercadorias com o emprego de menos força de trabalho, para reduzir seus custos, aumentar seu lucro e vencer os concorrentes na competição por mercado. Essa é a única forma de realizar mais capital. A reprodução ampliada do capital é a força motriz que comanda as ações de burgueses e conseqüentemente também dos proletários na sociedade capitalista. Essa é a fonte material da ideologia do crescimento econômico (que não é sinônimo de desenvolvimento humano), do culto cego ao progresso e à novidade, que impulsiona um modo de vida voltado para o imediato e desprovido de sentido, em que os objetos se tornam sujeitos e os homens objetos.
Essa lógica social da reprodução ampliada origina uma espiral infinita de aumento da produção de mercadorias. Esse aumento da produção não leva em consideração as necessidades humanas e sim a possibilidade de lucro. A sociedade capitalista cria o paradoxo de uma gigantesca capacidade produtiva usada para gerar objetos absolutamente inúteis, como bombas atômicas e bens de luxo, ao mesmo tempo em que mais de 1 bilhão de pessoas passa fome.
Como se não bastasse o absurdo social desse desperdício e do desvio de capacidade produtiva, isso ainda é feito de uma forma tal que compromete a capacidade da natureza de suportar o impacto das ações humanas. O consumo de matérias-primas e de fontes de energia, o esgotamento da fertilidade do solo, o acúmulo de lixo, a poluição da terra, do ar e das águas chegaram a um nível tal que já ameaça a continuidade da vida. O efeito estufa, a elevação do nível dos mares, as secas e inundações, as tempestades e furacões, a escassez de água potável, as ondas mortais de frio e calor, a desertificação, a extinção em massa de espécies animais e vegetais, a multiplicação de vírus e bactérias mortais, etc.; tudo isso são conseqüências da ação irracional do capitalismo sobre a natureza.

Superação da alienação

Na natureza, a cada ação corresponde uma reação igual e contrária. Os desastres naturais não são resultado de castigo divino, mas reações naturais aos desequilíbrios provocados pelo capitalismo. Esses desastres atacam justamente as populações mais vulneráveis, os pobres, os pequenos camponeses, os moradores das periferias das metrópoles, os segmentos mais desprotegidos da classe trabalhadora, que somente acessam uma fração insignificante das riquezas geradas pelo trabalho social.
Os desequilíbrios não podem ser corrigidos sem uma ruptura com a lógica do capital. O capital é uma força social inerentemente incontrolável e submete ao seu controle todas as demais relações sociais. Não é possível impor restrições às atividades das grandes corporações capitalistas. Não existe Estado ou legislação capaz de impedir essas corporações de seguir explorando a natureza de forma irracional. Não existe pressão dos consumidores capaz de forçar as empresas a produzir de forma ambientalmente responsável A competição entre as empresas e a corrupção das instituições que teriam o papel de fiscalizar suas atividades abrem as portas para novas transgressões a cada remendo imposto pela pressão social.
Para restaurar o equilíbrio natural e reverter os graves danos já causados é preciso ao mesmo tempo reverter a lógica que dirige o emprego das forças produtivas sociais, direcionando-as para o atendimento das necessidades humanas. É preciso estabelecer racionalmente o que a humanidade precisa produzir e de que forma isso pode ser produzido sem afetar a capacidade do planeta de seguir fornecendo indefinidamente os recursos de que necessitamos. Ao invés de produzir a infinidade de objetos inúteis em que estamos entulhados, o trabalho social passaria a produzir aquilo de que os seres humanos realmente precisam para viver. Isso por si só já teria grande impacto na reversão dos danos ambientais.
Mas isso só é possível com o fim do trabalho alienado, ou seja, com a conquista do controle dos trabalhadores sobre seu tempo e seus instrumentos de trabalho. Para isso é preciso romper com a propriedade privada dos meios de produção e com a divisão da sociedade em classes. Somente uma humanidade sem classes pode se relacionar de forma racional com seu trabalho, direcionando seu tempo e recursos para produzir aquilo que realmente é necessário e considerando o equilíbrio da natureza e a continuidade da vida. Ao mudar a relação do homem com o trabalho, muda-se também a relação com a natureza.
Para a natureza é indiferente que o planeta seja habitado por seres inteligentes ou por bactérias, pois o planeta seguirá seu curso em torno do sol, quer sejam os homens os seus passageiros ou sejam os microorganismos. Para o homem, entretanto, a preservação de certas condições indispensáveis para a sua sobrevivência, como ar respirável, água potável, terras férteis, temperaturas suportáveis, etc., deve ser resultado de sua ação consciente e coletiva. Essa ação passa necessariamente pela revolução social, pela superação da lógica do capital e pela construção do socialismo, único regime capaz de devolver ao homem o controle sobre seu trabalho, sua humanidade e sua relação racional e sustentável com a natureza.

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O SEQÜESTRO DO METRÔ E O SUMIÇO DA CRISE

“O seqüestro do metrô 123” é mais um típico filme de ação enlatado do cinema estadunidense. A sua peculiaridade está na alegoria que se pode fazer entre a sua narrativa e o discurso ideológico por meio do qual os políticos, economistas, jornalistas e outros gestores do sistema querem nos fazer crer que a crise econômica já foi superada.
O protagonista do filme é um executivo da companhia do metrô de Nova York (interpretado por Denzel Washington) que está sob investigação por suspeita de aceitar suborno em uma licitação. Por conta disso ele foi rebaixado para a função de controlador de tráfego, encarregado de monitorar o fluxo dos trens nas linhas e se comunicar com os maquinistas. É nessa função que ele entra em contato com seu antagonista, um ex-presidiário (interpretado por John Travolta) que seqüestra um trem e exige um resgate milionário da prefeitura. Mas não se trata de um ex-presidiário qualquer: o seqüestrador havia sido preso por aplicar um golpe em Wall Street.
Seguem-se então as piruetas tradicionais dos filmes de ação, o clássico duelo do mocinho e do bandido, a ideologia tradicional do heroísmo hollywoodiano, etc. Nessa linha, trata-se de uma produção competente, realizada por profissionais de bom nível. O diretor é Tony Scott, o irmão sem talento de um dos grandes artistas em atividade no cinema (Ridley Scott, responsável por clássicos como “Alien, o 8º passageiro” e “Blade Runner”, além de uma longa coleção de obras acima da média, como “Os duelistas”, “Chuva Negra”, “1492”, “Telma e Louisie”, “Gladiador”, entre outros). Mesmo sem o talento do irmão, Tony Scott já emplacou um mega-sucesso de bilheteria, o icônico “Top Gun”, filme paradigmático da década de 1980 e seu “revival” da Guerra Fria, com a apologia explícita do aparato militar estadunidense, embalada no clichê do herói rebelde romântico.
Em “seqüestro do metrô 123” temos outro tipo de discurso ideológico, adequado a uma época de crise econômica.
O herói é um funcionário público civil, apesar de também pegar em armas no final. Isso representa uma defesa do papel do Estado ao supostamente tirar a economia estadunidense da crise (sem no entanto abrir mão das guerras no Oriente Médio).
O vilão da história é um especulador do mercado financeiro. Ou seja, a causa da crise são as “maçãs podres” de Wall Street, os banqueiros inescrupulosos que transformaram a economia num cassino. A mensagem é que, expurgando-se essas maçãs podres, o sistema vai voltar a funcionar normalmente. Não há nada de errado com o capitalismo, apenas com alguns indivíduos problemáticos.
O herói da história é um negro, assim como o atual presidente estadunidense é negro. O herói cometeu um erro no passado, assim como o governo estadunidense (que praticou torturas, prisões ilegais, morte de civis inocentes, entre outros crimes de guerra.) cometeu. O combate ao vilão redime o herói de seus crimes, assim como Obama acoberta os crimes dos seus antecessores. O prefeito é um político tradicional, demagogo, mulherengo, etc., que não está concorrendo à reeleição, assim como os republicanos conservadores cederam o bastão a Obama e se retiraram para os bastidores, para voltar quando o serviço sujo de administrar a crise tiver sido feito. Um encobre os crimes do outro, uma mão lava a outra, e estamos conversados. O mocinho do filme pode voltar para casa feliz, como se nada tivesse acontecido.
O resumo da ópera é que o Estado salvou o capitalismo. Um conto de fadas para quem acredita num mundo de mocinhos e bandidos “made in Hollywood”. No mundo real, é preciso mais do que marketing e demagogia estatista. A crise continua, o capital fictício foi estocado nos cofres públicos, o Estado socializou os prejuízos das falcatruas privadas, trabalhadores perderam seus empregos, suas casas, seus salários e seus direitos, as guerras continuam no Oriente Médio, golpes de Estado na América Central, bases militares na Colômbia e a IV Frota estadunidense de olho no nosso pré-sal, e Lula, em conluio com Sarney e outros caciques, está loteando o pré-sal para as transnacionais, garantindo uma fatia para que a burocracia petista possa continuar anestesiando as massas com bolsa-esmola, e assim eleger Dilma.
O show vai continuar, enquanto não dermos fim ao seqüestro das consciências.

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