Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

ALGUMAS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER SOB O CAPITALISMO

Iraci Lacerda e Thais Helena

 

Em uma sociedade capitalista, os critérios de produção, suas prioridades e particularidades têm como objetivo garantir que se extraia o maior lucro possível de cada atividade. Esse lucro é pautado na exploração massiva do trabalho de uma maioria desvalida, que será revertido em posses e em qualidade de vida para somente uma minoria da população, a burguesia.
Nesse tipo de funcionamento nascem e crescem seres humanos que se habituam às desigualdades geradas pelo modo de produção e acabam por perpetuar, nos demais âmbitos de suas vidas, relações sociais tão desumanas quanto.
Agravadas pelas inúmeras carências e misérias materiais geradas pelo capitalismo, para além de uma cultura e de costumes já enraizados, essas relações desumanas se perpetuam também individualmente como forma de suprir necessidades não garantidas pelo Estado ou como forma do indivíduo manifestar problemas.

Em uma sociedade em que a família é estruturada patriarcalmente – e no momento em que voltamos a ouvir a exaltação “dos bons costumes da família brasileira e da propriedade privada” – é atribuída ao homem valoração social não somente diferente, mas superior àquela atribuida à mulher. A educação de homens e mulheres, em pleno século XXI, ainda é diferenciada. Enquanto a mulher sofre a pressão para ser ora delicada e submissa ora forte e independente, o homem é educado para ser o dono de si.

Prega-se uma superioridade supostamente inerente ao homem, construída historicamente, o que procura legitimar a submissão feminina e assim justificar a opressão da mulher, mesmo com todos os discursos de que as mulheres estão se tornando cada vez mais independentes e ocupando espaços até então masculinos.

Essa relação de poder entre sexos é transposta para a relação de posse estabelecida no âmbito das relações pessoais e sustenta, junto com as demais estruturas sociais, a opressão.
A crueldade de 10 mulheres serem mortas por dia ou de a cada 02 minutos 05 mulheres serem espancadas no Brasil (www.luluzinhacamp.com) não pode ser dissociada desse contexto, pois a violência acaba sendo uma das formas de exercício do poder masculino e é observada como mediadora das relações entre mulheres e homens como meio de garantir a subordinação das primeiras aos segundos.

A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA QUE MALTRATA


A ampla divulgação da independência financeira da mulher, além da necessidade de ser bastante relativizada, deve ser analisada também nesse contexto opressor, pois suporta índices reveladores, segundo Relatório IBGE 2011: a) O rendimento médio da mulher é 70% menor que o do homem, mesmo atingindo maior nível de escolaridade; b) A proporção de famílias cuja referência é a mulher subiu, sendo que 36,6% dessas famílias vivem com apenas dois salários mínimos; c) O desemprego entre as mulheres atinge 14,7% contra 9,5% entre os homens. d) Quase 1/3 das mulheres entre 15 e 24 anos já têm filho(s); e) Os matrimônios legais declinaram e as separações conjugais aumentaram.

Embora apresente desigualdade nas regiões, há uma demonstração clara de que o homem ainda recebe, em geral, salários mais altos e é eximido culturalmente da responsabilidade de cuidar dos filhos. Sem tratarmos de questões que envolvem diretamente os afazeres domésticos. Todos esses números são ainda mais desiguais quando nos referimos às mulheres negras da classe trabalhadora.

Isso tudo, muitas vezes, faz a mulher sujeitar-se às violências e abusos cometidos pelo homem. Em uma realidade de carências, às vezes, a trabalhadora somente “possui” seu companheiro e filhos. Assim, a dependência emocional também influencia a mulher a não denunciar o agressor.

Numa sociedade conservadora e de classes, são incutidos nos trabalhadores valores que sustentam as opressões: “Esse tipo de violência ainda é justificada por uma série de crenças: a idéia de que o abusador não pode se controlar, que a pessoa abusada é inferior, que a família deve manter-se unida a qualquer custo, e que as pessoas de fora não devem se envolver nas questões familiares” (FAGUNDES, Fabíola dos Santos).

A VIOLÊNCIA COMO FORMA DE PODER SOCIAL E POLÍTICO


E assim os números vão mostrando o grau de violência, de tentativa de manter-se o poder masculino, o quão a sociedade capitalista é doente e o nível de impunidade: 28,4% das mulheres assassinadas no Brasil em 2010 morreram em casa vítimas de facadas, tiros, pedradas, golpes de foice e machado. Somente na última década o número de assassinatos cresceu em 30% (Correio Brasiliense, 17/04/2011) e ainda discute-se a dificuldade em mapear a violência doméstica pelo poder público.

A Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei Maria da Penha) oferece algumas possibilidades, porém somente após a mulher efetuar a denúncia. Mas, para que haja denúncias que possibilitem reduzir drasticamente a intensidade dos assassinatos é necessário que o governo federal, primeira mulher presidente, pare de ladainha e aplique o dinheiro público exatamente a favor de quem o produziu.

Até o presente momento podemos contar somente com 72 casas-abrigo e 466 Delegacias da Mulher em todo país (sendo que existem cerca de 5.500 municípios no Brasil).

Isso demonstra a gravidade de o governo Dilma estar comprometido com as necessidades da burguesia e não da mulher trabalhadora, que mais necessita de bons serviços públicos.

O QUE O “ALEGRE” CONSUMO DE ÁLCOOL ESCONDE


Quando se trata da violência contra a mulher, apesar de não ser possível afirmar cientificamente uma reação causal, vários estudiosos afirmam que o álcool é a substância mais ligada às mudanças de comportamento que resultam em atitudes violentas. O consumo de álcool está associado a 50% dos casos de violência doméstica, porcentagem que ainda não inclui a influência do uso de outras drogas.

Pesquisas demonstram que as agressões contra a mulher acontecem em sua maioria no espaço doméstico e que o agressor principal costuma ser em primeiro lugar o companheiro, seguido do ex-companheiro.
Para além das consequências sociais que o álcool causa, prejudiciais à vida do homem e da mulher, fica em destaque a intensificação da opressão sobre a mulher trabalhadora que convive com homens que utilizam a substância de forma abusiva, inclusive para suportarem a intensa exploração no trabalho.
As políticas públicas direcionadas ao tratamento de dependentes de álcool e drogas não dão conta de minimizar os danos. Os CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) recebem parco investimento e não são suficientes em quantidade e nem qualidade.
Sem discutirmos os incentivos que as grandes empresas do ramo, apenas dispostas a lucrar, dão para que a sociedade consuma cada vez mais, pois relacionam diretamente a bebida com bem-estar, amigos, mulheres bonitas e reforçam a ideia de um maior “status” para aqueles(as) que bebem.

A VIOLENTA MÍDIA BURGUESA QUE DISSEMINA VIOLÊNCIA


Além disso, é notável e repudiante o papel da mídia – também sob controle da burguesia possuidora de vantajosas concessões sobre as telecomunicações discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional Brasileiro – quanto à violência contra a mulher.
O fato mais recente e de grande repercussão foi o ocorrido no BBB/2012. Com o respaldo de grandes patrocinadores (Devassa, Fiat, Omo, Niely, etc.) a Rede Globo, que incentiva todo tipo de preconceito, tratou de uma suspeita de estupro como “caso de amor”, editou imagens e ocultou o fato para a própria vítima, desacordada no momento, pressupõe-se por uso excessivo de álcool.
Ainda nos deparamos com constantes programações televisivas que desprezam nossa inteligência, pois visualizam a mulher como objeto, renegam a mulher da classe trabalhadora e incentivam ou reforçam a violência contra a mulher.

Caso bastante frequente é do programa Zorra Total, também da poderosa emissora. Ou, como o nojento e repugnante programa “Mulheres Ricas” da Band que procurar humilhar a trabalhadora ao demonstrar o esbanjamento exorbitante de gastos com futilidades e a ociosidade da burguesia, enquanto a nossa classe é consumida pelo trabalho excessivo com altos níveis de exploração e baixos salários para sustentar esse luxo miserável.
Ou ainda, quando telejornais e a maior parte da mídia escrita omitem informações ou mentem descaradamente para poupar governos fascistas, como no caso do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, SP, em que mães com crianças foram expulsas de suas casas, sem alimentação e infra-estrutura por acreditarem na Justiça burguesa e por sonharem com uma moradia.

A VIOLÊNCIA DO ESTADO


Além de tudo isso podemos dizer que o Brasil está retrocedendo também em relação à saúde da mulher, o que está diretamente relacionado ao nível de violência praticado pelo Estado burguês e seus meios de sustentação.
Segundo a publicação “20 anos de pesquisas sobre aborto no Brasil” e pesquisa realizada pelo InCor (USP), ambas de 2011, o aborto ilegal continua entre as principais causas de morte da mulher. A curetagem, cirurgia realizada após abortamento, teve 3,1 milhões de registros no SUS em 2010.
Esse problema de saúde pública que também é social e político tem um perfil: São mulheres com menor escolaridade e que vivem relação estável.

Enquanto isso acontece, a presidente Dilma edita a Medida Provisória 557* em 26/12/2011 para criar o Cadastro Nacional de Gestantes Brasileiras (com benefício financeiro de R$ 50,00 para auxiliar no deslocamento a serviços de saúde no período de pré-natal) colocando mulheres sob vigilância do Estado compulsoriamente.
Essa MP viola a vida privada da mulher, busca coibir e controlar o abortamento sem termos a descriminalização e a legalização do aborto no país. Também transfere várias responsabilidades para a mulher sem garantir mais vagas ou mais leitos nos hospitais a fim de possibilitar qualidade no pré-natal, na internação e no pós-parto.

Essa medida vai ao encontro do projeto que tramita no Congresso da Bolsa-estupro, que visa pagar à gestante, vítima de estupro, que não abortar, um salário mínimo até que a criança complete 18 anos. Ambas procuram dar garantia de direitos ao nascituro e não à mulher. E são contrárias à manifestação do STF (maio/2008) que considera que vida é própria de uma concreta pessoa.
O Estado brasileiro reforça assim a ofensiva da Igreja e do Vaticano sobre a opressão da mulher e vai à contramão do que vem ocorrendo na América Latina, que registra casos de descriminalização e legalização do aborto como no Uruguai, México e Colômbia.
Em contrapartida temos um déficit nacional de mais de 19,7 mil creches (www.agenciapatriciagalvao.org.br).
Essa realidade nos permite entender a dramática situação da mulher trabalhadora: Decide ter filho, vive, pára de trabalhar ou não tem com quem deixar. Resolve abortar, responde com a vida ou criminalmente.
O governo federal, os estaduais e os municipais têm responsabilidades sobre toda essa situação e não apresentam propostas de combate à violência porque estão comprometidos com mulheres e homens da classe que não trabalha e vive da exploração alheia.
O governo Dilma, em especial, por tudo que já foi citado, não deve receber dos movimentos organizados de mulheres apenas as exigências de que se cumpra um bom trabalho. Não podemos cair nessa farsa de que, sob o capitalismo, a vida da mulher trabalhadora é boa e tranquila.
Permitir essas várias formas de violência contra a mulher trabalhadora é negarmos a necessidade de transformação dessa sociedade doentia, machista, injusta e exploradora.
Os espaços de luta e poder precisam ser ocupados por mulheres e homens da classe trabalhadora que entendam a real necessidade de não nos atrelarmos ou acreditarmos nos governos da burguesia. É necessário endurecermos na denúncia do grau e dos vários tipos de violência contra a mulher trabalhadora.

A nossa luta por sobrevivência precisa, necessariamente, romper com o silêncio e criar laços de solidariedade entre nós e os demais trabalhadores.
Precisamos inverter a lógica de funcionamento da sociedade: Em vez de quem não trabalha ficar com a riqueza produzida e decidir sobre nossas vidas, nós, a classe trabalhadora, devemos assumir o controle da produção, da distribuição da riqueza, da mídia e do Estado para podermos desenvolver nossas potencialidade e criarmos um tipo de sociedade sem machismo e sem exploração.

É urgente:
– Punição aos agressores (assassinos, empresários, mídia, governos)! Políticas públicas para o combate a todo tipo de violência contra a mulher. Por casas-abrigo, delegacias da mulher, recolocação no mercado de trabalho, acompanhamento médico e psicológico, etc.!
– Por tratamento humanizado, público, de qualidade  aos trabalhadores dependentes do alcool e das drogas! Pela ampliação e por mais investimento nos CAPS!

– Não às medidas repressivas, não à internação compulsória de usuários de drogas!
– Salário igual para trabalho igual!
– Creches públicas, gratuitas e com qualidade para as crianças da classe trabalhadora!
– Legalização e descriminalização do aborto! Investimento em campanhas sistemáticas e massivas de orientação sexual, prevenção contraceptiva e prevenção à AIDS e outras DST´s nas escolas, bairros, postos de saúde, sindicatos, televisão, rádio, etc.!
– Vida, saúde e um governo da classe trabalhadora!

* No momento em que escrevíamos esse artigo, a presidente Dilma havia recuado em relação à MP 557 sob pressão de alguns movimentos de mulheres.

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Sobre a criação do Estado Palestino – Pedro Guerra

 Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor.

Sobre a criação do Estado Palestino

O mundo parou para ouvir o discurso de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, na Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, no último dia 23. Perante a Assembleia Geral, o líder palestino demandou o reconhecimento da Palestina enquanto Estado-membro da ONU. Acreditamos que o surgimento do Estado palestino não encerre, por si só, a violência e o caos no Oriente Médio. Faz-se necessário o fim do imperialismo estadunidense (também europeu, em menor escala), por meio da aliança com o governo de Israel, no Oriente Médio. E o fim do imperialismo implica na luta dos povos, em diversas frentes amplas, contra o capital. Assim, não será uma medida jurídica (surgimento de um Estado) que trará justiça aos palestinos. Todavia, ainda que parcial, o surgimento de um Estado palestino implica numa vitória, haja vista a possibilidade de algumas iniciativas auto-afirmativas do povo palestino.

A hipótese mais concreta não é o surgimento de um Estado palestino membro da ONU, mas sim um mero Estado observador. É o mesmo "status" do Vaticano. Não sendo membro, o futuro Estado palestino não terá assento na Assembleia Geral, portanto, não terá direito a voto e nem a participar dos Conselhos e Comissões. Assim o é haja vista a necessidade de aprovação de novos membros por todos os participantes do Conselho de Segurança (CS). O CS é expressão concreta da instrumentalização da ONU pelo imperialismo: seus integrantes (França, Inglaterra, EUA, Rússia e China, principais protagonistas e, de umam certa forma, vencedores da Segunda Guerra Mundial. Alemanha, Itália e Japão, outros protagonistas relevante, porém derrotados, estão fora do restrito grupo) possuem poder de veto exclusivo em questões de maior importância. Ou seja, basta a oposição de um deles apenas, sem necessidade, portanto, da vontade da maioria, para que seja obstada alguma medida de maior importância, como o ingresso de novos membros. Os Estados Unidos já prometeram barrar o ingresso da Palestina. Que seja mais importante o poder político-econômico dos países, mas se a ONU fosse uma legítima representante dos Estados e seus povos, não se permitiria a barbaridade da desigualdade de direitos entre seus integrantes. Israel e Europa também se apressaram em fazer oposição ao pleito palestino, mesmo que tal postura lhes custe ainda maior desgaste político internacional. O mundo tem olhos atentos às questões do Oriente Médio e a opinião pública vai no sentido de se permitir a soberania palestina.

A criação de um Estado observador já oferece algum campo de manobra política palestina. Juridicamente, se for criado, o Estado palestino poderá assinar diversos estatutos das Nações Unidas, inclusive com a possibilidade de acionamento internacional da tutela dos direitos humanos. Em tese, seria possível, por exemplo, fazer lideranças israelenses se sentarem no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional (TPI), tendo em vista que, então, as ações armadas de Israel se dariam contra a população no território de um país soberano, caracterizando, portanto, intervenção militar. Ou, em outra hipótese, seria possível se postularem indenizações contra Israel em face das muitas agressões até hoje ocorridas. São "táticas forenses" com efeitos provavelmente ínfimos. Os próprios Estados Unidos promovem, impunemente, ataques a diferentes povos em diversas partes do planeta e é muito certo que seu aliado, Israel, não será tão importunado. Como expusemos, medidas jurídicas podem assumir certa repercussão estratégica, entretanto, apenas a luta dos povos efetivamente gera as grandes transformações.

De toda forma, revolucionários que somos, analisamos com o pessimismo da razão e o otimismo da vontade. A constituição da Palestina, mesmo que apenas um Estado observador, e a aplicação das "táticas forenses" serão, considerando-se ser a única e breve conquista ao alcance, outra grande frente de exposição das arbitrariedades israelenses. Da conquistas jurídicas às lutas políticas, as colônias israelenses em território palestino devem ser colocadas à prova, bem como o muro que sufoca comunidades palestinas. Os postos militares de Israel devem ser constantemente hostilizados, da mesma forma que a opinião pública internacional deve ser alertada sobre os milhares de presos palestinos (inclusive mulheres e crianças) nos porões israelenses. Por fim, Jerusalém não pode ficar sob exclusiva gestão israelense, devendo a mesma ser compartilhada entre os povos que a reinvindicam, historicamente, como sua capital.

Em conclusão, ainda que não surja com "status" pleno de membro ativo das Nações Unidas, a criação de um Estado para os palestinos significa, sim, um avanço para a democratização do Oriente Médio. Porém, a leitura crítico-marxista mais sagaz nos faz entender que, ainda que importantes, não bastam as conquistas jurídicas para o povo palestino. É preciso concentração nas conquistas políticas concretas, afastando o Estado hostil de Israel, promovendo a libertação dos territórios ocupados e entregando a gestão dos mesmos aos próprios palestinos, por meio de suas organizações.

 

HELENO ROUGE, é militante do ESPAÇO SOCIALISTA

 

 

 

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O método autoritário – Pedro Guerra

 Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor.


O método autoritário

 
Camaradas, num ambiente democrático e aberto à reflexão, como o é o ESPAÇO SOCIALISTA, pretendo, com toda modéstia, traçar os aspectos mais comuns da prática autoritária. Pensei numa temática constante, ainda mais para nós, mulheres e homens da esquerda revolucionária: o autoritarismo. Vamos lá. Não seria fácil conceituar e fazer todas as necessárias referências históricas, contudo se fazem suficientes alguns traços bastante marcantes: agressividade contra a democracia, repúdio à reflexão crítica e o nacionalismo exacerbado. Eventualmente, ainda o autoritarismo pode se valer do clamor religioso, arrogando-se o cumprimento da vontade de Deus. Está armada, assim, uma das mais infelizes práticas sociais, cuja incidência, para nossa tristeza, se reproduz continuamente. Em sua crítica à democracia, o autoritarismo reclama da desordem, ausência de hierarquia e disciplina perpretadas na democracia. Ouvem-se críticas ao estilo “na democracia, tudo é bagunça e as pessoas discutem eternamente, sem solução prática para nada”. Como numa democracia se vive o respeito à pluralidade de ideias, fazem-se necessárias reuniões e discussões, acarretando conflitos de ideias, o que é precipitadamente alcunhado de desordem. Mas não o é. A democracia, permitindo-me uma metáfora, não são límpidos céus, mas sim os enérgicos ventos do exercício do poder popular. Ainda se testemunham ataques como “na democracia, as pessoas não respeitam as autoridades!” Ora, a soberania legítima é do tipo popular, de maneira que a verdadeira relação entre povo e autoridade pública é aquela em que esta última se submete ao primeiro e não ao contrário. Outra característica típica do autoritarismo é seu antiintelectualismo, ou seja, seu repúdio à crítica social e seu elogio à prática sem reflexão. Zela-se o saber técnico-profissionalizante, prático e imediatista, renegando-se a importância das leituras filosóficas questionadoras. Suas falas são do tipo “filosofia não serve para nada, pois não cai no vestibular!” ou ainda “só quero saber dos assuntos que usarei na minha profissão!”. Certo é que existem conhecimento práticos essenciais e indispensáveis ao mundo, no entanto, rejeitar os saberes humanizadores esteriliza a possibilidade de amadurecimento político-democrático, ensejando práticas autoritárias. Ainda, é bastante comum o ufanismo, isto é, o patriotismo exagerado, sendo usual se ouvir a exclamação “meu país acima de tudo!”. Ora, diletos leitores, justamente governos que sobrepõem interesses particulares aos das demais nações faz com que, por exemplo, exista a arrogante ingerência estadunidense em outros países. Deve haver harmonia nas relações internacionais e não interesses de uns “acima de tudo”. Numa próxima oportunidade, pretendo desenvolver mais e melhor tais reflexões. Até lá.

 
HELENO ROUGE é aspirante a militante do Espaço Socialista
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Crescem a economia e o lucro dos empresários. E como ficam os trabalhadores?

 Crescem a economia e o lucro dos empresários. E como ficam os trabalhadores?

            O governo Dilma, os empresários e os meios de comunicação dizem o tempo todo que o país está no rumo certo, que vamos ter um papel de destaque no mundo, com a economia crescendo, a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016. Prometem que os trabalhadores vão ter empregos e salários cada vez melhores, acesso à moradia, automóveis, faculdade, enfim, ganhos para todos. Até os mais pobres estariam saindo da miséria, graças ao aumento do salário mínimo e às bolsas do governo.

            Entretanto, se olharmos com mais atenção a realidade, veremos que as coisas não vão tão bem assim. O crescimento da economia está muito baseado no crédito (endividamento), a mesma coisa que aconteceu nos Estados Unidos, antes de estourar a crise. E no Brasil, o que acontecerá quando acabar a euforia dos eventos esportivos?

            Além disso, esse crescimento atual também está baseado em uma superexploração dos trabalhadores no interior das empresas, nas fábricas, nos canteiros de obras, no telemarketing, nos escritórios, etc. Há um aumento do ritmo de trabalho, do esforço que é exigido de cada trabalhador, da cobrança das chefias e dos patrões. Cada trabalhador tem que fazer o serviço de 2, 3 ou mais. O resultado  é o esgotamento e adoecimento físico e psicológico dos trabalhadores.

            A propaganda do governo, dos patrões e das direções sindicais pelegas é que os trabalhadores estão ganhando mais com as PLRs (Participação nos Lucros e Resultados). Mas isso é enganoso, pois a PLR não entra no cálculo de férias, 13º, FGTS, aposentadoria, etc. O trabalhador parece ganhar bem no momento imediato, mas a longo prazo seu salário está sendo rebaixado. Como a PLR não é incorporada ao salário, amanhã as empresas podem alegar dificuldades e não querer pagar nem metade da PLR de hoje. Além disso, quando se aposentar e não receber mais PLR, o trabalhador não vai ter mais como pagar as contas!

            Os patrões manobram para retomar os aumentos que os trabalhadores conseguem, aumentando os preços com o aval do governo. Quando vamos ao supermercado, à feira livre, à farmácia, vemos que os preços estão aumentando muito mais que os salários! Os meios de comunicação dizem que a inflação está em 6%, ou 7%, mas a inflação real para o trabalhador é muito maior. Só no ano passado os alimentos aumentaram 10,23%. Da mesma forma, o preço das passagens de ônibus, trens e metrôs, da gasolina, água, luz e telefone, enfim, os artigos que os trabalhadores consomem, sobem muito acima do que é divulgado. Para quem fez um aperto para comprar uma moradia, um carro ou eletrodomésticos, o pagamento dos carnês e dos empréstimos nos bancos, do cheque especial e do cartão de crédito está se tornando uma verdadeira tortura. Falta salário e sobram contas para pagar.

            O salário mínimo de R$ 545,00 está muito abaixo do necessário, longe de alcançar aquilo que determina a própria lei. Segundo a Constituição, o salário mínimo deveria cobrir as necessidades de uma família com moradia, alimentação, vestuário, saúde, transporte, educação e lazer. Para isso, o salário mínimo deveria ser de R$ 2.194,00, de acordo com o DIEESE.

            Quando vamos utilizar os serviços públicos, as escolas, os hospitais, ônibus, etc., vemos as péssimas condições devido à falta de investimento. Faltam professores, médicos, funcionários em todos os serviços. Os funcionários do serviço público enfrentam péssimas condições de trabalho: professores não têm condições de preparar aulas, médicos e enfermeiros não têm como atender, faltam remédios e equipamentos nos hospitais, não temos ônibus, trens e metrô na quantidade necessária, etc. Além de não haver investimento na estrutura dos serviços, os salários dos funcionários públicos não são reajustados, pois os governos federal, estadual e municipal querem  economizar dinheiro para ajudar os empresários.

 

Para uma sociedade justa e igualitária, é preciso romper com o capitalismo!

            Essa realidade não é apenas responsabilidade desse ou daquele governo, desse ou daquele partido. Tanto Lula/Dilma/PT quanto PSDB são responsáveis por essa realidade, porque são políticos que vivem para obedecer uma classe social, a classe dos empresários, dos patrões, a burguesia. A classe dominante precisa dos políticos e do Estado para manter os trabalhadores sob controle. A recompensa dos políticos é a chance de enriquecer com a corrupção. Para os trabalhadores, o que sobra é a exploração e a miséria.

            Tudo isso é resultado do sistema capitalista, em que a exploração cotidiana de muitos – os trabalhadores – só serve para aumentar os lucros dos empresários e políticos que os servem. São os trabalhadores que criam a riqueza do país, mas essa riqueza é direcionada para o lucro e não para a coletividade. Toda a riqueza produzida na sociedade deveria retornar para aqueles que a produzem! Para mudar essa situação, é preciso mudar de alto a baixo a sociedade. É preciso construir uma sociedade em que os trabalhadores decidam sobre o que produzir, como produzir e em que quantidade, de acordo com as necessidades de todos e em equilíbrio com a natureza. É preciso construir uma sociedade socialista!

            A alternativa está sendo iniciada pelos que se colocam em luta: os trabalhadores das obras do PAC, os metalúrgicos, os professores e funcionários públicos que estão em greve em vários estados. É preciso impulsionar já uma ampla campanha em apoio às lutas dos trabalhadores!

            Também precisamos defender juntos o direito de greve dos trabalhadores e estudantes, de lutarem por sua subsistência, pois esse direito está sendo ameaçado. Vemos a intromissão dos tribunais decretando a ilegalidade das greves e passeatas, obrigando o retorno ao trabalho, mas sem resolver as injustiças que provocam as greves. Temos que nos posicionar contra a punição dos tribunais aos que lutam e contra a repressão aos movimentos sociais,  nas escolas, ruas, nas fábricas e universidades.

            Para conseguirmos as mudanças necessárias precisamos construir um Movimento Político dos Trabalhadores para a luta contra a exploração capitalista, que reúna todos os movimentos e setores da população e que lute por uma outra forma de sociedade, livre da exploração!

           

Defendemos:

            ♦ Reposição das perdas e aumento real dos salários! Incorporação das PLR’s ao salário! Salário mínimo do DIEESE (R$ 2.194,00) como piso para todas as categorias! Fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho! Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!

            ♦ Redução e controle dos ritmos de trabalho. Enfrentar juntos a pressão no trabalho e os casos de assédio moral! Precisamos desenvolver formas de organização dos trabalhadores dentro das empresas!

            ♦ Para trabalho igual, salário igual!

            ♦ Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!

            ♦ Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e  melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!

            ♦ Reestatização da Vale, Embraer e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores! Que a exploração do pré-sal seja feita por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!

            ♦ Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Expropriação do latifúndio e do agronegócio sob controle dos trabalhadores! Rumo ao fim da propriedade privada! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica, voltada para as necessidades da classe trabalhadora!

            ♦Expropriar os imóveis usados para lucro da burguesia e colocá-los à disposição dos trabalhadores! Por um grande plano de moradias populares! Fim do financiamento público para condomínios de luxo e utilização dessa  verba em moradias populares! Investimento em transporte público de qualidade que priorize o modelo de transporte coletivo!

            ♦ A classe trabalhadora precisa criar/fortalecer seus próprios organismos de luta. Esses organismos devem ter como princípios a independência frente aos patrões e aos governos, a democracia e a participação da base, a luta contra a burocratização e a disputa ideológica.

            ♦ A estratégia deve ser a ruptura com a sociedade capitalista e a construção de um governo socialista dos trabalhadores, apoiado em suas organizações de luta e que avance em direção ao socialismo!

Para participar das discussões e dessa luta, entre em contato com o Espaço Socialista!

Venha conosco debater e lutar por uma nova sociedade! 

 

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Tropa de Elite 2: vitória da violência

Tropa de Elite 2: vitória da violência

Daniel M. Delfino

No cinema de Hollywood as continuações em geral seguem uma fórmula típica em que tudo aumenta de escala: a ambição da trama, os desafios, o drama dos personagens, as reviravoltas no roteiro, os efeitos especiais, as cenas de ação, etc. O segundo "Tropa de Elite" segue esta fórmula e também amplia suas ambições.

O primeiro episódio tinha como alvo ideológico a "consciência social" da pequena-burguesia universitária, que milita em ONGs, é "amiga dos pobres" e consome maconha. No discurso do filme, o usuário de drogas é o culpado pela violência, pois é o seu dinheiro que financia o tráfico, e que arma os traficantes, com as mesmas armas com as quais se cometem os demais crimes. Para proteger "a sociedade" contra o crime, prossegue o filme, uma polícia comum não serve, pois a PM é na verdade sócia do crime, por meio da corrupção. A solução é o BOPE, uma tropa de elite selecionada por meio de métodos extremos de treinamento, capaz de desbaratar qualquer quadrilha por meio de técnicas de tortura e de guerra dignas de qualquer filme de Rambo. Para completar, o "bandido" é apresentado como uma raça à parte dos demais seres humanos, os "cidadãos de bem", não como uma categoria social produzida por relações sociais específicas, e como tal pode ser torturado e morto pelos "mocinhos" da história sem qualquer sombra de remorso.

Ainda que tivesse alguma pretensão crítica por expor as entranhas da corrupção policial ou mesmo a destruição da vida pessoal do capitão do BOPE (que se torna ele próprio usuário de drogas – estas legalizadas – fornecidas com receita de tratamento psiquiátrico), o primeiro filme acaba funcionando como uma apologia dos métodos extremos da repressão. A questão fundamental, que é a proibição do uso de drogas, nem sequer é mencionada. Se o consumo de drogas não fosse ilegal, não haveria a necessidade de reprimir o tráfico, e não haveria quadrilhas armadas de traficantes aterrorizando a periferia das grandes cidades, e conseqüentemente não haveria a guerra entre traficantes, policiais corruptos e o BOPE. Certamente haveria um aumento do número de dependentes e de problemas para o sistema público de saúde, e haveria outros crimes a serem explorados pelo lumpesinato; entretanto, a letalidade social da proibição ao uso de drogas, com seu corolário de violência, corrupção e terror é muito maior. A série "Tropa de Elite" não discute essas possibilidades, tratando a proibição do uso de drogas como um fato dado e absoluto, um pressuposto imutável, e em cima disso constrói sua hierarquia de valores morais, de certo e errado, mocinhos e bandidos.

O resultado é uma apologia mais ou menos disfarçada da repressão, da guerra social, do extermínio de favelados, negros, nordestinos, desempregados, pelo crime de serem pobres. O herói do cinema brasileiro não é mais o bandido, o cangaceiro, expressão estética de uma "consciência social" anterior, também pequeno-burguesa e limitada, que glamourizava a resistência social dos pobres contra a repressão do Estado, como forma de aliviar a consciência pesada dessa camada social com a miséria brasileira, mas que não avançava para a defesa de mudanças profundas no regime social. Essa consciência foi tornada antiquada e a pequena-burguesia foi posta contra a parede. O novo herói do cinema nacional é o policial durão, estilo John Mclaine, da série "Duro de Matar", em versão brasileira.

O novo episódio também não avança para um questionamento mais profundo sobre as causas do problema da violência. Logo no início, quando o BOPE está se preparando para debelar uma rebelião em um presídio, o nosso "herói", o agora Coronel Nascimento, diz que o que impede a polícia de acabar de vez com o crime são os "intelectuais de esquerda que ganham a vida defendendo vagabundo". O uso da expressão "vagabundo" não deixa margem de dúvidas quanto à ideologia que está sendo destilada. O criminoso é chamado de "vagabundo", um adjetivo negativo que tem o significado de pessoa que não quer trabalhar. Logo, o criminoso não se torna criminoso por uma série de outras razões, mas simplesmente porque não quis trabalhar. Está subentendida nesse discurso a idéia de que, se o vagabundo quisesse trabalhar honestamente, ele poderia. Está expresso aí com todas as cores o brutal cinismo da ideologia burguesa, que explica as desigualdades sociais pelo mérito individual, que separa implacavelmente os vencedores dos perdedores.

O desemprego, o subemprego, o trabalho superexplorado, a miséria e a alienação em que vivem milhões de trabalhadores nas periferias são tomados também como pressupostos imutáveis, e também como se não tivessem nenhuma relação causal com a facilidade do negócio capitalista do tráfico, um mercado como outro qualquer, de recrutar seus aviõezinhos, soldados e gerentes de boca, proletários do negócio do tráfico, e seus chefes sanguinários, seus Beiradas, Baianos e Beira-mares, empreendedores capitalistas associados aos banqueiros encarregados da lavagem de dinheiro e aos políticos e magistrados encarregados de deixá-los tocar suas atividades, dentro ou fora da cadeia, em troca de propina. Combater o crime por meio da violência policial, ou por meio de ONGs assistencialistas, sem combater as suas causas, que estão na miséria social e no próprio sistema capitalista, é como enxugar gelo.

O processo social que alimenta a continuidade dos negócios criminosos e da guerra associada a ele permanece oculto ou intocado no 2º episódio de "Tropa de Elite", que começa com a cena de rebelião no presídio, quando o Coronel Nascimento diz que os "vagabundos" deveriam ser deixados à própria sorte, para que se matassem todos. A intenção do Coronel, que expressa o desejo da consciência burguesa e pequeno-burguesa em relação aos "perdedores" da corrida social, era deixar os seus "caveiras" entrarem em cena apenas depois que os "vagabundos" rebelados tivessem exterminado seus rivais de outras facções, para exterminar por sua vez os que tivessem restado. Entretanto, ele foi atrapalhado em suas intenções pelo "intelectual de esquerda", um professor universitário e ativista dos direitos humanos que se dispõe a negociar a libertação dos reféns e o fim da rebelião.

Temos então, com a presença do ativista de direitos humanos Diogo Fraga o salto de qualidade deste "Tropa de Elite". Espécie de concessão à crítica, que malhou o primeiro filme por seu conteúdo explicitamente de direita, na maior parte das vezes como eco daquela consciência pequeno- burguesa habituada às fórmulas antigas do cinema nacional, e poucas vezes com real conhecimento de causa, a atuação do personagem de Fraga fornece uma espécie de contraponto ao discurso belicoso de Nascimento. Pela voz do Coronel, o militante é ridicularizado desde o início (apelidado de "Che Guevara", espécie de deboche com os militantes de esquerda em geral), ainda mais pelo fato de ter se casado com sua ex-mulher e estar educando seu filho. Além disso, ao passar de professor universitário a deputado estadual e daí a federal, Fraga é também apresentado como alguém que tem ambições meramente eleitoreiras.

Mesmo assim, conforme o Coronel, paradoxalmente promovido para o setor de Inteligência da polícia depois do incidente no presídio, começa a tomar conhecimento das raízes profundas que unem a corrupção policial ao coração do sistema político, ele e o deputado Fraga acabam atuando em parceria para desbaratar uma quadrilha, uma das chamadas "milícias", na verdade um esquadrão da morte de policiais corruptos que como uma máfia havia se apossado de um dos bairros da cidade, na qual estavam unidos policiais corruptos, apresentadores de TV e a cúpula da segurança pública. Os dois personagens assim "se redimem" por meio da cooperação. O filme alça então uma tentativa de reflexão mais ampla, em que o próprio Coronel, do alto da tribuna de uma CPI das milícias, se questiona "por que a sociedade o preparou para matar?".

Nesse questionamento feito pelo filme aparecem episódios reais da história recente do Rio, como o roubo (farsesco, segundo o filme) das armas do exército, a equipe de reportagem torturada por integrantes da milícia (mortos no filme), e a CPI das milícias. O próprio Fraga é construído em cima da história do deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, que impulsionou a CPI na assembléia legislativa. Lá ele tem como adversário o apresentador de TV Wagner Montes, que como o apresentador do filme, defende a política de "tolerância zero" com "bandidos" e "vagabundos". Os dois foram reeleitos em 2010, o primeiro com votos da classe média da zona sul, o segundo com os votos da população pobre dos morros. Um paradoxo que mereceria uma reflexão mais aprofundada, pois constitui a chave para entender as dificuldades para combater a ideologia da violência entre suas próprias vítimas, ou seja, os trabalhadores mais pobres.

A reflexão do herói do filme o leva, numa seqüência em que a câmera sobrevoa os prédios do Congresso Nacional, a deduzir que o "sistema" ao qual combateu durante toda a carreira de policial-herói vai além da simples corrupção policial, e na verdade abrange as mais altas instituições políticas, tidas como inteiramente apodrecidas pela corrupção. As conclusões aparentemente são deixadas para o espectador. Ele pode optar pelo método de Fraga/Freixo, ou pelo método de Nascimento. O Coronel não deixa de estar certo ao sugerir que as instituições estão corrompidas. Entretanto, quem o aplaude neste momento, como a burguesia que o aplaudiu no filme depois de ter comandado o massacre no presídio, são aqueles que desejariam ver o Congresso Nacional fechado para que o país voltasse a ser comandado por "heróis virtuosos". Não surpreende que a Globo Filmes, braço cinematográfico da Rede Globo, império empresarial de mídia que nasceu e cresceu com a função de fornecer sustentação ideológica para a ditadura de 1964, esteja entre os patrocinadores do filme.

As instituições do Estado burguês estão mesmo corrompidas, assim como todas as relações sociais no sistema capitalista, baseadas na violência, no roubo (de trabalho não-pago, fonte da mais-valia) e na mentira. A solução é a derrubada dessas instituições, não apenas por "Che Guevaras", como os que são ironizados pelo Coronel do BOPE, mas pela ação organizada e consciente da classe trabalhadora.

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A luta de classes na França e as tarefas colocadas para a classe trabalhadora

Atualmente a França assume novo protagonismo no cenário mundial, como país onde novamente a classe operária ressurge e luta contra os ataques capitalistas, dando exemplo de luta e das dimensões das tarefas que os lutadores e lutadoras do mundo terão que cumprir.

Desde o anúncio de Sarkozy acerca do plano de austeridade – plano este que aumenta a idade mínima para a aposentadoria de 60 para 62 anos; os anos de contribuição para receber a aposentadoria integral sobem de 40,5 para 41 em 2012, e para 41,3 em 2013; e ainda a idade para receber aposentadoria integral passa de 65 para 67 anos -, trabalhadores e estudantes saíram às ruas para barrar este ataque aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da França.

Escolas, universidades, refinarias foram ocupadas por trabalhadores e estudantes nas últimas semanas. Carros e ônibus foram queimados e as ruas de Paris, por vezes, apareceram para o mundo como verdadeiros campos de batalha – o que deixou estarrecida uma parte da burguesia que ainda não esqueceu os idos de 2005 e 2006, quando a juventude francesa lutou contra a repressão racista e xenofóbica da polícia francesa e no ano seguinte contra o Contrato do Primeiro Emprego (Contrat Première Embauche – CPE).

O plano de austeridade – plano de contenção de gastos dos Estados – anunciado e aprovado pelo senado francês no dia 22/10, não aparece no cenário europeu como especificidade francesa, mas antes como parte do processo de recuperação de danos e reposição de recursos dos Estados europeus, recursos que no auge da crise econômica iniciada em 2008 foram despendidos aos bilhões para salvar bancos e empresas da falência.

Agora os capitalistas, por meio dos Estados nacionais, mandam a conta da farra para os trabalhadores pagarem. A contenção de gastos públicos por meio de reformas na previdência, redução de investimentos sociais, aumentos na carga tributária, redução de postos de trabalho e salário, entre outras, tem sido fato comum à maior parte dos Estados, que compõem ou não a zona do euro, com impacto redobrado sobre os elos mais frágeis da Europa Ocidental.

No início de junho, a Alemanha anunciou o seu plano de austeridade, com cortes de investimentos sociais, direitos trabalhistas e aumento de impostos. Desde o anúncio de Angela Merkel, vários países europeus também começaram a apresentar seus planos de austeridade para "equilibrar" as contas públicas. Depois da Alemanha, a Grécia anunciou seu pacote de maldades, que também teve uma enorme demonstração de força por parte dos trabalhadores gregos, e a seguir, Portugal, Espanha, Grã-Bretanha, entre outros, somam-se à lista de países que lançam o saldo da crise sobre os trabalhadores.

As grandes revoltas na Europa e a necessidade da reconstrução da alternativa socialista

Calcula-se que na França, a cada protesto participavam cerca de 3,5 milhões de trabalhadores e estudantes; 70% da população estava contra o plano de austeridade e a favor dos protestos; e tudo isso intensificado pelo processo crescente de radicalização dos métodos de luta de trabalhadores e estudantes, que paralisaram escolas, aeroportos, rodovias, refinarias, etc, deixando o país quase sem gasolina, e enfrentaram com bravura nas ruas a repressão de Sarkozy.

Apesar de o plano ter sido aprovado pelo senado Francês, trabalhadores e estudantes deram o exemplo de como lutar contra os ataques que têm se espalhado pela Europa e que provavelmente atingirão outros países como o Brasil – com a reforma da previdência anunciada na campanha de Dilma – e a maioria dos Estados que gastaram seus recursos no resgate de bancos e empresas durante a crise.

Fica claro que hoje emerge novamente a necessidade da reconstrução da alternativa socialista em todo o mundo, pois mesmo com intensas lutas como as da Grécia e França, não poderemos sair plenamente vitoriosos enquanto persistir a falta de uma resposta ofensiva e não apenas defensiva da classe trabalhadora, que recoloque no panorama atual o socialismo como único projeto de superação não apenas da crise econômica, mas da crise societal contemporânea. E para que isso ocorra, faz-se necessário a reconstrução e o esforço de unidade da esquerda revolucionária, e o rompimento com políticas reformistas – como as da CGT na França -, para dar novos rumos às revoltas trabalhistas e fazer ressurgir como alternativa real e única viável o socialismo.

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