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Contra a “Economia Verde” dos capitalistas, uma economia vermelha dos trabalhadores! – Daniel Delfino

  Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor. 

Contra a “Economia Verde” dos capitalistas, uma economia vermelha dos trabalhadores!

 

Crítica ao Eco-Reformismo da Cúpula dos Povos

 

            1. A farsa imperialista da Rio+20

 

            Nos dias 20 a 22 de junho de 2012 acontece no Rio de Janeiro a “Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável” da ONU, chamada de “Rio+20”. A Conferência reunirá centenas de chefes de Estado para discutir o projeto da chamada “Economia Verde”, que seria simultaneamente uma saída para os problemas ambientais do planeta e os impasses da economia capitalista. O projeto está materializado em um documento intitulado “O Futuro que queremos” (original em inglês em formato pdf disponível em: http://www.uncsd2012.org/rio20/content/documents/370The%20Future%20We%20Want%2010Jan%20clean.pdf, sendo que há uma tradução não-oficial disponível em: http://cupuladospovos.org.br/2012/01/rascunho-zero-do-documento-final-para-a-rio20/).

            A função dessas Conferências é garantir a continuidade da produção destrutiva capitalista, tal como aconteceu com a Rio 92 e acontecerá também com a Rio+20. Ao mesmo tempo em que se assinam acordos que mantém intocados os crimes das corporações capitalistas, consegue-se iludir a opinião pública mundial com discursos sobre “desenvolvimento sustentável” ou “Economia Verde”, onde a única coisa que se tenta sustentar é o lucro e a única coisa verde são os dólares dos capitalistas. Sob o pretexto de se preocupar com as mudanças climáticas e os problemas ambientais do planeta, e ainda a fome, a miséria, a exclusão, etc., e um conjunto de outras causas que aparecem nos discursos e declarações oficiais, os governantes do mundo estarão garantindo às corporações capitalistas a continuidade de seus lucros às custas da destruição do planeta e das vidas humanas.

            E ainda, estarão ampliando o fôlego da especulação financeira ao transformar recursos naturais em ativos negociáveis nos mercados financeiros. A grande novidade no documento da ONU é a possibilidade da emissão de títulos negociáveis no mercado financeiro vinculados à conservação de florestas, bacias hidrográficas, reservas de biodiversidade, recursos naturais em geral, que assim passam à jurisdição do capital financeiro. A lógica que preside o documento dos governos e empresas capitalistas é de que é preciso atribuir um valor econômico-financeiro aos recursos naturais, como florestas, água, atmosfera, biodiversidade, etc., tornando-os passíveis de serem negociados nos mercados financeiros, pois somente aquilo que tem valor econômico pode ser preservado. Essa lógica identifica propriedade com propriedade privada capitalista, como se não houvesse outra forma de propriedade, de apropriação dos recursos naturais, uma forma coletiva, comunista e racional.

            Está subentendido que os camponeses, povos originários, comunidades ribeirinhas, pescadores, extrativistas, etc., não sabem fazer bom uso dos territórios em que habitam, não são capazes de preservá-los, não merecem continuar usufruindo deles e podem ser expropriados e removidos pelos meios que forem necessários, inclusive a violência da polícia, milícias e jagunços, em benefício das corporações capitalistas como mineradoras, petrolíferas, agronegócio, empresas de energia, água, etc., que compreendem o verdadeiro sentido de propriedade. Não se poderia esperar outra coisa de um órgão do imperialismo mundial como a ONU.

           

            2. A Cúpula dos Povos

           

            Como contraponto ao evento oficial da Rio+20, acontece também no Rio, entre os dias 15 a 23 de junho a “Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental e contra a mercantilização da vida”. Trata-se de um mega-evento que pretende aglutinar todos os setores contrários ao projeto expresso na Conferência da ONU, aí incluídos partidos políticos, centrais sindicais, movimentos sociais, ONGs e outras organizações da chamada “sociedade civil”, tanto nacionais como internacionais. Um breve olhar sobre a lista de entidades brasileiras que participam da articulação da Cúpula (disponível em: http://cupuladospovos.org.br/quem-organiza-a-cupula/), tais como CUT, CNBB, Via Campesina, Jubileu Sul, etc., ou seja, componentes do que podemos denominar com muito boa vontade de “ala esquerda do governo Dilma-PT”; já é suficiente para identificar a linha política e ideológica que orienta o conjunto do evento.

            Sobre a falta de combatividade dessas entidades e do evento, basta lembrar que o governo que apóiam, ou com o qual no mínimo são coniventes, o governo Dilma, acaba de aprovar o novo Código Florestal, que seria muito melhor denominado como “código ruralista”. O código legaliza a destruição da Amazônia, das áreas de preservação, reservas, margens de rios, encostas e morros, a grilagem de terras, a expulsão de trabalhadores sem-terra, indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, extrativistas, etc., em benefício do agronegócio (nome que se dá à associação do setor mais reacionário do latifúndio com o capital internacional). Não vimos nenhuma das entidades organizadoras encabeçar nada além de uma oposição protocolar ao código, muito menos uma ampla campanha nacional com ações massivas de luta que seriam necessárias para barrar sua aprovação.

            Outro dado relevante para caracterizar a Cúpula é a lista de apoiadores institucionais, como Caixa Econômica Federal, Fundação Ford, Oxfam, e as Fundações Heinrich Böll e Friedrich Ebert. A participação daquelas entidades governistas e dessas empresas capitalistas leva à conclusão de que se trata de um evento que não vai se contrapor de fato à Rio+20 oficial. A Cúpula vai funcionar como uma oposição consentida e “bem-comportada” à Conferência da ONU, para centralizar setores e organizações sociais e políticas em torno de uma pseudo-alternativa ilusória. Essa pseudo-alternativa não fará nenhum enfrentamento real contra o projeto da “Economia Verde” e vai apenas confundir os setores da opinião pública que com razão desconfiam da Rio+20.

            Esses setores críticos vão se deparar com o festival de pseudo-alternativas da Cúpula e estacionar no meio do caminho, sem avançar em direção às raízes do problema ambiental. A Cúpula e as organizações que a promovem funcionam assim como um anteparo ideológico para impedir que se realize um avanço na consciência crítica capaz de perceber que só com a superação do capitalismo por um modo de produção socialista serão possíveis a sobrevivência da humanidade e a preservação do ambiente planetário.

 

            3. As bases programáticas da Cúpula           

 

            Para uma crítica mais profunda da concepção expressa na Cúpula não basta evidentemente apenas aquele breve olhar sobre a lista de organizadores, é preciso questionar seus fundamentos teórico-programáticos. Podemos encontrar esses fundamentos no documento intitulado “Outro Futuro é Possível!” (disponível em formato pdf em: http://rio20.net/wp-content/uploads/2012/02/Outro-Futuro.pdf), produzido pelos Grupos Temáticos do Fórum Social Temático preparatório da Cúpula dos Povos. Na sua apresentação, o documento se pretende anti-neoliberal, anti-capitalista, “de esquerda” e “progressista”, evoca princípios como ética, justiça social, sustentabilidade e apela para sujeitos como “os povos” e a “sociedade civil”, contra as corporações, os bancos e as finanças mundiais.

            O texto de 32 páginas contém uma série de propostas de reformas organizadas em tópicos que tocam praticamente todos os temas abordados na Conferência, tais como educação, conhecimento científico, extrativismo e energia, agricultura e pesca, empregos climáticos, consumo responsável, economia solidária, recursos Comuns (sic), direito à água, saúde, migrantes, cidades, governança mundial, etc. Não faremos a crítica detalhada das propostas referentes a cada um desses tópicos, mesmo porque isso sobrecarregaria por demais este texto e o tornaria tão longo quanto o original que critica. Partiremos apenas de um dos conjuntos de medidas propostas para identificar a lógica a partir da qual estão estruturadas, lógica que preside todas as demais propostas temáticas. Identificada essa lógica, veremos então quais são as suas fragilidades políticas, a sua perspectiva de classe e as suas inconsistências filosóficas.

            Vejamos portanto inicialmente o que o documento propõe a respeito de um dos temas particulares, o problema do acesso à água:

            “- Reafirmamos nossa luta pelo direito à água e contra a sua privatização ou apropriação indevida em detrimento da livre circulação para a alimentação dos povos, de forma conjunta com a luta por um ambiente são e sustentável.

            – Defendemos a adoção de políticas públicas integradas a nível local, nacional, regional e internacional, necessárias para garantir a equidade de acesso e distribuição, a partir de uma ética de preservação do recurso, do seu uso racional e de equidade social.

            – O controle social sobre os Comuns (sic) que é a água, no sentido amplo, é um corolário dessas ditas políticas.

            – Denunciamos os processos de dessalinização da água do mar, que não respeitam o princípio de precaução frente a tecnologias ambientalmente insustentáveis.” (capítulo 18)

            Essas medidas em si mesmas não parecem erradas. De fato é preciso envidar medidas contra a privatização da água, contra a poluição, contra a escassez artificial, pelo acesso à água, etc. Da mesma forma prosseguem as propostas relativas a todos os demais eixos temáticos, como agricultura, energia, consumo, etc. Para todos eles se elencam medidas pontuais que em si parecem capazes de minorar ou reverter os processos destrutivos em curso.

            Entretanto, quem vai garantir essas medidas? Quem vai aplicá-las em nível mundial? Quem vai ser o agente que vai combater a sanha destrutiva das corporações? Será o Estado capitalista ou serão os trabalhadores organizados, as comunidades indígenas e camponesas, os povos em luta? O documento cita a todo momento a necessidade de empoderar as comunidades locais e os povos do mundo inteiro contra o Estado e as corporações. Mas qual é o horizonte dessa luta? Até onde vai a sua oposição ao Estado e às corporações? É o que veremos no próximo ponto.

 

            4. Fragilidades políticas

 

            Aparentemente, o documento realiza uma dura denúncia do controle que as grandes corporações capitalistas exercem hoje sobre as riquezas do planeta, inclusive os seus recursos naturais. Acertadamente, o documento denuncia a escandalosa desigualdade social que vigora hoje no mundo:

            “Em um mundo em que 50% da população pobre respondem por 1% das riquezas do planeta, nos quais as três pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo rendimento que os 600 milhões mais pobres, não será possível erradicar a pobreza nem restabelecer a harmonia com a natureza.” (capítulo 8)

            Indo além, o documento preparatório da Cúpula denuncia também a “Economia Verde” que está sendo proposta na Rio+20:

            “Em consequência, a Economia Verde trata a natureza como capital – ‘capital natural’. A Economia Verde considera que é essencial atribuir um preço às plantas, aos animais e aos ecossistemas para mercantilizar a biodiversidade, a purificação da água, à proteção dos recifes de coral e ao equilíbrio climático. Para a Economia Verde é necessário identificar as funções específicas dos ecossistemas e da biodiversidade para avaliar sua situação atual, fixar um valor monetário e concretizar em termos econômicos o custo de sua conservação para desenvolver um mercado por cada serviço ambiental particular. Para os ideólogos da Economia Verde, os instrumentos de mercado seriam ferramentas para superar ‘a invisibilidade econômica da natureza’.(idem)

            E conclui:

            “A Economia Verde é uma manipulação cínica e oportunista das crises ecológica e social. Em lugar de tratar as verdadeiras causas das desigualdades e as injustiças, o capital se está servindo de um discurso ‘verde’ para lançar um novo ciclo de expansão. As empresas e o setor financeiro necessitam que os governos institucionalizem as novas regras da Economia Verde para assegurarem-se contra os riscos e criar um marco institucional para abarcar partes da natureza nas engrenagens financeiras.”(idem)

            Entretanto, por trás dessa crítica aparentemente radical, se esconde o mais impotente reformismo. Qual é o agente, como perguntamos no ponto acima, que vai frear o avanço dessa privatização desenfreada da natureza, que está dando mais um salto na Rio+20? Vejamos como se encaminha a resposta:

            “O desafio da Rio+20 está na definição dos processos decisórios para a sua implementação, dada a inoperância dos mecanismos multilaterais de gestão. Siglas como FMI, BM, OMC não estão à altura desta responsabilidade. A própria ONU, parceira indispensável das mudanças, encontra-se profundamente fragilizada.”(capítulo 20)

            A ONU é definida como “parceira indispensável das mudanças”. Mas o que é a ONU senão um rascunho mal-acabado de Estado mundial que funciona como instrumento das maiores potências imperialistas? O problema da ONU não é o fato de que ela esteja “profundamente fragilizada”, mas se deve à sua própria natureza, à sua essência de instituição que preserva e reproduz as relações de poder vigentes a serviço do imperialismo mundial. A ONU tal como existe é irreformável. Em várias passagens, porém, o documento preparatório da Cúpula reproduz a crença na ONU como instituição capaz de ser empregada como instrumento dos povos, basta que seja reformada:

            “É evidente que a governança das relações entre os Estados, regulada pelo sistema das Nações Unidas depois da Segunda Guerra Mundial e do período de descolonização posterior, já não responde aos desafios do presente. (…) As propostas de democratização dos organismos das Nações Unidas referidas às questões da sustentabilidade deverão ser definidas e implementadas também nas questões relativas à paz e à segurança internacional. Deve haver um reequilíbrio democrático do Conselho de Segurança, com abertura a novos atores, não somente a Estados que permanecem marginalizados, mas também aos atores e organizações sociais nos diversos territórios e regiões, assim como as redes e organizações em escala mundial.” (capítulo 23)

            A ONU é encarada como uma espécie de parlamento mundial dos Estados nacionais. Quando a maioria dos Estados nacionais estiver a favor das mudanças propostas no programa da Cúpula, estes vão, por sua vez, transformar a ONU no instrumento que vai garantir a sua aplicação em escala mundial, que seria capaz de disciplinar os Estados recalcitrantes. Como se fosse possível impor algum tipo de medida, por exemplo, contra os componentes do Conselho de Segurança, que pudesse forçá-los a aceitar uma divisão democrática de poderes. São justamente os mais poderosos Estados imperialistas, como Estados Unidos, Japão e União Européia os que mais se beneficiam da ordem capitalista vigente e os que controlam todos os mecanismos da ONU. Em todas as questões decisivas a ONU é absolutamente incapaz de impor qualquer medida que contrarie os interesses da tríade imperialista. Basta lembrar as incontáveis resoluções contra o bloqueio estadunidense a Cuba ou contra o genocídio dos palestinos nas mãos de Israel, as quais viram letra morta, pois nenhuma  resolução é capaz de se impor contra os poderes prevalecentes.

 

            5. Perspectiva de classe

 

            5.1. A crença no Estado

 

            A crença na ONU é, por sua vez, um subproduto da crença no Estado como agente de mudanças que possam beneficiar os trabalhadores e os povos. Essa crença no Estado transparece a todo momento no documento preparatório da Cúpula, em trechos como o seguinte:

            “Um Estado respeitoso dos direitos dos cidadãos é condição de institucionalidade democrática do poder. (…) Os sistemas de representação vigentes não correspondem às exigências de uma participação ativa. O prioritário é potenciar a participação implantando sistemas de informação transparentes e mecanismos de consulta abertos para que a tomada de decisões seja eficaz. Mas trata-se de ir mais fundo. É preciso radicalizar a democracia, tanto das instituições estatais como da sociedade em seu conjunto. Assim, progressivamente, se irá transformando o Estado e os sistemas de representação repensando novas instituições políticas.” (capítulo 23)

            A chave da questão é a concepção de que se pode ir “transformando o Estado” em direção às mudanças necessárias. Ora, o Estado nacional, qualquer que seja ele, imperialista ou dominado, é a instituição das instituições, o pilar fundamental da ordem capitalista. Qualquer possibilidade de que os trabalhadores se apossem de porções do Estado para fazer valer seus interesses vai se deparar com a reação brutal das classes dominantes, como já aconteceu em outros momentos da história, com o fascismo e as ditaduras militares.

            Não há outra solução a não ser “quebrar a máquina do Estado”, como já ensinou Lênin em “O Estado e a Revolução”.  As “novas instituições políticas”, por sua vez, não podem ser outras que não as organizações surgidas do próprio processo de luta dos trabalhadores e dos povos. Os conselhos de trabalhadores da cidade e do campo devem ser os organismos que vão administrar coletivamente e racionalmente os recursos naturais, e não as instituições do velho Estado capitalista “reformadas”.

            Chegamos assim ao limite que impede o documento preparatório da Cúpula de propor soluções reais para os problemas sociais e ambientais do planeta, a sua crença na capacidade de agir por dentro das instituições do Estado e de reformá-las para colocá-las a serviço das mudanças necessárias. A concepção que orienta o documento preparatório da Cúpula realiza um imenso exercício de contorcionismo teórico para evitar a menção do único processo que poderia viabilizar as mudanças, ou seja, quebrar a máquina do Estado e construir novas instituições: a revolução socialista.

 

            5.2. A questão da democracia           

 

            Ao invés disso, o método em que se aposta é a “democracia”, compreendida como algo absolutamente abstrato:

            “A democracia é guiada pelos princípios e valores éticos da liberdade, igualdade, diversidade, solidariedade e participação, todos juntos e ao mesmo tempo. O método democrático pode transformar tudo o que se afirmou anteriormente como fundamentos civilizatórios em uma utopia possível, potenciando o surgimento de uma nova arquitetura de poder, do local ao mundial.” (capítulo 3)

            Essa democracia não tem qualquer caráter de classe. Ou seja, não está especificado se se trata da democracia burguesa tal como existe hoje ou da democracia operária que precisa ser posta em prática. Fala-se simplesmente em “democracia”, como se a democracia que existe hoje não tivesse um caráter de classe, ou seja, como se a democracia representativa e o Estado burguês não fossem essencialmente impermeáveis a qualquer mudança radical. Como se a burguesia não fosse capaz de abrir mão de métodos democráticos assim que lhe convier (lembramos acima os casos do fascismo e das ditaduras) para preservar seus interesses. Como se no próprio processo da crise econômica em andamento a burguesia não fosse capaz de impor os governantes que lhe interessam ao arrepio do processo democrático formal e das vontades dos eleitores, como acabamos de ver na Grécia e na Itália. Como se a democracia hoje em vigor não fosse capaz de empreender a mais dura repressão contra os trabalhadores em greve ou os movimentos sociais em luta, com tropas de choque, prisões, mandados judiciais, processos administrativos, perseguições, etc., todos desencadeados dentro da mais absoluta legalidade democrática.

 

            5.3. A questão das classes

 

            Essa crença no Estado burguês e na sua democracia decorre de uma debilidade programática ainda mais fundamental, a falta de uma perspectiva de classe claramente definida. O documento preparatório da Cúpula não especifica quem é o agente social das medidas necessárias para a reorganização social e ambiental, nem o processo político e o regime social necessários para obtê-los. Ao invés disso, passeia sem o menor rigor sobre uma paisagem pós-moderna repleta de “atores” e “múltiplos sujeitos”:

            “Múltiplas dimensões do que pode e deve ser uma nova subjetividade vem sendo forjados nestas lutas anti-sistêmicas e devem ser tematizadas conscientemente, se quisermos apresentar uma alternativa dotada de credibilidade. Devem ser debatidas e sistematizadas como valores, formas de conhecimentos, visões de mundo e cultura contra-hegemônica.”(capítulo 2)

            Ao falar em subjetividades que “estão sendo forjadas nas lutas anti-sistêmicas”, não se trata simplesmente de agregar  novos sujeitos sociais aos processo de luta. Se trata de criar algo que não só pode como “deve ser uma nova subjetividade”. O documento está evidentemente rejeitando a subjetividade do movimento operário e da revolução socialista. Isso está expresso com todas as palavras num outro trecho:

            “Não há solução para os dilemas societários fora das lutas sociais e das grandes disputas políticas. Mas esta visão, que orientou a quase totalidade das mobilizações progressistas da história, não é suficiente. (…) Emancipação, libertação, eliminação de todas as formas de exploração e opressão são objetivos que os movimentos progressistas se propõem alcançar, socialistas ou de esquerda com força cada vez maior ao longo dos últimos séculos. Mas retomar hoje esses objetivos requer muito mais do que reavivar os ideais de ‘liberdade, igualdade e fraternidade’ ou de eliminação da exploração do trabalho pelo capital. Requer questionar as bases sobre a qual se assentou a modernidade, o capitalismo e a dominação europeia do mundo, requer uma revolução mental que abale a infraestrutura intelectual compartilhada não só pelas elites capitalistas, mas também por boa parte dos movimentos que procuraram até hoje combatê-las.” (idem)

            Ora, é perfeitamente legítimo que os proponentes do projeto político expresso no documento preparatório da Cúpula pretendam substituir a revolução socialista e a classe operária por um outro processo de transformação a ser realizado por um outro sujeito social (ou conjunto de sujeitos). Mas fazer essa substituição requer no mínimo um balanço consistente e circunstanciado dos motivos que levaram ao fracasso dos processos baseados no projeto socialista e no movimento operário, como por exemplo, a Revolução Russa. Se se trata de descartá-los, é preciso dizer porque não funcionaram e não servem mais. Não encontramos nem sinal desse balanço no documento preparatório da Cúpula. Não encontramos nenhuma tentativa de balanço que explique os motivos internos e externos da derrota da Revolução Russa, de seu isolamento e burocratização, sua posterior decomposição, etc. Não encontramos em conseqüência disso nenhuma explicação de porque as derrotas históricas de processos como a Revolução Russa servem como justificativa para descartar a revolução socialista como projeto e para substituir esse projeto e seu sujeito social por algum outro.

 

            5.4 A diversidade da classe trabalhadora

 

            Essas questões transcendentais são simplesmente ignoradas. A emergência dos “novos sujeitos” capazes de por em prática um outro projeto de transformação social é tratada como uma evidência definitiva e estabelecida, e como se fosse por si só suficiente para descartar a necessidade desse espinhoso debate sobre os lineamentos do projeto societário a ser construído. Como corolário, também fica ausente um outro debate: a emergência das “múltiplas dimensões” de uma “nova subjetividade” que “vem sendo forjados nestas lutas anti-sistêmicas” é necessariamente incompatível com o projeto socialista orientado a partir da classe operária?

            Para dizer claramente e dar nome aos bois, a luta dos povos originários, dos camponeses, das comunidades ribeirinhas e extrativistas, dos remanescentes quilombolas, das minorias étnicas e religiosas marginalizadas e discriminadas em cada país, dos trabalhadores sem terra, sem teto, das mulheres, dos negros, dos homossexuais, da juventude, dos coletivos de artistas e mídia independente, etc., são necessariamente incompatíveis com o projeto socialista orientado a partir da classe operária? Ou ao contrário, todos esses movimentos não tem muito mais a ganhar ao se lhes acrescentar a dimensão programática da abolição da propriedade privada, da socialização dos meios de produção, do controle social e racional dos recursos naturais e tecnológicos, da abolição do Estado e implantação da democracia direta, etc.; dimensões que são patrimônio histórico do movimento operário e suas organizações de perfil socialista revolucionário? Isso não contribuiria para superar o atual isolamento desse diversos movimentos específicos e não possibilitaria lutas muito mais massivas e unitárias? Não tornaria todos esses movimentos mais próximos de atingir suas metas específicas?

            Entendemos que sim, por isso discordamos da perspectiva expressa no documento preparatório da Cúpula. As reivindicações específicas desses movimentos não são apenas palavras de ordem táticas para engrossar o movimento socialista, são a expressão de necessidades vitais de setores da classe trabalhadora, que não podem ser colocadas sob a “subordinação” ou “em obediência” a outros setores. Essas reivindicações precisam ser incorporadas e desenvolvidas em toda sua radicalidade pelo movimento socialista e suas organizações, se se deseja realmente avançar para novas relações sociais efetivamente emancipadas. A questão é que as reivindicações gerais e específicas só podem ser atendidas por um movimento que supere a ordem capitalista (o que não significa que devem esperar pela revolução socialista para serem postas em pauta). É o próprio curso da luta que vai determinar qual o eixo de luta, se de natureza sindical ou social, vai ter maior poder de mobilização sobre a classe trabalhadora e vai fazê-la se chocar com a ordem estabelecida, colocando na ordem do dia a tomada do poder e a transformação social.

            Mas é preciso ir além. Não basta apontar a ausência (na verdade rejeição) do projeto socialista e da classe operária na concepção expressa no documento preparatório da Cúpula, é preciso apontar as deficiências intrínsecas dessa concepção, o que faremos a seguir.

 

            6. Inconsistências filosóficas

 

            O trecho citado acima diz que o projeto de emancipação deve não apenas rejeitar ou superar o “velho” movimento operário e o “velho” projeto da revolução socialista, pois: “Requer questionar as bases sobre a qual se assentou a modernidade, o capitalismo e a dominação europeia do mundo, requer uma revolução mental que abale a infraestrutura intelectual compartilhada não só pelas elites capitalistas, mas também por boa parte dos movimentos que procuraram até hoje combatê-las.”

            Ou seja, sob o pretexto de realizar uma crítica ainda mais profunda e radical do conjunto da civilização, o documento preparatório da Cúpula evita o debate concreto sobre qual civilização estamos falando (capitalista), quais os poderes que a governam (Estados imperialistas), quais os instrumentos de que se servem para sua dominação (democracia burguesa), quais as suas instituições fundamentais (propriedade privada), qual a sua situação atual (crise estrutural), qual a correlação de forças vigente (a crise capitalista coincide com crise a da alternativa socialista), quais os processos necessários para a superação dessa ordem (revolução socialista), qual o sujeito desse processo (a classe trabalhadora com todos os seus segmentos).

            Ao invés desse debate complexo, empreende-se uma pretensiosamente audaciosa refundação filosófica do projeto emancipatório. Dentro dessa refundação, a própria “infraestrutura intelectual” dos movimentos que procuraram até hoje combater a ordem capitalista precisa ser reformulada, pois é preciso “questionar as bases sobre a qual se assentou a modernidade”, não apenas o capitalismo. Trata-se de questionar os valores que herdamos do Renascimento e do Iluminismo, mais do que apenas os valores impostos pelo capitalismo. O problema da humanidade não seria a apropriação privada da produção coletiva, realizada pelo capitalismo, mas o desrespeito à “Mãe Terra” por conta da pretensão cientificista e eurocêntrica de tudo conhecer para dominar e produzir além dos limites.

 

            6.1 O deslocamento para a cultura

 

            Eis como se anuncia essa refundação filosófica:

            “O primeiro passo desta tarefa é profundamente filosófico: necessitamos renovar nossa visão da humanidade para situar as atividades humanas dentro do contexto mais amplo da Vida e da Mãe Terra. Como seres humanos, somos somente uma parte desta matriz interdependente que nos dá fonte de vida, nos integra e nos abre os horizontes de um destino comum planetário em relação indivisível, complementária e espiritual com os demais seres vivos. Cada ser, cada ecossistema, cada comunidade natural, espécie e outras entidades naturais, se definem por suas relações como parte integrante da Mãe Terra. Essa é a fonte de vida, alimento, ensinamento, de onde provém tudo o que necessitamos para um bem viver justo e equilibrado.” (capítulo 16)

            Podemos concordar que é necessário repensar as atividades humanas numa escala planetária e histórica. Mas essa história é concreta e possui momentos determinados, como a sociedade de classes e o capitalismo. Vejamos como é compreendido o capitalismo dentro desse novo projeto filosófico:

            “O capitalismo é mais que um modo de produção. É uma lógica social e política que se irradia por todo o corpo social. Sua lógica não só estrutura instituições e concentra poder, mas também está internalizado em nós. Atravessa os nossos corpos. Coloniza as nossas mentes. Ocupa a nossa terra. Emancipar-se dessa colonização e eliminar todas as formas de dominação é o objetivo a ser alcançado pelos movimentos progressistas. Isso requer questionar as bases sobre a qual se assentou a modernidade. Requer uma revolução mental que abale a infraestrutura intelectual vigente. Também temos que modificar a nós mesmos, já que as instituições e as lógicas mercantis se reproduzem nos indivíduos e são eles que mantêm essas estruturas funcionando.”(capítulo 2)

            Todas essas afirmações são aparentemente irretocáveis. Mas, ainda que o capitalismo seja “mais que um modo de produção” ele continua sendo um modo de produção, que precisa ser combatido enquanto tal, ou seja, por meio de uma revolução política e econômica. Para evitar o problema da revolução política e econômica (expropriação da burguesia, destruição do Estado, ditadura do proletariado etc., ), o problema é deslocado do âmbito das relações de produção em que vige o capitalismo para o das esferas culturais. O inimigo da humanidade seria um certo viés cultural, o “eurocentrismo”, que desrespeita as culturas locais, coloniza os continentes, escraviza os negros, extermina os povos originários, submete as mulheres ao patriarcado, destrói a “Mãe Terra”, etc. Não se percebe que esse “eurocentrismo” não é a fonte dos males, mas a sua forma ideológica, a expressão de determinadas relações de produção muito precisas, as relações capitalistas. São essas relações que, para se desenvolver, exigem a opressão das culturas locais, dos negros, dos povos originários, das mulheres, etc., bem como a destruição do meio ambiente.

            Mais grave do que isso, não só o problema é deslocado para a esfera das relações culturais, como a “solução cultural” que se dá para a colonização mental capitalista está radicalmente equivocada. Não negamos que a superação do capitalismo por relações emancipadas exigirá uma profunda reformulação cultural, muito pelo contrário. Será preciso sim repensar as relações políticas e econômicas, mas também as relações sociais em geral, relações entre os povos, entre as gerações, entre os gêneros, o direito, os costumes e comportamentos, a moral, a sexualidade, as concepções de ciência, arte, etc. Sem reformular todas essas esferas não se supera a alienação capitalista.

 

            6.2 A questão da ciência

 

            A questão é que a “revolução mental” proposta não avança na direção de realizar essa necessária desalienação e descolonização dos corpos e mentes, mas ao contrário. Ao invés de partir dos elementos críticos da cultura existente e de seu potencial de negação da sociedade capitalista, rejeita-se essa cultura como um todo, os elementos críticos inclusive. A herança cultural da sociedade em que surge o capitalismo, a sociedade européia, traz consigo, além dos valores liberais do individualismo burguês, os valores do humanismo e do iluminismo. Em certos momentos o documento parece oscilar entre uma condenação total desses valores e um resgate parcial deles. Vejamos o que diz sobre a ciência:

            “A ciência é um padrão de conhecimento eurocêntrico que se alicerça no pressuposto de que se deve conhecer para se transformar e submeter, um padrão de conhecimento indelevelmente antropocêntrico e patriarcal, avesso à democracia e tecnocrático, porque fundado na separação entre os que conhecem e os que não conhecem? Ou a ciência é portadora de valores cognitivos úteis para compreendermos a Terra e sua dinâmica, valores que ainda carregam um potencial emancipatório e são importantes para o estabelecimento de uma sociedade sustentável?” (capítulo 5).

            Aqui existe uma flagrante confusão entre a ciência como método cognitivo e a ciência como conjunto de atividades vinculadas ao processo produtivo capitalista. A ciência não está fundada numa separação entre os que conhecem e os que não conhecem. É a apropriação privada da ciência pelo capitalismo que impede que os conhecimentos científicos sejam apropriados coletivamente por todos. É a propriedade privada capitalista que cria a separação entre os que conhecem e os que não conhecem. Quanto ao método científico em si, é absolutamente contingente que um determinado cientista realize uma descoberta e naquele momento imediato “saiba mais que os outros”. Não está na natureza desse conhecimento que ele exclua todos os demais segmentos sociais. Isso está na natureza das relações sociais que vigoram na sociedade em que o cientista trabalha.

            São essas relações que tem que ser rompidas para que o conjunto da sociedade se aproprie daquele conhecimento particular. Para que a própria ciência como método cognitivo se desenvolva, seria fundamental que todos os cientistas pudessem trabalhar em cooperação, partilhando livremente suas descobertas parciais, em direção a conhecimentos mais totalizantes. A cooperação é muito mais produtiva do que a competição capitalista hoje em vigor, com os cientistas assalariados pelas corporações e suas descobertas patenteadas e escondidas da sociedade. A ciência é uma das forças produtivas cujo desenvolvimento está bloqueado pelas relações capitalistas. Não se trata pois de rejeitar a ciência, mas de libertá-la das relações capitalistas.

 

            6.3 Os “direitos da Mãe Terra”

 

            Entretanto, o documento preparatório da Cúpula não oscila por muito tempo entre a condenação e o resgate da ciência, ele foge desse falso dilema realizando a negação dos valores em que o método científico está fundado. Nega-se o humanismo, ou seja, a capacidade do homem de conhecer o mundo e determinar seu destino sem depender de nenhuma outra força. O humanismo é rejeitado com o nome de “antropocentrismo”. O homem deve ser deslocado do centro do projeto emancipatório em favor do reconhecimento de direitos a uma outra entidade superior, a “Mãe Terra”. Os direitos humanos, na verdade, são incompatíveis com os direitos da “Mãe Terra”:

            “Não se pode seguir falando em termos genéricos sobre os direitos humanos como se fossem um conjunto de conquistas plenamente compatíveis entre si, e cuja extensão/ampliação/defesa significassem necessariamente um avanço no caminho para a emancipação humana. Uma lógica de permanente expansão dos direitos humanos não é compatível com os direitos da Mãe Terra (se for efetivamente uma janela para outro padrão civilizatório, e não só uma consigna), é absolutamente necessário repensar de forma radical toda a tradição dos direitos humanos que, além do seu núcleo liberal, é profundamente antropocêntrica.” (capítulo 15)

            Ora, a tradição dos direitos humanos possui um núcleo liberal, a idéia da emancipação como  emancipação meramente política, no âmbito do reconhecimento da cidadania, que confere direitos iguais aos indivíduos entendidos como abstrações descoladas de relações de produção determinadas. Como se o comprador e o vendedor de força de trabalho fossem iguais apenas porque a lei os reconhece como iguais. A superação desse núcleo liberal consiste em ir além da emancipação política e lutar pela emancipação humana, não apenas no campo dos direitos dos cidadãos, mas no campo das relações materiais efetivas em que os homens reproduzem a sua existência. Exige portanto aprofundar o humanismo e não negar o “antropocentrismo”.

            Contraditoriamente, a concepção expressa no documento preparatório da Cúpula quer exatamente reconhecer a “Mãe Terra” como sujeito de direito e reconhecer-lhe a cidadania política como mais uma personalidade abstrata, no mesmo plano da concepção liberal que aparentemente critica. Ao invés de tratar concretamente da relação produtiva do homem com a natureza, uma relação que deve ser reequilibrada (corrigindo os danos causados pela produção destrutiva capitalista), trata-se abstratamente da “Mãe Terra” como sujeito de direito dotado de uma personalidade própria.

            “É por isso que expomos aos povos do mundo a revalorização dos conhecimentos, sabedorias e práticas ancestrais dos povos indígenas, afirmados na vivência de um bem estar enraizado no conceito de ‘Bem Viver’. Da mesma forma, as economias devem estabelecer medidas de precaução e restrição para prevenir que as atividades humanas conduzam à extinção de espécies, à destruição de ecossistemas ou alteração dos ciclos ecológicos. Como corolário deve garantir que os danos causados por violações humanas dos direitos inerentes a Mãe Terra sejam expostos e que os responsáveis prestem contas para restaurar a integridade e a saúde da Mãe Terra.” (capítulo 16)

 

            6.4 O humanismo em questão

 

            De acordo com a concepção acima, é em respeito à “Mãe Terra” e sua saúde que se deve parar com a destruição do meio ambiente. Pede-se que o homem seja comedido em sua relação com a natureza, em nome de uma ética abstrata entre dois sujeitos de direito igualmente abstratos, o homem e a natureza. Mas o homem não é uma abstração, é um homem concreto, que vive numa situação histórica concreta, sob o império de relações de produção determinadas, as relações capitalistas, que não respeitam qualquer limite em sua expansão. Sem falar em termos concretos, tudo que se pode fazer é uma predicação moral para que o homem “respeite a natureza”. Mas qual é a medida desse respeito? Quantos milhões de toneladas de aço se pode extrair respeitosamente da “Mãe Terra” e quantos representam um desrespeito? Como fixar essa medida, em relação a qualquer recurso natural? Se fosse possível calcular essa medida, como fazer qualquer país respeitá-la? Como estabilizar uma medida aceitável de consumo de recursos naturais num planeta em que as condições de vida variam da miséria ao extremo luxo?

            Só é possível responder às questões acima tendo como referência as necessidades do homem, e não da natureza. A relação responsável e equilibrada com a natureza é uma necessidade humana, mas que não pode ser satisfeita sob as atuais relações de produção. É o homem que deve ser o centro das reflexões e das propostas. O humanismo (que tem origem no Renascimento, avança no Iluminismo e desde o século XIX sobrevive no projeto socialista) reafirma a prerrogativa do homem de dispor da natureza para aumentar seu bem estar material. Nesse sentido, o humanismo é uma conquista histórica em relação a todos os modos de pensar religiosos, obscurantistas, supersticiosos, reacionários, que prescreviam limitações a essa prerrogativa humana. Uma conquista histórica à qual não podemos jamais renunciar! O que se trata de determinar é se o uso que se faz da natureza pode ser prolongado indefinidamente ou não. Não está implícito no humanismo que o uso da natureza seja feito de forma destrutiva. Isso é uma característica da produção capitalista.

            Dentro das relações de produção capitalistas os produtos do trabalho humano têm a forma de mercadorias, com um duplo caráter de valor de uso e valor de troca. A condição das mercadorias de portadoras de um valor de uso está subordinada à sua função de realizar o valor de troca nelas contido, concretizando a reprodução ampliada do capital. Isso significa que o valor de troca tende a se impor sobre o valor de uso até sua quase completa anulação. As mercadorias deixam de ter relação com necessidades reais e passam a visar apenas a realização do lucro. Daí a fabricação constante de novas necessidades artificiais, bem como a obsolescência programada das mercadorias  (produtos com tempo de vida útil cada vez mais curto, que precisam ser substituídos por novos produtos, e assim sucessivamente). O capital só pode existir em expansão permanente, daí sua necessidade de produzir e vender sempre cada vez mais mercadorias, mesmo que o valor de uso real de tais mercadorias seja reduzido ao mínimo. Durante um certo período histórico, o impulso do capitalismo para produzir sempre mais foi um avanço. Desde o século XIX, quando surge o projeto socialista, com

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Crescem a economia e o lucro dos empresários. E como ficam os trabalhadores?

 Crescem a economia e o lucro dos empresários. E como ficam os trabalhadores?

            O governo Dilma, os empresários e os meios de comunicação dizem o tempo todo que o país está no rumo certo, que vamos ter um papel de destaque no mundo, com a economia crescendo, a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016. Prometem que os trabalhadores vão ter empregos e salários cada vez melhores, acesso à moradia, automóveis, faculdade, enfim, ganhos para todos. Até os mais pobres estariam saindo da miséria, graças ao aumento do salário mínimo e às bolsas do governo.

            Entretanto, se olharmos com mais atenção a realidade, veremos que as coisas não vão tão bem assim. O crescimento da economia está muito baseado no crédito (endividamento), a mesma coisa que aconteceu nos Estados Unidos, antes de estourar a crise. E no Brasil, o que acontecerá quando acabar a euforia dos eventos esportivos?

            Além disso, esse crescimento atual também está baseado em uma superexploração dos trabalhadores no interior das empresas, nas fábricas, nos canteiros de obras, no telemarketing, nos escritórios, etc. Há um aumento do ritmo de trabalho, do esforço que é exigido de cada trabalhador, da cobrança das chefias e dos patrões. Cada trabalhador tem que fazer o serviço de 2, 3 ou mais. O resultado  é o esgotamento e adoecimento físico e psicológico dos trabalhadores.

            A propaganda do governo, dos patrões e das direções sindicais pelegas é que os trabalhadores estão ganhando mais com as PLRs (Participação nos Lucros e Resultados). Mas isso é enganoso, pois a PLR não entra no cálculo de férias, 13º, FGTS, aposentadoria, etc. O trabalhador parece ganhar bem no momento imediato, mas a longo prazo seu salário está sendo rebaixado. Como a PLR não é incorporada ao salário, amanhã as empresas podem alegar dificuldades e não querer pagar nem metade da PLR de hoje. Além disso, quando se aposentar e não receber mais PLR, o trabalhador não vai ter mais como pagar as contas!

            Os patrões manobram para retomar os aumentos que os trabalhadores conseguem, aumentando os preços com o aval do governo. Quando vamos ao supermercado, à feira livre, à farmácia, vemos que os preços estão aumentando muito mais que os salários! Os meios de comunicação dizem que a inflação está em 6%, ou 7%, mas a inflação real para o trabalhador é muito maior. Só no ano passado os alimentos aumentaram 10,23%. Da mesma forma, o preço das passagens de ônibus, trens e metrôs, da gasolina, água, luz e telefone, enfim, os artigos que os trabalhadores consomem, sobem muito acima do que é divulgado. Para quem fez um aperto para comprar uma moradia, um carro ou eletrodomésticos, o pagamento dos carnês e dos empréstimos nos bancos, do cheque especial e do cartão de crédito está se tornando uma verdadeira tortura. Falta salário e sobram contas para pagar.

            O salário mínimo de R$ 545,00 está muito abaixo do necessário, longe de alcançar aquilo que determina a própria lei. Segundo a Constituição, o salário mínimo deveria cobrir as necessidades de uma família com moradia, alimentação, vestuário, saúde, transporte, educação e lazer. Para isso, o salário mínimo deveria ser de R$ 2.194,00, de acordo com o DIEESE.

            Quando vamos utilizar os serviços públicos, as escolas, os hospitais, ônibus, etc., vemos as péssimas condições devido à falta de investimento. Faltam professores, médicos, funcionários em todos os serviços. Os funcionários do serviço público enfrentam péssimas condições de trabalho: professores não têm condições de preparar aulas, médicos e enfermeiros não têm como atender, faltam remédios e equipamentos nos hospitais, não temos ônibus, trens e metrô na quantidade necessária, etc. Além de não haver investimento na estrutura dos serviços, os salários dos funcionários públicos não são reajustados, pois os governos federal, estadual e municipal querem  economizar dinheiro para ajudar os empresários.

 

Para uma sociedade justa e igualitária, é preciso romper com o capitalismo!

            Essa realidade não é apenas responsabilidade desse ou daquele governo, desse ou daquele partido. Tanto Lula/Dilma/PT quanto PSDB são responsáveis por essa realidade, porque são políticos que vivem para obedecer uma classe social, a classe dos empresários, dos patrões, a burguesia. A classe dominante precisa dos políticos e do Estado para manter os trabalhadores sob controle. A recompensa dos políticos é a chance de enriquecer com a corrupção. Para os trabalhadores, o que sobra é a exploração e a miséria.

            Tudo isso é resultado do sistema capitalista, em que a exploração cotidiana de muitos – os trabalhadores – só serve para aumentar os lucros dos empresários e políticos que os servem. São os trabalhadores que criam a riqueza do país, mas essa riqueza é direcionada para o lucro e não para a coletividade. Toda a riqueza produzida na sociedade deveria retornar para aqueles que a produzem! Para mudar essa situação, é preciso mudar de alto a baixo a sociedade. É preciso construir uma sociedade em que os trabalhadores decidam sobre o que produzir, como produzir e em que quantidade, de acordo com as necessidades de todos e em equilíbrio com a natureza. É preciso construir uma sociedade socialista!

            A alternativa está sendo iniciada pelos que se colocam em luta: os trabalhadores das obras do PAC, os metalúrgicos, os professores e funcionários públicos que estão em greve em vários estados. É preciso impulsionar já uma ampla campanha em apoio às lutas dos trabalhadores!

            Também precisamos defender juntos o direito de greve dos trabalhadores e estudantes, de lutarem por sua subsistência, pois esse direito está sendo ameaçado. Vemos a intromissão dos tribunais decretando a ilegalidade das greves e passeatas, obrigando o retorno ao trabalho, mas sem resolver as injustiças que provocam as greves. Temos que nos posicionar contra a punição dos tribunais aos que lutam e contra a repressão aos movimentos sociais,  nas escolas, ruas, nas fábricas e universidades.

            Para conseguirmos as mudanças necessárias precisamos construir um Movimento Político dos Trabalhadores para a luta contra a exploração capitalista, que reúna todos os movimentos e setores da população e que lute por uma outra forma de sociedade, livre da exploração!

           

Defendemos:

            ♦ Reposição das perdas e aumento real dos salários! Incorporação das PLR’s ao salário! Salário mínimo do DIEESE (R$ 2.194,00) como piso para todas as categorias! Fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho! Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!

            ♦ Redução e controle dos ritmos de trabalho. Enfrentar juntos a pressão no trabalho e os casos de assédio moral! Precisamos desenvolver formas de organização dos trabalhadores dentro das empresas!

            ♦ Para trabalho igual, salário igual!

            ♦ Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!

            ♦ Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e  melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!

            ♦ Reestatização da Vale, Embraer e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores! Que a exploração do pré-sal seja feita por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!

            ♦ Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Expropriação do latifúndio e do agronegócio sob controle dos trabalhadores! Rumo ao fim da propriedade privada! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica, voltada para as necessidades da classe trabalhadora!

            ♦Expropriar os imóveis usados para lucro da burguesia e colocá-los à disposição dos trabalhadores! Por um grande plano de moradias populares! Fim do financiamento público para condomínios de luxo e utilização dessa  verba em moradias populares! Investimento em transporte público de qualidade que priorize o modelo de transporte coletivo!

            ♦ A classe trabalhadora precisa criar/fortalecer seus próprios organismos de luta. Esses organismos devem ter como princípios a independência frente aos patrões e aos governos, a democracia e a participação da base, a luta contra a burocratização e a disputa ideológica.

            ♦ A estratégia deve ser a ruptura com a sociedade capitalista e a construção de um governo socialista dos trabalhadores, apoiado em suas organizações de luta e que avance em direção ao socialismo!

Para participar das discussões e dessa luta, entre em contato com o Espaço Socialista!

Venha conosco debater e lutar por uma nova sociedade! 

 

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Nacional: por um programa socialista nas lutas e nas eleições

As eleições e o movimento político dos trabalhadores

Na edição anterior do jornal do Espaço Socialista, fizemos uma primeira discussão sobre as eleições de 2010, na qual debatemos a necessidade de se construir uma alternativa política socialista dos trabalhadores, contra os dois campos burgueses representados por Serra e Dilma. Expusemos os motivos pelos quais um eventual governo Dilma-PT, tal como o atual governo Lula-PT, não serve como defesa contra os ataques da burguesia, pois o “Partido dos Trabalhadores” no governo tem funcionado como um instrumento da classe dominante, implantando o programa de interesse dos banqueiros, latifundiários e transnacionais. O PT tem implantado esse programa de forma mediada e apresenta essas mediações como se fossem enfrentamento à burguesia, mas na verdade são formas de garantir a implantação do programa e preservar seus interesses enquanto burocracia. Além disso, o PT tem sido um obstáculo para a organização e a luta. Basta observar o papel que tem cumprido a CUT (e as demais centrais sindicais pelegas), bem como a direção do MST e da UNE, impedindo o desenvolvimento de greves, ocupações e ações diretas. Debatemos também o papel da democracia burguesa e suas instituições, que restringem as possibilidades de ação e de escolha ao ato de votar em um representante a cada quatro anos, deixando-nos de mãos atadas o restante do tempo.

Por isso propomos a construção de um movimento político dos trabalhadores, que sirva como alternativa tanto na organização das lutas como nas eleições, retomando a disputa ideológica pela consciência da classe de modo a recolocar em pauta a necessidade do socialismo. As organizações políticas dos trabalhadores que são hoje majoritárias, PSOL, PSTU e PCB, por enquanto têm caminhado na direção oposta a esse movimento, apresentando candidaturas próprias, com programas e nomes discutidos nas cúpulas partidárias (do PCO nem se fala, pois jamais atuou em unidade, nem eleitoral nem no movimento, tendo como prioridade atacar o restante da esquerda, a ponto de funcionar como braço auxiliar da burocracia petista para dividir o movimento). PSOL e PSTU também têm realizando um debate rebaixado no Conclat, em que se vislumbra claramente uma disputa pelo controle do pequeno aparato que está sendo criado na nova central, mais do que que uma busca real pela renovação das formas de organização da classe (quanto ao PCB, nem sequer participa do Conclat). A crítica que fazemos a essas organizações vai no sentido de lembrar que a necessidade da classe de reconstruir as suas referências ideológicas, renovar seus métodos e rearmar seus instrumentos de luta, é algo que deve estar acima dos interesses desta ou daquela organização, por isso a construção de um ponto de apoio unitário é fundamental.

O movimento político e o programa

Esse movimento político unitário teria como tarefa romper o cerco da democracia burguesa e suas candidaturas, colocando em discussão um programa que represente as reais necessidades dos trabalhadores. A escala e a magnitude dos problemas colocados e a radicalidade das soluções necessárias impõem a construção de um movimento que ultrapasse a esfera sindical e também a eleitoral. A situação histórica em que vivemos, com uma crise societal latente mal disfarçada pelo desempenho artificial da economia, exige que a nossa classe esteja em condições de retomar a iniciativa política e apresentar propostas próprias para solução dos problemas sociais. Os pontos de programa que apresentamos a seguir buscam levantar brevemente alguns dos problemas com os quais estamos defrontados e as respectivas soluções.

– A economia brasileira está sendo sustentada pela injeção de dinheiro do Estado nas empresas e pela explosão do crédito que permite que a classe média e uma parte dos trabalhadores faça empréstimos e assim tenha acesso ao consumo. Mas não está havendo crescimento dos salários: a mão de obra que foi demitida no auge da crise está sendo contratada para ganhar menos e trabalhar mais, com o aumento da exploração acontecendo em todas as empresas. Por isso defendemos: Reposição das perdas salariais e defesa dos direitos e condições de trabalho! Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos, fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho! Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias! Redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução dos salários! Estatização sob controle dos trabalhadores e sem indenização de todas as empresas que demitirem, se transferirem ou ameaçarem fechar!

– Em momentos de crise econômica os trabalhadores negros são sempre os primeiros a serem demitidos, e quando acontece um reaquecimento, são os últimos a serem contratados, sempre ganhando menos, mesmo quando executam a mesma função, sendo que em geral vão para as funções mais subalternas e mais exploradas, o que é ainda pior no caso das mulheres negras. Por isso defendemos: Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!

– O governo federal, estados e municípios gastaram cerca de R$ 360 bilhões no pagamento de dívidas em 2009. Esse valor é mais do que o dobro da folha do funcionalismo, que está em R$ 165 bilhões. Enquanto isso, a maioria da população sofre com moradias precárias, falta de saneamento básico, ausência de transporte público, um sistema de saúde extremamente deficiente, educação sucateada, falta de funcionários, etc. Por isso defendemos: Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!

– A mineradora Vale do Rio Doce foi privatizada no governo FHC pelo valor de R$ 3 bilhões, um verdadeiro crime de lesa-pátria, pois o seu valor hoje é estimado em mais de R$ 100 bilhões. O governo Lula não reverteu essa privatização e nenhuma outra, e realizou novas privatizações, como as das reservas de petróleo, estradas, concessões do uso de florestas, bancos estaduais, etc. Além disso, as empresas estatais remanescentes, como Petrobrás e Banco do Brasil, são geridas como empresas privadas, repartindo seus lucros com acionistas privados, inclusive estrangeiros, superexplorando seus funcionários e não gerando retorno para a sociedade. Por isso defendemos: Reestatização da Vale, Embraer e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores! Que a exploração do pré-sal seja feita por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!

– O Brasil possui as mais importantes reservas de florestas, de biodiversidade e de água doce do mundo. Esse patrimônio está sendo destruído por madeireiras, plantadores de soja e criadores de gado, que derrubam florestas para praticar um tipo de exploração predatória que esgota o solo e produz sua desertificação. Boa parte dessa devastação acontece em terras públicas ocupadas ilegalmente, por meio da grilagem, ou ainda, às custas dos povos originários. O chamado agro-negócio, vedete da mídia burguesa por conta dos saldos comerciais, pratica ainda as mais brutais formas de exploração, das quais são vítimas por exemplo os trabalhadores do corte de cana. A burguesia agrária destrói a terra, rouba o patrimônio público e mata trabalhadores. Os sem-terra são as maiores vítimas da repressão, mortos por jagunços e ao mesmo tempo perseguidos como criminosos pela justiça burguesa. Enquanto isso, a população urbana convive com altas dos preços dos alimentos e com a qualidade duvidosa dos produtos que lhe são oferecidos, já que a melhor parte da produção vai para exportação. Por isso defendemos: Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Expropriação do latifúndio e do agronegócio sob controle dos trabalhadores! Rumo ao fim da propriedade privada! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!

– No início de 2010 as fortes chuvas provocaram inundações e deslizamentos que afetaram principalmente as populações mais pobres e os bairros periféricos em grandes cidades como Rio e São Paulo. Houve dezenas de mortes, milhares de desabrigados, enormes prejuízos e transtornos para milhões de trabalhadores impedidos de se locomover nas metrópoles. Os desastres provocados pelas chuvas não são obra da natureza e sim de uma organização urbana caótica, que prioriza o conforto da burguesia, os lucros da especulação imobiliária e da indústria automobilística. Por isso defendemos: Expropriar os imóveis usados para lucro da burguesia e colocá-los à disposição dos trabalhadores! Um grande plano de moradias populares! Fim do financiamento público para condomínios de luxo e utilização dessa verba em moradias populares! Indenização pública, isenção de impostos e moradia para todas as vítimas de enchentes e deslizamentos! Por um plano de obras públicas que priorize o saneamento e a despoluição de rios e lagos! Investimento em transporte público de qualidade que priorize o modelo de transporte coletivo!

Nenhuma dessas medidas, que são as únicas capazes de resolver de fato os problemas reais dos trabalhadores, podem ser obtidas pelos meios de participação atualmente disponíveis no quadro da democracia burguesa, pois se chocam frontalmente com instrumentos criados para proteger os interesses da classe dominante. Toda a ordem estabelecida, o Estado e suas ramificações, o judiciário, os partidos políticos, etc., o conjunto das instituições atualmente existentes foram criados para desviar e bloquear essas demandas. A luta pelo programa que expusemos e a construção dos organismos proletários adequados a essa tarefa necessariamente se chocam com a estrutura do Estado burguês e exigem a construção de uma alternativa de poder político e social da classe trabalhadora. A classe trabalhadora precisa criar seus próprios organismos de luta, que sejam os embriões de novos mecanismos de administração, capazes de reorganizar a produção social em bases racionais, tendo em vista o atendimento das necessidades humanas e a criação de relações sociais emancipadas. Esses organismos devem ter como princípios a independência de classe, a democracia operária, a participação da base, a luta contra a burocratização e a disputa ideológica, e ter como tarefa impulsionar um processo de ruptura revolucionária contra a sociedade capitalista, pela construção do socialismo. Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta! Por uma sociedade socialista!

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Epidemias e crise econômica: o capitalismo mata

Dalmo Duarte

 

Nos últimos meses o mundo está sendo ameaçado com a possibilidade de proliferação de um vírus inicialmente denominado "gripe suína" e depois A H1N1 com alta taxa de transmissão entre humanos e de uma perigosa letalidade.

Apesar do desinteresse da mídia nos últimos dias o perigo ainda está nos rondando. Os casos continuam se espalhando pelo mundo e no Brasil só nos últimos 30 dias os casos mais que dobraram (e continuará subindo). Sua presença está em vários países, dos mais pobres aos mais ricos. A própria OMS a caracteriza como "pandemia moderada". Apesar da insistência dos diversos órgãos da burguesia mundial em caracterizá-lo como uma catástrofe natural, uma análise um pouco mais apurada desmonta esse argumento irresponsável. As doenças que se caracterizaram como grandes catástrofes mundiais tem tanto no seu surgimento como no desenvolvimento causas sociais, ou seja, as condições do meio em que as pessoas e os animais estão inseridos, são a verdadeira causa dessa e de outras doenças que apareceram.

A falta de saneamento básico, a fome e a miséria que expõe milhões de seres humanos a todo tipo de doença, alterações genéticas em vários tipos de alimentos que consumimos diariamente, a industrialização das criações de animais (grandes fazendas automatizadas), as rações modificadas para acelerar o processo de engorda e tornar a carne mais lucrativa, a destruição do meio ambiente constituem a base para o desenvolvimento de tantas e tantas doenças.

No caso da "gripe suína" especialistas independentes apontam que a vacinação das criações de porcos com antivirais de eficácia duvidosa (só para atender exigências de alguns países consumidores) é outro facilitador de mutações desses vírus, o que os tornam potencialmente perigosos e anuncia outras epidemias. São nessas condições, próprias do capitalismo, que as doenças se propagam rapidamente e coloca em risco milhões de pessoas.

O desenvolvimento técnico que se alcançou poderia permitir a humanidade ter uma qualidade de vida nunca antes imaginada, mas essa técnica sob domínio da burguesia se transforma em destruição. As forças produtivas passam a se opor à natureza, com tecnologias que constantemente levam a destruição e a acidentes de grandes proporções, como chuvas ou sol em excesso, o desenvolvimento de novas doenças, etc.

A atual configuração do capital torna o seu processo produtivo extremamente destrutivo tornando a natureza uma presa. Quase tudo que se produz na sociedade capitalista deixa um lastro de destruição da vida natural. A devastação das florestas, dos rios e de toda vida selvagem deixa o sistema ecológico frágil e debilitado de maneira que não mais consegue encontrar em seu próprio meio as formas de controle de bactéria, fungos, vírus, etc, desenvolvendo situações que facilitam a proliferação de todo tipo de doenças que atingem homens e outros seres da natureza. A produção capitalista é um risco para a humanidade.

A ideologia burguesa sempre oferece explicações falsas para o que acontece. Escondem as reais causas de tantas doenças e tantas mortes "imbecis" que se espalham pelo mundo. E para isso aparecem "cientistas" e "especialistas" muito bem pagos pelos grandes laboratórios em suspeitas entrevistas aos meios de comunicação tratando tais doenças como se fossem fatos sobrenaturais e imprevisíveis.

Como parte da luta contra o capitalismo, é preciso dar uma explicação para essas e outras doenças a partir do marxismo, ou seja, de que o modo de produção capitalista é o verdadeiro responsável pelas doenças que se alastraram rapidamente. Nos últimos anos tivemos a vaca louca, a gripe do frango e agora a gripe suína todas elas provocadas por manipulações na ração ou mesmo o confinamento a que estão submetidos, condições impostas pela produção capitalista que sempre objetiva o lucro. A "gripe suína" é só mais uma delas.

Crise econômica e saúde pública

A grave crise da economia capitalista, a qual todos os países estão submetidos, colocou em movimento um plano dos Estados capitalistas para salvar as suas burguesias, distribuindo enormes quantias de dinheiro público para o setor privado e sem qualquer perspectiva de que o Estado vai receber de volta. Nos Estados Unidos foram bilhões de dólares para bancos, companhias de seguro e mais recentemente injetaram bilhões para "recuperar" a GM. No Brasil é o financiamento das empresas automobilísticas e tantas outras "ajudas" para os grandes grupos capitalistas.

O Estado coloca a disposição dos capitalistas bilhões de dólares. Só que para garantir a liberação desse dinheiro para as empresas privadas os governos precisam cortar verbas do serviço público seja da educação ou mesmo da saúde pública. A crise econômica e a política adotada pela maioria dos governos colocam em risco qualquer plano para enfrentar uma pandemia como essa ameaça pela gripe suína.

Outra questão dessa relação crise e saúde pública é o aumento do lucro dos laboratórios que fabricam medicamentos (principalmente o Tamiflu) adotados pela maioria dos governos para combater a "gripe suína". O fato de terem a sua eficiência questionada, tanto porque foram fabricados antes desse surto como pelo fato de que são estoques antigos – era para combater a gripe viária-, não impediu que a OMS (Organização Mundial de Saúde), em abril, recomendasse aos governos que comprassem e aumentassem os seus estoques desses antivirais. O resultado foi que o lucro aumentou e o valor das ações da Roche e Gilead (fabricantes) subiu mais de 4% mês de abril. A curiosidade é que Donald Rumsfield (ex-secretário de defesa dos Estados Unidos no governo Bush) é um dos diretores dessa empresa. Só após várias pressões é que a OMS reconheceu a possibilidade de que esses antivirais não surtem o efeito desejado.

Até o momento ainda há um controle, frágil, do vírus da "gripe suína", mas o que já provou que o atual sistema de saúde pública mundial não tem condições de enfrentar uma pandemia dessa natureza ou qualquer outra doença que ganhe proporções mundiais. Como os trabalhadores e pobres dependem da saúde pública o descontrole desse vírus pode fazer com que milhões de trabalhadores sejam condenados a morte.

É para não expor a precariedade da saúde pública capitalista que a mídia burguesa esconde e mente para o mundo. O desvio de recursos públicos para a iniciativa privada é mais uma demonstração que no capitalismo os interesses dos grupos e empresas sempre estão acima das necessidades humanas. Para o capitalismo o lucro vem antes da vida.

Quebrar as patentes: o conhecimento a serviço da humanidade

Os laboratórios farmacêuticos estão entre os negócios mais lucrativos do capitalismo, lucram mais que tráfico de drogas e armamentos. São verdadeiras fortalezas do capitalismo, que acumula bilhões tornando os doentes seus reféns.

Mas na formação dessa fortuna também tem um dedo dos Estados capitalistas que, mesmo com milhões de pessoas morrendo, mantém a proteção das patentes de medicamentos que poderiam curar as pessoas. Outra contribuição muito generosa é a destinação de verbas públicas para esses laboratórios. Nos Estados Unidos, por exemplo, o que os laboratórios gastam com pesquisa e propaganda podem ser abatidos dos tributos. Sem falar no fato de que já pagam impostos bem menores. Outra forma de ajuda do Estado ao laboratório está na distribuição das verbas para as pesquisas. Como as pesquisas iniciais são mais caras e arriscadas (a chance de não dar certo é maior) o Estado as financia, sendo que 90 % dos custos de pesquisas dos 5 medicamentos mais vendidos nos anos 90 foram custeadas por verbas públicas. Elias Zerhouni, diretor do NIH (Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos) confirma: "…nós financiamos quase 90% da investigação nos Estados Unidos na esfera da saúde…".

Todo esse mecanismo é garantido com a preservação das patentes (propriedade da fórmula dos medicamentos) e que para os trabalhadores representa a morte. As pesquisas são feiras com dinheiro público, os laboratórios ficam com a fórmula e os trabalhadores morrem porque não podem comprar remédios tabelados pelos monopólios que, por serem os únicos que produzem, cobram o que querem.

O lucro não pode estar acima da vida. Por isso é fundamental a luta pela estatização, sob controle dos trabalhadores, de todos os laboratórios tornando público todas as fórmulas dos medicamentos. A "gripe suína" e apenas um dos casos, pois há outras doenças como a AIDS, a tuberculose, a malária, a doença de chagas, vários tipos de câncer que têm medicamentos que ou curam ou garantem uma vida com mais qualidade para as pessoas, mas que as pessoas não conseguem utilizá-los pelos altos custos.

O capitalismo já provou o seu poder de destruição e sob o domínio dele os homens não controlam as forças da natureza, pelo contrário, cada ato seu é sinônimo de destruição e de oposição do homem ao próprio homem e à vida.

Só colocando o conhecimento a serviço da população do mundo é que acabaremos com doenças que ainda matam milhões de pessoas pelo mundo. Fim do monopólio dos laboratórios. Quebra de todas as patentes de medicamentos. Saúde pública e gratuita para todos os trabalhadores. Tarefas que só podem ser levadas adiante com o socialismo, único sistema social que produz de acordo com as necessidades humanas e não pelo lucro, única maneira de livrar a humanidade de todo sofrimento.

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Medidas do governo não evitam a continuidade da crise

As tendências da crise

O centro das discussões sobre a realidade atual está nos desdobramentos da crise econômica mundial. Está em curso um debate para determinar se se trata apenas de uma crise periódica, cuja superação aconteceria no curto ou médio prazo, ou de uma crise mais estrutural, que traz à tona desequilíbrios insuperáveis do sistema capitalista. Partilham da primeira opinião os ideólogos burgueses e também a esquerda reformista, que propagam a crença de que o capitalismo possa se recuperar da crise atual com "mínimos arranhões". Para os marxistas revolucionários, a crise ainda está apenas no seu início e ainda trará importantíssimas conseqüências sociais e políticas.

O impasse teórico sobre a natureza da crise será resolvido nos próximos meses, conforme se definirem as tendências concretas da economia, em especial nos países centrais, relacionadas à produção industrial, ao nível de produtividade e emprego,à condição do dólar como moeda de reserva mundial (ameaçada pelo estratosférico déficit público estadunidense), etc. Entretanto, qualquer que seja o resultado ulterior dessas tendências, a crise já provocou enormes retrocessos nas condições de vida da classe trabalhadora mundial. Aquilo que, para a burguesia, poderá ser contabilizado como "arranhões mínimos" no funcionamento de seu sistema, já são de imediato tragédias monumentais na vida de milhões de trabalhadores, confrontados com o desemprego e a miséria.

O ataque sobre as condições de vida da classe é a única forma do capital recuperar sua taxa de lucro. As demissões, as reduções de salários e os cortes de direitos são a receita da burguesia para salvar o capital, sendo aplicados com a colaboração dos governos e burocracias sindicais do mundo inteiro. Em tese, o capital precisaria nivelar por baixo o grau de exploração da força de trabalho em escala global, forçando os trabalhadores do mundo inteiro a aceitar as condições salariais e laborais mais rebaixadas possíveis, que são aquelas já vigentes hoje na China e nos países asiáticos. Se isso ainda não foi conseguido nos países centrais, como Estados Unidos, Europa e Japão, é porque a burguesia até o momento não construiu politicamente uma correlação de forças suficientemente favorável para impor tais medidas sobre o proletariado desses países.

Em países intermediários, como o Brasil, há setores da classe trabalhadora que também estão numa condição econômica e social ligeiramente acima do nível mínimo chinês. Trata-se de uma minoria da classe, já que a maioria dos trabalhadores brasileiros vive entre o desemprego e o subemprego, o trabalho precário, terceirizado, temporário e informal, sem proteção social, sem regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho, ou mesmo da duração da jornada, sem direito à organização, sindicalização ou greve;e com uma renda que mal cobre os custos de sobrevivência. Há um setor da classe, porém, que ainda está protegido por contratos de trabalho formais, previdência pública, seguridade social, legislação trabalhista, direito à organização e sindicalização, etc. Do ponto de vista do capital, esse setor é mais um alvo potencial da política geral de rebaixamento das condições de vida do proletariado global.

A situação do Brasil

Se não conseguir impor rapidamente uma derrota política brutal ao proletariado dos países centrais, ou deparar-se com uma resistência suficientemente forte, o capital poderá deslocar seu foco para os países periféricos que ainda possuem alguma margem de conquistas salariais e sociais disponíveis para serem "queimadas" na busca do nivelamento global, entre os quais o Brasil. Por enquanto, o desemprego, a redução de salários e o corte de direitos seguem avançando nos Estados Unidos, Europa e Japão, tendo provocado uma resistência mais significativa principalmente por parte dos trabalhadores europeus, que tem se mostrado insuficiente porém para barrar o processo. Em função disso, o ataque direto aos setores organizados do proletariado brasileiro ainda não é uma prioridade para a burguesia.

O Brasil tem sido relativamente poupado das conseqüências mais devastadoras da crise. Depois da primeira onda de demissões, especialmente nas montadoras e setores ligados à exportação, a situação foi momentaneamente estabilizada. Isso não se deve a nenhuma virtude, competência ou demonstração de habilidade do governo de plantão, mas ao fato de que a nossa vez ainda não chegou. Antes de partir para o ataque direto contra os trabalhadores, a burguesia ainda tem uma importante carta na manga, o controle sobre o Estado, que lhe permite socializar indiretamente as conseqüências da crise.

O Estado pode endividar-se, emitir títulos, gastar reservas cambiais, ampliar o crédito, baixar os juros, fornecer dinheiro às empresas e bancos com problemas, cortar investimentos em saúde, educação e serviços públicos, reforçar os programas assistenciais para manter os mais pobres sob controle e consumindo, etc. Com pequenas variações, essas têm sido as políticas de todos os governos burgueses em face da crise, e o caso de Lula no Brasil não é exceção. Essa margem de manobra do Estado permite à burguesia brasileira administrar a crise sem que os desequilíbrios se tornem explosivos.

A Falsa Recuperação e a Propaganda Governista

O fato de que uma explosão mais grave não tenha acontecido está sendo interpretado pela propaganda governista como indício de que uma recuperação já está à vista. Os índices econômicos oficiais apresentam um cenário estável, senão róseo. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho, houve uma variação positiva de 0,15% entre o número de admissões e desligamentos no primeiro quadrimestre do ano. Segundo o DIEESE, o desemprego nas principais regiões metropolitanas mais o Distrito Federal ficou em 15,3% em abril. A inflação medida pelo mesmo organismo ficou em 1,43% entre janeiro e abril de 2009.

Essa situação até que não parece ser muito ruim, considerando-se a ameaça de uma crise catastrófica que paira no horizonte. É preciso considerar porém o fato de que, segundo o mesmo DIEESE, o salário mínimo necessário (que constitucionalmente deve cobrir as despesas do trabalhador e sua família com alimentação, saúde, educação, vestuário, higiene, moradia, transporte, lazer e previdência) deveria estar na casa de R$ 1.972,64 – sendo que a remuneração média do trabalhador nas regiões metropolitanas (ou seja, onde a renda é mais alta) está em R$ 1.240,00 – e o salário mínimo oficial está em apenas R$ 465,00. Ou seja, a maior parte dos trabalhadores sobrevive com menos do que o mínimo necessário. Esse aperto imposto aos trabalhadores é o segredo para a recuperação da economia capitalista. O aperto permite aumentar a taxa de lucro num momento em que há uma diminuição da massa de mais-valia por conta das quedas na produção.

Para completar a propaganda governista, entram em cena os números das bolsas de valores, que há alguns meses têm apresentado altas significativas. O Ibovespa fechou o mês de maio aos 53.198 pontos, quase o mesmo nível de agosto de 2008 (55.680), antes da eclosão da crise. Da mesma forma, o dólar também chegou a uma cotação (R$ 1,970 em maio) praticamente idêntica à de agosto de 2008 (R$ 1,905). Os índices das bolsas são tomados como indicadores da saúde do conjunto da economia, quando na realidade indicam apenas as expectativas de lucro dos capitalistas, as quais estão momentaneamente elevadas por conta do empenho do governo em ajudar as grandes empresas. Não há uma recuperação real e duradoura, mas um simples reflexo das políticas governamentais para salvar o capital. A divulgação de que o PIB do 1º trimestre de 2009 caiu ainda mais é mais um balde de água gelada no discursodo governo.

Essa política envolve medidas como o pacote da habitação, que vai desviar dinheiro do FGTS dos trabalhadores para as construtoras em apuros, sem qualquer traço de um projeto estrutural de reforma urbanística, que envolva, além da moradia de qualidade, obras de saneamento, infra- estrutura,transporte público,equipamentos públicos de lazer, etc. Há também atos puramente demagógicos, como a troca do presidente do Banco do Brasil por um nome mais afinado com a queda dos juros, mas que está longe de representar uma mudança real na atual política de um banco de mercado, em direção a um banco verdadeiramente público e de fomento.

A importância de uma alternativa ideológica

É importante destacar todas as falácias do governo para se contrapor ao discurso dos representantes de Lula no interior do movimento dos trabalhadores, as correntes do PT e seus satélites, que dirigem burocraticamente os principais organismos da classe, como CUT, UNE, MST, pastorais sociais, etc., impedindo os trabalhadores de entrar em luta. Os setores lulistas apresentam o discurso de que a ação do Estado pode livrar o Brasil da crise. Em função disso, defendem Lula e apontam o PT como suposta alternativa contra a ameaça da direita, o PSDB, DEMos e demais oportunistas, que trariam a volta das privatizações e outros ataques contra os trabalhadores.

Que a direita seja uma ameaça é um fato real, mas não é real que Lula e o PT sejam alternativas. Lula governa desde 2003 para a burguesia, os bancos, os latifúndiários, as grandes empresas e o capital internacional, que obtiveram lucros como nunca antes. O governo Lula seguiu pagando a dívida externa fraudulenta, privatizando patrimônio público, retirando direitos dos trabalhadores, reprimindo suas lutas, destruindo o meio ambiente, sucateando os serviços públicos, compactuando fisiologicamente com setores corruptos e conservadores, etc.; e ampliou em escala colossal o assistencialismo, que proporciona alívio temporário para a miséria, mas não muda estruturalmente a situação dos miseráveis.

Em 2002 e no 2º turno de 2006 o Espaço Socialista defendeu o voto nulo nas eleições, como forma de indicar a necessidade de uma alternativa política e ideológica para organizar a classe trabalhadora brasileira. O PT e os organismos que dirige não são essa alternativa. Tornaram-se parte integrante da gestão burguesa da economia e do Estado. Em tempos de crise, o papel dessas burocracias como instrumento dos interesses burgueses e obstáculos para as lutas dos trabalhadores se torna ainda mais acentuado. Os sindicatos ligados à CUT e demais centrais pelegas assinam acordos de demissão, rebaixamento de salário e retirada de direitos. A direção do MST impede as ocupações de terras. A UNE apóia o sucateamento das universidades públicas. Essas direções demonstram assim seu compromisso com a defesa da ordem burguesa e a exploração capitalista.

Por um encontro nacional dos trabalhadores e um programa socialista contra a crise

Em função dessa política das direções dos principais organismos da classe, torna-se urgente discutir novas alternativas de organização. No período recente, a Conlutas tem se destacado por agrupar a vanguarda combativa do movimento sindical e popular. Entretanto, seu peso ainda é muito limitado. Está em discussão no movimento a possibilidade de unificação entre a Conlutas e a Intersindical, que também agrupa alguns sindicatos que romperam com a CUT. As direções dessas duas centrais realizaram um seminário em São Paulo (19,20 e 21 de abril) de onde tiraram inclusive um calendário que aponta para um possível congresso de unificação no início de 2010.

Somos a favor da construção de uma alternativa orgnizativa para a classe trabalhadora. Por isso defendemos a realização de um Encontro Nacional dos Trabalhadores para discutir a reorganização da classe. Entretanto, esse processo não pode seguir sendo discutido a partir das cúpulas das centrais. É preciso levar o debate para as bases da classe trabalhadora. Esse Encontro seria precedido de plenárias regionais, com convocação e agitação nas bases, nas portas de fábrica, faculdades e colégios, locais de grande concentração popular, etc. Também é preciso que Conlutas e Intersindical rompam com sua política de atos unificados com a CUT e demais centrais pelegas, como o de 30/ 03, que ao invés de apresentar uma alternativa, serviram apenas para confundir os trabalhadores.

Mais do que um simples debate sobre a possível unificação da Conlutas e Intersindical, é preciso discutir que tipo de alternativa organizativa os trabalhadores necessitam. É preciso discutir formas de impedir que uma nova central seja burocratizada e aparelhada como a CUT foi pelo PT, estabelecendo formas democráticas de funcionamento, com decisão nas instâncias de base, rodízio dos dirigentes, transparência nas finanças, cuidado com a formação teórica e política dos ativistas e dos trabalhadores.

Por último, se é correto dizer que a crise não chegou ao Brasil com todo seu impacto, também é fato que já causou estragos em vários setores, que sofreram demissões em massa (Embraer, Vale), reduções de salários, cortes no orçamento para despesas de pessoal de vários governos estaduais e municipais. Essa primeira onda da crise já provocou respostas por parte dos trabalhadores. Nos últimos meses aconteceram greves importantes, como a dos ferroviários do Rio, trabalhadores da USP e da Sabesp, dos funcionários técnicos da Caixa Econômica Federal, de várias categorias de servidores públicos, estaduais e municipais, em especial da educação, em vários estados do norte e nordeste (Pará, Roraima, Piauí, Paraíba e Ceará).

Essas greves sinalizam a existência de uma disposição de luta por parte dos trabalhadores. É preciso avançar a partir dessas lutas isoladas, localizadas, parciais, economicistas, para uma luta da totalidade da classe contra a totalidade do sistema capitalista. Isso exige por parte das direções combativas a construção de uma alternativa organizativa que traga uma perspectiva de classe, em que os trabalhadores vejam a si mesmos como protagonistas de sua história, e reconheçam na burguesia e seus governantes de plantão os adversários. Para isso é preciso construir um programa socialista contra a crise, que questione não apenas os ataques conjunturais de que estamos sendo vítimas, mas a própria ordem capitalista, com suas crises, misérias e violências.

  1. Não às demissões! Estabilidade no emprego e reintegração dos demitidos!
  2. Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!
  3. Estatização sob controle dos trabalhadores e sem indenização das empresas que demitirem, ameaçarem fechar ou se transferirem!
  4. Reestatização da Vale e demais empresas privatizadas sob controle dos trabalhadores , sem indenização e com readmissão dos demitidos!
  5. Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa , e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer . Fim da remessa de lucros para o exterior!
  6. Estatização do Sistema Financeiro sob controle dos trabalhadores!
  7. Reforma agrária sob controle dos trabalhadores. Fim do latifúndio e do agronegócio. Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!
  8. Cotas proporcionais para negros e negras nos empregos gerados!
  9. Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!
  10. Por uma sociedade socialista!
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Crise expõe barbárie capitalista: avanço da xenofobia

 

A mobilidade do trabalho, ou dos trabalhadores de um lugar para outro no intuito de ocupar postos de trabalho, em razão da escassez destes ou por conta de melhores condições no trabalho e de rendimentos maiores, provoca grandes êxodos, entre regiões localizadas em um mesmo país ou internacionais.

Esse deslocamento em massa provoca conseqüentemente o aumento da densidade populacional nos locais de destino desses trabalhadores e também a elevação da competição entre os próprios trabalhadores. Esse processo em última instância é interessante aos detentores dos meios de produção e aos tomadores de serviço na medida em que se amplia quantitativamente o exército industrial de reserva, gerando a diminuição do valor dos salários.

Como desdobramento desse fenômeno, também ocorre nesses lugares de destino o aumento do desemprego e da precarização das condições de vida dos trabalhadores de um modo geral, seja por conta de uma super ocupação combinada com a despreocupação dos Estados em construir infra-estrutura para readequar o espaço urbano a sua nova dimensão populacional. Essa massa humana em deslocamento acaba sendo segregada em locais desfavoráveis do ponto de serviços públicos, nas periferias das cidades, constituindo grandes bolsões de pobreza e miséria, como as favelas ou bairros degradados. Sendo que esse estado de déficit habitacional é apropriado mercadologicamente pelos empresários do setor imobiliário para especular e construir moradias, por meio de subsídios estatais ou de financiamentos públicos, moradias as quais são construídas nesses lugares distantes ou em outros tão desfavoráveis para o deslocamento aos centros urbanos quanto os lugares de favelização. Inclusive, nos Estados Unidos, a crise do setor imobiliário afetou os trabalhadores pobres mutuários que perderam as casas, hipotecadas como garantia de pagamento, e quanto a essa questão em particular, o geógrafo norte americano David Harvey, em entrevista concedida a revista Le Monde Diplomatique Brasil do mês de março de 2009, explica que:

 

“a estrutura da crise financeira nos Estados Unidos é notadamente urbana no que diz respeito a suas origens. E é justamente essa relação que eu considero importante a analisar. Um dos resultados da crise é que cerca de 3 milhões de pessoas perderam suas casa nos Estados Unidos no último ano. Provavelmente, antes que esse processo termine, entre 6 e 10 milhões de pessoas estarão na mesma situação. Se observarmos onde isso aconteceu, a onda inicial de inadimplência ocorreu em duas áreas específicas: uma delas, as velhas cidades dos Estados Unidos, como Cleveland, Baltimore e Detroit; a outra coincide com a distribuição da população negra. Na realidade, tivemos o que podemos chamar de um Katrina financeiro, que atingiu todas as cidades, simplesmente varrendo do mapa os bairros pobres em municípios como Cleveland e Baltimore. Em Cleveland ocorre uma sobreposição perfeita entre bairros ocupados por afro-americanos e os lugares onde estão o maior número de pessoas que perderam suas casas por causa das execuções hipotecárias”

 

Esses bairros pobres a que se refere David Harvy são ocupados principalmente por imigrantes de origem latino-americana e de regiões pobres do oriente e da Europa, que serão lançados em estado de maior degradação humana.

Esse movimento de mobilização humana tem provocado o descontentamento de setores da extrema-direita, que, não de hoje, perseguem e procedem a assassinatos de imigrantes, como, por exemplo, o movimento contra o negro e o latino-americano nos Estados Unidos, que ganha coro junto com o movimento da Lei e Ordem, de cunho nitidamente fascista. E esse processo da crise econômica mundial, que se encontra em aprofundamento e que já colocou a economia mundial em recessão, está gerando aumento vertiginoso dos índices de desemprego no mundo todo, a começar pelos centros do capitalismo. Então, os imigrantes, que já são alvo de políticas de extermínio, passam a ser entendidos por parte dos trabalhadores demitidos, que são obrigados a disputarem postos de trabalho mais precarizados, como inimigos, desconsiderando categoricamente o aspecto de classe e possibilitando as condições para disputas violentas entre os próprios trabalhadores. Esse fenômeno ideológico e medonho é apropriado pelos setores da ultradireita, que tentam catalisar essa relação destrutiva. Por isso, verifica-se, não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa, o avanço da xenofobia, inclusive estatal, que se manifesta por meio de políticas de barreira nas divisas contra a imigração, o não fornecimento de vistos e as perseguições policiais. Exemplos disso são o vergonhoso muro que separa a divisa entre os Estados Unidos e o México, em cujo lado americano existem mercenários que literalmente caçam imigrantes e criam uma rede de corrupção para permitir a entrada de alguns, e os assassinatos de latino americanos em países europeus pela própria polícia, sob o argumento de que seriam criminosos ou suspeitos. Portanto, a crise tem acentuado o deslocamento do trabalho para países mais industrializados e confrontado isso com o desemprego nestes países.

Nesse cenário, os Estados europeus ocidentais têm hostilizado os imigrantes provenientes da África, América, Oriente Médio e, sobretudo, do leste europeu. A crise já impactou com grande intensidade os países do leste europeu, de tal forma que alguns países como a Letônia passam situação de instabilidade política no governo em razão do desemprego e da falta de medidas eficientes para a sua contenção, que levou o então primeiro ministro a renunciar em 20 de fevereiro de 2009. Na Ucrânia a crise causou a diminuição da exportação de aço e o endividamento do Estado tem dificultado medidas de intervenção na economia. Isso tudo provocou êxodos imigratórios em direção aos países da Zona do Euro, os quais estão aplicando medidas para dificultar esse movimento. O Estado Alemão tem assumido forte intenção de impedir a imigração e em abril de 2009 pretende discutir uma lei que proibirá a concessão de vistos para imigrantes de cerca de 8 (oito) países do leste europeu. Na mesma direção, a Holanda também tem dificultado os fluxos imigratórios.

Recentemente, a Europa foi palco de fortes insurgências relacionadas com o desemprego e a questão da imigração. O ano de 2008 na França foi marcado por violentas manifestações de imigrantes, africanos na maioria. Esses imigrantes criticavam a política do governo Sarkozy de expulsar imigrantes ilegais e exigia a legalização e também apontava o forte nível de desemprego, sendo as manifestações duramente reprimidas pela polícia francesa. Paris tornou-se um campo de guerra urbana. Contudo esse movimento dos imigrantes africanos pela legalização não se iniciou em 2008, já em outubro de 2005 foram travados violentos enfrentamentos com a polícia, que foram deflagrados após dois jovens imigrantes morreram eletrocutados durante perseguição empreendida pela polícia. É, portanto, nítida a postura xenofóbica do Estado francês, a qual continua sendo conduzida pelo governo Sarkozy, que deverá, inclusive, ser fortalecida diante da crise econômica. Além disso, na Grécia também ocorreram enfrentamentos em dezembro de 2008, organizados principalmente por anarquistas em conjunto com organizações da esquerda, sendo que a maioria dos manifestantes era de estudantes que ocuparam diversos prédios públicos e procederam a fortes manifestações de rua. O poder público grego adotou, não de agora, uma política endurecida contra as manifestações populares e contra os imigrantes, por meio da criminalização dos movimentos sociais e por investidas contra imigrantes ilegais, resultando, inclusive em mortes não esclarecidas pela polícia e também marcadas por absolvições, criando certa dose de crise nas instituições do Estado, sobretudo o Judiciário. Tanto que as grandes manifestações de dezembro de 2008 foram iniciadas após o assassinato pela polícia do estudante Alex Grigoropoulos , em 6 de dezembro. Após esse fato, estudantes invadiram as ruas de diversas cidades gregas, dentre as quais, Atenas, Salônica, Patras, Larissa, Iraklion, Chania (Creta), Ioannina, Volos, Kozani, Komotine. A propósito, em Petras ocorreu um ataque violento de radicais de direita contra a sede de uma organização política de imigrantes, tendo sido lançada uma bomba contra a janela do prédio em que se encontravam os militantes, durantes a realização de uma reunião.

Esses fenômenos de levantes populares, incluindo os imigrantes segregados e perseguidos pelos aparelhos de repressão estatais, não estão assumindo maiores dimensões por acaso, sendo eles conseqüências diretas da crise estrutural do capital que tem provocando o aumento do desemprego e a precarização das condições de trabalho e de vida do proletariado no mundo todo e nesse cenário os imigrantes são parte dos setores mais explorados e expropriados pela burguesia, e cuja situação civil os coloca em posição de extrema precariedade no tocante aos direitos sociais. A crise econômica em curso acentuará a xenofobia e os partidos de direita já estão utilizando isso para aumentar a hostilização em relação aos imigrantes e, principalmente, para dividir os setores da classe trabalhadora e dificultar sua organização para a luta contra o capital.

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