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O aprofundamento da violência contra a classe trabalhadora


3 de janeiro de 2009

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.

Bertolt Brecht

Para fazermos uma análise da violência em 2007 precisamos retornar ao ano de 2006. O suposto ataque do PCC passou a legitimar, para o senso comum, uma prática da polícia de atirar primeiro e depois perguntar. Os dados oficiais minimizam, mas, não negam que muitos dos que foram mortos em ações da polícia na “reação contra o PCC” não tinham sequer passagem pela polícia. A própria mídia fala na ação de grupos de extermínio liderados por policiais. Além disso, velhas discussões voltaram à cena como a pena de morte, a redução da maioridade penal, o endurecimento das penas e o fim do “privilégio” da progressão continuada da pena. Como já demonstrado anteriormente (“A quem serve o discurso da redução da maioridade penal”, Espaço Socialista, nº 21) esse discurso só serve para colocar cortina de fumaça no problema e esconder a real situação do ser humano sob o regime capitalista.

No processo de enrijecimento da ação policial contra trabalhadoras e trabalhadores, vemos que o Haiti foi um tubo de ensaio. No Haiti desde 2004, com a criação da MINUSTAH (sigla do francês Mission des Nations Unies pour la stabilisation en HaitiMissão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti), o Brasil utiliza o lema do "braço forte, mão amiga" e dá ênfase exagerada ao “braço forte”. Isso se demonstra nas notícias de carnificina praticada pelo exército de “paz” liderado pelo Brasil. Curiosamente diz-se que o Haiti está pacificado, mas, a ONU só pretende sair de lá em 2011. A questão é que no Haiti o exército brasileiro reprime e mata trabalhadores. A própria declaração do coronel Cunha Mattos – chefe do sistema de comunicação social do exército (CCOMSEX), se referindo ao fato de que os “bandidos” no Haiti usam coquetel molotov em comparação com a situação no Morro do Alemão – diz que “os bandidos estão bem armados com potentes fuzis e granadas de mão.” Dessa forma justifica que o governo brasileiro deva manter no Haiti mais de 1200 soldados.

No Haiti o exército brasileiro desenvolveu a “experiência” utilizada pelas tropas militares no patrulhamento de ruas e favelas cariocas, antiga reivindicação da burguesia. Nas vésperas do PAN, ocorreu a maior ação policial no complexo do Alemão. Foram 1.350 policiais e soldados da Força Nacional, que teve como saldo 19 civis mortos com desconfianças de várias execuções. O laudo da Comissão de Direitos Humanos da OAB diz que é possível “deduzir” que algumas vítimas foram executadas. Obviamente porque o laudo do IML era propositalmente limitado, pois os corpos chegaram ao IML em condições preparadas para acobertar as situações reais. Esses fatos foram divulgados pela própria mídia burguesa, que admitiu a possibilidade de pelo menos 5 corpos terem sido alvejados à queima roupa. Imaginemos como ficaram as famílias das trabalhadoras e trabalhadores, testemunhas oculares desse tipo de ação do Estado. Aliás, boa parte já é vítima da truculência da polícia, cuja ação parece reproduzir o pensamento de que morador da favela é bandido.

Dentro dessa mesma lógica de truculência e legitimação da violência a PM do Rio utiliza nas favelas o “Caveirão”: Um carro de guerra ameaçador, que chega entoando uma música que incita à violência e que tem uma caveira estampada em suas portas. Pesa 8 toneladas, atinge 120 Km/h e possui 21 pontos de tiros, onde os policiais encaixam os fuzis. Esta é a descrição do veículo de policiamento da PM que, segundo organizadores da campanha “Caveirão Não”, utiliza métodos de ação que implantam o medo e não garantem a segurança. De dentro do “caveirão” os policiais efetuam disparos e intimidam a população sem serem identificados. Os relatos dos moradores dão conta de que os alto-falantes do veículo assustam e ofendem os moradores e moradoras das favelas. Contam que o Caveirão desfila pelas comunidades com corpos de jovens assassinados presos nos ganchos do veículo.

A justificativa para o uso do Caveirão é de que as favelas do Rio vivem uma “situação de guerra”. Morados e líderes das comunidades afirmam que esse argumento é a desculpa utilizada pelo governo e pela polícia para justificar as execuções sumárias, tiroteios indiscriminados e outros abusos cometidos pela polícia nas favelas e comunidades pobres.

Estes fatos revelam o papel da polícia no Estado: reprimir e intimidar o trabalhador para que “Não se rebele”. O único problema dessa polícia, segundo a burguesia, é o de que existem algumas laranjas podres. Esse problema é apresentado e reforçada no filme Tropa de Elite, que cai no gosto popular e na ideologia da classe dominante. Mas, observando a ação dessa polícia vemos que a prática desta “laranja podre” é a regra e não a exceção. A ação da “laranja podre” não é mera ação individual, mas, prática institucional.

 

O registro da violência em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Haiti nos faz girar o olhar para outras formas de violência existentes no Estado brasileiro:

– O extermínio sistemático da população indígena, em especial, do povo de etnia Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul – até o final de outubro registrou-se o assassinato de 35 indígenas (destes, 12 assassinados tinham entre 14 e 20 anos de idade), sem contar as tentativas de assassinato, as vítimas de desnutrição, contaminados por HIV e outros que não resistem à pressão e cometem suicídio. Há o caso da idosa Xuretê Lopes (70 anos), rezadeira e liderança do povo, morta por pistoleiros a mando de fazendeiros da região, cujo assassinato segue impune. (CIMI – Conselho Indigenista Missionário).

– Os assassinatos e intimidações no campo. O MST e trabalhadores sem-terra continuam sendo alvo de ações de grupos paramilitares (leia-se pistoleiros pagos por latifundiários). Em 21 de outubro último foi assassinado o trabalhador rural Valmir Mota de Oliveira (Keno), e mais cinco pessoas ficaram gravemente feridas. Esses trabalhadores estavam acampados no campo experimental de transgênicos da Syngenta Seeds, no Paraná. Esse assassinato continua impune.

– A noite de sexta-feira, 16 de novembro, foi testemunha da 25ª chacina em São Paulo. Agora já é 99 o número de mortos em chacinas em 2007. Supera os índices “oficiais” de 2006, que em 21 chacinas morreram 76 pessoas. E alguns casos a polícia investiga o envolvimento de policiais, que atuam em um “grupo de extermínio”.

Esse ano de 2007 foi especialmente cruel para os trabalhadores e suas organizações. Mas, quem mais sofreu foi justamente o trabalhador não organizado, que não compreende bem a violência que o Estado pratica e o papel da polícia na repressão aos trabalhadores. Este trabalhador acredita que a polícia está acima das classes sociais, e está aí para defender o bem, mas não consegue explicar porque a polícia trata tão diferente o morador da favela em relação ao morador dos bairros nobres. Esse trabalhador vê que a polícia é rápida para desocupar universidades ocupadas por estudantes, mas, demora para resolver outros casos de violência.

Essa polícia, forjada pelo sistema capitalista, serviçal da burguesia e instrumento de repressão em tempos de ditadura ou “democracia”, não serve aos trabalhadores. Somente a unidade dos trabalhadores rumo a uma sociedade socialista poderá por fim ao assassinato de trabalhadores.