Encarte Rebeldia Socialista – número 04
3 de janeiro de 2009
Felicidade! Passei no vestibular. mas a faculdade é particular! Ela é particular… (Martinho da Vila em Pequeno Burguês)
Nos últimos vinte anos ouvimos dizer que o estado deveria deixar de custear as atividades econômicas, pois sua função era priorizar áreas como saúde e educação. Esse argumento foi amplamente utilizado para convencer o povo brasileiro a apoiar as privatizações de empresas estatais, pois, dessa forma, o estado brasileiro tornar-se-ia mais ágil e capaz de investir em áreas sociais.
Outro discurso muito utilizado era o de que, ao subordinar as empresas estatais às regras de mercado elas se tornariam mais competitivas, mais eficientes e forneceriam serviços e produtos melhores e mais baratos (foi assim com a telecomunicação, eletricidade, Vale do Rio Doce, etc).
Até aqui não há nada de novo, a novidade aparece quando as regras do jogo se tornam obstáculos para quem as formula. Aí a situação muda de figura e as regras, que antes eram sagradas, dão espaço à inovações modernizadoras.
Atualmente os donos de universidades e faculdades podem explorar um ramo privilegiado do mercado, a educação superior. Aqui é possível contratar mão-de-obra qualificada, pagar baixos salários, oferecer um serviço de qualidade duvidosa, não se preocupar com a fiscalização estatal, além de contar com dinheiro público para financiar suas atividades.
Diferentemente do que pregam os capitalistas, quem lucra com o ensino superior não corre o risco das oscilações de mercado, não sofre a efetiva fiscalização do estado se oferecer um produto de má qualidade, e nem arca com os prejuízos de uma eventual inadequação às leis de oferta e procura ao oferecer cursos que não respondem as necessidades sociais.
Falta dinheiro às universidades federais, sobra recurso público para o setor privado
Estamos falando de um ramo de atividade que explora 78%[1] das vagas de graduação no país e que conta com diversos programas que subsidiam a existência do ensino superior privado como a única tábua da salvação para o estudante filho de trabalhador. Entre esses programas, talvez o de maior impacto e mais lucrativo para os donos de universidades seja o PROUNI (Programa Universidade Para Todos) que atualmente subsidia as mensalidades (integrais ou parciais) de 300 mil estudantes em graduação superior em todo o país, e que se propõe a atingir a meta de 400 mil até o fim do mandato do Presidente Lula, a um custo médio de R$ 7 a 8 mil/ano[2] cada bolsa. Esse número significará 10% dos estudantes do ensino privado que atualmente é de 4 milhões, ou seja, um décimo da rede privada será subsidiada com dinheiro público.
Sabemos que o funil da educação superior no Brasil não se resolve do dia para noite e que muitos estudantes utilizam o Prouni como única forma de estudar um curso de 3º grau, mas não podemos esquecer que o critério utilizado pelas faculdades para disponibilizar os cursos é a baixa procura de quem pode pagar, muitas vezes motivadas pela baixa qualidade ou irrelevância acadêmica.
Já na rede pública, o orçamento das universidades federais é de R$ 10 bilhões ao ano para investir em 600 mil vagas, esse número reflete o valor de R$ 16,6 mil por aluno ao ano[3], conta com 85% de professores com dedicação exclusiva, em sua maioria doutores, além de custear laboratórios, pesquisa, extensão universitária e uma ampla rede de atendimento à comunidade. Esse modelo faz da universidade pública brasileira referência latino-americana quando o assunto é pesquisa e pós-graduação.
Apesar da excelência das públicas sobre as privadas, e sem cair na armadilha dos números, não bastaria investir o dinheiro público gasto com o Prouni para abrir mais vagas nas universidades federais se o nosso objetivo é atender os filhos da classe trabalhadora, pois mais uma vez seríamos postos para fora no funil dos vestibulares. Mais do que uma discussão matemática sobre os recursos e investimentos, a decisão é eminentemente política e está subordinada a lógica perversa do capital de subordinar toda e qualquer necessidade da sociedade à sua própria lógica do lucro.
Para o jovem estudar ele precisa arrumar um emprego. Para ser contratado ele precisa estar estudando.
Conforme dados do DIEESE em 2007, dos 3,5 milhões de desempregados nas seis regiões metropolitanas pesquisadas (São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Recife), 46,4%, portanto quase metade, são jovens de 16 a 24 anos. Nessa idade, o jovem que deveria estar cursando uma faculdade está procurando trabalho. É um momento da vida que faz parecer uma saída providencial quando se consegue cursar uma faculdade particular sem pagar no ato.
A lógica que faz do jovem mão-de-obra barata e subempregada é a mesma que lucra com o PROUNI, e para sermos conseqüentes devemos enfrentar o problema pela raiz. Somente um conjunto de medidas políticas que abarcam todo o conjunto da sociedade poderá reduzir o flagelo e desespero da juventude trabalhadora, invertendo a lógica mercantil das universidades para que elas possam ser utilizadas na busca de soluções para a satisfação das necessidades humanas produzindo mão-de-obra e serviços que beneficiem toda a sociedade, e não apenas quem vive do trabalho de alunos, estagiários e recém formados.
Para tanto defendemos:
- O fim do vestibular, por vagas em escolas públicas para todos. Que a admissão em escolas técnicas públicas e universidades públicas considere como critério de seleção a proporção regional de alunos de escolas públicas e privadas.
- Educação em período integral (8h), com investimento financeiro que propicie um ensino e equipamentos de qualidade, combinado com atividades culturais e de lazer.
- Gestão paritária. Que os alunos tenham possibilidade real de interferir na construção do conteúdo que estudam nas escolas e faculdades.
- Cotas proporcionais à população negra e indígena em todos os processos seletivos das escolas técnicas públicas e universidades públicas.
- Implementação da lei 10639, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Literatura Africanas em todas as escolas e universidades, bem como a história de resistência dos negros na África, no Brasil e no mundo.
- Redução da jornada de trabalho do jovem para 06 horas/diárias, por menos horas de trabalho, por novas contratações.
- Que se respeite a proporcionalidade de afrodescendentes e indígenas em cada região nas ofertas de vagas de trabalho.
- Pelo fim do trabalho precarizado, que todo jovem tenha direitos trabalhistas. Fim do estágios como forma de precarizar o trabalho do estudante.
- Fiscalização dos estágios por organismos de base do movimento estudantil, que o estágio esteja a serviço do aprendizado e não seja forma de precarizar o trabalho do estudante.
- Mínimo do Dieese como referência salarial a ser aplicado ao cálculo da remuneração proporcional dos estágios.
Referências
[1] Centro de Estudos sobre Educação Superior e Políticas Públicas (Cespe)
[2] idem
[3] idem