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Venezuela e Bolívia: ir além de Chavez


3 de janeiro de 2009

Marcelo Marques

Se a dinâmica de enfrentamento da luta de classes fosse capaz de definir o mapa da América Latina, ele teria formas muito diferentes da que conhecemos hoje e países como Venezuela, Bolívia e Colômbia ocupariam maior parte de nosso continente latino.

A força política representada por Chávez e Evo Morales tem sido capaz de evidenciar a pluralidade de posições e o grau de divergências das diversas organizações de esquerda.

Ao participar desse importante debate evitamos simplificações que rotulam de Revolução Bolivariana realidades tão diversas como as experiências venezuelana e boliviana e que buscam viabilizar a exportação do modelo de Socialismo do Século XXI para os demais países da América Latina. Tais simplificações aumentam a confusão ideológica da classe trabalhadora latino-americana, permitindo que organizações que defendem políticas meramente antineoliberais e coligações eleitorais com setores da burguesia nacional possam se esconder sob o manto de esquerda revolucionária simplesmente por apoiar incondicionalmente o discurso antiimperialista de Chávez.

Na Venezuela, com o chavismo nem casamento…

A confusão ideológica alimentada por Chávez tem como base as reformas sociais financiadas pelo alto valor internacional do preço do petróleo, que permite beneficiar setores populares historicamente empobrecidos e que recebem uma rede de proteção social. Essas camadas alcançaram acesso aos serviços de saúde, educação e segurança alimentar que antes não havia para a população pobre. Soma-se a esse real investimento social uma dura retórica antiimperialista e de confronto com os EUA. Dura retórica, mas apenas retórica.

O estado Bolivariano da Venezuela segue firme no cumprimento dos contratos, no pagamento da dívida externa, na defesa da propriedade privada e das instituições sob regime democrático burguês. Além disso tenta tolher a iniciativa e a independência do movimento operário ao pressionar que as organizações dos trabalhadores adentrem ao recém criado partido do governo, o PSUV.

Os chavistas mais afoitos se apressam em apoiar todos esses atos, argumentam sobre os limites conjunturais por ser a Venezuela um país pobre, pressionado pelos EUA e enfatizam o não real e efetivo apoio das potencias regionais (Brasil e Argentina). Afirmam ser Chávez um reformador (aprovou a jornada de trabalho de 6 horas diárias para 2010), um impulsionador de políticas antiimperialista e, dentre outras medidas, estar armando o povo (milícias bolivarianas). Reconhecem essa liderança como a principal promotora da independência latino-americana, portanto, devemos defendê-lo intransigentemente pois criticar é fazer coro com a burguesia imperialista e contra revolucionária.

Participando dessa opinião renegaríamos o marxismo, as intensas experiências históricas que custaram a vida de gerações de revolucionários e aceitaríamos o papel de coveiros da classe operária e seus aliados.

Não podemos esquecer que somente os trabalhadores são capazes de sua própria emancipação, portanto qualquer avanço social ou reformador está fundamentado no fôlego das lutas populares. O papel dos revolucionários deve ser o de incansável impulsionador das lutas. Para isso é imprescindível que atuem no sentido de remover qualquer obstáculo ao avanço de consciência e de ação dos trabalhadores.

Nesse sentido, medidas que vão contra a independência de classe devem ser repudiadas. Não se pode fazer parte de um partido que governa um Estado burguês. Uma milícia que reconhece apenas a liderança de Chávez e não se submete a nenhuma instância do movimento operário deve ser encarada com desconfiança. Apoiar esperanças de que tal ou qual líder, por mais retórico que tenha, será capaz de resolver os problemas históricos da classe trabalhadora ou ao menos garantir sozinho os direitos conquistados é colaborar com a ilusão e não com a consciência.

Também é extremamente perigoso propagandear que um estado organizado em sólidas instituições parlamentares, policiais, judiciárias ficará de braços cruzados quando testemunhar a evolução crescente da consciência proletária com ações que deixarão para trás séculos de opressão aos trabalhadores.

O sangrento período chileno foi suficiente para deixar profundas marcas na história de nosso continente e demonstrar que infelizmente não há atalhos em política, nem espaços vazios de poder. Quanto maior for o processo de organização da classe trabalhadora maior será a violência empregada pela burguesia para retomar seu chicote e exercer seu poder de classe dominante.

Por essa perspectiva acreditamos que de todos os frutos envenenados que o apoio incondicional a Chávez possam render, talvez o mais pernicioso seja a vinculação direta das organizações dos trabalhadores ao Estado. Tal medida, na prática, retira dos trabalhadores a capacidade e iniciativa de liberar suas forças criativas que gerariam novos instrumentos e formas de poder além de manter intacto o Estado burguês e todas as instituições que, ao primeiro sinal de cansaço da classe trabalhadora, irá se aproveitar para retomar qualquer palmo de liberdade e autonomia duramente conquistadas.

…nem divórcio, no momento.

Apesar de todos os questionamentos apontados acima não devemos esquecer que Chávez expressa um movimento de reforma e tem refletido a mobilização popular que possibilitou importantes avanços sociais. Atrás do chavismo ainda caminham setores importantes da classe trabalhadora que lhe dão sustentação. Portanto, os revolucionários devem impulsionar as lutas, apontar os perigos de aceitar as estreitas margens da legalidade burguesa e reivindicar melhorias econômicas combinando tudo isso com propostas políticas que garantam a independência de suas organizações e demonstrem na prática de onde vem o poder, se das massas trabalhadoras ou das lideranças militares.

Dessa maneira acreditamos que foi um acerto dos setores de esquerda a abstenção no referendo de dezembro de 2007, pois deu relevância política ao fato de que é o Chavismo que depende dos trabalhadores e não o contrário. Demonstrou-se também que existe amplo setor de trabalhadores capaz de manifestar apoio às reformas chavistas, que melhoram as condições de vida da população venezuelanas. Não podemos confundir os resultados com a retórica à moda BUSH (de quem não está a favor está contra) tão pouco cair na propaganda do imperialismo e de parcelas da burguesia venezuelana (impulsionadores do NÃO ao referendo). A maturidade política da população venezuelana demonstrou que há espaço à esquerda do chavismo (a abstenção de 6 milhões de eleitores no referendo é o mesmo número que garantiu a enorme margem de votos na reeleição de Chávez).

Acreditamos também que o termômetro para o posicionamento frente a Chávez deve ser o do grau de resistência que ele oferece ao desenvolvimento da consciência e da organização dos trabalhadores. Portanto, qualquer sinal de repressão à população significará o esgotamento do chavismo como companheiro de viagem de nossa classe e deverá ser combatido duramente.

Na Bolívia…

O processo boliviano e o que conduziu Chávez ao poder na Venezuela tem a semelhança que seus líderes esforçam-se para dar. Ambas expressam a tentativa de conter dentro da legalidade burguesa todo o ímpeto das forças populares que impulsionam a dinâmica da luta de classes no sentido de mudar o centro de poder da sociedade boliviana em direção aos trabalhadores.

Diferentemente da Venezuela, a Bolívia viveu nas décadas de 70, 80 e 90 um forte movimento de setores reacionários da burguesia para inverter as pequenas conquistas da revolução nacionalista de 1952.

Nos trinta anos subseqüentes o vento da espoliação dos recursos naturais e das reservas de energia varreu a Bolívia, mesmo com a grande resistência oferecida pelos mineiros bolivianos e suas dinamites. Nesse período a situação dos trabalhadores piorou ainda mais, culminando em várias rebeliões populares como a Guerra da Água, a Guerra do Gás, o afastamento de presidentes e a eleição de Evo Morales baseada nas organizações indígenas e dos trabalhadores.

Sua eleição tem como pano de fundo o fortalecimento da identidade indígena, a busca de um projeto boliviano para se colocar frente ao mercado globalizado, o esgotamento das minas de cobre, o conseqüente empobrecimento e desemprego dos mineiros, a retomada das empresas estatais e o controle real sobre o último recurso natural abundante no país, o gás natural. Tanto Evo Morales como Chávez representam grupos políticos que buscam sustentar-se como mediadores das classes em luta e que necessitam do apoio de forças políticas que vão além das suas bases de apoio incondicional. Tais forças políticas têm reivindicações próprias, o que obriga Morales e Chávez a manter sempre a iniciativa política e buscar esvaziar, a todo o momento, o conteúdo das disputas entre as classes.

 

As semelhanças

O que assemelha Chávez e Evo Morales é a incessante busca por soluções constitucionais alicerçadas na democracia burguesa e suas instituições de Estado. O maior obstáculo para tal cálculo político é que a burguesia não faz questão de sua democracia, nem do mito da unidade nacional. Chávez já sofreu o golpe e Morales não está longe dessa possibilidade. Sob o discurso de autonomia das províncias, a região da meia lua (Santa Cruz de La Sierra, Pando, Beni e Tarija) levantou, em dezembro de 2007, a possibilidade real de independência e secessão do país caracterizando um grave risco para todos aqueles que depositam esperanças na democracia burguesa. Não podemos ser inocentes. A separação de tais províncias do Estado boliviano será seguida de violenta repressão ao movimento popular dessas regiões, que atualmente está desarmado. Portanto, por mais que se diga que não há possibilidade de armar as organizações dos trabalhadores é imprescindível tomar medidas que torne viável tal tarefa e garanta ao proletariado condições de exercer a autodefesa.

Com o início de 2008 nota-se um momentâneo recuo na proposta de independência das regiões, que devido ao pouco apoio externo encontrou resistência em setores da burguesia ligada ao mercado mundial e que, por enquanto, pouco se beneficiaria da independência, uma vez que está fora da região em questão. Além disso, a burguesia boliviana fora da meia lua não vê com bons olhos a possibilidade de setores do movimento popular se apoiar no discurso separatista para impor ações muito mais radicalizadas, as quais até agora o movimento, em seu conjunto, tem levado a efeito.

Dentro de tal cenário acreditamos que a política dos revolucionários bolivianos assemelha-se a dos venezuelanos no sentido de seguir intransigentemente na defesa de medidas reformadoras ao mesmo tempo em que aponta e combate os limites da democracia burguesa respeitada por Chávez e Morales, lutando pela independência das organizações dos trabalhadores e por instrumentos de poder que estejam fora do estado burguês.

 

  1. Total independência da classe trabalhadora frente ao Estado venezuelano!
  2. Todo apoio às conquistas do povo venezuelano!
  3. Contra qualquer tentativa de golpe separatista das elites bolivianas!
  4. Pela organização armada do povo boliviano!

A guerrilha colombiana apresenta suas armas

Qualquer militante conseqüente de esquerda defende o direito dos trabalhadores se armarem para se defenderem dos ataques da burguesia e de suas forças armadas em qualquer parte do mundo. Na América Latina não poderia ser diferente. Durante muito tempo o continente foi palco de lutas guerrilheiras e algumas até alcançaram a vitória militar como em Cuba e Nicarágua, enquanto outras foram derrotadas ou cooptadas pelo regime democrático burguês, mas há ainda organizações guerrilheiras que sobreviveram aos ataques e ao tempo. A defesa intransigente da guerrilha como braço armado das organizações populares não significa o silêncio frente às contradições, que se não forem superadas podem caminhar para a derrota da guerrilha ou para o genocídio. Esse é um debate importante sobre a FARC-EP.

As Forças Armadas Revolucionárias Colombianas/Exército do Povo nasceram com o ideal de ruptura com o poder burguês constituído na Colômbia. Ao longo de anos de contínuo conflito a estratégia revolucionária esmaeceu e se manteve vigorosa a tática de financiamento da luta pela negociação com narcotraficantes e por meio do seqüestro de militares e civis. Esse método debilita politicamente a disputa contra as forças do Estado, pois não consegue avançar no processo de consciência dos trabalhadores uma vez que são bombardeados ideologicamente pela grande mídia, facilitando o estabelecimento de políticas fascistas pelo governo de Uribe.

Atualmente o governo dos EUA mantém estreitas ligações com Uribe e é responsável por alimentar a força armada colombiana por meio do Plano Colômbia. Esse plano foi capaz de investir aproximadamente 4 bilhões de dólares no período de 2000 a 2006. Assumiu publicamente a bandeira de combate ao narcotráfico, mas na prática se revela como estratégia militar para desestabilizar os grupos armados de esquerda na Colômbia, que são as FARC e o Exercito de Libertação Nacional. Estabeleceu na Colômbia uma área de influência militar para favorecer a política imperialista norte- americana de controlar geopoliticamente o cone sul, cujas evidências estão no aumento de tropas americanas no território colombiano. E tenta cunhar o status de organização terrorista às FARC e ao ELN, o mesmo concedido às organizações de resistência no oriente médio.

O esforço da grande mídia de classificar as FARC como organização terrorista e Hugo Chávez como pivô de um golpe atentando contra a soberania da Colômbia corrobora com o entendimento da CIA (agência central de inteligência americana) de classificar a Venezuela como eixo do mal, ou seja, coloca o país entre aqueles que fornecem suporte a organizações terroristas que causam desestabilização na ordem mundial. É a grande mídia lançando mão de seu marketing político baseada no maniqueísmo.

Atualmente, as FARC exigem a desmilitarização das áreas próximas aos municípios de Pradera e Floridas, próximas cerca de 50 km da cidade de Cali, como condição para discutir a libertação de outros 750 prisioneiros dos quais estão parlamentares colombianos e a ex-candidata a presidência Ingrid Betancort, cidadã francesa que permite à França a condição de parte diretamente interessada.

Para a esquerda latino-americana e especialmente para a esquerda colombiana está colocada a dura necessidade de construir uma estratégia socialista de ruptura com as estruturas de poder nacionais e com a atual ordem mundial. Também a necessidade de reorganização da classe trabalhadora para que as lutas armadas na América Latina não nos conduzam a mais uma vitória do capital.