Coletes amarelos na França: expressão da crise econômica e social dos países desenvolvidos
4 de fevereiro de 2019
Mônica e Dalmo
No mês de novembro do ano passado, um movimento conhecido como “Coletes amarelos” tomou conta das ruas de Paris e de várias cidades do interior da França. Começou reivindicando basicamente redução de impostos para combustíveis e, como símbolo, usavam coletes amarelos como referência ao equipamento de uso obrigatório para motoristas em situações de acidente ou necessidade de socorro.
Os “Coletes amarelos” nasceram nas manifestações convocadas em redes sociais a partir da petição de Priscillia Ludosky exigindo a diminuição de preços dos combustíveis. Isso em fins de outubro. Depois essa petição viralizou, ganhou o apoio de milhares de pessoas pelas redes sociais que realizaram manifestações. A primeira foi no dia 17 de novembro. No dia 02 de fevereiro já ocorria a 12ª manifestação, ou seja, desde então, em todos os sábados ocorrem manifestações. Sempre se reúnem aos sábados
A reivindicação inicial, ainda que focada no aumento dos combustíveis, foi o suficiente para levar, já no primeiro dia, mais de 280 mil pessoas nos vários atos realizados pelo país.
Outro elemento importante é o fato de, mesmo com os limites políticos, esse movimento ter uma característica fundamental que é a radicalidade de suas ações. Os bloqueios de rua, o enfrentamento com as forças policiais, queima de carros da polícia, colocam na cena política o método da luta direta, algo que a esquerda tradicional tem abandonado e desviado a luta para a arena parlamentar.
As condições sociais dos franceses pioraram
A classe trabalhadora dos países imperialistas já não tem uma vida social como tinha nos anos 60 ou 70. Foram retirados muitos direitos sociais. Por isso que, ainda que a luta contra o aumento de impostos dos combustíveis seja importante, principalmente para os moradores das periferias (e também do interior do país) que dependem de transporte para se deslocarem, a razão de fundo da revolta está nas condições sociais dos franceses.
Condições sociais essas, resultado das políticas de ajuste econômico imposto por Macron (e antes, implementadas por Sarkozy e Hollande respectivamente), que empobreceram os franceses, impuseram medidas de retirada de direitos sociais como o aumento da idade para se aposentar, a Reforma Trabalhista que precariza as relações de trabalho e o aumento da tributação para os pobres (que levou ao aumento dos combustíveis). Por outro lado, os impostos sobre as grandes fortunas foram eliminados favorecendo os ricos.
São essas contradições que estão na raiz da insatisfação da classe trabalhadora e da população francesa, incluindo aí os pequenos proprietários.
Mais reivindicações
Mesmo depois de Macron ter sido obrigado a recuar e suspender o aumento de impostos dos combustíveis, as mobilizações não só se mantiveram como ampliaram e ainda se radicalizaram.
A partir desse momento, no interior do movimento foram surgindo novas reivindicações para além dos iniciais. Foi construída uma pauta para ser apresentada ao governo com 42 pontos expressando toda a diversidade do movimento. Reivindicações desde acabar com os sem-teto, passando pelo aumento da taxação das grandes empresas, aumento do salário mínimo, criação de emprego, fim dos contratos temporários de trabalho e outros pontos da Reforma Trabalhista, dentre outros.
Por essa heterogeneidade também tem em seu interior, por um lado, setores que defendem a expulsão sumária dos estrangeiros que não conseguirem sucesso em seus pedidos de asilo no país e, por outro lado, também a defesa de políticas de auxílio à integração dos imigrantes
Guardadas as suas especificidades é algo parecido com as jornadas de junho de 2013 aqui no Brasil. São milhões de pessoas nas ruas, com uma diversidade de reivindicações (saúde, Educação, contra a Copa, etc.) sem conseguir pontos capazes de unificarem a todos os setores em luta.
Os partidos e entidades “tradicionais” do movimento
Na França, assim como em muitos outros países do mundo, há uma profunda crise de partidos que se revezaram no poder por anos, Partidos Republicano e o Socialista. Se revezavam, mas eram cada vez mais parecidos. Hollande, último presidente membro do Partido Socialista, teve uma gestão igual aos partidos de direita.
As direções sindicais também têm se comportado muito mais como gestores do capital do que entidades que lutam pelas reivindicações da classe trabalhadora. Por isso, o movimento dos Coletes amarelos se distanciou das centrais sindicais, dos sindicatos e dos maiores partidos mesmo de esquerda.
Essa crise do movimento sindical se expressa, por exemplo, na queda da taxa de sindicalização e se estende às centrais na perda de legitimidade, ou seja, não são vistas como defensoras dos direitos, mas como oportunistas, mais preocupadas com as negociatas com o governo e os empresários do que em mobilizar a classe trabalhadora.
A tendência é esse distanciamento aumentar, pois a maioria dos sindicatos nem participaram das manifestações alegando serem de direita. E o movimento seguiu em frente, como uma demonstração de que os sindicatos não são mais essências para ocorrerem manifestações e lutas.
Esse processo não é novo, pois as grandes mobilizações de massas de 2016 já tinham sido puxadas pela base dos estudantes e só depois das pressões as centrais se incorporaram.
É evidente que essa desconfiança de alguma forma se estende à esquerda revolucionária (que na França chamam de extrema esquerda), primeiro porque realmente há muitos erros na relação com os movimentos e depois por conta da confusão política que impera entre os trabalhadores.
A maioria dos grupos e partidos da extrema esquerda francesa se incorporou a esse movimento desde o início. Quem ficou de fora foram os partidos da “esquerda light”.
Qual o caráter ideológico do movimento?
Esse distanciamento do movimento em relação às entidades tradicionais da luta coloca em debate o caráter ideológico desse movimento.
É um movimento amplo e heterogêneo, se reivindica apartidário e apolítico, se coloca como cidadãos lutando pelos seus direitos. Ser assim amplo permite que no seu interior tenham setores de esquerda, de direita e até de extrema direita.
Assim, é um movimento que ainda disputa para ganhar aqueles que participam para as posições políticas e ideológicas do campo anticapitalista.
A direita também disputa esse movimento. Por isso, Mari Le Pen tem insistentemente tentado se colocar como a “porta-voz” do movimento, ainda sem conseguir. No entanto, tem conseguido influenciar um setor. Até mesmo setores fascistas se colocam na disputa. Nas manifestações de 27 de janeiro último (XI marcha), a coluna do NPA (Partido Anticapitalista, em que vários agrupamentos da extrema-esquerda se agrupam) foi atacada por um grupo que se reivindicava “les Zouaves” (referência a membros de origem argelina e que serviam no exército francês), que tentava expulsá-la dos atos.
Nesse sentido, a batalha política da esquerda revolucionária é fundamental para ajudar o movimento a desenvolver essa consciência, passando de uma luta por reivindicações “genéricas” para aquelas que joguem para os ricos o custo da crise econômica criada por eles e pela política econômica que eles implementaram. A luta pelo desenvolvimento de uma consciência de classe é das mais importantes, inclusive para orientar as reivindicações em um sentido anticapitalista. Hoje o movimento está diluído em “indivíduos e cidadãos” (conceitos que se opõem ao conceito de classe social) como uma multidão de pessoas protestando “pelos seus interesses individuais” e não por interesses da classe trabalhadora.
Ainda é tempo dessa batalha, pois, até o momento e dado a complexidade do movimento, pode-se dizer que o caráter ideológico do movimento está totalmente indefinido. Isso quer dizer que há um espaço para a esquerda revolucionária, mas também há para a direita.
Assim na França como no Mundo: disputar as lutas
Há ao menos dois rumos possíveis: a cooptação desse movimento pela direita e até extrema direita francesa ou os jovens e trabalhadores direcionarem o movimento para uma pauta à esquerda.
E essa disputa política não é só na França. Desde o Brasil, Argentina e outros países podemos colaborar para o avanço das forças de esquerda. Mas, para isso é preciso disputar os movimentos e formar politicamente a classe trabalhadora para a derrubada do capitalismo, nesse momento de crise em que as grandes economias centrais e periféricas impõem cortes no padrão de vida da classe trabalhadora e dos pobres.
Aqui no Brasil há a urgência de ganharmos a classe trabalhadora para ir às ruas em manifestações classistas e enfrentar com força todos os planos de ajuste de Bolsonaro e Paulo Guedes.
Lembrando Rosa Luxemburgo, que no último dia 15 de janeiro completou-se cem anos de assassinato, focando em suas palavras: Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.