20 de novembro, Dia da Consciência Negra: Pelo fim do extermínio do povo negro, nós vamos à luta!
18 de novembro de 2018
“Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…”
(Navio Negreiro, Castro Alves)
Uma data de luta
20 de novembro é o dia da Consciência Negra e costuma-se apresentar, por todo o país, eventos diversos realizados por Movimentos Negros, dirigidos à luta contra o racismo, a discriminação racial, a marginalização, criminalização e morte da população negra brasileira. Esta data, portanto, não é de celebração. Muito ao contrário! É de a reafirmação constante de uma luta por igualdade de direitos.
Ao longo destes 130 de “liberdade”, a população negra colocada à margem da sociedade durante décadas passou a constituir, em grande número, os bolsões de pobreza em favelas e comunidades. Seus direitos à vida digna e ao respeito à sua origem e aos seus povos ancestrais foram continuamente retirados, discriminados e invisibilizados. Condenando, assim, esta população às piores e mais degradantes condições de vida, usurpando-lhes quaisquer possibilidades de melhoria de vida. A senzala de antes, dos 350 anos de escravidão, passou a se chamar favela, comunidade. Foi para onde os negros, após a Abolição da Escravatura, foram empurrados, durante décadas.
Muitos desses negros, trabalhadores explorados pelos donos dos meios de produção, vivem hoje não muito diferentes sacrifícios da época da escravidão. Discriminados social e etnicamente, na favela, aprendem a defender a sua identidade construindo, às vezes, com apoio de associações de moradores ou de ONGs, atividades que resgatam os jovens negros da vida do tráfico, da inserção na criminalidade e mostrando que há opções melhores de vida.
O desenvolvimento de projetos ligados às artes plásticas como o grafite, a música, o funk, o hip hop, os esportes, a capoeira, etc. são algumas das atividades que podemos encontrar nas comunidades como estímulo à autoestima dos jovens negros e negras e, principalmente, como resgate da cultura negra.
Algumas das consequências do racismo
Contudo, diante do racismo estrutural que se apresenta, essas políticas ainda precisam ser aprofundadas e ampliadas.
Somente no início do século XXI, começou a vigorar no Brasil o sistema de Cotas, uma das primeiras políticas afirmativas que intencionava dar conta do prejuízo histórico causado pelos 350 anos de escravidão de negros e negras africanos e seus descendentes, ao longo desses três séculos e meio.
O racismo está tão internalizado na sociedade brasileira que, diante desse passo importante para acabar com a desigualdade racial e social, ainda hoje, encontramos resistência por parte de alguns grupos sociais, que questionam o sistema de cotas nas universidades brasileiras. As pesquisas confirmam que, entre as mulheres desempregadas a maioria é negra, mesmo aquelas que já concluíram cursos universitários. Percebemos, assim, o quanto ainda temos de lutar para conquistar o espaço na sociedade.
A ausência de políticas públicas para a população negra também se estende ao campo da segurança pública, faltam políticas que combatam de fato o crime organizado e ao invés disso se criminaliza a população das favelas, onde não só há a discriminação do povo negro visto sempre como vagabundo e malandro, mas a criminalização com constantes prisões e/ou mortes de jovens negros, mortes estas que são “justificadas” pelo Auto de Resistência, blindagem dos policiais que veem na morte da população negra a solução para a violência nas cidades grandes. O negro, para esses, é vagabundo, não gosta de trabalhar e quer vida fácil por isso toma o rumo do crime.
A Anistia Internacional Brasil, há mais ou menos dois anos atrás, realizou uma campanha contra o Auto de Resistência, chamada “Jovem Negro Vivo”. A finalidade era extinguir, senão diminuir significativamente, o índice de morte de jovens negros nas comunidades. Até certo ponto, esta campanha foi abraçada por vários setores da sociedade.
Por outro lado, também foi muito combatida, principalmente pelos setores policiais, que não aceitaram nem as críticas às anteriores políticas de segurança pública que falharam, nem às propostas de solução para o problemas da violência apresentadas pela oposição ao governo da época, na Alerj.
No entanto, para além das instituições públicas de segurança, há as milícias armadas e que também contribuem para a mortandade da população negra. Há casos em que jovens negros são mortos sem que haja motivação que leve a isso, um caso de autodefesa, por exemplo. O simples fato de ser negro e ser morador de comunidade são o bastante para colocar suas vidas em risco.
Será que são somente os negros e negras e moradores de comunidades que estão sujeitos à violência dos aparelhos de repressão estatal? Observa-se que não.
Para além dos crimes contra a população negra, ocorrências cotidianas, efetuados pela própria polícia, apresenta-se como fato agravante o crescimento do embate entre o crime organizado e as milícias urbanas, mais precisamente localizadas na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro contra as quais o, atualmente, Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL) lutou para desbaratá-las. Tanto o deputado quanto seus assessores não conseguiram levar adiante o projeto de desmilitarização da polícia e muito menos extinguir as milícias armadas. Esse projeto fora engavetado, ainda no governo Cabral.
Portanto, a política de extermínio da população negra não deu trégua nesses últimos 8 anos. Muito ao contrário, foi acirrada. Não foram poucas as notícias de trabalhadores, estudantes e crianças mortas covardemente nas favelas e comunidades do Rio de Janeiro, em meio aos fogos cruzados e tiros vindos de helicópteros, que aconteciam durante as incursões do Bope, da PM e, hoje, do Exército nas comunidades, desrespeitando horário escolar, existência de creches, retorno dos trabalhadores a seus lares ao fim do dia. Cenas tristes de meninos e meninas que, em tenra idade, tiveram suas vidas ceifadas pela violência reinante nesse estado, neste país. Os parentes mais próximos destas vítimas, hoje, participam de movimentos sociais que buscam o fim da violência nas favelas em nome não só da memória de seus entes queridos, mas por uma vida mais digna nas periferias da cidade.
Intervenção Militar para conter a luta
Passados alguns anos e estando a cidade do Rio de Janeiro sob Intervenção Federal (iniciada em 2017/2018 permanece) – já que as principais figuras políticas do estado estavam sob investigação de operações da Lava Jato, o ex-governador Sérgio Cabral Filho se encontrava preso – toda a sociedade civil e a classe política do estado e do país recebem com choque a notícia do assassinato, posteriormente comprovado, de uma das ex-assessoras de Marcelo Freixo (PSOL) a Vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes ao saírem de uma roda de conversa na Casa das Pretas.
Apesar da sociedade ter jogado todas as fichas no poder da Intervenção Militar para conter a criminalidade crescente, o fato desse crime bárbaro ter acontecido nas barbas do alto escalão militar demonstra não só a ousadia desses grupos de extermínio, mas também desmascara o poder público e mesmo militar quanto à incapacidade de resolução do problema da criminalidade nos grandes centros urbanos.
Conclui-se que o papel da Intervenção Federal, no estado do Rio de Janeiro, é tão somente político, isto é, de contenção das manifestações de trabalhadores contra a política de austeridade, implementada pelos atuais presidente da república e governador do estado, Michel Temer e Luiz Fernando Pezão, esse último, sucessor de Sérgio Cabral Filho no cargo. Agravante disso é o aumento da violência no Rio.
Concomitante à permanência da Intervenção Militar ocorre o crescimento do poder da milícia armada na Zona Oeste e a morosidade das investigações desse crime. Segundo o Ministro da Justiça, Raul Jungmann, não ficará sem punição e os culpados serão encontrados. Porém, estando há mais de oito meses sem que seja dada uma solução para o caso, a declaração do Ministro não convence os partidos políticos de esquerda de que as retaliações pararão por aí e de que os assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes venham a ser descobertos, indiciados e punidos com a mesma rapidez e crueldade com que inúmeros homens e mulheres foram mortos ou presos comunidades afora, nesse estado, durante décadas. A injustiça reina.
E pelo que a conjuntura apresenta, a tendência é que essa injustiça continue. Não são poucas as demonstrações de ódio às minorias sociais da qual a população negra faz parte, nesses últimos meses. É notória a ascensão de um estado fascista ou protofacista no Brasil. Esse terminologia não importa muito, o que de fato vemos são personalidades políticas estimulando, via redes sociais, seu eleitorado à violência contra essas minorias sociais, contra a oposição política, contra a militância estudantil.
A comunidade negra, os movimentos sociais contra o racismo, pelo empoderamento da mulher, particularmente da mulher negra, e os movimentos que representam a população LGBTIs, hoje, com a ascensão do fascismo no Brasil, ficam expostos a mais violência. E, se ser branco homossexual é estar exposto a agressões gratuitas, imagine se negro transexual?
A situação das minorias sociais, atualmente, é muito grave e o que se observa é o surgimento de mais milícias armadas fazendo prevalecer os conceitos de modo de vida dos brancos sobre os demais, que são escorraçados não só pela sociedade, mas também pelas instituições públicas. Então, segurança para quem? Para quê?
Assim, o Dia da Consciência Negra, para nós, da população negra brasileira, não é dia de comemoração. É dia de brado. Brado alto! Brado de resistência contra todo tipo de repressão e opressão, seja aos direitos civis, seja aos individuais.
Então, é mais uma vez, assim sempre foi, a convocação para a luta pela liberdade de manifestar nossa identidade e resgatá-la também em nome, não nos esquecemos nunca, de nossos ancestrais trazidos ao continente americano, em grilhões, nos navios negreiros, da Mãe África.
M.A.