A tragédia na Maré e a intervenção militar no Rio de Janeiro
24 de junho de 2018
Crédito: Favela da Maré
“Eu fiquei com meu filho esperando a ambulância por uma hora. Uma senhora da limpeza é que me contou que a polícia não tinha deixado a ambulância entrar (na favela). Depois houve uma ordem superior e a ambulância entrou, mas ele já estava roxo, estava morrendo na minha frente.”.
“A polícia mandou a ambulância que ia levar meu filho voltar.
Não é operação, é extermínio, invasão.
Meu filho ontem perdeu o baço, os rins, os estilhaços acabaram com tudo dele. Não tenho o que doar do meu filho.” – Bruna Silva, mãe da Maré que enterra seu filho Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, executado pela polícia.
Não existem palavras ou análises políticas que se sobressaiam ou possam tentar compreender a dor de uma mãe, pai, de uma família, em perder um ente querido. Por isso, nossa absoluta solidariedade às famílias vítimas da tragédia de ações genocidas, por parte de uma instituição falida e corrupta que é a Polícia Militar, respaldada pelo Estado burguês atualmente gerenciado por Temer e, especificamente no Estado do Rio de Janeiro, com a Intervenção Militar, e toda a sua corja de ministros subdivididos nas bancadas ruralista, da bala, evangélica etc. Mas também, de quem dá todo o aparato que o sustenta, ainda, no poder: a burguesia, os banqueiros, as grandes empreiteiras, enfim, os representantes do capital financeiro. Todos, com as Polícias Militares, são responsáveis diuturnamente pelo massacre, pelo derramamento de sangue, sobretudo, da população pobre e negra desse país.
Segundo informações do gabinete do deputado Cristiano Silveira, nos assassinatos cometidos por policiais no Rio de Janeiro durante confronto com “suspeitos”, 99% dos casos são arquivados sem investigação e, em 21% deles, as vítimas tinham menos de 15 anos. Muito provavelmente, Marcos Vinícius da Silva, adolescente de 14 anos, entrará nesta triste estatística e muito provavelmente as investigações se tornarão mais um processo arquivado.
O Mapa da Violência não deixa dúvidas. A cada 23 minutos, um jovem negro, na faixa etária de 15 a 29 anos, é assassinado no Brasil. Para cada jovem branco assassinado, 2,7 negros são vítimas de homicídios no País. O Mapa da Violência também informa que das cerca de 56 mil pessoas assassinadas anualmente no Brasil, mais da metade são jovens e, destes, 77% são negros e 93% do sexo masculino. As vítimas com baixa escolaridade também são maioria. A arma de fogo foi usada em mais de 80% dos casos de assassinatos de adolescentes e jovens. Este estudo, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revela a guerra civil não declarada. Os números são veementes. Entre cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são pobres, negros e jovens das periferias.
Embora não haja uma guerra declarada, ela pode ser identificada nas entrelinhas de um documento da Escola Superior de Guerra (ESG), de 1989, intitulado “Estrutura para o poder nacional para o ano 2001 – 1900-2000, a década vital para um Brasil democrático”. O documento alerta contra os cinturões de pobreza nas periferias das grandes cidades, como o Rio de Janeiro, e sugere a militarização da ação contra as populações pobres e os “menores abandonados”, vistos como socialmente perigosos. Essa lógica de “contenção” dos pobres prevaleceu nos anos seguintes, levada a cabo pelas polícias militares.
Neste cenário dantesco, é evidente a aplicação de políticas que visam o genocídio da juventude negra no Brasil. E não se trata da acusação feita frequentemente pelo movimento negro. Mas pelos relatórios de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) do Congresso Nacional que trataram do assunto em 2015 e cuja conclusão é a amarga constatação de que o Brasil é uma nação violenta e racista.
A Intervenção Militar no Rio de Janeiro é parte do processo de intensificação da repressão e das medidas autoritárias, que já é uma realidade no Brasil e no mundo devido ao aumento da desigualdade, consequência da impossibilidade da burguesia encontrar uma saída duradoura à crise, visto que busca a cada nova dificuldade de manter suas taxas de lucros, aumentar a exploração sobre a classe trabalhadora. No Brasil, há algumas décadas temos uma situação em que, apesar dos avanços ditos democráticos, presente na Constituição Federal de 1988, existe uma situação na qual vive uma parcela significativa da classe trabalhadora e da juventude, que tem um Estado autoritário e criminoso em que a pretensa liberdade e os direitos de uma democracia, mesmo ela burguesa, até hoje não chegaram. Constatamos esse cenário, sobretudo, nas periferias, com a criminalização, estigmatização, execuções sumárias, desaparecimentos, milícias e assim por diante, elementos estes tão característicos de um “Estado de exceção”, mas que na verdade é o Estado tal como ele é, refletindo o caráter do Estado enquanto representante de uma classe social: progresso e paz para os ricos e ordem e bala para os pobres. A Intervenção militar e a tragédia que ocorreu na Maré são parte dessa política de extermínio da população pobre e negra.
A todos os familiares que perderam seus entes pelas ações do Estado Militarizado: para nós que nos reivindicamos socialistas e revolucionários, seus filhos e filhas, mães e pais, tios, tias, avôs e avós, TODAS e TODOS permanecerão sempre PRESENTES e mesmo que infelizmente pelos desfechos trágicos, nos motivarão a continuar na luta, em prol de uma sociedade mais justa socialmente e fraterna, que só pode ser alcançado no socialismo. Nos sustenta na continuidade da luta, até derrubarmos, ao lado da classe trabalhadora de conjunto, dos explorados e oprimidos, o capitalismo enquanto sistema vigente, enquanto sistema mortífero e genocida. Outros outubros virão e não esqueceremos de nossas lindas e fortes rosas que caíram durante o percurso.