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Violência e a crise para a mulher trabalhadora


1 de abril de 2017

Tempos de crise significam austeridade econômica, que apesar de atingir a toda a classe trabalhadora é mais sentida pelos grupos chamados vulneráveis, ou seja, pessoas pobres, população negra, LGBTTI e mulheres. Os cortes em políticas públicas atingem de forma incisiva esses grupos, que são também os principais receptores de políticas de inclusão dentro do sistema.

O objetivo aqui é tratar brevemente alguns impactos da crise sobre as mulheres, em especial sobre a violência contra a mulher, tendo em vista que em março, mês do dia da mulher, uma série de fatos deram um vislumbre do que nos reservam os próximos anos relativamente a esse problema.

O aumento das várias formas de violência contra a mulher está expresso também nos mais variados espaços: Esse ano já nos deparamos com as denúncias e as notícias do aumento da violência contra a mulher durante o carnaval; assistimos a libertação do assassino de Eliza Samudio, liberado da prisão e chamado para entrevistas, com proposta de emprego, foto com fãs e declarando a intenção de conseguir a guarda do filho, cuja paternidade não reconheceu pelo principal motivo de ter matado a ex-namorada; vimos Michel Temer declarar a importância da mulher na regulação de preços dos produtos de supermercado, reduzindo o espaço da mulher, em pleno ano de 2017, ao trabalho doméstico, causando piadas em jornais, inclusive, internacionais.

Temos no Brasil uma lei aplaudida internacionalmente por seu conteúdo protetivo, sobre a questão da violência contra a mulher: a Lei Maria da Penha. A proteção que tal lei pretende é ampla, não se trata exclusivamente da violência que as mulheres podem sofrer de seus maridos e companheiros, mas também de parentes, e abrange mais do que a violência física, abrange a violência psicológica, sexual e patrimonial, no caso de a mulher ter seus recursos para sobrevivência, documentos e bens subtraídos no contexto de um relacionamento abusivo. A lei já foi aplicada, inclusive, no atendimento de mulheres em relacionamento com outras mulheres e recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou a legislação em caso de violência contra transexuais que se identificam como mulheres.

Contudo, a celebração existente em torno da lei não tem nenhum significado prático sem que haja efetivas políticas públicas para sua completa implementação. Isso porque a lei é um incentivo para que as mulheres que sofrem violência denunciem, mas sem a rede de proteção prevista pela lei, se torna letra morta. A rede de proteção engloba casas-abrigo, Delegacias da Mulher, centros de referência, além da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as mulheres e a Central de Atendimento à mulher (Ligue 180). No país, entretanto, existem mais de 5.500 municípios, mas apenas 502 delegacias especializadas, 45 defensorias da mulher, 95 promotorias especializadas, 238 centros de referência de atendimento à mulher, 80 casas-abrigo e 596 serviços especializados de saúde1. A maior parte de tais serviços, 70%, se encontra na região centro-oeste, sul e sudeste. Em 2013 o governo federal criou o programa “Mulher, viver sem violência” responsável pela construção das chamadas “Casa da Mulher Brasileira”, centros de acolhimento que contariam em único local com serviços de Saúde e Justiça, mas que até o momento só existem em Campo Grande, Brasília e Curitiba. Para se livrar do ciclo de violência a mulher necessita de apoio jurídico, psicológico, depende de serviços que o Estado provê e que de fato são mínimos, comparados ao tamanho do país e, por isso mesmo, nada garantem.

Acontece que com o agravamento da crise econômica, que já se tem o maior período de recessão enfrentado no país, a tendência é que a violência contra a mulher se agrave. Os altos índices de desemprego e suas consequências são fatores reconhecidos para gerar mais violência contra as mulheres. Na outra ponta, com o congelamento dos investimentos em serviços públicos, decorrente da aprovação da “PEC do fim do mundo”, será cada vez mais difícil conseguir atendimento para as mulheres vítimas de violência, o que faz a situação piorar. Sem a efetivação da rede de apoio será mais difícil para as mulheres conseguirem sair do ciclo de violência. Segundo dados do portal do Orçamento do Senado Federal2 o valor autorizado para os gastos com atendimento à mulher em situação de violência caiu em 61% em 2017.

A redução de gastos com projetos que visam o combate à violência contra a mulher e que são empregados na construção de abrigos, serviços especializados no atendimento às mulheres e mesmo em projetos culturais e educativos de prevenção a violência são características desses governos que veem nos cortes de gastos dos serviços públicos as saídas para as crises do capital. A redução dos valores autorizados ocorre desde o governo Lula e com Dilma não foi diferente e o chamado contingenciamento não permitiu que os valores autorizados chegassem ao destino. Agora com Temer a situação se repete. Não é à toa o seu discurso.

Os levantes de mulheres

Na edição 97 do Jornal do Espaço Socialista (veja nossa página) citamos os levantes de mulheres pelo mundo, que têm mostrado o quanto reagem contra as políticas de austeridade utilizando-se de manifestações e greves, ferramentas típicas da classe trabalhadora, para refutar a violência e desigualdade a que estão submetidas.

Com tudo isso cresce a indignação, o dia a dia traz o peso da opressão e do machismo institucionalizado e a crise dificulta ainda mais a nossa sobrevivência. Não foi por pouco então que no último 8 de março, mulheres brasileiras se organizaram em atos de rua registrando a maior manifestação dos últimos anos pelo Brasil, com a palavra de ordem anticapitalista “se nossas vidas não importam que produzam sem nós”. Uniram-se assim à convocatória mundial, que contou com a adesão de mais de 46 países.

As mulheres trabalhadoras também sentem nesse momento o ataque aos seus direitos com a Reforma da Previdência, que irá igualar a idade mínima de aposentadoria com os homens, acabará com a aposentadoria por tempo de contribuição, mudará drasticamente as regras da pensão por morte e provocará extrema pobreza no campo ao igualar as condições de aposentadoria entre os trabalhadores urbanos e rurais.

Desse forma, a nossa luta que é todo dia contra a opressão e o machismo também, em períodos de crise, austeridade e de avanço das ideias de direita, deverá estar em unidade com as demais parcelas da classe trabalhadora contra todos esses ataques do governo e do empresariado.

1 http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-08/maria-da-penha-lei-foi-eficiente-mas-precisa-ampliar-servicos-diz