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Jornal 99: Revolução Russa: de fevereiro às Teses de Abril


6 de maio de 2017

Antes de tudo, uma recomendação aos leitores: na leitura de textos de história, é fundamental ter sempre um mapa à mão. Com a internet, isso agora se tornou muito simples. Há mapas de todas as épocas históricas, não deixem de consultá-los!N

Em agosto de 1914 tem início a I Guerra Mundial. Enfrentavam-se dois blocos capitalistas imperialistas pela disputa do mercado mundial. De um lado estavam os países que se tinham industrializado nos fins do século XVIII ou começo do XIX: Inglaterra, França e Bélgica. Estes países já possuíam sólidas bases comerciais na África, Europa e Ásia. A Rússia, país cujos interesses imperialistas coincidiam com os da França e Inglaterra, e além disso, tendo sua economia fortemente dependente do capital francês, aderiu a este bloco.

O outro bloco imperialista era formado pela Alemanha e o Império Austro-Húngaro. Estes países, que se industrializaram na segunda metade do século passado, e partiram por isso atrasados para a conquista de mercados, necessitavam ampliar sua área de influência econômica para continuar a se industrializar.

A entrada da Rússia na guerra é o início do fim do império czarista. Suas arcaicas estruturas socioeconômicas não suportarão o esforço necessário à guerra. A incompetência administrativa, a corrupção, e em menor grau, a própria degenerescência física da dinastia Romanov contribuirão para lançar a Rússia numa profunda crise econômica cuja única saída histórica se revelou ser a Revolução.

A crise econômica, em 1916, havia lançado a população russa à fome. Milhares de pessoas morreram no inverno de 1916-1917 — e o problema do abastecimento se transformou na principal questão para as massas trabalhadoras russas.

A Revolução de fevereiro

“O dia 23 de fevereiro de 1917 era o Dia Internacional da Mulher. Os círculos sociais democratas (isto é, o Partido Social Democrata, rachado entre mencheviques e bolcheviques) tinham intenção de comemorar esta data com panfletos, reuniões e discursos. Não tinha ocorrido a ninguém que ela poderia se transformar no primeiro dia da revolução. Nenhuma organização tinha convocado greve para aquele dia. Ainda mais, mesmo uma organização bolchevique, das mais militantes — o Comitê do Distrito de Vyborg, todos operários — estava se opondo a greve”. (História da Revolução Russa de L. Trotsky. Obs: Para evitar um número excessivo de notas e referências, todos os fatos e “falas” foram retirados dessa. Apenas serão citados os que vierem de outras fontes).

No entanto, no dia 23 de fevereiro, as mulheres de diferentes indústrias têxteis entraram em greve exigindo melhorias no abastecimento de gêneros alimentícios. Enviaram delegados aos metalúrgicos pedindo solidariedade. Kaiurov, um dos líderes bolchevique em Petrogrado é que conta: “Com relutância, os bolcheviques concordaram com isso, e eles foram seguidos pelos trabalhadores mencheviques e sociais–revolucionários. Desde que haja uma greve de massas, deve-se chamar todos à rua e tomar a liderança. A ideia de sair às ruas estava há muito nas cabeças dos trabalhadores, só que naquele momento ninguém imaginava onde ela ia levar.”

No final do dia 23, cerca de 90 mil trabalhadores estavam em greve. Uma grande massa de grevistas se dirigiu para a Duma Municipal (governo municipal czarista) exigindo pão. Algumas bandeiras vermelhas apareceram durante a manifestação. Ocorreram alguns encontros entre a polícia e os manifestantes, mas nesse primeiro dia o movimento se restringiu a Petrogrado. O dia Internacional da Mulher havia transcorrido com sucesso. Uma manifestação que no dia anterior ninguém acreditava que fosse ocorrer. E agora, o que seria do dia 24?

O amanhecer do dia 24 encontrou uma Petrogrado em greve. Contínuas manifestações de grevistas ocorriam na Avenida Nevsky, a principal da capital czarista. Os cossacos (tropas de elite da monarquia russa, que possuíam sua própria terra e eram proprietárias dos seus equipamentos militares e de seus cavalos) constantemente avançavam sobre os manifestantes, mas sem maiores violências. “Os cossacos prometeram não atirar, corria de boca em boca.”

Neste segundo dia da revolução, começou a surgir em meio da massa grevista diferenças no tratamento com os aparelhos de repressão czarista. Em relação à polícia e à polícia secreta, a população mostrava uma clara hostilidade, e os linchava sempre que a situação permitisse. Bem diferente era a atitude da multidão frente ao Exército e aos cossacos, uma atitude amigável, buscando o apoio, ou ao menos a neutralidade dos cossacos e soldados. Multidões de trabalhadores se dirigiam aos quartéis do exército e dos cossacos. No interior dos quartéis era crescente o descontentamento dos soldados rasos com os oficiais e o regime, e crescia o mal-estar entre eles na medida em que aumentavam os rumores que o regime czarista iria mandar os soldados para a rua reprimir os grevistas.

Na Duma (o legislativo do czarismo), um fato era contado à meia-voz que, verdadeiro ou não, demonstra bem a tensão do dia: na Avenida Nevsky a massa revolucionária estava saudando com hurras os cossacos porque impediram um policial de chicotear uma senhora. Naquele dia, os trabalhadores da Erikson tiveram um encontro interessante com os cossacos na Av. Sompsonievsk. Todos os trabalhadores da fábrica, uns 2.500, foram cercados pelos cossacos durante uma manifestação. Os oficiais ordenaram que os cossacos fizessem uma carga sobre os operários. Os cossacos, alguns sorrindo, alguns piscando para os manifestantes, se limitaram a seguir em fila indiana pelo corredor já aberto nos manifestantes pelos cavalos dos oficiais. Percebendo que outra carga colocaria novamente em contato os cassacos com os trabalhadores, e que estes poderiam aderir aos manifestantes, os oficiais decidem formar uma barreira com os cavalos para impedir que os manifestantes se dirigissem para o centro da cidade, onde se encontrava a massa dos grevistas. “Mas nem isso ajudou. Ficando parados, em perfeita disciplina, os cassacos não impediram os trabalhadores de mergulhar sob seus cavalos. A revolução não escolhe seus caminhos: fez seus primeiros passos para a vitória sob o umbigo de um cavalo cossaco.”

Isto não significa que os cossacos formassem os setores mais revolucionários do aparelho repressivo czarista. É que, com seus privilégios (propriedade garantida por lei etc.) eles sentiram mais do que os outros soldados a crise causada pela guerra e pela ineficiência administrativa da monarquia czarista. Além disso eles estavam cansados de serem mandados de um local para outro para reprimir manifestações e queriam voltar para casa para o cultivo dos campos de primavera.

“No entanto, esses episódios ainda eram meros sintomas. O exército era ainda o exército, estava atado com sua disciplina, e o comando estava nas mãos da monarquia. A massa dos trabalhadores estava desarmada. Os líderes não pensavam, ainda, numa crise decisiva. ”

No dia 25, a greve se alastrou ainda mais, atingindo 240 mil operários. Um bom número até mesmo de pequenas indústrias aderiu à greve. Oradores se dirigiam às grandes multidões no monumento de Alexandre III quando a polícia secreta abriu fogo. A multidão respondeu e um oficial e um soldado morrem e vários outros são feridos. Os cassacos, logo após os policiais abrirem fogo sobre os manifestantes, intervêm a favor dos grevistas, dispersando os policiais montados.

Kaiurov conta como, quando um grupo de manifestantes foi disperso pelos chicotes da polícia montada sob os olhares de um destacamento cossaco, ele, ao invés de fugir com os outros manifestantes, se dirigiu aos cassacos com o boné nas mãos: “Irmãos cossacos, ajudem os trabalhadores na sua luta por pedidos pacíficos; vocês vêm como os faraós (apelido da polícia montada) tratam os trabalhadores famintos. Ajudem–nos. Os cossacos se olharam de uma maneira especial, relata Kaiurov, e nós mal estávamos fora do caminho quando eles investiram na luta. E alguns momentos após (…) a multidão estava carregando nos braços um cossaco que tinha matado um inspetor policial com seu sabre”.

Um grande papel foi exercido pelas mulheres na melhoria das relações entre os soldados e os trabalhadores.

Neste dia, o czar Nicolau II telegrafou para Kabalov, comandante militar de Petrogrado, ordenando-lhe para acabar com as manifestações “amanhã”.

Um levante de massas para ser vitorioso precisa ir acumulando vitórias a cada dia que passa. Uma interrupção na ofensiva revolucionária pode ser fatal. Se no dia 25 a vacilação de uma parte do exército e a adesão de uns poucos cossacos tinha jogado a revolução para frente, não era, em absoluto, suficiente para garantir uma vitória das massas sobre o czarismo. O dia seguinte seria decisivo. O czar ordenara que o exército saísse às ruas em massa para acabar com a revolução. Como as massas reagiriam sob o fogo?

Na noite do dia 24 para 25 centenas de revolucionários foram presos, entre eles cinco membros do Comitê Bolchevique de Petrogrado, e a liderança dos bolcheviques ficou nas mãos do comitê de Vyborg.

Além do mais, o dia 25 era domingo e a cidade estava vazia, os trabalhadores não se encontrariam de madrugada nas fábricas. De manhã, a czarina telegrafou ao czar: “A cidade está calma”.

No entanto, aos poucos os trabalhadores se encontraram nos subúrbios e aos grupos se dirigiam à Avenida Nevsky. Os operários encontraram as pontes sobre o Rio Neva, que separa os bairros operários do centro, ocupadas por tropas do exército e cruzaram os rios sobre o gelo. O exército fez fogo. Muitos trabalhadores são atingidos. O tiroteio sobre os trabalhadores continuou de cima dos telhados e dos balcões das casas dos bairros burgueses. Mesmo assim, os trabalhadores não recuaram, e logo que cessavam os tiros, eles voltaram para o centro das ruas.

O fuzilamento dos manifestantes fez com que muitos líderes revolucionários considerassem que era o momento de terminar com a greve. O comitê Bolchevique de Vyborg discutiu longamente o assunto: isto a doze horas da vitória sobre a monarquia!

Entre os burgueses monarquistas e liberais, e mesmo entre os comandantes do exército, a mesma vacilação existia: o que fazer? Mesmo recebendo ordens de fazer fogo sobre os manifestantes, alguns regimentos dos cassacos e do exército haviam demonstrado simpatias em relação aos grevistas. Outro dia de luta poderia fazer com que aumentasse ainda mais essa simpatia, principalmente entre a infantaria. O que seria mais prudente? Reprimir ou atender a algumas das reivindicações dos grevistas?

Os líderes dos dois lados vacilavam porque ninguém sabia qual seria a exata correlação de forças no dia seguinte.

O crescimento da manifestação, em termos de volume, foi acompanhado pelo crescimento das bandeiras de luta. Ao lado das reivindicações econômicas, surgiram com força cada vez maior as bandeiras pedindo o fim da monarquia e do czarismo, o fim da guerra e a reforma agrária.

Na manhã do dia 27 os operários se dirigiram às fábricas e, em reuniões, decidiram continuar a luta. Isto equivalia a iniciar uma insurreição — mas ninguém havia ainda pronunciado esta palavra. O staff central bolchevique, naqueles dias composto por Shiliapnikov, Molotov e Zalutsky estava completamente sem iniciativa. Como armar os manifestantes para enfrentar o exército czarista?

Os soldados não queriam combater contra os alemães, e muito menos contra os operários em Petrogrado. Eles odiavam o czarismo pela miséria, pela exploração e pela guerra em que os havia metido.

De manhã, 40 comitês de fábricas se reuniram na casa de Kaiurov. Nem todos eles se pronunciaram pela continuidade do movimento. Foi nesse momento que os grevistas receberam as primeiras notícias da insurreição de alguns regimentos do exército e da abertura de algumas prisões políticas. O regimento Volynski havia fuzilado o comandante e se recusava a sair para reprimir os manifestantes. Acontecimentos semelhantes envolveram outros regimentos e batalhões do exército. No correr do dia surgiram os primeiros carros de combate com bandeiras vermelhas. No final do dia 27, Petrogrado estava transformada num enorme campo militar: o fogo dos fuzis e metralhadoras enchia a cidade.

A guarnição czarista em Petrogrado, que de manhã contava com 150 mil homens, à noite estava se desintegrando.

“E impossível dizer quem liderou as primeiras multidões para o Palácio Touride”. Mas foi lá que surgiu o comando da insurreição. Era necessário “organizar o caos”. No final do dia a insurreição fez suas primeiras prisões de contrarrevolucionários.

O desaparecimento do exército czarista em Petrogrado, o início da revolução em outras cidades e províncias, principalmente em Moscou, e a vitória da revolução na capital, colocou na ordem do dia a questão do poder. Quem substituiria o czarismo? A burguesia organizou o Comitê Provisório da Duma, e, os trabalhadores, o Soviet formado por deputados dos soldados e operários.

No dia 2 de março, o Czar abdica em favor do grande Duke Mikail, que é obrigado a renunciar no dia seguinte. Em seu lugar tomou o poder o Governo Provisório, formado pelo Comitê Revolucionário da Duma, com Kerenski como Ministro da Justiça e com o apoio do soviete de Petrogrado.

Os 5 dias de fevereiro haviam modificado a Rússia tanto quanto a monarquia czarista a havia impedido de evoluir por séculos. Todas as contradições que envolviam a sociedade vieram à tona e buscaram novas soluções. O velho regime estava desaparecendo. O que viria em seu lugar? Duas alternativas estavam colocadas historicamente.

De um lado, o bloco formado pela burguesia russa aliada ao capital francês e inglês, que formava a tímida oposição legal à monarquia absolutista. Este bloco apresentava como proposta às massas insurrectas um regime liberal burguês. Isto equivaleria na Rússia de 1917, a manter o país na guerra contra a Alemanha e a Áustria-Hungria, a não realizar a reforma agrária e a estimular o crescimento da economia russa com base no capital estrangeiro, fortalecendo a dependência russa em relação aos países capitalistas da Europa Ocidental.

Era representado politicamente pelo Partido Cadete, que possuía fortes ligações com os monarquistas. Contará, em não poucas ocasiões com o apoio de Kerenski, embora este fosse formalmente um Social-Revolucionário.

A burguesia era apoiada “criticamente” pelos mencheviques, que consideravam que a revolução Russa, naquela etapa, era uma revolução burguesa e que, portanto, o poder deveria ficar com a burguesia. Num primeiro momento se colocaram contra a participação dos sovietes no poder político, embora em maio aceitassem participar de um governo de coalização com a burguesia, como veremos.

Os Sociais-Revolucionários, formavam um partido não marxista que se propunha a unir os intelectuais e os trabalhadores sob a liderança da “Razão Crítica” e defendiam os interesses de classe dos camponeses. Apoiavam também “criticamente” o governo burguês, e aceitaram participar dele desde o primeiro momento. Possuíam penetração no seio das massas camponesas, e também no exército, formado na sua grande maioria por trabalhadores rurais.

Os bolcheviques, até abril, apoiaram “criticamente” o governo do qual participava Kerenski, com base na mesma argumentação dos mencheviques.

A outra alternativa que se apresentava naquele momento histórico para substituir o czarismo era o bloco formado pelos operários dos grandes centros urbanos, aliados a alguns setores da pequena burguesia urbana, com outros setores dos camponeses médios e pobres (mujiques) e com os soldados e marinheiros.

Na cidade, começando com os grandes centros industriais e depois se estendendo a centros de menor importância e áreas rurais, os operários montavam comitês em seus locais de trabalho e passavam a disputar o controle das fábricas com os patrões. O poder da organização espontânea da massa operária foi tal que esses comitês decretaram unilateralmente, com a oposição dos patrões e do governo burguês, a jornada de trabalho de 8 horas diárias.

A 2 de abril, a Conferência Preparatória dos Comitês de Fábrica das Indústrias de Guerra de Petrogrado proclamou uma constituição de Fábrica que dava as seguintes atribuições aos Comitês: 1)“Todas as instruções sobre a organização interna da fábrica (por exemplo, horário de trabalho, salários, contratos e demissões, férias, etc.) deverão emanar dos Comitês de fábrica”. 2) “O controle de todo o pessoal administrativo (pessoal da administração superior, chefes de secção ou de oficinas) depende da aprovação do comitê de fábrica, que deve notificar aos operários suas decisões em reuniões gerais de toda a fábrica ou através dos comitês de oficinas.” 3)“O comitê de fábrica controla a atividade de direção nos terrenos administrativos, econômicos e técnicos(…) Deve-se proporcionar aos representantes dos comitês de fábrica, para sua informação, todos os documentos oficias da direção, as previsões de produção e de gastos, e lista detalhada de todos os objetos que entram ou saem da fábrica.”

A posição dos comitês de fábricas se viu ainda mais reforçada à medida em que alguns patrões fugiram da revolução e o controle de suas fábricas ficava totalmente sob responsabilidade dos operários.

A atitude do governo de Kerenski e dos patrões frente aos comitês foi clara, assim como a posição dos mencheviques e sociais-revolucionários: todos foram contra. Fizeram o possível para acabar com os comitês, ou então, no caso dos mencheviques e sociais-revolucionários, castrar o que eles tinham de revolucionários, fazendo com que fossem absorvidos na estrutura sindical oficial, agora controlada por eles.

Uma nova frente de luta estava aberta: a luta dos operários não só para terem a propriedade dos meios de produção, mas para modificarem radicalmente as relações de produção capitalistas no próprio local de trabalho.

Assim, em 1917, o panorama russo no campo das relações de produção, havia sofrido importantes modificações. Em não raras ocasiões os trabalhadores gráficos se recusavam a imprimir qualquer lei, proclamação, jornal ou panfleto contrarrevolucionários. Nos telégrafos, os trabalhadores falsificavam ou mandavam para destinatários incorretos, ou mesmo não mandavam, os telegramas e ordens das forças burguesas. Os comitês formados pelos operários ferroviários impediam o transporte de tropas ou abastecimentos que auxiliassem a contrarrevolução, bem como atuavam como o destacamento avançado dos operários na agitação junto às tropas czaristas.

No exército, a situação não era muito diferente, graças à pressão dos soldados rasos, o Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado aprovou a Ordem no. 1 estabelecendo que comitês eletivos deveriam ser formado em todos os regimentos militares, deputados dos soldados deveriam ser eleitos para os sovietes; em todos os atos políticos os soldados deveriam se submeter ao soviete e aos seu comitês, as armas deveriam estar em controle dos comitês dos regimentos e batalhões, e não deveriam, em hipótese alguma, serem entregues aos oficiais. Também eram abolidos os sinais exteriores de respeito (continência etc.) quando fora de serviço, e proibido o tratamento desumano do soldado, que segundo o regulamento czarista poderia ser chicoteado pelo seu superior à menor falta.

Alguns regimentos e batalhões aderiram imediatamente à Ordem no. 1. Outros levaram um pouco mais de tempo. Mas até o final de 1917 todo o exército estava organizado em comitês que levaram até o fim a destruição do exército czarista.

Às forças burguesas não restava outro recurso que apelar para o “patriotismo” dos soldados, explorando o fato da Rússia estar sendo invadida por forças alemãs, para tentar submetê-los aos oficias burgueses e monarquistas. O período no qual eles conseguiram um certo sucesso nisso, foi o lapso de tempo, entre fevereiro e outubro, em que durou o Governo Provisório.

No campo, a revolução demorou um pouco mais de um mês para se iniciar. Os camponeses se lembravam dos massacres das outras revoluções e levantes. Desejavam como que se certificar que desta vez eles não seriam decepcionados. Mesmo assim, ainda em março, grandes proprietários de terras começaram a vender suas propriedades para os camponeses ricos (kulaks), pressentido que a tormenta revolucionária estava para se estender ao campo. Muitas dessas vendas eram fictícias, pois pensavam os nobres que os kulaks não seriam desapropriados e desta forma eles poderiam manter suas propriedades. Foi por isso que ainda em março inúmeros delegados camponeses se dirigiram ao Governo Provisório exigindo que esse proibisse a venda de terras pelos latifundiários.

Esta lei o Governo Provisório não aprovou. Mas aprovou uma outra, criando Comitês sobre a Terra para preparar a reforma agrária “ordeira”. O objetivo do Governo Provisório com essa medida era evitar que os camponeses se organizassem em sovietes totalmente independentes do Estado, e desta forma, controlar a violência – que eles pressentiram – estava prestes a se desencadear sobre o campo.

Como decretos não podem paralisar a luta de classes, ainda mais durante uma revolução, o mês de abril se inicia com as primeiras expropriações dos latifundiários pelos camponeses, que dividiam as terras entre si, bem como todas as propriedades móveis que encontravam. Numerosos comitês formados pelos camponeses proibiram os grandes proprietários de terras de derrubarem suas florestas ou então entregavam os campos, que o proprietário não tinha cultivado com o receio da revolução, para os camponeses sem terra.

As terras da Igreja e da Monarquia não foram poupadas. Mesmo em locais tão distantes, como as estepes siberianas e Vladivostok, a revolução fez sentir seus efeitos. Por todo o campo russo — embora num ritmo mais lento que nas cidades — sugiram comitês de camponeses e sovietes que, embora na sua imensa maioria fossem dominados pelo sociais-revolucionários e mencheviques, não podiam se furtar a atender à pressão da massa camponesa que exigia terra. Pois, caso contrário, os camponeses poderiam agir de forma ainda mais radical e fora do controle das forças que tendiam ao compromisso com a burguesia.

Abril, 1917

Em abril, profundas mudanças afetam o processo revolucionário russo.

Com a chegada de Lênin, Zinoviev e outros revolucionários russos do exterior se inicia no partido bolchevique a luta contra as concepções que tendiam a manter a revolução nos limites burgueses, até então dominantes no interior do partido. Essas concepções, principalmente aquela que afirmava que a revolução russa tinha um conteúdo essencialmente burguês e que, por isso, o papel das forças revolucionárias consistia em auxiliar a burguesia a se consolidar no poder contra a reação monarquista, estavam levando Stálin e Kamenev a proporem a união dos bolcheviques com os mencheviques com o objetivo de defenderem a revolução de fevereiro. A uma proposta nesse sentido feita pelo líder menchevique Tseretelli, Stálin respondeu no dia 30 de março: “Nós devemos realizar (a União). É necessário definir nossa proposta para uma base de união, (a) união é possível…”

Chegando à Rússia, Lênin redige as teses (que passarão à história como as Teses de Abril) de que a república nascida da Revolução de Fevereiro era uma república burguesa — e que, portanto, não cabia aos operários lutarem por ela. A tarefa dos bolcheviques era derrubar o governo imperialista burguês de Kerenski e fundar a República Soviética dos trabalhadores. A principal tarefa momentânea dos bolcheviques era explicar “pacientemente” às massas quem os mencheviques e os sociais-revolucionários defendiam — a burguesia — e não temer ficar, momentaneamente, em minoria. Pelo contrário, estando em minoria era possível, naquele momento histórico particular, explicar às massas exaustivamente todas as traições que os mencheviques, sociais-revolucionários e o Governo Provisório estavam realizando e, dessa forma, conseguir o apoio das massas operárias e camponesas.

A luta no interior do partido bolchevique foi renhida. Os estratos superiores do partido receberam com animosidade e desconfiança as opiniões de Lênin e, quando foram publicadas no Pravda (órgão bolchevique), receberam uma introdução esclarecendo que os editores do jornal (entre eles Stálin) consideravam as teses inaceitáveis, pois partiam do pressuposto (falso, para eles) que estava na hora de se lutar por um governo operário na Rússia.

No entanto, os setores do partido mais próximo à classe operária, principalmente os comitês dos distritos operários, passaram a fazer agitação das teses entre as massas, principalmente em Moscou e Petrogrado. Na conferência do Partido, de Abril, as Teses de Lênin acabaram sendo vitoriosas. Para isso em muito contribuiu o clima político que vivia a Rússia nos “Dias de Abril”… como veremos no artigo do mês que vem.

Recomendações de leitura:

A história da revolução russa, de L. Trotsky: há vários relatos e histórias sobre 1917, a mais importante e que deve ser lida por todos é a acima citada. Há, no Brasil, uma antiga edição da Editora Paz e Terra, em três volumes, e uma mais recente da Editora Sundermann, em dois volumes. É praticamente a mesma tradução.