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Jornal 95: Reforma do Ensino Médio: Intensificar a competição e abalar a solidariedade para entregar o público ao privado


6 de novembro de 2016

Iraci Lacerda e Hélio Miguel

A Medida Provisória (MP) 746/2016, que institui mudanças no currículo e uma Base Nacional Comum Curricular para as escolas de Ensino Médio, segue caminhos semelhantes aos das demais Reformas aceleradas pelo governo Temer: corta verbas públicas, retira direitos, aumenta a precarização do ensino e do trabalho e entrega às empresas o dinheiro público e um maior controle sobre a vida de estudantes e trabalhadores.3

Nesse caso, a entrega do dinheiro público que se dará através das chamadas Parcerias Público-Privada (PPPs) – forma de contrato realizado entre administração pública e empresas privadas para exploração de bens ou serviços por um período determinado (ver link) – é o motivador primeiro da Reforma do Ensino Médio.

Para as empresas

Estão envolvidas, de alguma forma, na elaboração ou nas propostas de mudanças no Ensino Médio a Fundação Carlos Chagas (especializada em avaliações), Fundação Victor Civita (da Revista Veja), Instituto Unibanco do mesmo grupo do Itaú Social (especialista em educação integral) Itaú BBA (banco de investimento), Instituto Península (do supermercado Pão de Açúcar), Instituto Natura, Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (práticas de gestão com utilização da Tecnologia Empresarial da Odebrecht), Bain & Company (negócio é “auxiliar empresas a aumentar seu valor”) Instituto Lemann (formação de profissionais da Educação), Movimento Todos pela Educação (grupo de instituições – como Telefônica e Samsung – que promove “conhecimento” sobre assuntos estratégicos, financiado pelo BID)

Essas instituições ou empresas que dizem ter profundo conhecimento e experiência no mercado não estão dispostas, em hipótese alguma, a reduzir sua margem de lucro nos períodos de crise e exigem do governo medidas urgentes para diminuir os gastos públicos e ter sobra de caixa para socorrê-las. Esse é o objetivo da PEC 241, que reduz os gastos públicos e o da Reforma do Ensino Médio, que transfere a verba das escolas públicas para essas e outras empresas que já estão prontas para serem abertas nesse próximo período, como Organizações Sociais (OSs – empresas que fazem contratos ou convênios com o governo e ficam responsáveis pelo gerenciamento/gestão do serviço, nesse caso, da escola).

Para lucrarem com a Reforma vão ter por 4 anos o subsídio por aluno repassado do governo federal; vão poder usar a infraestrutura de escolas particulares (forma de repassar dinheiro público para instituições privadas de ensino) ou prestarão esses serviços e “consultorias”; vão receber do governo para “capacitar” professores; vão poder ministrar aulas da parte diversificada e contratar professores e demais profissionais da escola, mesmo os de “notório saber” (terceirização de atividade-fim de acordo com a PL 4330). Ou seja, serão várias as formas.

Para os estudantes

Com o discurso de que o Ensino Médio vai ficar mais atrativo para os estudantes da rede pública (e irá diminuir a evasão) e de que vão poder escolher/reduzir as disciplinas o governo e o empresariado esconde que estão mesmo preocupados em: mantê-los mais tempo dentro da escola (e ao modo de ver da burguesia: não na rua roubando) e submetidos a controles e monitoramentos que os disciplinam para atingir metas e resultados; controlar a formação de “futuros/possíveis” profissionais que irão competir entre si as escassas vagas num mercado de trabalho marcado pelo desemprego da juventude; prepara-los para um mercado de trabalho que exige alta produtividade, competição e fragmentação, movido por contratos temporários e serviços terceirizados.

Isso tudo, óbvio, favorece diretamente, num primeiro momento, essas empresas citadas, mas a longo prazo busca preparar a juventude também ideologicamente para dispor não só de suas energias (mão de obra disponível, dificilmente empregada, mas com visão empreendedora para se virar na vida) como também de sua vida integral à lógica de exploração do sistema capitalista (individualismo, concorrência e lucro).

Na verdade, as disciplinas nem poderão ser escolhidas de fato pois, será o governo, a partir dos interesses de lucro das empresas, que irá disponibilizá-las em cada rede de ensino dos estados.

E não é por acaso que disciplinas que procuram buscar reflexão crítica (Sociologia e Filosofia), incentivar a sensibilidade (Artes) e impulsionar atividades físicas e o esporte (Educação Física) estão sendo colocadas como não obrigatórias, porque com essa forma dos empresários e do governo pensarem a Educação para os filhos e filhas da classe trabalhadora as potencialidades dos estudantes precisam ser canalizadas para atender as necessidades do lucro.

Em São Paulo, por exemplo, as escolas de tempo integral nas periferias são verdadeiros massacres ao tempo de estudo dos estudantes, ao tempo “livre”, à retirada do mercado de trabalho de um dos membros da família ou/e com aumento da evasão escolar. Na maioria das escolas não tem professor suficiente e os estudantes ficam em “aulas vagas”, também é comum passar o dia todo sem a merenda necessária, às vezes recebendo somente bolacha e suco. Assim ninguém aguenta.

Para os Professores

Para os professores a situação não é menos pior. De cara é notável o avanço do controle pedagógico (essa Reforma também ocorre no momento da tentativa de aprovação da Lei da Escola Sem Partido/Lei da Mordaça por todo o Brasil) tanto em relação aos conteúdos quanto em relação às perseguições e assédio moral; da agressividade no corte de direitos da categoria (fim dos concursos, contratação temporária e terceirizada, rebaixamento da já baixa faixa salarial, fim do direito de férias, intensificação do trabalho administrativo em detrimento do pedagógico etc.); do desemprego.

Os relatórios, os resultados das provas diagnósticas e avaliações institucionais, as secretarias digitais (que aumentam o tempo de trabalho do professor, seu monitoramento e dos alunos), o trabalho aos sábados sem remuneração, a falta de concursos públicos ou as contratações emergências por tempo determinado, a falta de aumento salarial ou as gratificações por “mérito” para uma minoria (geralmente de escolas centrais ou “prioritárias”), os constantes cortes de verbas que pioram as condições de trabalho do professor (por exemplo, o governo de São Paulo não envio até esse momento para as escolas públicas), etc. já expressam bem os caminhos percorridos pelos governos para desmotivar os professores e sucatear a Educação pública para preparar sua entrega às empresas.

A necessidade das lutas

Com a crise estrutural do capital, a necessidade do avanço nos cortes públicos para garantir os rendimentos dos bancos e empresários, a necessidade de organizar o mercado e todas as etapas de nossas vidas ao modo de produção, os altos índices de desemprego na juventude e a necessária imposição de cortes de direitos da classe trabalhadora em todos os âmbitos trouxeram aí a PEC 241, a Reforma da Previdência, Trabalhista e a Reforma do Ensino Médio.

Para a Reforma do Ensino Médio é fundamental para o governo a aprovação de todas elas, especialmente o congelamento das verbas por 20 anos e o fim da estabilidade do funcionalismo público, como foi importante ter aprovado a PL 4330 que permitiu a terceirização da atividade-fim.

Lembramos que todas essas Reformas já vinham sendo impulsionadas também nos governos do PT (no caso da Reforma do Ensino Médio trata-se do PL 6840/13 – PT/MG). No entanto, não dizemos isso para minimizar as necessárias lutas contra Temer. Dizemos isso porque as nossas lutas precisam assumir um outro caráter.

Irmos para cima do governo Temer, especialmente com essa intensidade de ataques, significa também não ser só oposição, mas ser uma consequente oposição de esquerda, que questione a fundo esse poder do capital, que faz da classe trabalhadora um mero instrumento de solução de suas crises. Isso é bem diferente da oposição que o PT faz – um partido burguês que, no máximo, busca uma oposição dentro dos limites da democracia burguesa com outros partidos burgueses – cheia de negociações e acordos.

Pensar sobre isso é importante porque com a derrocada do PT e a volta de parte de seus ativistas para as manifestações e o reforço nos aparatos sindicais e estudantis (UBES, UMES, etc.) criam a confusão de que vão levar a fundo as lutas e de que são oposição de esquerda, inclusive contra todas essas Reformas. No entanto, sabemos que não levarão adiante os enfrentamentos necessários para barrarmos esses ataques.

Até agora não presenciamos esforços das direções das grandes entidades estudantis, de sindicatos e de centrais em unificar as lutas contra esses ataques. Já o ano passado pudemos presenciar o quanto há de condições objetivas para isso, no caso das ocupações de escola. Esse ano a situação se repete com novas ocupações. Já está mais do que na hora dos trabalhadores nas fábricas, professores e demais categorias profissionais ajudarem a construir o “movimento de ocupação” para barrar todas as reformas, independente das direções.

As ocupações de escolas, universidades, institutos, etc. são a verdadeira demonstração de que é possível e necessário unificar e radicalizar as lutas por solidariedade, para construção da greve geral e pela necessidade de a classe trabalhadora barrar a Reforma do Ensino Médio!