Jornal 95: Não pagar a dívida pública em que mudaria a nossa vida?
6 de novembro de 2016
A dívida é externa quando está vinculada a uma moeda estrangeira (via de regra ao dólar). E é interna quando são realizadas em real. No entanto, a Auditoria Cidadã da Dívida questiona esses conceitos, pois praticamente não há restrição de entrada e saída de moeda estrangeira pelos bancos no país (é praticamente livre a movimentação de capitais). Isso faz com que os bancos e instituições financeiras nacionais possam ser credoras de dívida externa e também o contrário: bancos estrangeiros podem ser credores de títulos da dívida interna.
O endividamento é considerado direto quando a dívida é contraída diretamente pelo Estado ou por entidades do setor público. E indireto quando o empréstimo é feito por empresas e garantido pelo Estado.
Reforma da Previdência, Reforma Ensino Médio e PEC 241… banqueiros rindo à toa
As nossas principais lutas pela frente, de uma ou de outra maneira, dizem respeito a questão da dívida pública: PEC, serviços públicos, Reforma da Previdência, Reforma do Ensino Médio, entre outras, estão relacionadas ao esforço do governo em garantir o repasse do dinheiro público para os bancos e especuladores.
Com essas reformas aprovadas as finanças do Estado passam a priorizar e garantir de uma maneira mais direta o pagamento dos serviços da dívida pública.
Para se ter ideia, na PEC 241 não há limite para qualquer crescimento de despesas com os serviços da dívida. Pelo contrário, há uma exceção que permite aumento das despesas com as “estatais não dependentes” que são aquelas que negociam títulos públicos garantidos pelos estados e municípios (ver Jornal Espaço Socialista nº 94).
Temer, como gestor dos negócios da burguesia, impõe essas medidas para garantir a lucratividade do capital de conjunto, mas sobretudo a do capital financeiro. Não por acaso quase a metade do Orçamento Federal anual se destina ao pagamento dos serviços da dívida pública. Essa é a realidade.
É mentira: “Déficit público que vai melhorar no futuro”, “vai gerar emprego” e “o Estado está falido”. Esse é um discurso de chantagem à população que, desconhecendo os fatos, cai nesse conto.
A ascensão da fração financeira do capital
A força da dívida pública na economia capitalista está associada diretamente ao papel desempenhado pela fração financeira do capital na totalidade do sistema.
A maioria dos estudiosos aponta a crise do modelo fordista, em fins dos anos 60 e início dos 70, como o fator determinante para o fortalecimento do setor financeiro do capital. Essa crise é a expressão da queda da taxa de lucro, depois de um longo período (o boom econômico) de acumulação bem sucedido.
Como o capital precisa se expandir continuamente (dinheiro que “faz” mais dinheiro), diante de cada crise busca alternativas para retomar a sua lucratividade, chamadas de contratendências (diminuição dos salários, barateamento do maquinário, etc.).
Com a crise estrutural do capital, essas alternativas já se mostraram insuficientes, principalmente, pelo fato de que uma crise nessa profundidade exige medidas estruturais. No entanto, é impossível o capital adotá-las, já que isso representaria o seu fim.
Essa incapacidade de responder à crise sem atingir o seu sistema de funcionamento vai empurrando os agentes do capital para as soluções de curto prazo e de “menor resistência”, o que joga suas contradições para frente. Essa é a lógica da atual “fase do capitalismo” em busca da retomada crescente de seus lucros.
Com uma capacidade produtiva superior às possibilidades de consumo, os capitalistas (empresários, banqueiros, etc.) deixam de reinvestir parte do lucro na produção, porque as chances de terem altos lucro já não são tão altas. Isso faz com que uma enorme quantidade de capital (dinheiro, máquinas, etc.) fique “disponível” e a busca é de condições adequadas para se valorizar. Uma parte dele vai para os bancos e instituições financeiras, que poderão emprestá-lo ampliando a oferta para as famílias e também para os Estados financiarem obras públicas. Outro elemento importante, mesmo que brevemente mencionado, é que o sistema financeiro foi alimentado por recursos oriundos do tráfico de drogas e da produção e comércio do petróleo (petrodólares).
É esse capital disponível que serve de base para os Estados Nacionais procurarem financiamento para a gestão das políticas públicas (e, no caso do Brasil, com uma boa parte direcionada para a corrupção), o que eleva o endividamento dos países. No Brasil, a dívida cresceu de forma meteórica: em 1964 a dívida era de cerca de 2,5 bilhões de dólares, em 1985, já passava dos 100 bilhões de dólares.
A dívida pública e o governo de plantão
Conhecer o significado da dívida pública na atual configuração do capital é fundamental para entender as razões dos vários
ataques sobre os serviços públicos e políticas sociais que os governos no Brasil (do PMDB, PSDB, PT, etc.) e em outros países estão fazendo.
Também é importante para nos orientar na luta política e não abraçarmos soluções fáceis – como apenas trocar esse ou aquele governo – que aparentam resoluções para problemas que nós, trabalhadores, nos deparamos todos os dias.
As propostas dos governos capitalistas no plantão não são por “vontade própria”, mas parte da imposição da própria necessidade do capital para garantir os lucros da burguesia, que utiliza o Estado para garantir as condições legais, políticas, ideológicas, etc. para isso.
Então, a luta contra o governo é apenas uma parte da luta contra o domínio do capital, e não só uma luta para substituir o governante (como se o problema fosse apenas de quem ocupa a cadeira, embora saibamos que qualquer um/uma que ocupe esse lugar está em pleno acordo com essa necessidade do capital). Portanto, dizer que o problema da dívida é uma questão de gestão é mentir, buscando enganar os trabalhadores.
O “problema da dívida” não tem solução nos marcos do capitalismo e a tendência é se agravar, ano após ano. Isso significa
dizer que: os governos não pararão de atacar nossos direitos, assim como as políticas sociais que já estão bem escassas; e nós precisaremos, cada vez mais, radicalizar nas lutas para sobrevivermos.
A dívida pública brasileira
A economia brasileira é parte desse processo geral. O endividamento do Estado brasileiro orienta toda política econômica do governo.
Como parte da dívida é contraída em dólares, o governo adota uma política econômica com dois eixos principais: Um é a política de juros altos, para atrair mais capital financeiro para o financiamento dos serviços da dívida. Como há outros países que também querem atrair esse capital, a solução encontrada é aumentar as taxas de juros daqui.
O outro eixo é priorizar as exportações, principalmente do agronegócio. Os empréstimos a juros abaixo do mercado, a expulsão de índios de suas terras e a lei que autoriza o desmatamento são formas de incentivar o agronegócio, que tem a maior parte de sua produção voltada à exportação. Assim, entra mais dólares no país para financiar a dívida pública.
É um ciclo vicioso, que leva a uma dependência do capital externo e do sistema da dívida pública, criando uma bola de neve que não para de crescer (pelo menos nos próximos anos).
Segundo o site Auditoria Cidadã da Dívida, o endividamento brasileiro (dados de dezembro de 2015) soma, no total, algo próximo de 5,7 trilhões de reais, sendo 4 trilhões de reais da dívida pública interna (para credores nacionais) e 1,7 trilhão de reais da externa. É em nome desses compromissos que os governos vêm – ano após ano – adotando medidas contra a classe trabalhadora.
Como dissemos, todo ano, quase metade do Orçamento Federal é direcionado para o pagamento da dívida. Somente em 2015, 42,43% do Orçamento foram para o pagamento da dívida, e 3,91% para a Educação e 4,14% para a Saúde. Dados que mostram exatamente qual é a prioridade do governo.
Tudo isso se transforma em poder político, pois sabemos que os últimos presidentes do Banco Central e os ministros da Fazenda são todos ligados ao mercado financeiro. Ou seja, os principais credores da dívida estão nos principais postos de controle das finanças do Estado brasileiro. Em outros termos: eles têm a chave do cofre e cuidam dos interesses diretos dos credores da dívida e não dos interesses do povo.
Não pagar a dívida pública poderia mudar…
O modus operandi do sistema da dívida não deixa dúvidas: os agiotas e banqueiros continuarão controlando o Estado e impondo medidas para garantir a apropriação dos recursos públicos, sempre em detrimento das condições de vida da classe trabalhadora.
São os trabalhadores que produzem a riqueza do país e é quem deve usufruir dessa riqueza. Com o não pagamento dos juros dessa dívida (42,43% do Orçamento) poderíamos ter serviços públicos de melhor qualidade (como hospitais, escolas, lazer, moradia, transporte, etc.). Um punhado de ricos – sanguessugas – não pode ficar com o que não gastam uma gota de suor para produzir.
Essa dívida já foi paga várias vezes com os “juros de morte” praticados sobre os valores que, conforme aponta a CPI da dívida, há fraudes, contratos ilegais e todo tipo de falcatrua. Como discutimos acima, há uma contradição em todo esse processo, pois o capital especulativo cresce desproporcionalmente em relação a produção de riqueza material.
Não há nenhuma lógica que, para atender uma minoria, milhões de pessoas fiquem sem hospitais, escolas, moradias, etc. A questão não é somente de enfrentar banqueiros, mas de lutar para que questões mínimas de sobrevivência da população trabalhadora sejam melhor atendidas.
Há setores na esquerda que defendem auditoria da dívida (a Auditoria Cidadã, setores do PSOL e outros), mas essa dívida não é legítima e todos os estudos apontam para isso. Além disso, a auditoria por si só não muda o destino da dívida. Somente o não pagamento da dívida pública podem reverter a situação dos serviços públicos.
Não pagar a dívida, nem seus juros e reverter os 42,43% do Orçamento a favor da classe trabalhadora é condição para continuidade e melhora da prestação de serviços públicos como Saúde, Educação, transporte, moradia, saneamento, lazer, etc.
A jornada de lutas e a necessidade de impormos a pauta da classe trabalhadora
Com todos esses ataques parte da classe trabalhadora vem reagindo com paralisações, greves, manifestações, etc. o que demonstra que não estamos aceitando as imposições apresentadas acima. No entanto, as nossas lutas ainda não estão unificadas e encontramos dificuldades em fazer isso isoladamente nas categorias, nas escolas, nas universidades, etc. Até esse momento, sequer temos uma data unificada para a greve geral, necessidade mais que urgente para apontar outros rumos para a classe trabalhadora.
As centrais sindicais, sindicatos, confederações, etc. poderiam estar completamente mobilizadas para debater com os/as trabalhadores/as em cada local de trabalho; para estabelecer relações recíprocas com os movimentos dos estudantes em ocupações de escola, de universidades e de institutos; para se juntar às lutas dos movimentos por moradia e de lutas populares num movimento urgente de construção da greve geral.
Sabemos dos limites do movimento sindical brasileiro, majoritariamente atrelado ao PT e ainda com os resquícios desse governo no poder, no entanto, as centrais sindicais, os sindicatos, as confederações, etc. não podem ficar sem estar completamente à disposição da classe trabalhadora, que historicamente as criou por suas necessidades. E, nesse momento, a greve geral já deveria estar acontecendo. Os dias nacionais de paralisação são fundamentais, mas não estão unificados.
É necessário que em cada categoria os/as trabalhadores/as assumam em suas mãos a construção da greve geral, independente das direções. Até agora as greves (como de Bancários) ou as ameaças (como de Correios), a entrega do Pré-sal, a aprovação da PEC 241, o início da Reforma da Previdência (com a negativa da desaposentação), a urgência e a MP do Ensino Médio, etc. demonstraram o quanto não podemos esperar.
Precisamos impor a nossa pauta: barrar os ataques, não pagar os juros da dívida pública e estatizar o sistema financeiro. Somente com a classe trabalhadora fortemente mobilizada e unificada, parando a produção, as escolas, universidades, trancando as rodovias, realizando ocupações por dias seguidos poderemos ter resultados importantes para a nossa classe!
Dívida pública: São obrigações assumidas pelo Estado (federal, estadual ou municipal) ou por entidades do setor público (Banco Central, empresas públicas, etc.). São empréstimos realizados pelo setor público, ou quando este emite e coloca à venda títulos públicos para pagamento no futuro e com juros (quanto maior a taxa de juros mais atrativo é o título). |
Ano |
Orçamento em trilhões |
Pagamento da dívida |
Gastos com Saúde |
Gastos – educação |
2011 |
1,571 |
R$ 707 bi |
R$ 71,4 bi |
R$ 47 bi |
2012 |
1,712 |
R$ 752 bi |
R$ 64 bi |
R$ 57,2 bi |
2013 |
1,783 |
R$ 715 bi |
R$ 76,5 bi |
R$ 66 bi |
2014 |
2,168 |
R$ 1,04 tri |
R$ 84,7 bi |
R$ 74,6 bi |
2015 |
2,268 |
R$ 962 bi |
R$ 83,9 bi |
R$ 88,6 bi |
O que daria para construir com o que se paga com a dívida
Custo unidade |
Valor unitário |
Total de unidades |
Valor |
Hospital com 250 leitos (SP) |
R$ 148 mi |
1000 |
R$ 148 bi |
Creche |
R$ 5 mi |
5 mil |
R$ 25 bi |
CEUs (Centro Educacional Unificado) |
R$ 37 mi |
5 mil |
R$ 185 bi |
UBSs(Unidades Básicas de Saúde) |
R$ 4 mi |
5 mil |
R$ 20 bi |
Apartamentos populares |
R$ 73 mil |
8 milhões |
R$ 584 bi |
Total |
R$ 962 bi |