Jornal 80: Avanços e desafios enfrentados pela maio greve dos professores em São Paulo
18 de julho de 2015
Queremos aqui fazer um balanço da maior greve dos professores da rede pública de São Paulo, luta que se estendeu por 92 dias e que polemizará com outras organizações políticas.
Entendemos que as possíveis polêmicas são construtivas para fazer avançar politicamente o movimento dos professores nesse momento tão difícil para os trabalhadores e seus filhos, que a cada dia enfrentam desemprego, retirada de direitos históricos, piora de suas condições de vida e precarização dos serviços públicos, dos quais dependem tanto.
Também não nos colocamos como o suprassumo ou os melhores e mais combativos militantes revolucionários. Da mesma forma, não afirmamos que trata-se de uma questão de ética ou mal-caratismo por parte dos demais setores de oposição. Enveredar por esse caminho, não permite avançar na organização política dos trabalhadores e no enfrentamento ao capital e seus agentes e governos.
O nosso ponto de vista se dá em base à nossa compreensão da realidade e na forma como vemos o momento atual da luta de classes e o papel cumprido pelos governos diante da crise capitalista, que encontra-se de modo mais latente no Brasil.
Governos duros e comprometidos com os interesses capitalistas
Os governos, de um modo geral, intensificaram seus comprometimentos com os interesses capitalistas. Por tratar-se de um Estado burguês, isso ocorre desde a sua fundação. No entanto, a partir do agravamento da crise estrutural do capitalismo, isso se aprofundou.
No caso do Brasil, nos anos 1990, com a implementação das políticas neoliberais, verificamos tal papel dos governos, com um avanço significativo a partir de 2008.
Daí o uso corrente e recorrente do dinheiro público no atendimento dos interesses do empresariado, retirada de direitos históricos, ataques às aposentadorias e sucateamento dos serviços públicos.
Por trás do endurecimento dos governos, está a preocupação de garantir o funcionamento da ordem do capital e sua lucratividade, e, no atendimento da agiotagem financeira, temos o problema da Dívida Pública, que consome boa parte dos orçamentos dos governos.
A greve dos professores da rede pública estadual de São Paulo – e de outros estados e municípios brasileiros – se deu no marco desse contexto tão nocivo aos interesses dos trabalhadores e seus filhos.
O endividamento público dos governo federal, estaduais e municipais
De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida, os estados e diversos municípios brasileiros estão fortemente endividados. Desde o final da década de 1990, com o refinanciamento das então existentes dívidas dos estados e dos Municípios. É nesse período que surge a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com isso, os estados e municípios tiveram que assumir o compromisso de promover rígido ajuste fiscal mediante o enxugamento de gastos e investimentos, além da privatização de empresas públicas, inclusive os bancos estaduais.
Alguns estados e municípios passaram a buscar recursos no exterior, junto a bancos privados internacionais e Banco Mundial, para pagar a União. Recursos esses que são em dólares e que, portanto, se sujeitam às oscilações do câmbio, aumentando ainda mais a dívida. São dívidas atualizadas a cada mês e que, por conta disso, são acrescidas ainda mais pelos elevados juros e índices de correção.
“(…) o município de São Paulo refinanciou uma dívida de R$ 11 bilhões no ano 2000. Em 2013 essa dívida alcançou o patamar de R$ 58 bilhões, apesar de o município ter pago R$ 28 bilhões para a União no período.” (Esses dados e os seguintes relativos a dívida pública são da Auditoria Cidadã da Dívida)
Em relação ao estado de São Paulo, em 1996, a dívida pública era de R$ 16 bilhões, passando para R$ 50 bilhões em 1997, após o refinanciamento, e encontra-se em aproximadamente R$ 192 bilhões.
Entre 2011 e 2015, Alckmin destinou R$ 124,632 bilhões para a rolagem da dívida.
Em função disso, o funcionalismo público estadual perde poder de compra a cada ano, a saúde e a educação pública estadual funcionam de modo precarizado, temos a falta de água e um sem número de problemas.
Já o governo federal, somente em 2015, destinará cerca de 47% do PIB. Por isso os R$ 69, 9 bilhões de cortes de Dilma, sendo R$ 9,5 bilhões do Ministério da Educação.
As demissões e cortes na educação, nos salários e nas pensões continuarão, pois trata-se de uma orientação do FMI em seu relatório de 18/05/2015, seguido à risca pelo governo Dilma. Não foi por acaso que o FMI se reuniu com os principais ministros do governo federal. Dilma e seus ministros estão se alinhando ao receituário deste organismo financeiro que em seu relatório defende que:
“(…) o ajuste orçamentário deve continuar, com ênfase na racionalização da despesa através de uma reforma abrangente dos salários do setor público e das pensões”.
Professores da rede estadual de São Paulo: uma categoria com inúmeras contradições
Os professores da rede pública do estado de São Paulo, desde os anos 1990, vêm sofrendo com o pioneirismo dos tucanos na aplicação do receituário neoliberal, em que pesem as muitas lutas empreendidas pela categoria.
A categoria encontra-se endividada e fragmentada. São mais de duas décadas de neoliberalismo em suas costas. Durante esses anos, ocorreu na rede o reforço do individualismo e do particularismo a partir da política de mérito individual. A política salarial em grande medida, passou a ser concebida a partir do princípio do desempenho individual.
As noções de coletividade e solidariedade deram lugar ao mérito individual.
Por essa razão, temos uma desigualdade entre os professores. Tem um setor da categoria que fez provas de mérito que está ganhando de 10% a 25% a mais que os demais. Destes, pouquíssimos fizeram a greve.
Perdeu-se com isso a isonomia salarial e a paridade entre quem está na ativa e professores aposentados. Com sucessivos anos de perdas salariais, veio a defasagem salarial e o endividamento.
Também há na rede um percentual cada vez maior de professores evangélicos e que defendem concepções de direita, que dentro do quadro político atual de São Paulo, viram a greve como parte da polarização nacional PT x PSDB. Estes ignoraram totalmente a greve, sendo que muitos defendem a política educacional do governo e a redução maioridade penal, e corroboram com a ofensiva cultural e ideológica da direita.
Renovação e desconfiança dos novos professores
Muitos ativistas que participaram das lutas de junho/julho de 2013 até a abertura da Copa do Mundo ingressaram na categoria seja a partir do último concurso, ou como professores contratados. Isso deu um gás novo durante essa longa greve.
Os novos professores foram a vanguarda combativa da greve. É evidente que não foi apenas esse setor da categoria que fez a greve. Mas, nas principais iniciativas dos comandos de greve regionais e nos dias de Assembleias Estaduais, esse setor deu um dinâmica importante para as rodovias e ocupações, dando maior visibilidade política para a nossa luta.
Esse setor ainda é minoritário e apresenta no seu interior ativistas que resistem a organizarem-se e até mesmo a sindicalizarem-se. No entanto, trata-se de um setor que deu e dará um novo ânimo de luta à categoria dos professores da rede estadual.
A resistência desse setor em parte resulta de 2013, quando vimos a presidente da APEOESP – Sindicato dos Professores de Rede Oficial do Ensino Público de São Paulo – acabar com greve em uma Assembleia da categoria que queria a continuidade. É por isso que, hora ou outra, aparece a aclamação de “fora Bebel” – presidenta do Sindicato. O “fora Bebel”, que foi abandonado pelos maiores setores de Oposição.
Essa desconfiança com as direções dos sindicatos também interferiu na ampliação da greve.
Uma greve que fugiu do script da artsind e das maiores correntes de oposição (PSOL e PSTU)
Demorou muito para as maiores correntes de oposição ligadas ao PSOL e PSTU perceberem que a categoria passou por um processo de renovação. A articulação sindical então, nem se fala. Isso se deu pelo fato de esses setores sempre tratarem as greves dentro de um mesmo script.
Desde a greve de 2013, a categoria já sinalizava que estava passando por um processo de renovação. No entanto, esses setores ignoraram, porque também são questionados, inclusive os de Oposição, que não têm uma atuação que seja uma alternativa real para o movimento. Isso só ocorreu no dia 13 de março, na Assembleia Estadual que deflagrou a greve, quando a CSP-Conlutas colocou um carro de som alternativo do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos.
Em nenhum momento posterior houve uma diferenciação consistente em que se colocasse como alternativa, de modo que os professores percebessem que existe uma alternativa à direção majoritária do PT e PC do B.
Ao nosso ver, os setores de Oposição que estão na diretoria estadual do sindicato estão muito acomodados à estrutura e aos padrões do sindicato. Perderam a iniciativa. Visam sua construção em detrimento da construção do movimento. Nós também queremos nos construir, mas acima de tudo, o mais importante é a construção do movimento político dos trabalhadores contra o capitalismo, independente de sermos maioria.
A greve dos professores de São Paulo foi parte de um conjunto de lutas, mobilizações e greves de professores que contagiou mais de 10 estados e municípios. Influenciamos e fomos influenciados por essas lutas, em especial a greve dos professores do Paraná, que foi brutalmente reprimida pelo governo Beto Richa. Em que pese que tenham ocorrido inúmeras lutas, não houve iniciativa prática para unificar essas greves. Tanto os cutistas governistas da CNTE, como as centrais antigovernistas que tem o PSOL e o PSTU a sua frente, nesse caso a INTERSINDICAL e CSP-Conlutas. Ficou-se apenas na admissão de serem pequenos e na exigência à CUT e CNTE.
Os setores antigovernistas poderão argumentar que o 29M foi uma iniciativa que procurou unificar as lutas dos professores. Poderia ter sido, se não fosse apenas da boca pra fora, palavras soltas ao vento, que por si só não se realizam. Aliás, é o que vem ocorrendo na construção da Greve Geral, sem nenhuma iniciativa prática, ficando mais uma vez no plano das exigências aos governistas do PT e PC do B.
Nem nas categorias em que dirigem, nos sindicatos filiados à INTERSINDICAL e CSP-Conlutas, ocorreu pelo menos 30 minutos ou uma hora de paralização em defesa da educação pública. Pra nós do Espaço Socialista e do Renovar Pela Luta – grupo sindical que impulsionamos em sua construção –, os problemas da educação pública não podem ficar restritos apenas aos professores da educação pública, devendo ser uma luta de todos os trabalhadores e seus filhos.
Nos momentos de maior tensão ou de maior radicalização, os setores de Oposição também deixaram a desejar, deixando os ativistas expostos a uma possível repressão. Isso recai também ao MRT/LER-QI, que quer se colocar como alternativa, mas que em vários momentos recuou, se recusando muitas vezes a estar lado a lado em ações com os setores mais dinâmicos. Isso aconteceu no palácio dos Bandeirantes, quando dificultaram em ir para a sede da Globo, no bloqueio da pista expressa da marginal Pinheiros e nas descidas na contramão da Consolação.
Isso se deu justo num momento em que, para conseguir algum ganho em suas lutas, os trabalhadores precisam infringir as regras postas pela ordem burguesa, ou seja, fazer algo a mais do script tradicional. E olha que esse setor reivindica sempre a luta dos garis que passaram por cima de várias ameaças e direção pelega de seu sindicato.
Queremos também ressaltar que desde a primeira Assembleia dos professores propusemos que: não poderíamos deixar a Greve nas mãos da Bebel e ArtSind; os professores deveriam assumir o comando, pois para que a greve fosse vitoriosa seria preciso que os ativistas assumissem a greve ao seu controle; a formação de um Comando Estadual de Mobilização eleito na Assembleia, com representantes da base que deveriam acompanhar as negociações, impedindo qualquer golpe da burocracia com o governo; ocorressem atos nas escolas e nas regiões e, em pontos de grande circulação de modo a chamar a atenção da população e das mídias locais; a direção estadual colocasse mensagens na grande mídia; a direção estadual destinasse verbas para o Fundo Estadual de Greve; as Subsedes destinassem recursos para os fundos regionais de greve e por uma Plenária Estadual dos setores de Oposição e Ativistas de base – vejam nossos materiais em www.facebook.com/RenovarPelaLuta.
Por fim, queremos dizer que seguiremos em luta pela democratização do nosso Sindicato, a serviço da luta, com a participação da base, dos professores.
Pelo fim dos privilégios dos diretores do sindicato e na luta contra os governos, o capitalismo e pela construção do Socialismo!