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Jornal 78: #SomosTodasVerônica! Pelo fim da transfobia!


16 de maio de 2015


No dia 10 de abril a travesti Verônica Bolina foi presa por agredir uma mulher de 73 anos em seu apartamento. Algum tempo depois foram divulgadas fotos de Verônica com o rosto deformado, cabelo raspado, seios à mostra, calça rasgada e algemada nas mãos e pés. Assim iniciou o levante de diversas organizações e movimentos sociais indignados com tamanha violência.
Devido à proporção que o caso tomou, pouco depois foi divulgado um depoimento de Verônica informando que não foi torturada e que os policiais agiram de maneira necessária para conseguirem contê-la, visto que chegou a morder a orelha de um carcereiro durante a prisão.
Essa é mais uma forma de pressão psicológica bem conhecida para amenizar qualquer possibilidade de indiciar os policiais pelo crime cometido e não foi de outra forma. No dia 17 a promotora pública Luciana Frugiuele, do Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), que acompanha o caso, informou que Verônica mentiu no áudio por receber promessas de diminuição de pena. O caso também está sendo acompanhado pelo Centro de Cidadania LGBT – Arouche, que também se posicionou contrário às agressões policiais.
Aqui não trataremos de tornar Verônica inocente ou culpada. Questionar e defender seus direitos não significa inocentá-la da agressão que realizou, mas afirmar que não se justifica a violência que recebeu dos policiais. Também precisamos reconhecer que foi mais um caso de transfobia, ou seja, violência aplicada por ser, Verônica, uma travesti, já que essa população é ainda muito discriminada e marginalizada.

Transfobia: da deslegitimação das identidades T à violência contra travestis e transexuais

O termo transfobia foi designado para definir o preconceito com a identidade de gênero travesti e transexual. Essa população ainda é compreendida como passíveis de chacotas e humilhações, não sendo compreendidas sequer como pessoas humanas. O sistema capitalista é assim. Capaz de impor a parcelas da classe um maior nível de opressão garantiu às travestis um intenso retrocesso em relação ao seu reconhecimento social. No início do desenvolvimento da sociedade de classes estas “eram altamente respeitadas. Eram consideradas possuidoras de poderes especiais e eram consultadas sobre assuntos importantes, sendo muitas vezes destacadas nas cerimônias religiosas” (Hiro Hokita).
Hoje se reserva a essas pessoas a marginalidade e a prostituição e, quando possível, um emprego formal precarizado. Na televisão e nas mídias sempre são retratadas como personagens cômicas, geralmente representadas por atores homens que fazem o papel de modo a ridicularizar essa posição. Aos homens transexuais nem isso cabe, é ignorada a sua existência e quase nunca são mencionados em qualquer espaço.
Quanto ao Estado, apesar de algumas iniciativas, ainda rasteja as possibilidades de garantir os direitos básicos, corroborando ainda mais com a violência multidimensional que sofrem. Pois, além da violência física, moral e psicológica que são submetidas diariamente há também a violência estrutural promovida pelo Estado que não proporciona o mínimo de dignidade para a realização de suas demandas básicas como moradia, emprego, alimentação, etc. Muitos políticos não têm interesse em garantir esses direitos básicos, pois efetivam sob diversos discursos transfóbicos, burgueses e ainda com argumentos religiosos a deslegitimação dessas identidades, explicitando, inclusive, o descumprimento da laicidade do Estado.
A constatação dessa violência através de registros oficiais ainda é difícil, seja porque a maioria dos casos não é registrada, seja por termos meios de coleta de dados ainda ineficientes para garantir números que condizem com a realidade. Até pouco tempo atrás os registros de violência contra a população T eram considerados como casos de homofobia! Tamanho desconhecimento sobre esta população, pois ainda se confunde muito identidade de gênero com orientação sexual (Veja quadro abaixo).
De qualquer maneira, é muito grave a situação. Segundo a Ouvidoria Nacional e o Disque Direitos Humanos (Disque 100) de 2011 a 2014 foram coletadas 7.649 denúncias de violência contra LGBTs, sendo que 16% eram contra travestis e transexuais. Em 2014 esse número subiu para 20%, com o aumento de 232 registros de denúncias.

O reconhecimento das identidades passa pela conquista de direitos!

No Brasil, pouco ou praticamente nada se avançou para a conquista de direitos T. A começar pelo uso do nome social, visto que em algumas cidades já realizam a troca em documentos, não temos nenhuma Lei Federal que garanta que qualquer travesti ou transexual possa adotar o nome condizente com sua identidade, isso implica em diversos transtornos na vida dessas pessoas, seja na UBS, na conquista de um emprego, na matrícula escolar, etc. Praticamente em qualquer espaço que ocupe corre o risco de constrangimento e/ou impedimento de usufruir dos serviços. Em muitos casos, como o de Verônica, é comum essa população ser denunciada por falsidade ideológica!
Além disso, na Saúde ainda vivem muitas impossibilidades de conseguirem a realização do tratamento hormonal e do procedimento cirúrgico de redesignação sexual. No Brasil existem poucas clínicas especializadas em tratamento para travestis e transexuais. As filas de esperas para realização da cirurgia são gigantescas. O SUS não dá conta de realizar toda a demanda, assim muitas pessoas acabam indo fazer essas cirurgias com médicos ilegais que mutilam seus corpos, além de realizarem implante de silicone e tratamento hormonal por conta própria, o que acarreta em diversos efeitos colaterais, chegando inclusive à morte em alguns casos. Mas, mesmo que sigam todo o procedimento legal, sofrem diversos constrangimentos como a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico, em que nem sempre temos profissionais qualificados para um atendimento a essa população. Tem ainda a constatação no CID (Código Internacional de Doenças): transtorno de transexualismo, compreendendo, sob o olhar psiquiátrico, a construção de identidade de gênero como uma doença a ser tratada.
Assim, vemos o quanto ainda estamos engatinhando na defesa do reconhecimento e da dignidade das travestis e de transexuais. A cisnormatividade1 ainda impera e coloca toda essa população à precarização e marginalidade. Assim, sob esse rompante moralista e transfóbico mantém-se um setor da classe trabalhadora violentado e silenciado, o que colabora e fortalece o sistema capitalista com trabalhadores/as ainda mais divididos/as o que dificulta sua superação. É necessário avançarmos também nessa luta para a conquista de direitos básicos e buscarmos a organização dessa população em busca da conquista de um sistema social que respeite e garanta a dignidade humana para todas/os! Pelo fim da transfobia! #somostodasverônica!

O que é o que?

Nesse curto espaço não iremos expor todos os elementos sobre as questões de sexualidade e o gênero, mas que seja um início de compreensão acerca dessas nomenclaturas:
Sexo: Diz respeito ao órgão genital e ao corpo que nascemos (com pênis – masculino; com vagina – feminino).
Identidade de gênero: Compreende uma construção social a partir de constructos que se definem historicamente na sociedade, resvalando na individualidade de cada pessoa. Pode uma pessoa se constituir enquanto homem, mulher ou fugir a esse binarismo, se entendendo enquanto outras possibilidades de ser, ou até se mantêm na transição de ambos os gêneros apresentados. A identidade de gênero nada tem a ver com o sexo de nascimento, assim pessoas que nascem com pênis e se constroem como mulheres são travestis e transexuais, já pessoas que nascem com pênis e se constroem como homens são pessoas cissexuais.
Orientação sexual: É a forma como a pessoa constrói a sua sexualidade e afetividade, sejam homossexual (pessoas que se sentem atraídas por outras do mesmo gênero), heterossexual (pessoas que se atraem por outras do gênero que não é o seu), bissexual (pessoas que sentem atração por homens e mulheres) e panssexual (pessoas que sentem atração por qualquer pessoa independente do gênero).