Novas denúncias sobre o mensalão
27 de dezembro de 2012
Contra a corrupção, uma luta anti-capitalista!
Há alguns meses o país foi tomado por uma overdose de notícias e comentários sobre o julgamento do chamado “mensalão”. Figuras históricas do PT e componentes do alto escalão do primeiro mandato de Lula foram condenados no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo crime de subornar parlamentares para aprovar medidas que interessavam ao governo (entre elas a Reforma da Previdência, o Supersimples e outros ataques aos trabalhadores), num escândalo que eclodiu em 2005 e que somente agora chegou definitivamente aos tribunais. A mídia deu amplo destaque ao julgamento e ao anúncio das condenações e penas. O tom dos comentários era de que o país estava sendo passado a limpo e se livrando dos corruptos. Os juízes do STF foram transformados em heróis nacionais, e os partidos adversários do PT, como PSDB e outros oportunistas, tentaram explorar o episódio nas eleições municipais.
Agora, um dos operadores do esquema do mensalão, o publicitário Marcos Valério, a quem se atribui a autoria do mecanismo que desviava os pagamentos mensais aos parlamentares (o chamado “valerioduto”) veio a público envolver o próprio ex-presidente Lula. Segundo Marcos Valério o ex-presidente estava ciente de todo o esquema e teve até despesas pessoais pagas com o mesmo dinheiro usado nas propinas, o qual, segundo o PT, provinha de sobras de campanha eleitoral. As afirmações de Lula na época, de que “não sabia de nada”, se tornaram parte do folclore político nacional, mas nem o mensalão nem os sucessivos escândalos de corrupção nos seus dois mandatos “colaram” na sua imagem. A maioria do eleitorado seguiu votando no PT, por identificar na figura de Lula o responsável por supostas melhorias no país. Setores da oposição burguesa liderados pelo PSDB e acompanhados pela mídia em peso (Globo, Veja, Folha, etc.) simplesmente não se conformam com as vitórias eleitorais do PT e querem destruir o prestígio de Lula, que não só elegeu sua sucessora com relativa facilidade como saiu do governo com a maior popularidade da história. O objetivo da campanha da oposição burguesa e da mídia é enfraquecer ainda mais o PT e suas figuras históricas e inviabilizar a possibilidade de que Lula queira retornar em 2014 ou 2018, abrindo espaço para outro representante da burguesia.
Essa nova rodada de denúncias sobre o caso do mensalão podem significar talvez uma divisão entre setores da burguesia em torno de quem seria o pessoal político preferencial para administrar o Brasil, o PT ou seus concorrentes. As últimas declarações do bicheiro Carlos Cachoeira, alvo de uma CPI à parte e de Marcos Valério mostram como o PT está atolado na lama do poder e virou refém de bandidos. Fica claro o preço que o partido está pagando para ter o controle do aparato estatal. Os acordos que o partido teve que fazer para manter esse controle levam a uma direitização cada vez maior. Uma vez que optou por governar para a burguesia, o PT se enreda nas suas armadilhas. O seu principal instrumento de relação com os trabalhadores, a CUT, ao invés de desencadear lutas de interesse da classe, serve para manter os trabalhadores em silêncio.
Apesar de todo esse desgaste, não acreditamos que o PT vá perder de imediato a sua influência perante os trabalhadores. Também não acreditamos que o PT deixe de ser a opção preferencial da burguesia para gestão do país, pois essa relação privilegiada com os trabalhadores ainda é necessária para a burguesia, para que não haja grandes lutas como resultado da deterioração da situação econômica e social do país. Ainda que não seja capaz de derrubar o prestígio de Lula e do PT ou mesmo enfraquecer o governo Dilma, as sucessivas denúncias de corrupção servem para manter o PT com as “rédeas curtas”, pressionado a fazer mais e mais favores ao capital. Essas denúncias não significam que o regime da democracia burguesa esteja em crise no Brasil, devido a um conflito entre o judiciário, legislativo e o executivo. Acreditar que o regime está em crise poderia levar à conclusão de que o sistema está enfraquecido e seria incapaz de desencadear ataques sobre os trabalhadores, o que seria um grave erro de avaliação. A disputa nas cúpulas do regime não enfraquece a capacidade do governo de agir e seguir aplicando o projeto da burguesia. Dilma segue tocando os negócios do Estado como se “não fosse com ela”, mantendo uma distância olímpica das questões despertadas pelas denúncias de corrupção, e cumprindo o seu papel de governar para o capital. Acreditar que o regime está em crise poderia também, por outro lado, fortalecer discursos de extrema-direita, ameaçando os direitos democráticos já conquistados historicamente pelos trabalhadores.
Na época do julgamento do mensalão, antes mesmo que as denúncias recaíssem sobre Lula, nós do Espaço Socialista publicamos uma nota onde afirmamos que: “Toda vez que um esquema de corrupção é descoberto muitos políticos juram inocência e dizem que ‘é preciso acabar com a corrupção’; dizem que ‘é preciso ter ética na política’ e que ‘é preciso passar o Brasil a limpo’. Só que, a cada dia que passa, o problema só piora, pois agora todos os partidos – governistas e da oposição burguesa (PT, PMDB, PSDB, PC do B, DEM, PP, PRP, etc)- estão envolvidos. Nenhum escapa.”
“O PT, que carrega o nome de partido ‘dos trabalhadores’, por muitos anos disse ser contra a corrupção e defender os trabalhadores, fez a opção de governar sem romper com o capitalismo e a dominação dos ricos e poderosos. Com isso, acabou aceitando a contribuição de empresas para suas campanhas. Daí foi um passo para que os políticos eleitos pelo PT passassem a beneficiar as empresas e esquecer as promessas de campanha. É por isso que as organizações dos trabalhadores devem ser sustentadas pelos próprios trabalhadores e devem lutar para destruir todo o Estado atual e suas instituições, executivo, legislativo, judiciário, forças armadas, etc., que são usadas contra nós, e susbtituí-las por organizações controladas pelos próprios trabalhadores. Chega desse Estado que serve aos patrões e ainda por cima rouba parte do dinheiro que produzimos com nosso trabalho!”
“O problema da corrupção não é simplesmente das pessoas que ocupam os cargos públicos, o que seria possível resolver apenas trocando essas pessoas. Nem é apenas um problema do partido que está no poder, pois já se revezaram vários partidos no governo e todos eles estão envolvidos em algum caso de corrupção. Antes era PSDB e DEM, agora é PT e PMDB. São farinhas diferentes. Umas mais refinadas; outras, mais grosseiras. Mas, no final das contas, são farinhas do mesmo saco. Todas essas maracutaias constituem o próprio modo de funcionamento das instituições do Estado burguês e elas só serão resolvidas definitivamente quando os trabalhadores tomarem o poder político e econômico da sociedade. Para acabar com a corrupção, não podemos ter ilusões nem no judiciário nem nas CPI´s do Congresso. Não podemos ficar esperando que o congresso nacional e suas CPI’s que sempre acabam em pizza ou mesmo que o judiciário acabe com a corrupção. Para acabar com a corrupção é preciso que nós trabalhadores nos mobilizemos para exigir medidas concretas ”
Essas afirmações são diariamente confirmadas por novas revelações, que agora envolvem a principal figura da história do PT, o ex-presidente Lula. Desde a primeira eleição de Lula em 2002 denunciamos a passagem do PT para o lado da burguesia e fizemos oposição ao seu governo. Na verdade, os princípios classistas e a defesa dos interesses dos trabalhadores já haviam sido abandonados pelo PT desde a década de 1990, para não falar de um projeto anti-capitalista e socialista, que o partido nunca incorporou de fato. A coligação com partidos burgueses, a aceitação de doações de empresas para campanhas eleitorais, as administrações municipais e estaduais e os mandatos parlamentares em que já se aplicavam políticas contrárias aos trabalhadores e favoráveis à patronal, a prática generalizada da corrupção, a perda de combatividade da CUT e sua burocratização, etc., já eram traços característicos do PT há muitos anos. Os mandatos de Lula, com seus favores aos banqueiros, latifundiários, industriais, seus escândalos de corrupção, foram o auge desse processo.
Somos oposição ao PT de Lula e Dilma e também ao bloco liderado pelo PSDB e a mídia. Este bloco não tem um projeto muito diferente para o país daquele que está sendo aplicado pelo PT. Apenas querem um controle maior sobre a máquina do Estado e as rendas da corrupção, hoje sob o domínio do PT. O debate colocado pelo bloco de oposição burguesa gira em torno do tema da corrupção, com o discurso de que o PT é corrupto e eles fariam uma gestão melhor. Mas na verdade o problema do país não é apenas o fato de haver uma gestão mais corrupta ou menos corrupta, o problema é o conjunto do projeto a que essa gestão se refere. A política é tratada como se o problema decisivo fosse uma gestão mais competente e honesta, mas na verdade o problema é o próprio projeto que se está gerindo. A opinião pública é mantida na expectativa de que surja esse gestor mais competente e honesto, mas na verdade o que é preciso é modificar globalmente o projeto, inclusive para acabar com a corrupção.
Tanto o PT quanto o PSDB têm como projeto tornar o Brasil viável para o grande capital, às custas dos sacrifícios impostos aos trabalhadores. Para isso, é preciso desviar grandes quantias de dinheiro público para as empresas, por meio de empréstimos a juros subsidiados, isenção fiscal, pacotes de obras públicas (em que o governo entra com o investimento e a iniciativa privada fica com os lucros), etc. Como parte dessa política, acaba de ser anunciado um pacote que favorece a construção civil, justamente um dos setores que mais lucraram nos governos do PT. Além disso, é preciso retirar o dinheiro que iria atender as necessidades dos trabalhadores, como a saúde, a educação, transporte, saneamento, etc. Como se não bastasse, há ataques ainda mais diretos. Por iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, o mesmo que deu projeção à Lula e foi um dos pilares da fundação da CUT, está sendo proposto o Acordo Coletivo Especial – ACE, que permite aos sindicatos assinar acordos abaixo daquilo que está garantido na CLT. Se esse projeto for aprovado, abrem-se as portas para que os sindicatos hoje aliados da patronal, como os da CUT, Força Sindical, CTB, etc., assinem acordos retirando direitos históricos dos trabalhadores, como 13º, férias, adicional sobre horas-extras, descanso semanal, jornada de oito horas, etc. Por aí se percebe o quanto o projeto que está sendo aplicado no pais só se sustenta por meio de favores às empresas e ataques aos trabalhadores.
Esses ataques não consistem apenas de medidas como o ACE, mas de uma ofensiva geral de repressão, que é aplicada, principalmente, pelo Poder Judiciário, o mesmo que é comandado pelo STF. O judiciário colabora com o governo e as empresas ao julgar ilegais as greves, impor multas aos sindicatos, punir os grevistas, manifestantes, ativistas e militantes. Trabalhadores e estudantes que não concordam com as imposições do Estado e dos patrões são punidos com condenações judiciais, demissões, processos administrativos, expulsões, de maneira arbitrária, em processos cheios de falhas, mas que são validados pelo judiciário. Quando trabalhadores recorrem à ação direta para lutar por seus direitos, a polícia ataca primeiro e o judiciário vem em seguida legitimar a repressão. Os componentes do STF não são heróis nacionais que lutam contra a corrupção, são defensores do sistema que diariamente explora e oprime os trabalhadores, são os mesmos que favorecem os patrões em ações contra os trabalhadores, os mesmos que inocentam rotineiramente quadrilhas de corruptos que roubam dinheiro público, acobertam crimes de colarinho branco, etc. O STF é parte do sistema, e o judiciário é tão inimigo dos trabalhadores quanto o executivo e o legislativo. O Estado, já dizia o Manifesto Comunista há mais de 160 anos, é um comitê gestor dos negócios da burguesia. Ainda que os diversos partidos disputem entre si o poder, usando a mídia e acusações de corrupção uns contra os outros, todos estão unificados em defesa dos interesses da classe patronal. Tanto o PT de Lula e Dilma quanto aqueles que o denunciam no PSDB e na mídia, etc., têm acordo geral com o projeto que está sendo aplicado no país. Sua divergência é pelo controle do Estado, e tão somente.
Existe um setor que, diante dos ataques da mídia e do PSDB contra Lula e o PT, dizem que é necessário defender o “processo de mudança”, as “conquistas” dos trabalhadores e a estabilidade do governo Dilma, contra a ofensiva da direita golpista. Somos contra esse discurso, pois entendemos que a única defesa dos interesses dos trabalhadores está na sua organização e mobilização independente. Há muito tempo o PT deixou de ser um instrumento dos trabalhadores e como governo tem se esmerado em defender os interesses do capital. A relação que o PT desenvolve com os trabalhadores não é de organização, mobilização e conscientização, mas de instrumentalização. Tanto os trabalhadores mais precarizados, desempregados, etc., atendidos via programas de bolsas, como os setores mais organizados (metalúrgicos, bancários, petroleiros, correios, funcionários públicos, professores, etc.) são tratados não como sujeitos capazes de formular suas próprias reivindicações e obtê-las por meio da luta, mas como objetos passivos, que devem ser tutelados pela burocracia petista, no Estado ou nos sindicatos, e muito agradecidamente votar nos candidatos petistas. É este o papel que o PT reserva aos trabalhadores, o de seus eleitores, não o de sujeitos ativos e conscientes que tomam as questões nas próprias mãos. Nesse sentido, não se pode falar em “conquistas dos trabalhadores” nos governos do PT, pois o que houve não foi mais do que o aumento do consumo, baseado no crédito, da população em geral (igualando “mais consumo” a “mais qualidade de vida” e abandonando reivindicações históricas como educação e saúde públicas e de qualidade) e uma distribuição de míseras migalhas para a população mais pobre, administradas sem sacrificar a prioridade que é o pagamento da dívida pública (50% do orçamento). Esse tipo de relação não serve para o desenvolvimento da consciência e organização dos trabalhadores contra os ataques que estão sendo desencadeados. As conquistas dos trabalhadores somente são possíveis por meio da sua organização e mobilização independente.
Diante de tudo isso, ainda que tenhamos noção de que a corrupção só acabará com o fim do capitalismo e por meio de um processo massivo de mobilização, defendemos as seguintes medidas imediatas contra a corrupção:
• Prisão de todos os corruptos e corruptores, bem como devolução das verbas obtidas ilicitamente;
• Corte imediato de todos os privilégios. Redução dos salários dos políticos ao nível do salário médio dos trabalhadores do país;
• Revogabilidade dos mandatos. Destituição dos parlamentares que, a qualquer tempo, votem medidas que prejudiquem os trabalhadores e a população mais pobre;
• Tempo igual na televisão para todos os partidos políticos. Contra a Reforma Política que pretende deixar apenas os partidos da burguesia;
Espaço socialista, dezembro de 2012