Austeridade brasileira e os desafios para a classe trabalhadora em 2015
18 de fevereiro de 2015
Não bastassem os ataques contra os trabalhadores no início de 2015, a economia segue aprofundando a toada do ano passado com a alta da inflação e o aprofundamento do nível de endividamento das famílias não passa em branco. A grande alta dos preços e das taxas se destaca no cenário nacional e os trabalhadores pagam mais uma vez o preço de viver em um mundo sob o controle da classe proprietária e sob os seus desmandos.
Logo no mês de Janeiro, alguma mudança nos hábitos cotidianos dos trabalhadores que conseguem poupar aparece como sintoma e alerta: a poupança sofre a maior saída de recursos da história nos últimos 20 anos. Segundo o Banco Central, é o maior saque para todos os meses desde 1995. As retiradas superaram os depósitos em 5,52 bilhões de reais. O que anuncia a precariedade e a grande insegurança que já atinge a nossa classe.
As retiradas são facilmente explicáveis. Os preços das contas de água (e mais cobrança de multa), de luz (que pode chegar a 27%) e de supermercado disparam. O Índice Nacional de Preços (IPCA), que mede o aumento dos preços de produtos e dos aluguéis, não esconde a real situação. Só em Janeiro, os preços de bens e serviços comprados pelas famílias subiram em média 1,24%, a maior alta em Janeiro em 12 anos. A inflação anual prevista já passou dos 7%, ou seja, acima da meta estabelecida pelo próprio governo. O aumento do custo de vida para as famílias trabalhadoras tem custado quase que a própria vida nos últimos tempos.
O aumento exorbitante das tarifas do transporte público é outro custo que pesa no bolso dos trabalhadores e da juventude precarizada. Além do aumento da passagem no transporte coletivo os combustíveis também tiveram alta. Gasolina e Diesel tiveram aumento de até 10% nos postos. Consequência direta do aumento de impostos sobre os combustíveis anunciado pelo Governo.
Essa alta tem grandes impactos, para os que conseguem comprar e manter um meio de transporte individual. Já temos uma realidade que não são mais meros 20 reais que farão os ponteiros dos carros e motos saírem da reserva. Abastecer começa a parecer que ao passar pelo posto alguém bateu a sua carteira. A sensação é parecida com a que temos há muitos anos no supermercado quando compramos meia dúzia de alimentos e comparamos o preço da nota com a quantidade de sacolas. O dinheiro suado da classe trabalhadora não está mesmo valendo quase nada.
Os alimentos nos últimos 10 anos tiveram aumentos assustadores, subindo 86,59% quando consumidos em casa e 136,14% fora de casa (restaurantes, bares, etc.), dados do IBGE.
Também não é novidade que as medidas para “jogar a crise para frente” desde Lula até Dilma já demonstram esgotamento. Foram bilhões de reais para as montadoras, para as fabricantes da linha branca (geladeira, fogão, etc.), para o agronegócio e redução da contribuição previdenciária para as empresas, dentre outros benefícios às empresas.
Sem falarmos do corte no Orçamento Federal e dos estados. A tesoura, como sempre, começou com cortes de verbas para Saúde, Educação e outros serviços públicos utilizados, em sua maioria, pela população pobre.
Nos estados a situação é a mesma. São 18 estados com a conta “no vermelho”. Isso quer dizer que medidas como as do governador Beto Richa (Paraná) vão ser a normalidade, pois os direitos do funcionalismo público estão na mira.
E a crise continua. Baixíssimo crescimento econômico, desemprego, desindustrialização voltam ao noticiário e a pauta política.
E como os governos Dilma e estaduais reagem? O ministro burguês Joaquim Levy ainda tenta justificar dizendo que é o esforço do governo para ajustar as contas públicas “com o menor sacrifício possível”. Como assim? Quer poupar quem? Certamente não é a classe trabalhadora.
Reage com restrições para acesso ao seguro desemprego e ao PIS, o congelamento da tabela do Imposto de Renda, mudanças na legislação previdenciária, etc. Todas essas medidas seguem a receita do Banco Mundial e do FMI de jogar sobre as costas dos trabalhadores a responsabilidade pela crise, causada pelo próprio capitalismo.
Os juros, que já se destacam historicamente por estarem entre os mais elevados do mundo, subiram também consideravelmente esse ano. O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) dobrou de 1,5 para 3% em Janeiro, ou seja, cada empréstimo ou compra parcelada que os trabalhadores precisarem fazer ficará ainda mais cara. Os bancos já subiram a taxa de juros para ao cheque especial em até 12,99% e para empréstimos pessoais em até 6,01%. Aos trabalhadores não sobram alternativas e acabam alimentando a dívida pública e os banqueiros, que em 2014 tiveram altos lucros e assim continuam.
E para as empresas e os empresários continuam os benefícios com medidas para “equilibrar o caixa”, visando assegurar o pagamento da dívida pública (que consome quase metade do orçamento). As mudanças na legislação trabalhistas e previdenciária são para retirar direitos. Enfim, a receita é a mesma. E o gosto é bem amargo para os trabalhadores.
O setor exportador, sobretudo o agronegócio, não fica de fora. Com a desvalorização do real é o setor que mais lucra porque aumenta a sua competitividade no exterior.
O Plano Nacional de Exportação, que em vez de ataques ao setor industriário e de serviços contra a terceirização e precarização prevê aliviar e dar mais incentivo, por meio do fim do Imposto de Renda na fonte sobre remessas para o exterior, sobre despesas relacionadas à venda de produtos e prestação de serviços. Também prevê a manutenção da alíquota de 3% do Reitegra, que devolve créditos tributários aos exportadores até 2018. Além disso, deverá editar uma Medida Provisória que compensará os impostos (de PIS/COFINS e IPI) pagos pelas empresas com descontos na dívida da empresa com o INSS. Tudo isso para desonerar o empresariado e aumentar os agrados ao setor.
E se não bastasse tudo isso os trabalhadores também amargam o desemprego. Segundo dados IBGE/DIEESE a taxa média de desemprego no país em 2014 foi de quase 7%, mas na grande São Paulo é de quase 11%. Em 2015 as montadoras continuam anunciando demissões, Planos de Demissão Voluntária, Férias forçadas, etc., o que têm reflexo direto na vida dos trabalhadores de autopeças e pequenas empresas.
Corrupção: as empresas tomam conta do Estado
A corrupção tem sido a marca registrada dos governos federal e estaduais. São muitos casos revelados e expõem todos os partidos governistas e da oposição burguesa. A corrupção na Petrobrás, além de lapidar o patrimônio da empresa expôs como o capital privado tem controlado todas as operações da empresa.
Nos estados são várias denuncias. Políticos de todos os partidos burgueses estão envolvidos, o que prova que a corrupção é parte da lógica da política burguesa e uma forma de as empresas – com a conivência desses partidos – se apropriam do que é público e mudar a esfera de decisão para as salas de reuniões dessas empresas.
O processo no Judiciário, as prisões de executivos das empresas, a atuação do Ministério Público sabemos que não vão resultar no fim da corrupção. Essas ações servem apenas para “avisar para não ter descontrole” e não para adotar medidas efetivas.
Não é novidade que todos os partidos burgueses estão envolvidos, que vários deputados e as lideranças do Congresso Nacional também estão e até controlam vários esquemas de corrupção, mas a chance de serem julgados e condenados é quase nula.
Para acabar de fato com a corrupção são necessárias medidas radicais como o controle sobre a atividade parlamentar (limitar mandatos, limitar salários dos parlamentares ao que um trabalhador especializado ganha), reestatizar – sob controle dos trabalhadores – todas as empresas privatizadas, abrir as contas das empresas que fazem negócio com as estatais, entre outras. Essas são “medidas democráticas”, isto é, dentro dos limites da democracia burguesa e mesmo assim os políticos não vão adotá-las sem a pressão do povo, pois dependem dos esquemas de corrupção.
Fortalecer as lutas contra esses ataques e criar o controle dos trabalhadores sobre os recursos! Na contramão das privatizações, estatizar sob controle dos trabalhadores!
Todos esses dados mostram que no cotidiano cada trabalhador, que vive para trabalhar e dar lucro ao patrão, é mais explorado e humilhado. O rebaixamento das condições de vida vem se intensificando. Mas, diferente dos numerólogos da burguesia, somos nós os trabalhadores que sentimos na pele cada ataque do governo e dos patrões e sabemos que na prática o impacto de cada decisão dessas reflete nas nossas condições de vida e devemos responder à altura a cada um deles!
Em São Paulo, a crise da água tem sido o maior sintoma de quanto o capitalismo ameaça a humanidade. A da falta de água assombra as famílias em outros estados também como em Minas Gerais, que já enfrenta racionamento. A situação atual mostra que definitivamente não podemos esperar responsabilidade dos governos sequer com a nossa sobrevivência. Uma das tarefas mais urgentes da esquerda revolucionária é contribuir para que a classe trabalhadora se organize para responder à altura e impor providências imediatas e que seus custos saiam do bolso dos empresários!
Defendemos a reestatização sob controle dos trabalhadores das companhias de água e saneamento, do sistema elétrico, bem como a reestatização integral da Petrobrás, sem indenização aos acionistas. Todas essas empresas manejam recursos de interesse básico de toda a população e devem ter o uso e tarifa social, pois são serviços de interesse social.
É possível vencer a austeridade! Trabalhadores do Paraná constroem luta radicalizada e dão o exemplo para todo o país
É do Paraná o maior e melhor exemplo de como enfrentar os planos de austeridade dos governos. Não se curvando diante das medidas de cortes de salários e mais ataques aos direitos trabalhistas por parte do governo Beto Richa (PSDB) os professores, trabalhadores da Educação e outros setores do funcionalismo público entraram em greve em 9 de Fevereiro, acamparam em frente a Assembleia Legislativa e, como não houve recuo por parte do governo, ocuparam o prédio.
Pela pressão e radicalização da luta, o governo foi obrigado a recuar, retirando o projeto da pauta. Conseguiram impedir a votação do “pacote de medidas” contrárias aos interesses dos trabalhadores, foi uma vitória espetacular.
O exemplo do Paraná é importante porque demonstra que além de lutarmos precisamos nos preparar para enfrentamentos cada vez mais duros e que precisamos radicalizar os nossos métodos de luta.
Outra questão importante é a necessidade de uma unidade ainda maior da nossa classe nos locais de trabalho, estudo e moradia para enfrentar os ataques e impedir uma maior decadência dos serviços públicos. A austeridade é necessária com os salários e os gastos dos parlamentares. Será preciso que os movimentos de rua, contra as tarifas e agora pelo direito à água se radicalizem como em 2013, crie fóruns de luta unitários e independentes do governo, referenciados no classismo e no anticapitalismo.
Defendemos um dia unificado de luta com paralisações, mas da CUT e movimentos governistas nada podemos esperar, pois estão comprometidos com Dilma e com o próprio projeto do capital.
A desmoralização do governo Dilma e do PT abre condições para se disputar e ocupar o espaço político pela esquerda e pela demanda dos trabalhadores. É um momento para a esquerda revolucionária se colocar à altura dos desafios. Não podemos deixar espaço para que a direita conservadora continue crescendo e ocupe esse espaço como a fragilidade do governo Dilma. A esquerda revolucionária deve construir espaços de luta e de decisão juntamente com a classe trabalhadora para discutirem e apresentarem a pauta de um outro projeto de sociedade novamente.
Nesse sentido, entendemos que essa tarefa cabe também à CSP-Conlutas e as entidades de luta, para transformar essa condição de disputa e ocupar o espaço político pela esquerda no sentido de se consolidar como uma das alternativas políticas para a classe trabalhadora.
Um dia de luta não pode se limitar aos atos/marcha a Brasília. Esse tipo de ação, ainda que importante, é insuficiente. Precisamos ir além, pois é preciso ter ações que interfiram na produção e na circulação do capital, única linguagem que a burguesia entende. É necessário combinar a luta das categorias organizadas, com as lutas populares e da juventude.
Não aceitamos o aumento de preços, o corte de direitos e o desemprego que tornam a nossa vida ainda mais difícil! Pelo fortalecimento da luta e da unidade da classe trabalhadora!
Congelamento imediato de preços! Pelo não pagamento da dívida pública como garantia de serviços públicos de qualidade! Estatização das empresas que demitirem trabalhadores em massa!
Espaço Socialista, Fevereiro de 2015.