O capitalismo traz guerras, catástrofes, misérias. Socialismo ou barbárie!
17 de outubro de 2014
“A escolha continua sendo entre socialismo e barbárie. Pode-se não saber mais o que é socialismo, mas para saber o que é barbárie basta abrir os olhos.” Luis Fernando Veríssimo – O Globo – 22/09/2014
Ainda está em aberto o debate sobre os motivos que levaram à derrota das tentativas de transição ao socialismo no século XX. O século passado terminou com a proclamação da vitória do capitalismo, com uma violenta ofensiva econômica, política e ideológica da burguesia contra os trabalhadores, sob os slogans de “fim da história”, “fim do socialismo”, “fim do marxismo”, “fim das ideologias”, “fim das grandes narrativas”, “fim do sujeito”, “não há alternativa”, etc. Mas independentemente dos motivos que impediram o avanço rumo ao socialismo, uma coisa é certa: o capitalismo, este sim, é um fracasso retumbante. Vejamos adiante alguns exemplos desse fracasso.
GUERRAS
O capitalismo é um sistema baseado na violência, na apropriação do trabalho não pago, a mais valia, que é roubada diariamente de todos os trabalhadores. Esse sistema só conseguiu surgir e se erguer com base em atos de violência colossais, como a expropriação dos camponeses na Europa, o genocídio dos povos originários das Américas, a destruição das sociedades africanas e a escravização de milhões de negros, o esfacelamento das antigas sociedades asiáticas, etc. No século XX, duas guerras mundiais foram provocadas pela disputa entre as potências imperialistas pela partilha do mundo.
No século XXI, continuamos sob a ameaça permanente da guerra em diversos formatos. Temos as guerras entre Estados nacionais e as “guerras assimétricas” contra forças dispersas, como a “guerra ao terror” que nunca termina, a “guerra contra as drogas”, todas pretextos para intervenções militares imperialistas. Temos a guerra civil na Síria, no Iraque, no Afeganistão (países de onde os Estados Unidos tiveram que se retirar, mas agora querem voltar), a guerra civil mais ou menos disfarçada na Ucrânia, guerras civis no Sudão, Mali, República Centro-Africana, etc. As ideologias do ódio nacionalista, racial, tribal e religioso movem essas guerras, mas os seus motivos materiais são os interesses imperialistas em controlar riquezas naturais vitais para a sobrevivência dos seus negócios.
Além das guerras declaradas entre Estados, vivemos uma guerra social, uma onda mundial de militarização, policiamento, vigilância, autoritarismo nos locais de trabalho, nas famílias, nas escolas, repressão, judicialização, criminalização das lutas sociais e da pobreza em geral, agressões fascistas contra movimentos dos trabalhadores, imigrantes, LGBTs, violência cotidiana contra a mulher, etc. Para contornar sua crise estrutural e continuar explorando os trabalhadores, o capitalismo necessita cada vez mais da violência.
Está em curso uma verdadeira guerra civil não declarada contra os pobres e miseráveis nas periferias do mundo inteiro. Os negros nas favelas do Brasil ou do Haiti, os negros e latinos nas ruas e presídios dos Estados Unidos, os imigrantes na Europa, os palestinos em Gaza, são todos vítimas de operações policiais e militares de extermínio. Aqueles que não são parte do exército industrial de reserva (porque nunca serão empregados, nem sequer temporariamente) são população excedente que o capital busca descartar antes que engrossem o caldo de possíveis revoltas.
CATÁSTROFES
Além das perdas de vidas humanas provocadas pela violência em suas várias formas, temos também as catástrofes ambientais. Os séculos de intervenção humana irracional na natureza provocaram diversos desequilíbrios no ecossistema global. A extração de minérios e outros recursos, a exaustão das terras férteis pela agricultura e pecuária intensivas, extinção de espécies animais e vegetais, o acúmulo de lixo e de poluição no solo, nas águas e na atmosfera; tudo isso ao longo de séculos de produção capitalista provocaram uma mudança climática mundial. Isso se manifesta em ondas de frio e de calor, secas, inundações, tempestades, nevascas, derretimento de geleiras e dos pólos, surtos de vírus e microorganismos letais (vaca louca, gripe do frango, gripe suína, ebola, etc.), etc. Mesmo algumas das catástrofes naturais que não podem ser evitadas (vulcões, terremotos, tsunamis) poderiam ter seus efeitos destrutivos atenuados pelo uso da ciência, formas de detecção, sinalização, etc. Há também epidemias e pandemias que poderiam ser evitadas e controladas, se a ciência e a tecnologia fossem direcionadas para isso.
A produção capitalista é uma produção destrutiva, que não leva em conta as necessidades humanas e sim o imperativo de produzir mais e mais mercadorias (que não servem a necessidades reais e sim artificiais), cujo objetivo é realizar o valor de troca e reproduzir o capital de forma ampliada, e que depois se acumulam na forma de lixo, poluição, que também são parte do seu processo de produção. Esse impulso para o lucro não pode ser controlado por nenhum tipo de regulamentação ambiental, sanitária, de saúde pública, etc., por nenhuma instância nacional, nem muito menos internacional. O Estado é controlado pelas grandes corporações e obedece aos seus interesses, os agentes encarregados da regulamentação são corrompidos, as normas são burladas, o judiciário quase nunca age em tempo. Se algum governo nacional hipoteticamente quiser controlar as corporações, essas mudam seus negócios para outro país. Os negócios têm que continuar mesmo com a destruição ambiental. A propriedade privada dos meios de produção transforma as forças produtivas e a tecnologia em forças destrutivas que ameaçam a sobrevivência da humanidade.
MISÉRIAS
Aqueles que não morrem nas guerras e catástrofes provocadas pelo capitalismo vivem uma vida de miséria. São 805 milhões de pessoas que passam fome no mundo em 2014, segundo o órgão da ONU (http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-09/fao-805-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-mundo). Em 2012, segundo também a ONU, 863 milhões de pessoas, ou 33% da população urbana do mundo, viviam em favelas (Wikipédia). Segundo a ONG UAEM, que se dedica a lutar por políticas de saúde pública que enfrentem o monopólio das indústrias farmacêuticas, das 50 milhões de pessoas que morrem anualmente no mundo, 10 milhões morrem de doenças tratáveis (http://uaem-br.org/brasil/).
Segundo a ONG OXFAM, as 85 pessoas mais ricas do mundo possuem uma renda equivalente à das 3,5 bilhões mais pobres (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140122_desigualdade_davos_pai). O 1% mais rico da população mundial fica com 46% da riqueza, enquanto que os 50% dos seres humanos mais pobres ficam com apenas 1% da riqueza mundial (http://www.cartacapital.com.br/sociedade/0-7-da-populacao-possui-41-da-riqueza-mundial-6716.html).
Segundo as estatísticas (também oficiais da ONU, o que significa números maquiados pelos governos nacionais), 6% da população economicamente ativa mundial está desempregada, o que equivale a 202 milhões de pessoas (http://www.cartacapital.com.br/economia/desemprego-global-cresce-e-ja-atinge-mais-de-200-milhoes-de-pessoas-9833.html), dado que evidentemente desconsidera os setores que vivem em situação de calamidade e deixaram de procurar emprego, vivem de subempregos, trabalho informal, etc.
FALTA DE PERSPECTIVAS
Esses fenômenos descritos acima não são acidentes de percurso, não são falhas temporárias, não são imperfeições que se possa corrigir com uma “melhor administração”. São resultados inevitáveis das tendências intrínsecas do desenvolvimento capitalista. A humanidade já vive sob este sistema há séculos e esses problemas não foram resolvidos, porque na verdade, não podem ser resolvidos dentro do capitalismo. Como dissemos acima, a lógica da competição entre as diversas frações do capital torna esse sistema impossível de ser controlado ou “humanizado”.
Esses elementos de barbárie tendem a se acumular com o tempo, por mais que momentaneamente, em determinadas épocas e em determinados países, eles pareçam não se manifestar. Cotidianamente, os gestores do sistema capitalista, os políticos em cada Estado nacional, renovam as promessas de que a vida vai melhorar, apenas para garantirem a continuidade da exploração e da opressão, como os candidatos em campanha no Brasil fazem hoje. Todos fazem promessas vagas de melhorias, mas nenhum toca nas questões centrais, a lógica do lucro.
A continuidade do sistema capitalista significa a continuidade desses elementos de barbárie. A humanidade pode caminhar lentamente para a barbárie, sem que necessariamente haja uma grande explosão destrutiva, uma nova guerra mundial, etc. As catástrofes e misérias podem se acumular até que a humanidade esteja reduzida a formas de vida irreconhecíveis. Com isso queremos dizer que o sistema capitalista, por mais que tenha a tendência de destruir a humanidade, não destruirá a si mesmo nem será substituído automaticamente por alguma outra forma de vida social. Por mais graves que sejam as suas crises, o capitalismo seguirá de pé enquanto não for construída outra lógica de reprodução social. O capitalismo somente será destruído e substituído por uma ação coletiva, consciente e organizada, ou seja, uma revolução que tenha o objetivo explícito e declarado de acabar com o capitalismo e construir outro sistema social. O mundo precisa de uma revolução socialista!
Enquanto não reconstruirmos uma alternativa socialista, a humanidade seguirá decaindo em direção à barbárie. A falta de uma perspectiva de transformação social faz com que as formas de pensamento também girem em círculos em torno de falsas alternativas, desde a apologia direta do capitalismo (o discurso neoliberal), até as formas indiretas e irracionais de apologia (que negam a possibilidade da revolução social), tais como o fanatismo religioso, o irracionalismo filosófico, o cinismo e o pessimismo cultural, etc.
RECONSTRUIR A ALTERNATIVA SOCIALISTA!
Como dissemos no início, ainda está em aberto o debate sobre os motivos que levaram à derrota das tentativas de transição ao socialismo no século XX. Quaisquer que sejam esses motivos, porém, teremos que encontrar os caminhos para o socialismo no século XXI. Solucionar esse debate não será uma questão para acadêmicos, historiadores ou curiosos, mas uma questão de sobrevivência da humanidade. O máximo que podemos fazer, no epílogo deste texto, é apresentar algumas indicações:
O socialismo será mundial ou não será! O socialismo é impossível em um só país. Ainda que a revolução seja uma tarefa “nacional”, ou seja, que tem que ser feita em cada país, a transição rumo ao socialismo deve ser feita em escala mundial;
Isso porque o socialismo, para ser construído, requer a socialização da riqueza, e não da miséria, como aconteceu nas revoluções que acabaram ficando restritas aos “elos frágeis da cadeia do capital” no século XX;
A socialização da riqueza não é a simples distribuição dos bens materiais, mas o controle social das forças produtivas. A ciência e a tecnologia devem ser postos a funcionar a serviço das necessidades humanas. Hoje a ciência e a tecnologia enfrentam um obstáculo mortal ao seu desenvolvimento, a propriedade privada das corporações e a competição entre os Estados, que faz com que os pesquisadores trabalhem em isolamento e concorrência uns com os outros, ao invés da partilha de conhecimentos e da cooperação. A simples ruptura com a lógica da competição e o estabelecimento da cooperação levariam a um salto gigantesco da capacidade produtiva, libertando a humanidade da escravidão do trabalho necessário e multiplicando as possibilidades de fruição do tempo livre, de novas relações, humanas, etc.;
Alguns setores do movimento socialista falam em “socialismo com democracia” ou “socialismo com liberdade”, para se diferenciar das experiências do século XX. Essas expressões, na verdade, são redundantes. Não existe democracia nem liberdade a não ser no socialismo. A ruptura da ordem capitalista tem que ser feita, como dissemos, com base numa ação coletiva, consciente e organizada. Isso significa que as formas de decisão devem ser partilhadas por todos, de maneira responsável, desde cada localidade, cada bairro, cada cidade, cada região, cada país, por meio de processos coletivos de decisão, de modo que os indivíduos decidam a todo o momento sobre todas as questões, sobre o que produzir, como produzir, como distribuir, como gerenciar os recursos coletivos, etc.
Esse sistema de decisão e administração coletiva de todas as questões envolvem necessariamente a destruição do Estado tal como o conhecemos e a sua substituição por mecanismos de decisão baseados nas questões concretas a serem resolvidas, sem representantes e sem hierarquia, sem separação entre política e economia;
A construção desse sistema será uma obra da classe trabalhadora, ou seja, dos indivíduos diretamente responsáveis pelo intercâmbio do homem com a natureza e as atividades que garantem a sobrevivência da humanidade. Nenhuma outra classe social poderá cumprir essa tarefa, e as classes que hoje se beneficiam da exploração capitalista terão que ser destruídas enquanto classes, ou seja, os indivíduos que pertenciam as antigas classes dominantes e classes médias (e também os lúmpens) terão que partilhar os mesmos direitos e deveres dos demais, do contrário, terão que ser reprimidos pela força;
As duas condições anteriores implicam que o socialismo só pode ser construído pela via revolucionária, ou seja, por uma ruptura da ordem existente, sem qualquer tipo de conciliação com o Estado e suas instituições. Essas indicações colocam como tarefas imediatas a construção de organizações socialistas revolucionárias, que façam avançar a consciência dos trabalhadores e a sua organização independente das instituições e ideologias hoje existentes. A alternativa socialista não é uma ideia, mas um processo prático de ação e intervenção na realidade, a partir dos enfrentamentos concretos da luta de classes em andamento. É tarefa das organizações revolucionárias intervirem nesses processos para desenvolver a organização dos trabalhadores, sua capacidade de ação coletiva e consciente. Ou atualizamos a luta pelo socialismo, ou estaremos condenados à barbárie!