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Greves do 2 semestre: trabalhadores contra os patrões, os governos e as burocracias sindicais


17 de outubro de 2014

greve

No segundo semestre de todo ano acontecem as campanhas salariais de importantes categorias profissionais, como metalúrgicos, químicos, petroleiros, bancários e ecetistas (funcionários da ECT – Empresa de Correios e Telégrafos). A campanha dos químicos acontece em novembro, afastada das demais, e assim como a dos metalúrgicos, é negociada região por região. As demais categorias, porém, possuem acordos nacionais. Petroleiros e ecetistas negociam praticamente com uma só empresa em cada caso, a Petrobrás e a ECT, sendo a primeira com maioria estatal na direção e a segunda totalmente estatal. No caso dos bancários, os funcionários do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste – BNB e Banco da Amazônia – BASA – praticamente metade da categoria, também têm o governo federal como patrão.
Essas categorias são algumas das mais estratégicas para o funcionamento da economia. Caso fossem influenciadas pelo mesmo fenômeno das greves do primeiro semestre, e de alguma forma reproduzissem o processo, isso poderia significar um salto importante para a classe trabalhadora no Brasil. No início do ano, trabalhadores de categorias mais precarizadas, como garis, rodoviários, trabalhadores da construção civil, fizeram greves em várias cidades do país, com uma característica muito positiva, a auto-organizarão da luta, com a formação de comandos de greve diretamente a partir das assembleias de base.
Essas greves passaram por cima das direções sindicais, que em alguns casos já haviam assinado acordos rebaixados, e chegaram a passar por cima até de decisões judiciais, enfrentando também a grande mídia empresarial e pró-patronal, e a repressão dos governos. Conseguiram ganhar o apoio da opinião pública e por fim alcançaram vitórias econômicas significativas.

O PAPEL NEFASTO DAS BUROCRACIAS SINDICAIS

Uma onda de “greves selvagens” nas categorias mais organizadas, ao estilo das que aconteceram no 1º semestre, poderia representar um sério desafio para a classe capitalista e o governo. Para contornar esse desafio em favor da burguesia e do governo, entra em cena a burocracia sindical. Chamamos de burocracia o conjunto de indivíduos que se apropria dos organismos de representação e luta dos trabalhadores e os transformam num meio para acumular privilégios (não trabalham, recebem ajudas de custo, carro, celular, viagens, etc.), convertendo-se numa camada social com interesses próprios, diferentes e opostos aos das categorias que deveriam representar.
As principais centrais sindicais do país (CUT, Força Sindical, CTB, UGT, etc.), que comandam milhares de sindicatos e negociam em nome das principais categorias, estão há décadas sob comando de grupos burocráticos. Essas burocracias sindicais transformaram os sindicatos em instrumentos de conciliação de classe, impedindo as lutas, priorizando as negociações com governos e patrões, assinando acordos lesivos aos trabalhadores, sacramentando demissões, arrocho salarial, precarização, terceirização, deterioração das condições de trabalho, etc.
Através da participação nos fundos de pensão, os burocratas sindicais passaram a participar diretamente da gestão dos negócios ao lado da burguesia, integrando-se organicamente aos interesses capitalistas. No caso da CUT e CTB, dirigidas respectivamente pelo PT e PCdoB, as centrais transformaram os sindicatos em aparelhos a serviço da política eleitoral dos governos Lula e Dilma (a Força Sindical, antes ligada ao PDT, tornou-se base para um novo partido composto apenas de burocratas sindicais, o Solidariedade, e passou-se para o bloco da oposição burguesa, ao lado do PSDB, DEM e demais).
Ao invés de organizações a serviço da luta dos trabalhadores, os sindicatos se tornam espaços de reprodução da ideologia capitalista, aceitando o trabalho assalariado, a regulamentação das relações sociais pelo Estado, a conciliação com a patronal, a ideologia competitiva e meritocrática, etc. Muitas vezes, são mais “clubes de convênios” do que organizações para a luta.
Além do trabalho político e ideológico de defesa do capitalismo e dos governos burgueses de plantão, as burocracias sindicais usam seu controle sobre as entidades para sabotar diretamente a luta. Esse ano, na assembleia dos ecetistas em São Paulo, os trabalhadores votaram em favor da greve por grande maioria, mas a direção do sindicato proclamou que a proposta da empresa tinha sido aceita, encerrou a assembleia, desligou o microfone, fugiu do local e deixou um batalhão de brutamontes para lidar com a revolta dos trabalhadores, que partiram para pancadaria. Essa revolta dos trabalhadores foi inútil, já que não tiveram forças para organizar a greve independentemente da direção do sindicato. Em outros estados chegou a ser decretada a greve nos Correios, que logo em seguida teve que recuar, já que São Paulo concentra 40% do tráfego postal do país. Com isso, a categoria não teve greve esse ano e ficou sujeita a um acordo rebaixado assinado contra a sua vontade.

O PESO DECISIVO DAS DIREÇÕES SINDICAIS

Esse método de “tratorar” a assembleia, usado nesse caso por uma direção sindical comandada pela CTB/PCdoB, já foi usado em outros momentos pela CUT/PT, em assembleias de bancários, professores, etc. Para ficarmos num exemplo oposto, a greve dos trabalhadores da USP, que começou ainda antes da Copa do Mundo, durou mais de 100 dias, enfrentando a repressão policial, o autoritarismo da reitoria e do governo do estado, o bloqueio da mídia, e conseguiu parte das reivindicações; fez tudo isso pelo fato de que contou com uma direção sindical combativa, que apostou corretamente no método do comando de greve formado por delegados de base.
O papel das direções sindicais pode ser decisivo para fazer com que as lutas avancem ou retrocedam. As seguidas traições da burocracia sindical (como esta dos correios de São Paulo) são um elemento importante para desmobilizar as categorias, já que os trabalhadores deixam de acreditar que a luta possa dar resultado. Esse fenômeno é particularmente marcante no caso dos bancários, que fazem greve todos os anos desde 2003, mas não participam dos piquetes e assembleias, porque odeiam a direção do sindicato.
Os bancários até aderem às greves em bom número em alguns anos, mas não porque acreditam na greve como forma de lutar contra a empresa e conseguir conquistas, e sim como uma forma de alívio momentâneo do dia a dia de trabalho insuportável (enquanto a burocracia sindical negocia acordos rebaixados e que não tocam nas questões que afetam a categoria, como estabilidade, fim das metas e do assédio moral, mais contratações, etc.).
Como acabamos de ver, a traição da burocracia sindical garantiu que não houvesse greve nacional numa categoria importante, os ecetistas. No caso de Correios, tratorou-se as assembleias. No caso de petroleiros, a FUP/CUT, que dirige a maioria dos sindicatos, aceitou a primeira proposta da empresa, sem sequer chamar greve. No momento em que escrevemos, os bancários são a única categoria ainda em greve, mas com o mesmo tipo de adesão passiva ou “greve de pijama” que descrevemos acima. Uma a uma, as principais categorias nacionais são isoladas umas das outras e desmobilizadas.
Além de tratorar as assembleias, a burocracia tem o controle das mesas de negociações, em que não está presente nenhum trabalhador do “chão de fábrica”, de modo que pode assinar acordos entre quatro paredes com a patronal sem que a categoria sequer tome conhecimento. A burocracia controla também o calendário, definindo quando vão acontecer assembleias de deflagração de greve. O calendário definido pela burocracia impediu que as campanhas das categorias nacionais acontecessem numa mesma data e que se unificassem as lutas numa espécie de “quase greve geral”.

A BUROCRACIA SINDICAL COMO INSTRUMENTO DO GOVERNO DO PT

Uma greve conjunta de ecetistas, petroleiros, bancários, com assembleias conjuntas, piquetes, passeatas, etc., colocaria essas categorias num enfrentamento direto contra os patrões e principalmente o governo, justamente o que as burocracias sindicais querem evitar num período eleitoral. A prioridade dos burocratas é a reeleição de Dilma e as campanhas dos candidatos petistas, e não a luta das categorias contra os patrões. A permanência do PT no governo federal é uma questão de vida ou morte para milhares de burocratas do partido, que dependem dos cargos de 2 e 3 escalões, diretorias de empresas estatais, fundos de pensão, e das respectivas verbas e negociatas.
Ao mesmo tempo, o PT depende também do exército de burocratas que comanda os sindicatos, pois como vimos, eles podem ter o papel de evitar as lutas. A capacidade de evitar as greves dos setores sindicalmente organizados (mas também as lutas de outros movimentos sociais, como sem terra, sem teto, etc., cujas cúpulas o PT também controla) é a principal carta que o PT tem na mesa para negociar com a burguesia a sua permanência no governo federal. O PT segue sendo a principal aposta da burguesia e do imperialismo para administrar os negócios do capitalismo no Brasil, porque o seu controle sobre as organizações dos movimentos sociais é um grande freio para impedir que haja lutas dos trabalhadores. No entanto, a burguesia obriga o PT a passar pelo desafio de uma eleição disputada, impulsionando as candidaturas de Marina e Aécio, para obrigar o partido a se comprometer com os ajustes antipopulares e pró-capitalistas que serão necessários no próximo mandato.
Apesar do compromisso diariamente renovado com os banqueiros, latifundiários, empreiteiras e industriais para os quais governa há 12 anos, o PT diz aos trabalhadores que é preciso votar no partido para evitar a “volta da direita”, que na verdade já voltou (ou nunca saiu) e está muito bem instalada na base governista, nas figuras de Sarney, Maluf, Collor, etc. Essa chantagem é dirigida contra algumas das categorias organizadas, com a ameaça de que os outros partidos vão privatizar a Petrobrás, os Correios, o Banco do Brasil, etc. Mas quem vive o dia a dia dessas empresas sabe que a sua gestão já é privatista, o seu relacionamento com clientes e funcionários já é predatório, a propriedade estatal é apenas nominal. A única defesa contra a gestão privatista é a organização e a luta dos trabalhadores e não a confiança em qualquer partido (e de resto, o PT já privatizou, às vezes com o nome cínico de “concessões”, as rodovias, aeroportos, florestas, bancos estaduais, reservas do Pré-Sal, etc.).
Essa capacidade do PT de aplicar um programa neoliberal (privatizações, arrocho salarial, pagamento da divida) com uma maquiagem “progressista” (bolsa família) é parte essencial da sua estratégia e da sua qualidade única como partido do capital.

PARA ROMPER COM AS BUROCRACIAS SINDICAIS!

Aos trabalhadores, em qualquer categoria, só resta a organização e a luta. Para serem vitoriosos nas campanhas salariais contra os patrões e na luta contra os ajustes que virão no próximo governo, os trabalhadores precisam ultrapassar as burocracias sindicais. Essa tarefa cabe principalmente às oposições sindicais. Precisamos construir oposições sindicais na base das categorias com os seguintes métodos:
– organização a partir dos locais de trabalho;
– luta contra os problemas cotidianos de cada local (assédio moral, condições de trabalho, etc.), ao longo do ano inteiro, e não apenas nas épocas de campanha salarial;
– funcionamento regular, com reuniões periódicas, de modo que se crie um espaço de organização em que os trabalhadores possam discutir seus problemas, reconhecer-se enquanto categoria e enquanto classe;
– panfletagens e publicações periódicas que reflitam os problemas imediatos e os relacionem com as questões gerais da categoria e do conjunto da classe;
– publicações especiais e atividades, seminários, cursos de formação, etc., que recuperem a história das lutas da categoria e da classe, discutindo as questões em profundidade e elevando o nível político, teórico e cultural dos trabalhadores;
– ir além do corporativismo, ou seja, dos problemas imediatos de cada categoria, e do economicismo, ou seja, discutir os problemas sociais para além dos salários e condições de trabalho, de modo que os trabalhadores se reconheçam cada vez mais como classe para si, como sujeito político e histórico oposto ao capitalismo;
– democracia interna, com debate entre todas as posições políticas e teóricas;
– independência política, organizativa e financeira em relação à burocracia sindical, partidos, governos e patrões;
– luta direta como método de ação;
– resgate de uma perspectiva anticapitalista, que relacione as lutas imediatas com as lutas políticas gerais e a superação do capitalismo;
Nas campanhas salariais, é preciso defender propostas de ação que visem tirar a luta do controle das burocracias sindicais, tais como:
– formação de comandos de base, com delegados a partir dos locais de trabalho, que organizem os piquetes e ações de greve;
– eleição de representantes da base nas mesas de negociação, com mandatos revogáveis em qualquer tempo caso descumprirem as deliberações da base.
Esses elementos que expusemos acima não são nenhuma novidade ou invenção, mas o resgate dos princípios do sindicalismo classista e combativo que foram progressivamente afastados da organização dos trabalhadores pelas burocracias sindicais. Essas tarefas não dizem respeito apenas às categorias organizadas, e não se trata apenas de uma luta pelos interesses corporativos, restritos de cada categoria. Não se trata apenas de uma questão sindical. A retomada da organização dos trabalhadores, numa perspectiva independente, classista e combativa, é condição para os avanços da luta de classes como um todo e para a reconstrução de um projeto anticapitalista e socialista. Abaixo a burocracia sindical e a conciliação de classes! Viva a luta independente dos trabalhadores!