Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Jornal 70: A judicialização das lutas tem suas origens no modelo fascista


22 de julho de 2014

Introdução

Muitas greves deste primeiro semestre foram parar na justiça do trabalho, o chamado dissídio coletivo. Em todas ações que fizemos levantamento, não houve nenhuma em que os trabalhadores tenham obtido vitória, pelo contrário, prevaleceram decisões determinando retorno ao trabalho e imposição de multa aos sindicatos que descumprissem essas determinações. É a chamada judicialização das lutas, que é a interferência de um poder de Estado para tutelar a ação sindical.

Essas decisões são um dos principais instrumentos que os patrões, os governos e a mídia utilizam para atacar os trabalhadores. A partir delas – na maioria desfavorável aos trabalhadores –, intimidam, ameaçam com demissões, e muitas vezes demitem, como foi o caso dos metroviários.

Os patrões e os governos a utilizam porque sabem de antemão que terão decisões favoráveis. E não tem como ser de outro modo, pois a justiça do trabalho (e as demais também) é uma justiça burguesa, ou seja, ela sempre vai decidir a favor da burguesia, a não ser em raríssimos casos de ampla mobilização. Quando muito, reconhece um direito já conquistado na luta.

E no caso específico da justiça do trabalho brasileira, a sua configuração ideológica é extremamente reacionária.

Para compreender a razão de ela ser tão reacionária é preciso, ainda que brevemente, localizar historicamente a sua constituição. As circunstâncias históricas em que foi criada revelam a sua aptidão à defesa do capital, seu caráter reacionário e a busca por controlar ou impor limites às ações da classe trabalhadora.

 

A “Revolução” de 30 e a formação do Estado brasileiro

A década de 30 marca a formação do Estado brasileiro na forma que o conhecemos. Até esse momento, o poder político era exercido pela fração agrária (oligarquia mineira e paulista se revezando na presidência da república, na chamada política do café com leite) do capital que operava no Brasil, com relações políticas muito semelhantes ao período monárquico: um poder político descentralizado (dividido com “poderes locais” – o coronelismo), falta de uma identidade nacional e um governo que não representava todas as frações do capital e desprestigiava outros setores importantes (como o industrial) da burguesia.

A crise econômica de 29, fechando o mercado mundial para os produtos agrícolas (base da economia brasileira), coloca em crise esse modelo, porque a falta de recursos que antes vinham sobretudo das exportações do café inviabilizava o próprio mercado interno.

Essa crise abre espaço para outras frações do capital questionarem o modelo político e se colocarem como alternativa. É nesse contexto que ocorre a (mal) chamada Revolução de 30, rompendo com esse modelo e abrindo espaço para a constituição de um novo tipo de Estado, mais centralizado, incorporando os interesses de outras frações do capital. Getúlio Vargas é o homem escolhido para levar adiante esse projeto político e econômico.

Também neste momento, há o fortalecimento do fascismo italiano, do nazismo na Alemanha e em muitos outros países grupos fascistas também se multiplicam.

 

Controlar o movimento operário

Havia no interior da classe trabalhadora um processo lento, mas permanente, de desenvolvimento de formas de organização que vinha desde as décadas de 10 com as greves operárias de São Paulo, da fundação do PCB (1922), da CGTB (1929) e do Bloco Operário Camponês (1930). Neste novo projeto político, controlar o movimento operário era fundamental para deixar o caminho livre para o capital implementar seus planos.

Desde o início de seu governo, Vargas já adota uma série de medidas de controle sobre a organização dos trabalhadores, como a criação de juntas de conciliação, mediação de conflitos pelo ministério do trabalho e a regulamentação dos sindicatos, que antes existiam independente de autorização ou registro nos órgãos do governo.

Os mandatos de Vargas (30-34 provisório) (34-37 eleito indiretamente) não foram suficientes para consolidar o novo projeto e, aproveitando a onda fascista que percorria o mundo, as forças reacionárias do governo organizam o golpe conhecido como “Estado Novo”, em que ampliam as medidas ditatoriais em vigência e adotam novas, como o fechamento do congresso, prisão de militantes da oposição e da esquerda e criação de órgãos de censura e a polícia política.

Com a ditadura e a repressão, pode-se adotar uma série de medidas para aprofundar a intervenção do Estado na organização sindical.

Inspirada no fascismo italiano, a legislação sindical criou uma estrutura sindical que amarrava e limitava a ação sindical independente, como a proibição de mais de um sindicato por categoria, a criação do imposto sindical (favorecendo os dirigentes sindicais imobilistas, pois mesmo sem mobilizar a categoria, recebiam um dia de salário de cada trabalhador, que era destinado para a estrutura sindical), o sindicato passa a ter a necessidade de registro no ministério do trabalho para funcionar, o corporativismo que transforma o sindicato mais em órgão de conciliação de classes do que em representação dos trabalhadores, etc.

Também foi proibida a construção de centrais sindicais e atividades políticas no interior dos sindicatos. Ao funcionalismo público era proibido se organizar sindicalmente.

Acabam a autonomia e a liberdade sindical, e o Estado passa a determinar os limites de atuação das entidades sindicais.

 

A (mal) chamada Justiça do trabalho

Para todas essas mudanças, além de ganhar politicamente as pessoas, é preciso uma força que pareça neutra para impô-las quando alguém questiona as leis. E nos conflitos trabalhistas, essa força é a justiça do trabalho, que vai decidir sobre o conflito, como dissemos antes, na maioria das vezes a favor dos patrões.

A criação e consolidação da justiça do trabalho no governo Vargas está dentro dessa lógica de controle dos sindicatos e da repressão que se abateu sobre a classe operária brasileira. É parte integrante do projeto político da burguesia brasileira colocado em prática na primeira parte do século passado, cabendo a ela o papel de impor o cumprimento da legislação fascista de Vargas.

Não é possível, portanto, compreender as recentes decisões dos tribunais trabalhistas sem levar em consideração as razões para as quais foram criados. A Justiça do trabalho foi criada não para proteger o trabalhador, mas sim o capital.

As decisões atuais são idênticas às do período da ditadura. Nas lutas dos metalúrgicos em fins dos anos 70, o tribunal do trabalho sempre julgava as greves ilegais. Na greve dos metroviários (assim como outras) do mês de junho, o mesmo tribunal julgou a greve abusiva (outro nome que dão, mas tem o mesmo significado), inclusive impondo multa milionária e bloqueio da conta do sindicato, o que significa na prática inviabilizar a ação sindical.

 

Recorremos à justiça do trabalho

Não confiamos nesta justiça. A história nos ensinou que qualquer direito só se conquista com luta. Assim, nunca iniciamos uma luta pelos órgãos da justiça.

No entanto, também não podemos descartar totalmente que taticamente se recorra aos órgãos do judiciário. Às vezes, nos deparamos com tamanho abuso (como as recentes prisões dos ativistas Fábio e Rafael em São Paulo) e com uma correlação de forças tão desfavorável, que ir ao judiciário é um passo necessário.

Mas isso é secundário e em último caso, quando não conseguimos na luta.