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Tese para o Seminário Nacional sobre a Reorganização – Novembro de 2009


5 de novembro de 2011

TESE DO ESPAÇO SOCIALISTA PARA O

SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE A REORGANIZAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

Apresentamos a seguir a contribuição do Espaço Socialista ao debate sobre a Reorganização do movimento sindical e social no Brasil. A criação de uma alternativa organizativa para os trabalhadores brasileiros é uma necessidade crucial da classe, por dois movivos fundamentais. Em primeiro lugar, a incorporação dos principais organismos de luta (CUT, MST, UNE, etc.) à política do governo Lula e ao próprio aparato do Estado os transformou em obstáculos para o desenvolvimento das lutas e mobilizações. Em segundo lugar, a continuidade da crise econômica mundial se expressa na ofensiva da burguesia para aumentar o grau de exploração sobre os trabalhadores, de modo a recuperar sua taxa de lucro. Será preciso organizar a resistência e a contra-ofensiva dos trabalhadores, tarefa para a qual os antigos organismos de luta não servem mais, e os novos instrumentos precisam superar a fragmentação e a marginalidade política em que se encontram.

Em nossa contribuição partimos de uma discussão sobre a conjuntura para situar historicamente o cenário da Reorganização, marcado pelos desdobramentos da crise estrutural do capital. Abordamos em seguida o debate que está sendo travado pelas principais correntes envolvidas na Reorganização, contestando o eixo rebaixado em que está se dando a discussão. É necessário precisar com mais profundidade a natureza dos obstáculos que esse processo de Reorganização terá que superar. Isso envolve questionar e propor medidas para superar os vícios que têm comprometido a atuação dos organismos da classe trabalhadora brasileira por todo um longo período histórico. O movimento sindical em particular, por ser o setor mais organizado, mas também aquele em que os vícios em questão estão mais pronunciados, será o principal eixo de discussão, embora as conclusões se apliquem também a outros setores.

 

CONJUNTURA INTERNACIONAL

 

A crise estrutural do capital já vem se arrastando desde a década de 1970 e produziu desdobramentos como a mundialização, a financeirização e o endividamento, o desemprego tecnológico estrutural, a formação de um mercado mundial de força de trabalho e de um exército industrial de reserva em escala global, o avanço da degradação ambiental, episódios de fome, guerras, entre outros sintomas de barbárie social. Esses processos tiveram sua expressão política no neoliberalismo, que avançou sobre as conquistas dos trabalhadores no mundo inteiro e redefiniu as funções das diversas economias nacionais na divisão internacional do trabalho. O neoliberalismo teve sua tarefa facilitada pela queda da União Soviética e do muro de Berlim, que lhe permitiu usar o discurso do “fim da história” e da “morte do socialismo” para desarmar a resistência dos trabalhadores (contando é claro com a colaboração dos vários setores da esquerda reformista, que passaram de malas e bagagens para o outro lado da trincheira e converteram-se em administradores do sistema) e impor o aumento da exploração.

Apesar dessa propaganda enganosa do neoliberalismo em torno do “fim da história”, as contradições do capitalismo seguiram se agudizando nas últimas décadas. Os mecanismos artificiais por meio dos quais o capital tentava deter a tendência histórica de queda da taxa de lucro, tais como a criação de capital fictício, chegaram a um ponto crítico e apresentaram sinais de colapso. O mercado financeiro mundial, que negocia títulos com valor mais de dez vezes maior do que o total da produção real de riqueza social (PIB), começou a ter problemas com a inadimplência das hipotecas estadunidenses, em 2007, a qual expôs toda a irracionalidade de um sistema erigido sob o pressuposto insustentável do endividamento infinito. A inadimplência imobiliária provocou a falência dos grandes bancos estadunidenses em 2008, que resultou numa crise de crédito, a qual por sua vez levou a uma retração no consumo, na produção, e conseqüentemente ao aumento do desemprego. A profundidade da recessão só encontrou paralelo na Grande Depressão da década de 1930. Essa crise econômica coincide com a crise energética, alimentar, ambiental, militar, cultural, o que nos permite caracterizá-la como uma verdadeira crise societal.

Os governos do mundo inteiro reagiram rapidamente para evitar o colapso completo e lançaram pacotes de ajuda de trilhões de dólares, seja comprando títulos podres, seja tentando reativar o crédito, emitindo dinheiro em grandes quantidades e endividando-se em níveis nunca vistos na história. O déficit público estadunidense de 13% do PIB em 2009 é o dobro do recorde histórico anterior, e a estimativa é de que duplique mais uma vez ao longo dos próximos 10 anos. Isso pode comprometer a viabilidade do dólar como moeda de reserva mundial, o que provocaria uma desorganização econômica de proporções inéditas na história. As conseqüências da atual crise continuarão portanto se desenvolvendo ainda durante muitos anos, apesar do discurso da imprensa burguesa e dos políticos de que “a crise foi superada”. Enquanto o Estado tenta administrar seus déficits e os políticos torcem por uma recuperação rápida do consumo, a burguesia realiza ajustes estruturais, demitindo, reduzindo salários, retirando direitos, aumentando o grau de exploração, deslocando enfim os custos da crise sobre os trabalhadores.

CONJUNTURA NACIONAL

Esse primeiro estágio da crise econômica mundial exigiu o sacrifício de conquistas históricas dos trabalhadores dos países imperialistas, confrontados com o aumento do desemprego, o corte dos salários e a retirada de direitos e benefícios. O ataque sobre esse setor do proletariado mundial (assim como a intervenção maciça do Estado) foi temporariamente suficiente para remediar a queda das taxas de lucro e evitar uma aceleração da crise. Com isso, foi possível evitar que certos países intermediários sofressem imediatamente as conseqüências mais sérias da crise, que segue em andamento. O Brasil é um desses países em que a crise não provocou abalos mais sérios.

A convivência histórica dos trabalhadores brasileiros com altos níveis de desemprego aberto e oculto, subemprego, rotatividade, trabalho precário e informal, miséria, etc., permitem à burguesia, ao Estado e à mídia dizer que a crise “não foi muito grave” e “já está superada”. As políticas de ajuda do Estado às grandes empresas, que totalizaram mais de R$ 480 bilhões, permitiram um aquecimento artificial do consumo (automóveis, eletrodomésticos da linha branca, materiais de construção), forjando um cenário de crescimento econômico meramente estatístico, mas que encobre a deterioração nas condições de vida dos trabalhadores. A economia pode crescer, as empresas podem lucrar e as bolsas de valores podem ter alta, sem que haja diminuição do desemprego e melhoria dos salários. Além de contar com apoio estatal, a burguesia brasileira também realizou ajustes estruturais nas empresas sob seu controle, impondo o aumento da exploração através da intensificação do trabalho.

O proletariado brasileiro não foi um coadjuvante passivo na encenação dessa pseudo-recuperação econômica. Houve lutas importantes em 2009, como a greve geral da USP e as campanhas salariais dos correios, metalúrgicos e bancários no 2º semestre, que lutaram contra esse aumento da exploração. Essas lutas de resistência não foram porém suficientes para romper o controle da situação política pela burguesia e pelo governo Lula. A agenda da burguesia segue sendo implantada pelo governo, que se sobressai da crise com elevadíssimos índices de popularidade. O governo Lula executa uma partilha da riqueza social entre a burocracia estatal e os grandes grupos econômicos burgueses nacionais e estrangeiros, de um modo que sobram migalhas para os programas de bolsa-esmola que mantém cativa sua base eleitoral entre os trabalhadores mais pobres.

O governo Lula não pratica um privatismo escancarado, que provocaria resistência popular, mas ao mesmo tempo não deixa de entregar as riquezas nacionais à burguesia. Abre-se o controle de empresas como o Banco do Brasil e a Petrobrás ao capital privado (inclusive estrangeiro), mas mantém-se um razoável nível de controle pela burocracia estatal. O caso do pré-sal é exemplar, pois um acordo em que a exploração do petróleo será feita por empresas privadas, inclusive estrangeiras, foi apresentado mentirosamente como tendo um caráter estatista e garantidor da soberania nacional.

Por meio desse tipo de mistificação ideológica, o governo Lula consegue isolar a oposição de direita, que se limita a desenterrar sucessivos escândalos de corrupção (como o do presidente do Senado José Sarney) sem maiores conseqüências. Ao mesmo tempo, o governo garante uma sólida base de apoio entre os trabalhadores mais pobres, via bolsa-esmola, e também de setores da tecnocracia estatal.

Para completar o cenário, o governo Lula é premiado com a escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016. Isso sinaliza o reconhecimento da burguesia internacional ao papel do governo Lula como exemplo mundial de governo capaz de controlar os conflitos sociais e impedir o desenvolvimento de lutas dos trabalhadores, um exemplo a ser exportado para os demais países periféricos. Do Haiti a Honduras, o governo Lula exporta “know-how” em mistificação ideológica, com um discurso que aparenta ser de esquerda e práticas consistentemente de direita, sobretudo no que se refere a impedir o desenvolvimento de uma perspectiva política autônoma dos trabalhadores e na duríssima repressão sobre os setores em luta (operativo de guerra nas favelas, morte aos sem-terra no campo, endurecimento contra as greves, etc.).

Um componente essencial do operativo lulista está no controle férreo dos principais organismos de luta dos trabalhadores (CUT, MST, UNE, etc.) pela Articulação/PT e seus satélites, que tem sido essencial para impedir que as greves como as que irromperam em 2009 desenvolvessem todo seu potencial de enfrentamento, permanecendo isoladas umas das outras e sem poder de atração sobre o restante da classe. O controle burocrático da Articulação e a maquinaria ideológica do governo Lula são alguns dos obstáculos a serem superados no atual processo de Reorganização da classe, processo que tem tido seu eixo nos debates em torno da fusão entre Conlutas (central em que o PSTU detém a maioria) e Intersindical (controlada por setores do PSOL).

 

A REORGANIZAÇÃO E A FALSA POLÊMICA SOBRE O MODELO DE CENTRAL

 

A principal polêmica entre as correntes que protagonizam o debate da Reorganização tem sido a do modelo da nova central que surgiria da fusão entre Conlutas e Intersindical. O PSTU defende que a nova central tenha o mesmo modelo da Conlutas, que abriga em seu interior tanto sindicatos quanto entidades do movimento social, como estudantes, sem-terra, sem-teto, etc. As correntes do PSOL que dirigem a Intersindical, por sua vez, defendem uma central apenas de sindicatos, a qual seria parte orgânica de uma frente de movimentos sociais a ser criada.

Entretanto, esse debate passa longe dos problemas que realmente precisam ser enfrentados no processo de Reorganização da classe. Por trás da polêmica em torno do modelo de central está a disputa entre as correntes para ser maioria na nova central. Se a central contar com outras entidades dos movimentos sociais além dos sindicatos, o PSTU terá maioria, em especial por causa de seu peso no movimento estudantil. Se a central for composta apenas de sindicatos, a Intersindical poderá ter maioria, em especial se puder contar com setores da própria Intersindical que no momento estão contra a fusão. Entre as correntes minoritárias, o debate também se divide entre essas duas propostas, conforme algumas preferem ver o PSTU em minoria na central, ou preferem ver a Intersindical mais isolada por conta de seu perfil ambíguo (há setores da Intersindical que nem sequer romperam com a CUT).

Uma vez que a polêmica não pode ser explicitada nos termos desse aparatismo grosseiro, as diversas correntes a apresentam de maneira disfarçada, através de argumentos “teóricos” que não têm a menor consistência. De um lado, há o argumento de que a nova central precisa ter apenas sindicatos porque os outros movimentos supostamente comprometem o seu caráter classista. De outro, há o argumento de que a incorporação dos outros movimentos fortalece a unidade da classe.

Somos a favor de uma central que contenha os sindicatos e demais movimentos populares. Entretanto, esse formato de organização não pode ser colocado de maneira ultimatista como condição “sine qua non” para a construção da unidade. Apresentar a polêmica nesses termos serve apenas para que as correntes majoritárias possam se justificar perante suas bases por um eventual fracasso no processo de unificação, fazendo cavalo de batalha em torno de uma questão que na verdade é secundária, mas que convenientemente se transforma num obstáculo “intransponível”. Agir dessa maneira seria sectário e irresponsável. Infelizmente, há fortes indícios de que o processo se encaminha nessa direção, pois o debate sobre a Reorganização está sendo mantido na esfera das cúpulas dirigentes, sem ser aberto para as bases de ambas as centrais. Sem que o debate se generalize, as bases não têm acesso a uma discussão qualificada sobre as questões em jogo e podem ser iludidas pela falsa polêmica do modelo de central.

A unificação dos diversos segmentos da classe e seus movimentos pode estar contemplada através de “n” formas organizativas, seja uma central, um fórum de mobilização, uma frente, etc. O fundamental é que se construa a unidade na luta. Se existe acordo quanto a um programa de luta, que envolva a luta pelo socialismo, a prioridade para a ação direta, o combate ao corporativismo e à burocratização, etc.; não será a forma de organização que se tornará obstáculo para a unidade dos setores que quiserem levar adiante essa luta. As duas correntes majoritárias nesse processo, PSTU e setores do PSOL, têm a responsabilidade de buscar a unidade. Ambas as correntes devem fazer concessões em prol da construção dessa alternativa organizativa unitária, que é uma necessidade da classe.

Mas é preciso deixar claro que não estamos falando de uma unidade a qualquer preço. Ao longo do ano de 2009 tanto Conlutas como Intersindical realizaram unidades problemáticas com setores da burocracia, adaptando-se ao calendário da CUT e demais centrais pelegas e realizando atos unitários com essas entidades em 30/03 e 14/08. O pretexto de que seria preciso disputar as bases dessas centrais não se justifica, já que as burocracias não mobilizaram os trabalhadores, não impulsionaram processos de luta em que se poderia desenvolver a experiência dos trabalhadores com essas direções, não expuseram as bases sob seu controle a um debate programático. Ao invés disso, Conlutas e Intersindical emprestaram um verniz combativo a essas burocracias.

Exemplos como esse demonstram que Conlutas e Intersindical, antes de poder candidatar-se a constituir uma nova central, precisam enfrentar um balanço das suas realizações para que se tenha uma noção mais exata de onde houve avanços e onde a ruptura com as velhas estruturas do movimento permaneceu inacabada ou estacionária.

 

OS SINDICATOS E A ESTRATÉGIA SOCIALISTA

 

Conforme dissemos, a definição do modelo de central não pode ser a principal questão colocada no presente debate. A Reorganização da classe trabalhadora não pode se reduzir a uma reacomodação de alguns aparatos dirigidos por correntes de esquerda. Para que se trate de uma Reorganização de fato, é preciso lutar pela renovação das estruturas e das práticas de organização dos trabalhadores que vigoram no Brasil há décadas. No que se refere especificamente ao movimento sindical, a estrutura herdada da Era Vargas nunca foi realmente superada, nem mesmo em períodos de forte ascenso das lutas dos trabalhadores como no pré-1964 e na virada da década de 1970 para 1980. É preciso romper com essa estrutura para que a nova entidade a ser criada tenha de fato condições de servir como alternativa organizativa.

Na ordem capitalista, os sindicatos tem como função organizar a luta estritamente econômica, ou seja, a disputa com o capital pelo preço da força de trabalho, que se expressa nas negociações salariais e na luta por melhores condições de trabalho. Essa função e os limites da atuação econômica estão inclusive consagrados em lei. O movimento socialista revolucionário sempre lutou para superar os limites da luta econômica e fazer dos sindicatos os embriões dos organismos de educação e organização da classe tendo em vista a superação da ordem capitalista. É essa luta que precisamos retomar no Brasil. Para recolocar em pauta a luta pelo socialismo, precisamos discutir em profundidade o papel das organizações políticas da classe trabalhadora em seus diferentes níveis, desde as organizações revolucionárias clandestinas até as entidades legalmente reconhecidas, como os sindicatos, bem como as relações entre essas esferas.

Partimos da concepção de que a liderança da revolução não caberá a um único partido ou organização, pois será uma tarefa desempenhada por várias correntes. Nas atuais condições subjetivas da classe trabalhadora brasileira, não há como conceber a unificação forçada de todos os lutadores socialistas numa única organização revolucionária, e sob certos aspectos isso nem seria desejável. Será preciso encontrar formas de convivência e ação conjunta no movimento que permitam a ação unitária de todas as correntes que impulsionam a construção da luta pelo socialismo. Isso é o contrário do que a maioria das próprias correntes defende, pois cada uma acredita ser ela mesma a única capaz de conduzir a luta pela revolução.

Afirmamos também que a revolução é uma tarefa que não se limita às organizações políticas, pois diz respeito ao conjunto da classe. Os partidos e organizações, na condição de setor mais organizado e consciente, têm o papel fundamental de liderar a classe durante o processo da revolução, indicando os caminhos a serem seguidos. Mas os partidos e organizações não poderão jamais substituir a classe no processo revolucionário. Isso porque a revolução não se limita ao simpes ato da tomada do poder político. A revolução é um processo muito mais amplo e profundo, que inclui a tomada do poder político, mas começa muito antes e se estende até muito depois desse momento, e inclui uma série de outras dimensões além da política. A revolução envolve a reformulação de várias outras esferas da vida social além da administração hoje exercida sob a forma da política estatal. Trata-se não apenas de uma negação das relações sociais alienadas da sociedade burguesa, mas da afirmação de novas relações, que devem ser um produto da auto-organização da classe em relação a todos os aspectos da vida, da produção material até a relação entre os gêneros, a educação das novas gerações, etc.

A concepção de que a revolução é uma tarefa a ser assumida não por um, mas por vários partidos e organizações obriga a que os organismos da classe propiciem um ambiente democrático no qual todas as posições possam ser apresentadas aos trabalhadores e debatidas por eles. Ou seja, a luta pelo funcionamento democrático dos organismos da classe passa a ser uma questão de princípio. O debate entre as várias posições precisa ser educativo e formar os trabalhadores para tomar decisões de forma consciente. Afinal, as tarefas fundamentais da revolução cabem aos próprios trabalhadores, ou como disse Marx, “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.

 

A DEMOCRACIA NAS ENTIDADES E A DISPUTA PELA CONSCIÊNCIA DOS TRABALHADORES

 

A questão do funcionamento democrático dos organismos é uma questão política da maior importância. Não existe forma sem conteúdo nem conteúdo sem forma. Um programa socialista não pode ser veiculado por outros meios que não uma forma de funcionamento socialista, ou seja, radicalmente democrática. O socialismo não é apenas uma idéia, é também uma prática. A ideologia socialista, ou seja, a visão de mundo do ponto de vista da classe trabalhadora, não é uma crença religiosa que se projeta artificialmente como um dever-ser ideal contido numa série de “mandamentos” revolucionários. Ela precisa estar enraizada em práticas materiais e métodos de ação capazes de lhe dar concretude. Os próprios trabalhadores precisam aprender a exercer de forma consciente a auto-administração de todos os aspectos da sua vida. Esse aprendizado só pode se dar por meio da participação ativa dos trabalhadores na condução dos seus organismos de luta. Por isso a questão dos métodos democráticos de funcionamento constitui ela própria um problema de conteúdo político fundamental e inseparável dos demais elementos de um programa socialista para os organismos de luta.

A concepção de que a revolução é um processo que ultrapassa o momento da tomada do poder político e abrange outras dimensões da vida social nos coloca como tarefa o desenvolvimento da disputa ideológica junto os trabalhadores para elevar o seu grau de consciência e de organização. Quando se fala aqui de disputa ideológica não se trata apenas de uma doutrinação abstrata por meio da pregação de palavras de ordem supostamente socialistas. A disputa ideológica pelo socialismo precisa estar amparada numa prática democrática e na participação dos próprios trabalhadores. Do contrário, torna-se impossível distinguir o que diferencia uma organização dita socialista de qualquer outro partido da sociedade burguesa que se oferece como alternativa, mas que na prática atua apenas como mais um grupo em disputa pelo poder e pelos aparatos, por mais que grite aos quatro ventos os seus jargões e chavões “revolucionários”.

Somente através da forma adequada o conteúdo programático pode ganhar vida. E reciprocamente, somente um conteúdo programático adequado pode fazer com que uma determinada forma de funcionamento ganhe vida. Não basta que os organismos de luta da classe trabalhadora tenham um funcionamento democrático, é preciso que os próprios trabalhadores estejam aptos a participar dos processos democráticos de deliberação. A disputa em torno do método se torna vazia se não leva em consideração a questão fundamental da consciência. É preciso desenvolver a consciência dos trabalhadores para que percebam a necessidade de lutar para melhorar suas condições de vida, e ao entrar em luta, percebam a necessidade de que essa luta ultrapasse os limites da sociedade existente, e percebam a necessidade de construir os alicerces de uma sociedade socialista.

Não basta que os trabalhadores compareçam às assembléias, plenárias e reuniões das instâncias deliberativas como uma massa inerte sem iniciativa e senso crítico, apenas para referendar “democraticamente” as linhas políticas já traçadas pela direção. É preciso que os próprios trabalhadores tenham a capacidade criativa de propor e deliberar sobre a linha política a ser executada pelos dirigentes. É preciso desenvolver a educação política, teórica e cultural dos trabalhadores, para que sejam capazes de formular por si próprios as alternativas e discernir criticamente o sentido mais profundo das diversas propostas colocadas em discussão a respeito dos mais variados temas. A ruptura com a passividade e o conformismo característicos da sociedade burguesa em direção a uma postura ativa e questionadora deve ser cultivada tanto no interior do movimento como no cotidiano dos locais de trabalho, nas disputas mínimas com a patronal e o Estado. É preciso desenvolver a disputa ideológica pela construção da consciência socialista nesse sentido profundo, estrutural, pedagógico, formativo, superando a superficialidade das questões imediatas e preparando os trabalhadores para exercer de modo consciente a administração de sua vida.

A luta sindical, econômica, política, social, revolucionária, como dissemos acima, é uma tarefa do conjunto da classe. Isso não significa que todos os trabalhadores atingirão algum dia o mesmo nível de formação teórica ou a mesma compreensão de todas as questões. Significa que a tarefa das organizações socialistas é desenvolver ao máximo possível o grau de consciência e criar os canais democráticos para que essa consciência possa se expressar e se materializar em ações. A crítica do capitalismo, a denúncia da miséria da sociedade burguesa em suas diversas formas, a defesa do socialismo, a explicação de todos os problemas da vida social de um ponto de vista marxista, o desenvolvimento da teoria e do modo de pensar dialético; devem ser inseparáveis de um método de ação e de organização também socialista. O socialismo tem que ser visto como um projeto por meio do qual os trabalhadores poderão exercer eles próprios o poder político para se libertar da exploração econômica e adentrar num modo de vida em que a sua existência faça sentido.

Sem envolver essa dimensão da resolução existencial individual por meio da ação coletiva o socialismo não ganha a consciência dos indivíduos concretos que coletivamente compõem o proletariado revolucionário e não se transforma em força material capaz de lutar contra o capitalismo. A participação consciente e efetiva da classe é a única forma de fazer com que a conquista do poder político possa ser mantida contra a reação da burguesia nacional e internacional e possa resultar de fato na construção de uma sociedade socialista.

 

A REORGANIZAÇÃO E OS SINDICATOS NO BRASIL

 

Ao encarar a questão da relação entre a estratégia socialista e os sindicatos nessa perspectiva temos a chave para desenvolver uma crítica em profundidade que ultrapasse o nível superficial no qual a maioria das organizações costuma encarar a questão e em particular a forma rebaixada como está se dando o atual debate sobre a Reorganização.

Temos como ponto de partida a concepção de que a classe trabalhadora necessita de organismos de luta que sirvam tanto para o combate contra a sociedade burguesa como para serem os embriões dos mecanismos de auto-administração social numa sociedade socialista. Para cumprir tal papel esses organismos precisam ter um funcionamento democrático (capaz de incorporar as diversas organizações e militantes independentes e servir como referência para o conjunto da classe) e uma definição ideológica classista, ou seja, socialista. É de acordo com esse duplo parâmetro que se deve avaliar o estágio de desenvolvimento dos organismos de luta da classe. Esses organismos têm a  função histórica de servir como instrumento para a superação da sociedade burguesa e a construção do socialismo. Do ponto de vista desses parâmetros, as organizações sindicais no Brasil se encontram num estágio bastante problemático.

Os sindicatos são a primeira forma de organização da classe trabalhadora, aquela que se desenvolve da forma mais “espontânea” em qualquer sociedade capitalista e aquela que conta com o mais pronto reconhecimento dos trabalhadores. A função dos sindicatos é negociar os salários e as condições de trabalho, ou seja, o preço da força de trabalho a ser paga pelos capitalistas. Para cumprir esse papel, os sindicatos contam com o reconhecimento da própria burguesia. Aí está ao mesmo tempo a sua força e a sua fraqueza. Ao longo da história a classe trabalhadora conseguiu impor à burguesia a mediação dos sindicatos como instrumento de negociação por meio do qual se obteve a regulamentação dos salários e das condições de trabalho. As frações mais radicais da burguesia lutam permanentemente para erodir e remover o poder dos sindicatos, aos quais enxergam como obstáculos corporativos ao “livre mercado”. Os trabalhadores, por sua vez, precisam lutar através dos sindicatos para manter os poucos direitos conquistados. Por outro lado, ao serem reconhecidos pela burguesia, os sindicatos por sua vez também reconhecem e legitimam o sistema burguês do trabalho assalariado, limitando-se a negociar a exploração da força de trabalho em melhores condições.

A intervenção socialista nos sindicatos jamais pode deixar de levar em consideração essa sua condição intermediária inerentemente problemática. Ao não avançar para a negação do sistema do trabalho assalariado, os sindicatos terminam por ajudar a perpetuá-lo. Ao participar regularmente das negociações e fazer acordos com a patronal e o Estado em torno do preço e das condições da venda da força de trabalho, os sindicatos legitimam essa venda aos olhos dos trabalhadores.

A posição intermediária dos sindicatos propicia o espaço para o fenômeno da burocratização sindical e para a correspondente ideologia reformista. A burocracia sindical se constitui como um intermediário entre a classe trabalhadora e a burguesia, usurpando os instrumentos de luta da classe, exercendo a função de direção política e impedindo a auto-organização dos trabalhadores. Politicamente, a burocracia difunde o reformismo, ou seja, a crença de que é possível reformar o capitalismo e melhorar as condições de vida sem abolir o sistema.

No caso brasileiro a burocratização e o reformismo dos sindicatos se encontram em um grau tão profundo que atinge uma dimensão estrutural. Os sindicatos no Brasil são parte do aparato do Estado. Os sindicatos não se limitam a legitimar a sociedade burguesa e o trabalho assalariado ao participar de negociações com a patronal, eles foram expressamente concebidos e formatados para desempenhar precisamente essa função e mais nada além disso. A organização sindical e a legislação trabalhista são vistos como uma concessão do Estado e particularmente, de líderes políticos personalistas tidos como “pais dos pobres”, ao invés de serem encarados como conquistas dos trabalhadores obtidas por meio da luta. Mais além do reformismo, essa ideologia paternalista difunde entre os trabalhadores a atitude passiva de espera pelos benefícios que vêm de cima, por intermédio dos burocratas ou de políticos trabalhistas, e de renúncia à luta como método de ação.

 

SUPERAR OS LIMITES DA ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES NO BRASIL

 

Elencamos a seguir alguns dos principais limites políticos, metodológicos e ideológicos que impedem o desenvolvimento dos organismos de luta da classe trabalhadora brasileira em direção a uma estratégia socialista, bem como algumas breves indicações sobre como superar esses limites.

1. A questão da legalidade e da permissão estatal – No Brasil os sindicatos dependem de autorização do Estado para existir. É preciso ter uma carta do Ministério do Trabalho para que a entidade tenha a condição legal de representar os trabalhadores perante a patronal e o próprio Estado. Os sindicatos passam a ter como limite da sua atuação as negociações trabalhistas. O fato dos sindicatos não poderem se organizar autonomamente, segundo suas próprias concepções, para desenvolver o processo de educação política da classe em direção ao socialismo paralelo ao enfrentamento cotidiano das questões trabalhistas, é um obstáculo estrutural para a luta emancipatória dos trabalhadores no Brasil.

Isso não significa que defendemos a criação de sindicatos paralelos ou clandestinos. Defendemos o direito legal de organização, o fortalecimento dos sindicatos, a inviolabilidade dos mandatos, a estabilidade e a inamovibilidade dos dirigentes sindicais, dos membros das CIPAS, dos representantes por locais de trabalho, assim como todos os direitos trabalhistas contidos na lei e os direitos democráticos de modo geral, e lutamos pela sua ampliação.

A questão é que não se pode confundir o direito de organização conquistado ao Estado burguês e materializado em sua legislação com o processo de organização da classe tendo como horizonte histórico a luta contra o capital. Esse processo mais geral se manifesta em diversos níveis de organização, que vão desde os sindicatos legais até os partidos revolucionários clandestinos. Os partidos vão agrupar apenas uma vanguarda da classe, de modo que é preciso criar outros organismos de frente, dos quais façam parte sindicatos e centrais, em que o conjunto da classe possa se organizar, e que tenham como horizonte a luta pelo socialismo, não se limitando às funções prescritas pelo Estado burguês, embora se utilizando das prerrogativas e garantias legais.

2. O financiamento estatal – A luta pelo socialismo é uma luta pela destruição do Estado burguês e não pelo seu fortalecimento. Não basta por exemplo reivindicar a estatização de empresas privatizadas sem exigir que seja feita sob controle dos trabalhadores. A questão fundamental é qual a classe social que exerce o controle. Para que os trabalhadores exerçam o controle será preciso destruir a atual forma do Estado. Isso envolve inclusive destruir a atual forma de funcionamento dos sindicatos, o que exige lutar por uma atuonomia real e total dos organismos de luta em relação ao Estado.

Na sua atual forma, o atrelamento dos sindicatos ao Estado se materializa por meio do financiamento, pois os sindicatos no Brasil são mantidos por meio do Imposto Sindical, uma contribuição compulsória cobrada de todos os trabalhadores brasileiros, independentemente de serem sindicalizados ou não, equivalente a um dia de trabalho por ano. Com esse dinheiro é possível manter artificialmente a existência de um aparato burocrático de sindicatos, federações, confederações e centrais sem que essas entidades tenham qualquer papel político real enquanto organizações da classe, até mesmo no que se refere ao plano da luta econômica elementar.

Os sindicatos não precisam realizar nenhuma luta, nem sequer uma campanha salarial, para se manter funcionando e sustentando uma camada de parasitas burocratizados. Além do imposto sindical, os sindicatos e centrais recebem outras verbas por meio de convênios com o Estado e com as próprias empresas, como o FAT, que financiam uma estrutura assistencial dependente do Estado burguês e conformada aos seus limites políticos. A permissão legal e o financiamento estatal fazem dos sindicatos no Brasil uma parte do próprio aparato do Estado.

É preciso romper com essa barreira e construir organizações sindicais política e financeiramente autônomas, mantidas exclusivamente por meio da contribuição voluntária e consciente dos trabalhadores, em função do reconhecimento da sua representatividade. E esse reconhecimento deve se dar por conta do seu papel na organização das lutas da classe. Em relação às mensalidades dos sócios, a própria forma da arrecadação através do desconto em folha já coloca a entidade na dependência da colaboração com as empresas e bancos para receber financiamento.

A questão da independência político/financeira e do funcionamento burocrático dos organismos dos trabalhadores tem sido um calcanhar de Aquiles não apenas para o movimento sindical, mas também nos demais setores. O MST tem priorizado a busca de verbas do governo federal para que os assentamentos possam concorrer com o modelo de agricultura em vigor, ao invés de priorizar a luta contra o latifúndio e a ruptura do modelo do agronegócio. A UNE tem se financiado com a venda de carteirinhas de meia-entrada e outras formas de financiamento direto do Estado. Vários movimentos de combate à opressão racial ou de outros setores tem se convertido em ONGs financiadas pelo governo ou até por empresas, buscando a adaptação ao sistema ao invés do combate contra a realidade existente.

Em todos esses casos as bases do movimento se mantém afastadas da tomada de decisão e os dirigentes convertem o movimento em uma espécie de meio de vida. Isso revela a importância dramática da luta por formas democráticas e transparentes de funcionamento, em que as bases sejam o centro da tomada de decisões e exerçam o controle sobre os dirigentes.

3. Verticalidade e unicidade – Um dos instrumentos de controle sobre os sindicatos é a estrutura vertical (vinculação a federações, confederações e centrais) e a unicidade sindical (proibição de mais de um sindicato da mesma categoria na base de um município). Essa estrutura cria uma cadeia hierárquica vertical em que o centro das decisões passa a estar situado nas entidades superestruturais e deslocado da base. Além disso, o funcionamento verticalizado das centrais impede a autonomia das regionais. As subseções das centrais nos Estados e regiões limitam-se a reproduzir as campanhas e atividades propostas pela direção nacional, sem iniciativa para desenvolver atividades próprias.

Defendemos a unidade da classe e de seus organismos. Mas a unidade não pode ser imposta por determinações do Estado, pois deve ser fruto de uma decisão consciente dos trabalhadores. A formação de sindicatos, assim como a sua filiação a federações, confederações e centrais, deve ser uma decisão política autônoma da base das categorias.

4. Economicismo e corporativismo – A forma de organização centralizada por categoria (de acordo com o projeto do chamado “sindicato orgânico”) funciona de modo a manter a luta restrita aos limites corporativos de determinado segmento profissional. Os sindicatos organizam a luta pelas questões específicas das categorias e não desenvolvem lutas políticas mais gerais que contemplem os interesses do conjunto da classe. O calendário de atividades dos sindicatos se centraliza pelas campanhas salariais, de acordo com a data-base das categorias. Os sindicatos mobilizam os trabalhadores para as reivindicações econômicas, mas como uma simples massa de manobra, que deve comparecer nas assembléias e eventualmente paralisar a produção. Encerrada a campanha e assinados os acordos, os trabalhadores voltam à rotina. Desse modo, os sindicatos se abstém de fazer a mobilização permanente, perpetuando o economicismo e negligenciando a educação política e ideológica dos trabalhadores.

Além disso, os calendários das diversas categorias seguem datas separadas, de modo que não se forma a unidade concreta da classe a partir da mobilização simultânea das várias categorias em luta. A unidade classista em torno da luta contra a patronal e o Estado nunca se materializa, já que não se seguem calendários unificados, atos e passeatas unitários, greves de solidariedade e greves gerais. Os trabalhadores não são educados para participar de piquetes de outras categorias, apoiar lutas de outros segmentos do movimento social (sem-terra, sem-teto, favelados, etc.), participar de campanhas políticas gerais, entre outras medidas que permitem desenvolver a identidade de classe.

Muitas vezes existem subdivisões dentro da própria categoria, nas situações em que há trabalhadores de uma mesma empresa representados por sindicatos diferentes, já que não são considerados como pertencentes ao mesmo ramo profissional. Esse processo se aprofundou com as terceirizações e a precarização geral do trabalho. Os sindicatos se abstém de organizar os terceirizados, contratados, temporários, trabalhadores de segmentos considerados “subalternos”, como serviços de limpeza, copa, telefonia, etc. Esse setor é altamente explorado e vítima constante de fraudes das empresas subcontratadoras, ao mesmo tempo em que as empresas contratantes podem ostentar uma fachada de “responsabilidade sócio-ambiental”.

5. Conciliação de classe – O corporativismo e o economicismo, bem como a participação em convênios com o Estado, são expressões de uma atividade sindical pautada na conciliação de classe. As entidades sindicais abriram mão da defesa de uma alternativa política e social de conteúdo classista e socialista, assumindo abertamente a defesa da permanência da sociedade burguesa. O sistema capitalista é concebido como horizonte definitivo de organização da vida social. Nessa concepção, cabe aos sindicatos colaborar com a patronal e o Estado na gestão da economia. Os sindicatos assumem o discurso da patronal de que as empresas precisam cortar custos para voltar a ter lucro e assim manter empregos e colaborar com “o bem comum”. Em nome desse discurso, entidades sindicais assinam acordos que legitimam, demissões, redução de salários, corte de direitos, precarização das condições de trabalho, banco de horas, etc. É essa concepção que legitima a estratégia do “sindicato cidadão”, em que os trabalhadores são educados para buscar melhorias no interior da ordem existente, ao invés de lutar pela abolição dessa ordem.

Os sindicatos desempenham assim o papel de disciplinar os trabalhadores, legitimar a exploração e impedir o desenvolvimento de lutas e ações diretas que questionem a ordem do capital e a propriedade privada. Tornam-se a primeira fileira do aparato repressivo do capital. A função de repressão e conciliação de classe se expressa também na opção pela via da negociação e da judicialização dos conflitos trabalhistas. Ao empregar essa via, os sindicatos pelegos conseguem conter as mobilizações e colocam os trabalhadores numa posição passiva, à espera de que os dirigentes sindicais ou o Estado, através da justiça trabalhista, resolvam seus problemas.

6. Organização de base – O sindicalismo brasileiro se caracteriza ainda pela falta de efetividade das organizações por local de trabalho, como as comissões de empresa,  CIPAs, corpos de delegados sindicais e representantes de base. A atividade sindical é desenvolvida como algo que emana da cúpula dirigente das entidades sindicais, ao invés de se construir na mobilização a partir da base. Os dirigentes atuam de forma exterior, de cima para baixo, de maneira descolada da realidade do “chão de fábrica”. O sindicato comparece em época de campanha salarial com carro de som ou panfletos na porta das empresas, como um “corpo estranho”, sem identidade com os trabalhadores e alienado do seu cotidiano.

Quando os trabalhadores atendem ao chamado dos sindicatos, comparecendo às assembléias e paralisando a produção, também agem de forma passiva, pois não lhes são dadas condições de interferir na condução da luta desenvolvida em seu nome. Funcionam apenas como massa de pressão usada pelas entidades sindicais para encenar uma ameaça à patronal e ao Estado. Os representantes de base não têm voz ativa no interior do sindicato, não se reúnem com regularidade, não tem caráter deliberativo. Da mesma forma, o comando de mobilização e de greve e os representantes nas mesas de negociação com a patronal e o Estado são compostos por elementos “biônicos”, indicados pela direção das entidades sindicais, sem a possibilidade de que trabalhadores de base participem. Para completar esse quadro, as assembléias são burocráticas, conduzidas por uma mesa também “biônica”, na qual apenas os dirigentes usam o microfone. O mesmo acontece em relação à imprensa sindical, em que não há espaço para a manifestação da base.

7. Burocratização – A atuação superestrutural do sindicalismo brasileiro tem relação direta com a burocratização das entidades. Os dirigentes sindicais e seus grupos e partidos políticos se comportam como donos das entidades sindicais. Apropriam-se dos seus recursos financeiros, cerceiam a participação da base, conduzem autoritariamente as campanhas salariais e demais atividades, impedem a atividade das oposições sindicais, denunciam militantes de oposição à patronal para serem demitidos, perpetuam-se por vários mandatos seguidos na direção, habituam-se aos privilégios materiais e ao status de direção (jetons, ajuda de custo, carro, celular, liberação sindical, horário flexível, oportunidades de formação intelectual e cultural, etc.).

Um exemplo clássico e acabado de burocratização está no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (em cuja diretoria há integrantes da Intersindical). O controle da Articulação/PT sobre o sindicato já dura três décadas e lhe permitiu transformar um organismo de luta dos trabalhadores em um verdadeiro conglomerado empresarial, com ramificações como a Bangraf (parque gráfico com capacidade industrial equivalente ao de um jornal de grande porte, usado para imprimir materiais do PT e da CUT usados no país inteiro); a Bancredi (cooperativa de crédito que faz empréstimos para bancários, o que representa no mínimo um seríssimo conflito de interesse para uma instituição que deveria ter como finalidade lutar por aumento de salários); e a Bancoop (cooperativa habitacional envolvida em escândalo policial pela não entrega de imóveis pagos pelos cooperados e desvio de dinheiro para campanhas eleitorais do PT).

Para completar, a Articulação usa ainda sua prerrogativa de controlar as instituições de representação dos trabalhadores para galgar postos de direção nos fundos de pensão dos trabalhadores de bancos públicos (Previ, Funcef), o que lhe granjeia cargos nos conselhos de administração das empresas em que os fundos tem participação acionária, entre as quais algumas das maiores empresas brasileiras (Vale, Embraer). Os dirigentes sindicais apartam-se assim da base dos trabalhadores e passam a viver em outra condição social, que tem como fundamento o seu papel de intermediários entre o proletariado e a burguesia. Esses representantes assumem desse modo o discurso e a prática de burgueses, atuando de acordo com a lógica empresarial e incorporando os interesses da classe social oposta. As empresas citadas realizaram demissões em massa na atual crise, com o aval de representantes dos trabalhadores, convertidos em gestores auxiliares dos interesses da burguesia.

A burocratização das entidades sindicais e demais organismos dos trabalhadores não é (apenas) o resultado de falhas de caráter e problemas morais. A burocratização é um processo social objetivo e precisa ser combatido objetivamente, por meio de medidas políticas. A principal medida política contra a burocratização é insistir na formação dos trabalhadores e da vanguarda para que aumentem a sua participação, influindo de fato na condução dos seus organismos de luta. A participação massiva dos trabalhadores mantém os vínculos entre a base e as entidades, impedindo a criação de uma camada de dirigentes burocratizados, distanciados da realidade do trabalhador e acomodados em uma condição social diferenciada e artificial. Além disso, é preciso dotar as entidades de instrumentos concretos que combatam de fato a burocratização, tais como:

– Todas as decisões políticas importantes devem ser tomadas em fóruns amplos, retirando dos órgãos de coordenação/direção o poder de decidir tudo;

– Limitar a reeleição dos diretores sindicais a apenas uma vez;

– Que a cada eleição seja renovada pelo menos metade dos membros dos órgãos dirigentes;

– Mandatos revogáveis por assembléia;

– Que as assembléias de base discutam e decidam se deverá ou não haver liberação de diretores para as atividades sindicais e quem deve ser liberado;

– O salário de um diretor liberado não pode ser superior àquele que recebia e deve existir rodízio com prazo determinado para retorno ao trabalho;

– Controle rígido sobre o cumprimento do horário e das tarefas assumidas, de forma que o liberado cumpra, no mínimo, o mesmo que antes da liberação;

– Controle da base sobre as finanças, envolvendo prestação de contas em assembléias, bem como a decisão coletiva dos gastos futuros;

– Que a contratação e demissão dos funcionários das entidades sejam decididas nas assembléias;

– Conselhos de delegados sindicais e representantes de base, com reuniões regulares e caráter deliberativo;

– Garantia de espaço na imprensa sindical para expressão de todas as correntes que impulsionam a construção do movimento;

– Assembléias democráticas, com eleição da mesa e votação da pauta;

8. Reformismo – A separação entre a luta econômica, restrita aos sindicatos, e a luta política, restrita aos partidos, é uma armadilha para conter a luta de classes no interior dos marcos da democracia burguesa, impedindo os sindicatos de desempenhar um papel político mais amplo e ao mesmo tempo domesticando os partidos para a disputa puramente eleitoral. De um lado os sindicatos se limitam a uma luta economicista pelas questões trabalhistas. De outro os partidos se limitam a disputar eleições para supostamente melhorar a vida dos trabalhadores por meio de reformas legislativas. Desse modo, as organizações políticas e econômicas dos trabalhadores ficam presas aos limites das instituições da ordem capitalista.

Mesmo em seus momentos de maior ascenso, como no pré-1964 e na virada da década de 1970 para 1980, o sindicalismo brasileiro não conseguiu romper com o seguidismo político da classe trabalhadora. O proletariado brasileiro não se apresentou como ator político independente dotado de um projeto político próprio e de uma alternativa social classista e socialista. As entidades sindicais limitaram-se a combater a ditadura e as forças políticas de direita e apoiar eleitoralmente partidos supostamente comprometidos com os interesses da classe trabalhadora. Jamais se transformaram em protagonistas políticos capazes de se apresentar elas próprias como alternativa de poder.

9. Disputa ideológica – Para que possamos falar em uma Reorganização de fato, as correntes e entidades combativas do movimento operário brasileiro têm a tarefa de não apenas construir uma entidade que materialize sua unidade orgânica para as lutas, mas de formular um projeto que se apresente como alternativa ideológica da classe. Não basta formar chapas capazes de vencer eleições sindicais e arrebatar o maior número de sindicatos da burocracia. É preciso que essa retomada dos sindicatos para a luta se baseie num processo de participação dos trabalhadores e de elevação da sua consciência.

É preciso disputar ideologicamente a consciência dos trabalhadores não apenas para que votem em chapas combativas nas eleições sindicais, mas para que se incorporem à atividade sindical e ao processo mais geral da luta de classes. É preciso pois que essa luta sindical seja dotada de um horizonte político de enfrentamento com o capital. No contexto de crise estrutural do capital, que debatemos brevemente no ponto de conjuntura internacional, as reformas e melhorias parciais nas condições de vida dos trabalhadores tendem a ser revertidas rapidamente devido à necessidade crucial da burguesia de retomar sua taxa de lucro. Assim, a única perspectiva de sucesso das lutas está na transformação da resistência aos ataques do capital numa ofensiva contra a ordem estabelecida.

Trata-se portanto de uma disputa ideológica que precisa ganhar a consciência dos trabalhadores, hoje dominada pela ideologia burguesa, para a luta pelo socialismo. Travar essa disputa de consciência significa nadar contra a corrente do senso comum e do atraso em que vive a esmagadora maioria dos trabalhadores. A ideologia burguesa conta com a adesão espontânea dos trabalhadores, seduzidos pelo discurso do suposto sucesso do capitalismo. Os valores do individualismo, da competição, do egoísmo, do consumismo, do imediatismo, são reforçados continuamente pelo discurso do cinema, da televisão, dos jornais, dos políticos, da escola, e até das igrejas (vide a “teologia da prosperidade”). A apologia do capitalismo perpassa todas as esferas da cultura. É preciso lutar contra essa ideologia apresentando o socialismo como alternativa de organização social capaz de reorientar a produção material para atender as necessidade humanas e também remediar a barbárie social, ambiental, cultural e moral em todas as suas dimensões.

10. Formação – A disputa ideológica requer também uma disputa teórica. A formação dos dirigentes sindicais, dos militantes e dos próprios trabalhadores também precisa ser desenvolvida internamente, dentro das próprias entidades sindicais, sem o recurso a institutos e aparatos exteriores. As atividades de formação não opodem ser terceirizadas para institutos e outras entidades extrnas. Eventuais palestrantes trazidos para falar sobre determinado tema devem ser remunerados por meio de ajuda de custo e não contratados numa forma de assalariamento. Além disso, a formação sindical deve ir além de palestras do tipo acadêmico, em que um orador fala e os trabalhadores permanecem passivos. E também os temas tratados devem ir além das questões imediatas, como CIPA, condições de trabalho, legislação trabalhista, etc., que são importantes, mas não dispensam uma formação de caráter mais ideológico e político.

É preciso superar a concepção das atividades de formação apenas como uma série de cursos que não se relacionam com o restante da atividade sindical e do dia a dia do trabalhador. O próprio desenvolvimento das lutas deve ser visto como um meio de formar novos dirigentes e de educar os trabalhadores em geral, para que desempenhem um papel mais ativo. A formação deve ser um processo permanente, em conexão com a atividade política e a disputa ideológico-cultural.

Existem sindicatos que chegam ao ponto de oferecer cursos de aprimoramento profissional, economizando investimento da burguesia e do Estado na formação da mão de obra, colaborando para aumentar o lucro das empresas. Ao invés de oferecer cursos sobre a história do movimento operário, as idéias que orientaram a luta dos trabalhadores, o marxismo, etc., os sindicatos reproduzem a ideologia burguesa entre os trabalhadores.

A formação intelectual é também um dos “privilégios” a que têm acesso os dirigentes sindicais no uso do “tempo livre” que a condição de licenciado do trabalho lhes proporciona. Esses dirigentes se aproveitam dessa condição não para desempenhar melhor o seu papel como liderança dos trabalhadores, mas para ter mais recursos no debate político interno ao sindicato e no controle sobre o aparato. Estudam para adquirir autoridade através do status de “especialista”, perpetuando uma lógica tecnocrática.

Também nesse campo os sindicatos reformistas e burocratizados reproduzem a lógica da sociedade burguesa, mantendo uma separação entre trabalho intelectual e trabalho braçal, entre dirigentes e dirigidos, os que pensam e os que executam. Ao contrário disso, os sindicatos devem ser um instrumento para elevar a consciência e a organização dos trabalhadores, através de cursos, seminários, palestras, atividades culturais abertas a todos. A elevação do nível cultural geral, do grau de consciência e da capacidade política são pré-requisitos para que os trabalhadores assumam o controle sobre sua própria luta, ou em outras palavras, para que a emancipação dos trabalhadores seja obra dos próprios trabalhadores.

11. Opressão – A disputa ideológica contra o capital não é completa sem a luta contra o racismo, o machismo a homofobia e todas as formas de opressão. O capitalismo cria segmentações e divisões artificiais entre a classe trabalhadora para fomentar a rivalidade e a disputa entre os diversos setores do proletariado pelas vagas cada vez mas escassas no mercado de trabalho num contexto de expansão do desemprego tecnológico estrutural e de formação de um exército industrial de desempregados permanentes. A segmentação da classe em guetos definidos por etnia, religião, língua, imigração, etc., é mais um obstáculo para a ação conjunta do proletariado. Para incorporar as mais amplas camadas do proletariado ao processo de Reorganização, é preciso ultrapassar a costumeira prática de isolar as questões relativas a raça, gênero e orientação sexual em um plano secundário, sob a inadequada rubrica de “temas específicos”, e destinar a cada uma um “guichê” no qual deve debater “seus” assuntos.

Usualmente, destina-se aos movimentos que lutam por melhorias na condição da mulher, aos que lutam contra o racismo, e aos que lutam pela dignidade de todas as manifestações da sexualidade um departamento isolado e situa-se o conjunto desses departamentos num nível inferior ao das questões gerais. Forma-se o departamento das mulheres, o dos negros, o GLBT, etc., de uma maneira formal e artificial, pois não incorpora as bandeiras e demandas desses setores como eixos centrais de luta e como parte da mesma luta, que é a libertação dos homens e mulheres do domínio do capital. As lutas específicas não apenas são isoladas da luta geral, como são em seu conjunto empurradas para escanteio como “a questão das minorias”. Passam a formar apenas um apêndice no programa das organizações, um capítulo a mais que se incorpora burocraticamente porque consta no “manual” do que é “politicamente correto”, mas que não se incorpora concretamente. Sem falar no aspecto de que em relação à população brasileira, chamar as mulheres ou os negros de “minorias” equivale a um grosseiro equívoco numérico.

O PAPEL DAS OPOSIÇÕES

 

Dessa análise acerca do atual estado de comprometimento do movimento sindical é possível extrair a conclusão de que os sindicatos estão definitivamente perdidos para a luta dos trabalhadores no Brasil. Entretanto, essa conclusão estaria equivocada, e não seria preciso sequer evocar as advertências dos clássicos do marxismo revolucionário a respeito da necessidade de retomar os sindicatos para a luta para evidenciar esse equívoco. Basta verificar na realidade concreta o fato de que não surgiram formas alternativas de auto-organização da classe capazes de substituir os sindicatos. Os trabalhadores que se desencantam com os sindicatos e se afastam do movimento por conta das traições da burocracia e das derrotas não estão indo construir outros instrumentos, estão indo para casa e abandonando a luta.

Não podemos nos limitar a negar os sindicatos devido ao seu atrelamento ao Estado, à existência de direções burocráticas e à hegemonia da ideologia reformista. Para além da negação, é preciso afirmar algo novo que possa ser colocado no lugar daquilo que já não serve. Esse algo novo não pode ser uma simples pregação abstrata em torno da palavra de ordem de “romper com a estrutura existente”. A novidade não pode ser uma elaboração idealista de um projeto que não tem nenhuma base de apoio no mundo real. O ponto de apoio para a renovação das formas de organização da classe tem que estar enraizado em algum elemento concreto da realidade atualmente existente.

Esse elemento são as oposições sindicais. As oposições podem ser o ponto de apoio a partir do qual se renovarão as formas de organização da classe, em direção à retomada da sua função histórica de instrumentos para a luta contra o capital. Estamos aqui falando das oposições não como simples chapas para eleições sindicais visando retomar administrativamente a direção das entidades. Entendemos as oposições como um movimento mais amplo que tenha como objetivo retomar ideologicamente a direção da classe. A tarefa desse movimento é desenvolver o trabalho que os sindicatos não tem desenvolvido de organização e elevação da consciência da classe. A retomada dos sindicatos é um meio e não um fim em si. O fortalecimento do movimento deve criar condições para que cada segmento da classe seja capaz de organizar sua luta cotidiana contra a burguesia mesmo com o obstáculo das direções burocráticas, passando por cima dessas direções, até que possam ser substituídas por direções combativas formadas no próprio curso da luta.

 

OS PARTIDOS, OS SINDICATOS E O MOVIMENTO

 

Um movimento de oposição com essas características teria condições de restituir os sindicatos ao seu devido lugar, ou seja, o de instrumento de luta dos trabalhadores no interior da sociedade burguesa. A luta sindical legal e jurídica no interior da sociedade burguesa é necessária, mas o movimento precisa ir além dela. A força das entidades sindicais não pode estar no seu reconhecimento pelo Estado e pela patronal, mas no movimento que lhe dá respaldo. Os sindicatos devem ser concebidos como o instrumento legal de um movimento que vai além da disputa econômica com a burguesia e almeja a destruição do seu poder político e social.

Tradicionalmente, a tarefa da luta política contra a burguesia e o Estado é tida como uma prerrogativa exclusiva dos partidos e organizações revolucionárias. Entretanto, o resgate das experiências históricas do movimento socialista nos mostrará que a ação dos partidos e organizações revolucionárias, conquanto seja necessária e mesmo vital para qualquer luta bem-sucedida, é insuficiente e incompleta sem as iniciativas de auto-organização dos trabalhadores. Exemplos como a Comuna de Paris de 1871 e os soviets da Revolução Russa estão aí para demostrar esse ponto.

É preciso discernir assim três esferas de ação, a dos partidos e organizações revolucionárias, a dos organismos de luta da classe (conselhos, soviets, comunas, assembléias populares, etc.) e a dos seus instrumentos legais, como os sindicatos. Cada uma dessas esferas têm um papel específico e complementar no processo da luta pela emancipação da classe. É preciso levar em consideração essas diferenças e também as relações recíprocas entre essas esferas.

Os partidos e organizações revolucionárias têm a tarefa de traçar a linha política de ação e levar as propostas aos trabalhadores, lutando para desenvolver a consciência socialista do conjunto da classe. Os sindicatos têm a tarefa de desenvolver a luta legal no interior da sociedade burguesa. Entre uma esfera e outra se encontra um nível de organização que é o movimento político dos trabalhadores, do qual as entidades sindicais fazem parte e no qual os partidos e organizações intervém. Essas três esferas possuem suas instâncias próprias de decisão, cuja autonomia deve ser respeitada.

Usualmente, a tarefa de fazer a articulação entre as oposições e os sindicatos ou demais entidades do movimento é atribuída às centrais sindicais. Entretanto, o recente reconhecimento legal das centrais sindicais pelo governo Lula se deu numa lógica de atrelamento dessas entidades à mesma estrutura sindical estatizada existente. As centrais foram reconhecidas tão somente para terem acesso a uma fatia das verbas do imposto sindical e acomodarem burocraticamente mais uma camada de dirigentes.

A Reorganização da classe trabalhadora não pode ser pensada como tendo por finalidade apenas construir mais uma central como as outras. Essa nova central não pode ser apenas mais um logotipo para adornar as chapas das eleições sindicais. O seu objetivo deve ser construir-se junto à base dos trabalhadores, nas suas lutas cotidianas, através da elevação da sua consciência. A formação de chapas para as eleições sindicais deve ser uma questão tática referente à situação de cada categoria e não um fim em si mesmo. Mais do que construir uma nova entidade colecionando sindicatos, a Reorganização deve servir para reconstruir práticas, programas, métodos e concepções de luta, que rompam com os vícios seculares das organizações dos trabalhadores brasileiros.

Isso não significa negar-se a participar das eleições sindicais, mas desenvolver essa participação a partir de critérios políticos e objetivos estratégicos muito bem determinados. A disputa das eleições sindicais deve ser parte do processo de disputa ideológica, servindo para organizar os ativistas, trazê-los para o movimento, divulgar um programa de luta, e não para ganhar as entidades a qualquer preço. Da mesma forma, a intervenção nas campanhas salariais e demais atividades sindicais deve servir para difundir o exercício de métodos democráticos e anti-burocráticos de atuação. Na realidade, entre uma eleição e outra, entre uma campanha e outra, a oposição precisa ter vida orgânica e atividade permanente para manter o diálogo com os trabalhadores em torno das suas demandas e da melhor forma de atingí-las. A construção das oposições como uma referência de organização deve ser um projeto de longo prazo, que dê respostas para as questões imediatas, mas que tenha como foco as questões estruturais da classe.

Também não constitui uma questão de princípio determinar se a nova entidade ou central que porventura surgir do processo de Reorganização terá ou não a condição de uma central sindical legalizada, com a condição de que essa entidade e aquelas a ela afiliadas não dependam de financiamento estatal e patronal. Ressalvada essa questão da independência financeira, o fundamental é que essa nova entidade a ser construída como produto da Reorganização veja a si mesma como instrumento a serviço de um movimento político dos trabalhadores, de caráter classista, combativo e socialista, em oposição aberta contra a sociedade burguesa e dedicado à construção do socialismo.

 

POR UMA NOVA CONCEPÇÃO DE MOVIMENTO

 

A Reorganização deve ser concebida como construção de um Movimento Político dos Trabalhadores, que seja um fórum permanente de organização da classe, que vá além da esfera sindical ou eleitoral e desenvolva a disputa política e ideológica pela consciência da classe, apresentando uma resposta socialista para a crise em que vivemos e suas múltiplas dimensões. Esse Movimento inclui a atividade sindical e eleitoral, mas não como um simples arranjo na formação de chapas, e sim como espaço para a discussão de programas e expressão da auto-organização da classe e suas lutas, a partir das quais se constroem candidaturas.

A tarefa desse Movimento é dotar a classe de uma alternativa política classista, socialista, independente do Estado e funcionando com base na democracia operária, sem espaço para a burocratização e o aparatismo. Esse Movimento seria o motor da disputa ideológica pelo socialismo, entendida como disputa permantente pela consciência dos trabalhadores contra o domínio da ideologia burguesa, do reformismo e de diversas formas de atraso e senso comum que obstruem o avanço da luta pelo socialismo.

Trata-se portanto de uma proposta que inclui a disputa das entidades atualmente existentes, mas vai além dessa disputa. O fato de ser necessário construir movimentos de oposição contra a atual direção das entidades sindicais não significa uma negação dessas entidades. Trata-se de uma tática para romper o imobilismo político imposto à classe pelas direções burocráticas que usurparam essas entidades. As oposições são necessárias apenas porque os sindicatos deixaram de cumprir suas tarefas políticas históricas no sentido da organização da classe. As oposições precisam cumprir essas tarefas, não apenas para se credenciar como alternativa de direção, mas para que, ao assumir a direção, possam fazê-lo com o respaldo da base e de fato transformar os sindicatos em espaços de organização real dos trabalhadores e instrumentos de uma luta mais ampla.

Sob esse aspecto, as tarefas das direções sindicais combativas e das oposições classistas são as mesmas. Essas tarefas dizem respeito não apenas às entidades e oposições sindicais, mas a qualquer tipo de organismo de luta dos trabalhadores, sejam eles estudantis, populares, camponeses, de minorias, etc. As práticas democráticas e a disputa ideológica pelo socialismo precisam ser resgatadas e aplicadas em todos os organismos da classe.

Podemos sintetizar o conjunto dessas tarefas num programa para as entidades e oposições envolvidas no processo de Reorganização, que possa servir como um eixo de atividade e de convergência política para todos os setores do movimento:

1 – Pela construção de um Movimento Político dos Trabalhadores com um conteúdo classista, combativo e socialista, que se coloque contra a sociedade burguesa e seu Estado.

2 – Pela construção das oposições para a retomada das entidades e organismos da classe.

3 – Pela defesa do direito de organização e todos os demais direitos sindicais e trabalhistas.

4 – Pela autonomia política e organizativa das entidades.

5 – Pela independência financeira dos organismos de luta dos trabalhadores.

6 – Pelo fortalecimento das organizações de base e por local de trabalho, com funcionamento regular e caráter deliberativo.

7 – Pela unidade da classe trabalhadora e contra o corporativismo.

8 – Pela incorporação das demandas dos negros, mulheres e demais setores oprimidos à atividade regular das entidades e o apoio às suas demandas.

9 – Contra a participação em convênios e pactos com a patronal e o Estado.

10 – Pela ação direta como método preferencial de luta, contra a ênfase nas negociações e a judicialização dos conflitos.

11 – Pelo funcionamento regular e democrático das entidades e oposições, com reuniões periódicas, calendário permanente de atividades, presença constante junto à base, publicações regulares, canais de comunicação, liberdade de expressão, etc.

12 – Pelo combate à burocratização das entidades, com o fim dos privilégios e o controle da base sobre os dirigentes.

13 – Pela transparência na gestão dos recursos das entidades, com prestação de contas regulares.

14 – Pelo avanço da formação teórica e política, com cursos, seminários, palestras, atividades culturais, etc., de modo a superar a separação entre trabalho intelectual e trabalho braçal no interior das entidades e combater a influência da ideologia burguesa junto à classe.

15 – Pela defesa do socialismo como única alternativa de organização da sociedade capaz de superar a miséria e a barbárie do capitalismo e reorganizar em bases racionais a produção e o conjunto das relações sociais.

 

POR UM PROGRAMA PARA A LUTA

 

Como disse Trotsky referindo-se à epoca imperialista, o programa de transição, que contém palavras de ordem capazes de fazer a ligação entre as tarefas imediatas e democráticas e a luta pelo socialismo, “não é apenas um programa para a atividade do partido, mas, em traços gerais, é o programa para a atividade dos sindicatos.” (Escritos sobre os sindicatos). Os socialistas revolucionários devem lutar para desenvolver a consciência socialista a partir de lutas imediatas, fazendo com que os sindicatos se mobilizem por reivindicações que tenham como horizonte o questionamento do capital e seu Estado.

O processo de Reorganização da classe trabalhadora brasileira deve apresentar também um programa que sintetize as principais necessidades da classe, levando-a a mobilizar-se por bandeiras de luta que somente serão possíveis por meio da transformação da sociedade e da construção do socialismo. Apresentamos para isso as seguintes propostas de programa:

– Não às demissões! Estabilidade no emprego e readmissão dos demitidos!

– Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!

– Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias!

– Contra a nova reforma da Previdência do governo Lula!

– Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos, fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho!

– Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!

– Reestatização da Embraer, da Vale e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores!

– Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores!

– Estatização sob controle dos trabalhadores e sem indenização de todas as empresas que demitirem, se transferirem ou ameaçarem fechar!

– Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!

– Cotas proporcionais para negros nas universidades, escolas técnicas, concursos públicos, empregos gerados pelo Estado ou por empresas privadas, planos de moradia, e outras políticas afirmativas radicais, como forma de impulsionar a luta contra o racismo e contra a desigualdade racial, em combinação com a luta do conjunto da classe trabalhadora contra a exploração e o domínio do capital.

– Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!

– Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Fim do latifúndio e do agronegócio! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!

– Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!

– Por uma sociedade socialista!

 

LUTA PERMANENTE PELA UNIDADE

 

Independentemente da formação ou não de uma nova central que materialize a unidade orgânica de todos os setores combativos, é uma tarefa da vanguarda organizada dos trabalhadores desenvolver ações unitárias de enfrentamento contra os ataques da patronal e do governo decorrentes da crise. Os esforços de diálogo desenvolvidos no debate da Reorganização devem servir como base para a continuidade das ações políticas unitárias dos setores empenhados no processo. O fórum que reuniu as correntes e entidades combativas dos trabalhadores neste Seminário sobre a Reorganização deve manter algum tipo de continuidade, de forma que os ativistas e militantes possam viabilizar uma atuaçao unificada.

Essa continuidade pode se dar por meio de organizações de base, como o Comitê de Luta Contra o Desemprego e a Exploração Capitalista que foi constituído no ABC em 2009, ou de outros tipos de organização, convergindo para novos encontros regionais, estaduais e nacionais em que se mantenha a perspectiva da construção de uma resposta dos trabalhadores contra a crise. Mesmo porque, os ataques da burguesia e da patronal vão continuar unificados, e não nos deixarão outra alternativa que não a luta unitária.

 

Espaço Socialista