Mais Médicos são “20 centavos”: queremos mais saúde, mais serviços públicos de qualidade e menos dívida!
21 de setembro de 2013
Pagar a dívida é retirar da saúde
O programa “Mais Médicos”, do governo federal, que traz médicos estrangeiros, em boa parte cubanos, para atuar em regiões do país em que faltam profissionais de saúde, tem suscitado reações apaixonadas, contra e a favor. De um lado, há um setor que defende o programa por conta do benefício que fará a populações que nunca receberam atendimento médico ou, no máximo, tiveram atendimento precário. De outro, há o setor que se coloca contra o programa, por vários motivos, a maior parte dos quais muito problemáticos, conforme veremos a seguir. Mas entre os que são contra o programa, há pelo menos um argumento que parece razoável, que precisa ser debatido, o fato de que o programa representa uma forma de precarização do trabalho dos médicos, empregando profissionais em condições muito inferiores de trabalho e remuneração.
Ambas as posições, tanto contra como a favor, consideram apenas o programa em si, sem situá-lo no contexto da situação política nacional e da luta pelos serviços públicos desencadeada pelas manifestações de junho. É preciso fazer uma crítica classista, ou seja, a partir das necessidades dos trabalhadores.
Os manifestantes começaram exigindo a revogação do aumento das passagens, mas acabaram expressando várias reivindicações, como melhorias na saúde e na educação. O tamanho das manifestações e a abrangência dos temas obrigaram os governantes a tomar medidas que a princípio não cogitavam, como a retirada da PEC 37 e da “cura gay”.
O aumento das passagens foi revogado e na área da saúde, o governo federal anunciou o programa Mais Médicos. Mas assim como a revogação do aumento das passagens não resolveu os problemas da mobilidade urbana (continua faltando transporte público, os ônibus, trens e metrôs seguem caros, lotados, lentos e atrasados, o trânsito segue caótico, etc), a contratação de mais médicos não resolve o problema da saúde. Longe disso, pois além de trazer uma quantidade maior de médicos, seria preciso garantir-lhes condições de trabalho para melhor atender a população, começando pelos salários, mas também investindo pesadamente em equipamentos, remédios, hospitais, ambulâncias, paramédicos, enfermeiros, etc. Para aumentar esse investimento, seria preciso multiplicar várias vezes os gastos com a saúde (hoje em míseros 4,17% do orçamento). E, para isso, assim como para os investimentos necessários em educação, transporte, moradia, etc., seria preciso romper com a prioridade do governo federal, o pagamento da dívida pública (uma dívida fraudulenta, já paga várias vezes), que consome absurdos 43,98% do orçamento público, ou cerca de R$ 898 bilhões este ano (dados da Auditoria Cidadã – http://www.auditoriacidada.org.br/).
Além da dívida, o orçamento público é direcionado para várias outras formas de ajuda aos capitalistas, como obras de infraestrutura, empréstimos a juros subsidiados, isenções fiscais, etc. Ou seja, para termos os serviços públicos de qualidade, precisamos questionar o conjunto dos gastos públicos. Essa era a questão central, que poderia ter dado um direcionamento capaz de apontar para a solução dos diversos problemas levantados pelos movimentos de junho, mas que não foi discutida em tempo pelos diversos movimentos de maneira a que pudessem ser vitoriosos. E vez disso, as “soluções” dadas pelos governos, como revogar o aumento das passagens e agora contratar mais médicos são apenas paliativos. São apenas 20 centavos!
O programa “Mais médicos” não resolve os problemas da saúde e da falta de investimentos
O programa Mais Médicos é uma versão reciclada dos programas sociais adotados pelo chavismo na Venezuela, responsáveis pelas seguidas vitórias eleitorais de Hugo Chávez e seus partidários. O chavismo não praticou nenhuma ruptura importante com o capitalismo na Venezuela, como a estatização total do petróleo ou o não pagamento da dívida, apenas direcionou parte da renda petroleira para programas sociais, como a vinda de médicos cubanos para as áreas pobres do país, e de professores para alfabetizar a parcela da população que não teve educação formal. Esses programas não estão errados em si, mas são muitíssimo limitados e acabam por legitimar um projeto que serve para desviar os trabalhadores e os pobres da luta por soluções reais e radicais para os seus problemas, uma luta que os obrigaria a se chocar com o capitalismo. Para um país em que apenas uma restrita minoria tinha serviços públicos de qualidade, esses programas pareceram “revolucionários”, mas não passavam de tímidas reformas no capitalismo.
O programa “Mais Médicos” no Brasil não tem nem sequer a abrangência do seu original venezuelano, é mais uma jogada de marketing do que uma ofensiva real no sentido de atacar os problemas da saúde pública. Não se pode portanto ser simplesmente a favor do programa, sem apresentá-lo como uma pseudo solução muito parcial, limitada, que visa tão somente “limpar a barra” do governo federal, já bastante desgastado. E não se pode também ser simplesmente contra o programa, ignorando a necessidade real de imensos setores da população que nunca tiveram atendimento médico (e agora ao menos terão algum, ainda que precário), mas de situá-lo no contexto da luta por serviços públicos de qualidade, em que precisamos não apenas de mais profissionais médicos, mas de profissionais em muito maior quantidade, mais bem pagos, e mais equipamentos, mais remédios, mais hospitais, etc.
Da mesma forma que não precisamos apenas contratar muito mais professores, mas aumentar em muito a atual remuneração dos professores, melhorar muito as escolas, as condições de trabalho, a liberdade de cátedra, mudar seus objetivos e ter uma educação emancipadora e não mera formadora de força de trabalho barata, etc. Em cada um dos serviços públicos são necessários investimentos gigantescos, que, como já demonstramos acima, são impossíveis enquanto não se romper com a prioridade atual do orçamento público, que é desviar dinheiro dos trabalhadores para os capitalistas. Da mesma forma que os professores seriam contra a contratação de uma subcategoria de profissionais da educação, com salários muito menores, para dar aulas em condições precárias; e da mesma forma que os bancários questionam o atendimento à população por correspondentes bancários, lotéricas, supermercados, etc., que recebem salários menores, trabalham sem segurança, etc.; para além de uma disputa e preconceito com os médicos cubanos, os médicos brasileiros questionam o programa por várias razões, e uma delas é pelo fato de que ataca direitos da categoria.
Esse argumento, como dissemos no início, parece razoável. Entretanto, estamos falando de uma categoria que possui uma condição diferenciada no país. Os médicos, assim como advogados, engenheiros, etc., vivem um processo de proletarização e assalariamento, mas ainda enxergam a si mesmos como profissionais liberais, como “classe média”, ou, em termos marxistas, são o que se chama de pequeno-burgueses, em processo de proletarização.
CRÍTICA AO PROGRAMA “MAIS MÉDICOS” PELA DIREITA …..
A realidade da maioria dos médicos, no entanto, é a obrigação de atender no serviço público e em convênios, em que a demanda é enorme, há excesso de trabalho e a remuneração é mais baixa. Em vez de lutar contra a precarização do trabalho médico, a sua privatização pelos planos de saúde e convênios privados, que querem reduzir o pagamento por consultas (obrigando os médicos a atender mais pacientes com menos qualidade), não querem autorizar os exames, tratamentos, cirurgias, etc., os médicos reagem protestando contra a quebra do “monopólio” do atendimento médico, que lhes permite (a uma minoria da categoria) cobrar muito caro por consultas particulares.
Amparados no fato de que o programa representa um ataque aos direitos um setor da categoria, notadamente os que têm melhores condições de trabalho (não trabalham em hospitais públicos) e os melhores salários, iniciaram uma campanha, pela direita, contra a vinda de médicos estrangeiros, em especial os cubanos.
A visão que esses médicos têm do seu trabalho é individualista, e da mesma forma a visão que têm dos problemas sociais. A ideologia predominante na categoria é em geral bastante conservadora.
E, por isso, os argumentos que foram levantados contra o programa Mais Médicos não tratam dos elementos que apresentamos acima, que seriam necessários para atacar os problemas da saúde pública. Pelo contrário, os argumentos manifestaram os mais rebaixados preconceitos e concepções reacionárias. Os médicos que se posicionaram contra o programa, e a maior parte dos críticos que embarcaram na campanha contra a chegada de médicos estrangeiros, em especial os cubanos, não o fizeram porque estão preocupados com o atendimento à população, mas por uma mistura de posições, todas problemáticas. Os médicos e os demais opositores do Mais Médicos manifestaram o mais repugnante ódio de classe, ódio aos pobres, ódio aos trabalhadores. Não suportam a ideia de que os pobres possam ter algum atendimento, um serviço que pela lógica atual “deveria” estar reservado apenas aos que podem pagar muito bem.
O elitismo e o corporativismo desse setor da categoria, que não se soma aos demais trabalhadores e suas demandas, se mistura com um anticomunismo decrépito, reciclado dos tempos da Guerra Fria, para vociferar contra a vinda de médicos cubanos. Os setores mais reacionários vomitam seu ódio ao “comunismo” por não poderem aceitar que o pequeno e paupérrimo país caribenho seja capaz não só de oferecer serviços públicos de qualidade para sua população, como esteja exportando esses serviços para um gigante que disputa o posto de 6ª ou 7ª economia do mundo. Infelizmente, a vinda dos profissionais cubanos não se dá num contexto de consolidação das conquistas sociais da revolução cubana, mas de retrocesso e restauração do capitalismo na ilha pelas mãos da burocracia castrista.
Cuba não chegou ao comunismo, nem muito menos ao socialismo (nem o fizeram a União Soviética e demais países que seguiram o seu “modelo”, pois não houve uma transferência real do poder econômico e político diretamente para os trabalhadores, e sim a usurpação desse poder por uma burocracia) e nem poderia, na condição de um país pequeno e isolado, lutando sozinho contra o centro do imperialismo mundial, os Estados Unidos. Ainda assim, o simples fato de haver expropriado a burguesia há mais de 50 anos, ainda lhe dá a capacidade de servir de padrão de qualidade em atendimento médico, e esse exemplo é algo que ainda transtorna os reacionários de plantão. Da mesma forma, os reacionários médicos e de outros setores não suportam o fato de que a maioria dos médicos cubanos são negros. Negros atendendo negros! Onde já se viu?! O ódio de classe em geral também vem acompanhado de ódio racial.
Crítica ao programa “Mais Médicos” pela esquerda
Felizmente entre os médicos há um setor significativo que critica o programa do governo pela sua ineficiência e incapacidade de resolver os problemas da saúde pública, pois ainda faltam hospitais, o SUS passa por um desmantelamento e privatização (como é o caso da privatização dos hospitais universitários), os poucos hospitais públicos que existem não têm nenhuma infraestrutura para os profissionais da saúde trabalharem, enfim, virão mais alguns médicos, mas eles nem têm como trabalhar adequadamente.
Este programa, portanto, está a quilômetros de distância de resolver os problemas da saúde pública no país.
Assim, nós, não somos contra o fato de que médicos sejam chamados a desempenharem suas funções nas comunidades mais pobres e distantes deste país. Muito menos somos contra a vinda dos médicos cubanos que se dispõem a viverem nas regiões mais distantes do país para dar assistência àqueles que precisam de cuidados médicos. Por outro lado, quando se trata da defesa da vida dos trabalhadores, jamais seremos a favor de que a população fique sem assistência alguma, não podemos esperar a revolução enquanto permitimos que nossa classe seja simplesmente massacrada.
Ao mesmo tempo, denunciamos o governo federal, a sua política para a saúde pública que a cada dia piora e também a sua relação com as empresas privadas que lucram bilhões às custas da saúde e da vida dos trabalhadores.
Contra esse amálgama de preconceitos e concepções reacionárias, precisamos dizer:
– Bem vindos os médicos cubanos!
– Trabalhador é trabalhador em qualquer lugar do mundo!
– Que os trabalhadores médicos cubanos não sejam considerados de segunda classe. Que possam trazer suas famílias e requerer residência permanente se quiser!
– Vagas para trabalhadores índios, negros, e pobres nos cursos de medicina!
– Pela valorização dos diversos profissionais envolvidos na assistência à vida. Socorristas, técnicos e enfermeiros!
– Que o pagamento dos salários dos médicos cubanos seja feito diretamente a eles e não ao governo cubano!
Mas contra o oportunismo do governo federal e suas pseudo soluções, precisamos dizer também:
Fim dos planos de saúde! Saúde pública, gratuita e de qualidade para todos!
– Não pagamento da dívida pública interna e externa e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos, sobre controle dos trabalhadores, para atender às necessidades da população em saúde, educação, moradia, transporte, lazer, etc.