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Resoluções sobre situação internacional – 2009


25 de abril de 2010

APRESENTAÇÃO

    Este documento foi utilizado como subsídio para a discussão sobre o ponto de Situação Internacional na Conferência do Espaço Socialista de 2009. Diferentemente das Resoluções, que são de responsabilidade do conjunto da organização, este documento é agora publicado como contribuição ao debate assinada pelos companheiros encarregados da sua redação.
O documento foi escrito entre os meses de fevereiro e abril de 2009. Naquele período os sintomas da crise econômica internacional estavam em plena manifestação. Ao concluir a pesquisa e a síntese dos materiais para a elaboração do documento, os autores se depararam com a necessidade de desenvolver uma caraterização mais aprofundada do fenômeno da crise. A partir da percepção de que se tratava de uma crise mais séria do que uma simples crise econômica, tornou-se necessário abordar no documento as demais dimensões dessa crise.
Mais do que uma simples discussão sobre a conjuntura, o documento ganhou desse modo o aspecto de uma explicação mais geral sobre a crise, que busca localizá-la no contexto da crise estrutural do capital das últimas décadas e também explorar as diversas dimensões afetadas pelos seus desdobramentos (ambiental, energética, alimentar, cultural, etc.). A “validade” temporal do documento se estende assim para além do intervalo de tempo normalmente coberto por uma Conferência regular. As conclusões aqui apresentadas se arriscam a delinear tendências (e contratendências) que estarão em desenvolvimento ainda por vários anos.
O texto que se segue é apenas o resumo de uma monumental pesquisa e de um colossal volume de material de leitura. A análise desses materiais na verdade está ainda em andamento, juntamente com os novos dados que viemos acumulando desde então, pois o próprio processo de discussões na Conferência, a votação das Resoluções sobre o ponto em questão e os demais desenvolvimentos da atividade política da organização sobre as questões internacionais introduziram precisões e nuances a respeito de uma série de aspectos da realidade. Apesar das medidas tomadas pelo Estado e pela burguesia para administrar a crise (já detectadas e referidas no documento) começarem a surtir efeito justamente a partir dos meses em que o estudo foi concluído, criando a ilusão de que a crise foi resolvida, os autores mantém as conclusões principais do documento no sentido de que estamos diante de uma verdadeira crise societal.
Estamos no ano 1 da crise. Navegamos em águas desconhecidas. Nunca uma crise de tamanhas proporções afetou simultaneamente tantos países e tantos aspectos da vida social. A aparente calmaria do momento atual, o aparente sucesso da burguesia na sua tentativa de administrar a crise via medidas do Estado nos últimos meses, não podem nos iludir quanto à gravidade do fenômeno, à profundidade dos problemas e à seriedade dos desafios que estão colocados para a classe trabalhadora. Devemos responder com ousadia a esses desafios e ter a coragem de olhar, para além do plano da aparência imediata, o movimento das contradições que revelam a essência da nossa época.

    O CARÁTER DA CRISE

O fato central da realidade mundial atual é a vigência de uma crise econômica mais grave do que uma simples inversão de fase do ciclo econômico periódico ordinário.. Trata-se de uma crise mais séria, que pode inclusive se transformar em uma depressão global tão catastrófica quanto a que se iniciou em 1929.
A crise não se resume à sua dimensão puramente econômica, pois perpassa vários níveis da realidade e entrelaça fenômenos econômicos, sociais, políticos e culturais de longa duração.. Num mesmo processo estão contidos: 1º) a crise econômica estrutural, 2º) o esgotamento do padrão de acumulação, 3º) a crise do modelo neoliberal, 4º) o esgotamento do último ciclo periódico, 5º) a crise político-ideológica da utopia burguesa do “fim da história”, 6º) a crise político-administrativa da forma Estado enquanto instância de controle social, 7º) a crise ambiental, 8º) a crise energética, 9º) a crise alimentar.
Todos esses aspectos dialeticamente articulados convergem para uma crise civilizacional do capitalismo como alternativa societária para a humanidade. A crise atual é uma crise que afeta a totalidade do modo de vida.
Paralelamente à crise do capitalismo, vivemos também uma crise da alternativa socialista. O projeto socialista está ausente da consciência da classe trabalhadora. O proletariado mundial, sujeito social da transformação histórica, está desprovido de um projeto societário alternativo ao capitalismo que possa ser apresentado como alternativa positiva imediata em face do processo em curso de decomposição acelerada da ordem estabelecida.

 CRISE ESTRUTURAL

    A crise estrutural do capital corresponde ao esgotamento dos mecanismos de deslocamento das contradições do capitalismo a partir da década de 1970. No período imediatamente precedente, tais contradições eram deslocadas por formas de produção destrutiva (gastos militares do Estado, consumo de bens de luxo pela burguesia, etc.) e políticas de bem-estar social capazes de dar vazão à gigantesca acumulação de capital ocorrida nas décadas de 1940, 50 e 60 com a reconstrução da Europa e do Japão e a industrialização da periferia. Tais políticas eram denominadas keynesianismo no centro e nacional-desenvolvimentismo nos países periféricos.
A partir de 1970 a tendência à queda da taxa de lucro, assim como as crises de superprodução voltam a se manifestar com força total. Os mecanismos de deslocamento chegam ao seu limite e começam a perder eficácia, forçando o capitalismo a modificar o padrão de acumulação anteriormente vigente. O novo padrão de acumulação aprofunda tendências herdadas do período anterior e desenvolve uma série de novas características.
Os Estados Unidos, que emergiram no pós-II Guerra como principal economia do mundo e a única capaz de liderar a reconstituição do bloco capitalista, no contexto da disputa geopolítica contra a alternativa representada pela URSS, desempenharam essa tarefa financiando a reconstrução da Europa, do Japão e a industrialização da periferia (instalação de plantas industriais controladas pelas transnacionais, processo que se iniciou nas décadas de 1950 a 70 em países como Brasil e Coréia do Sul).
A partir da década de 1970, esse processo de recuperação coordenada foi interrompido pelo retorno das crises cíclicas de superprodução de caráter mais agudo, que se manifestaram por exemplo em fenômenos como o déficit comercial dos EUA para com a Europa. Os EUA reagiram ao retorno das crises agudas nas últimas décadas por meio de medidas unilaterais como: quebra do padrão dólar-ouro, alta dos juros, “consenso de Washington”, desregulamentação financeira, guerra ao terror.
No contexto dessas políticas unilaterais, aprofundam-se fenômenos como: a globalização da produção, que completa a industrialização da periferia mundial com a recente incorporação da China e da Índia; a formação de um mercado mundial de força de trabalho e de um exército industrial de reserva mundial (processos acompanhados de reestruturações produtivas que rebaixam os salários, precarizam as condições de trabalho, dividem a classe trabalhadora, etc.); o crescimento em tamanho e poder das corporações transnacionais.
Desenvolve-se também uma III Revolução Industrial, que se manifesta na incorporação maciça da tecnologia à produção, na forma da robótica, microeletrônica, informática, telecomunicações, internet, biotecnologia, etc. A revolução tecnológica multiplica a produtividade (ou seja, a taxa de exploração dos trabalhadores) e produz também o desemprego tecnológico estrutural.
Para contornar as dificuldades de realização do capital nas circunstâncias restritivas da crise estrutural, a burguesia apela para a criação de diversas formas de capital fictício, ou seja, desenvolve processos de especulação nos mercados financeiros que negociam valores nominais várias vezes maiores que o total da produção mundial real. Esse processo de crescimento do capital fictício vem acompanhado do endividamento do Estado, das empresas e dos consumidores, já que inclusive os títulos de dívida se convertem em “ativos” negociados nos mercados financeiros.

    HEGEMONIA NEOLIBERAL

    Esse padrão de acumulação peculiar ao período pós-1970 adquire expressão teórica e política no neoliberalismo. O neoliberalismo interpreta o retorno das crises periódicas agudas nas décadas de 1970 e 80 como demonstração do fracasso das políticas econômicas keynesianas. A alternativa para combater as crises estaria na retirada do Estado da economia e na atuação plena do livre-mercado em todos os terrenos. Na realidade, por trás desse discurso de “retirada do Estado da economia”, se disfarça uma operação de seqüestro do Estado pelos setores mais rentistas e parasitários da burguesia mundial. A burguesia financeira usa o Estado como instrumento para um violento ataque contra a classe trabalhadora com o objetivo de potencializar a extração de mais-valia.
Depois de conquistar a hegemonia política nos países centrais na década de 1980, esmagando a resistência da classe trabalhadora no núcleo do capitalismo, o neoliberalismo se volta para a periferia, através do chamado “consenso de Washington”, que na verdade representa um ditado imperial do capitalismo estadunidense imposto aos países periféricos na década de 1990. Desse ditado constam medidas como: privatizações, retirada das proteções trabalhistas, sucateamento dos serviços públicos, saque dos fundos públicos, saque dos recursos naturais, desregulamentação das finanças e liberalização da movimentação do capital de modo geral.
O conjunto dessas medidas foi apresentado como a panacéia universal para curar todos os males das economias enfraquecidas pelas crises dos anos 1970 e 80. Na realidade, o neoliberalismo somente contribuiu para aprofundar os problemas, agudizando as contradições do capitalismo e precipitando crises ainda mais graves nas décadas de 1990 e 2000.
A aparente viabilidade do neoliberalismo não foi demonstrada por seus alegados méritos intrínsecos, mas pela conveniente desaparição do modelo que se lhe apresentava então como alternativa, o da URSS e do leste europeu, que desmoronaram entre 1989-91. O fim do modelo vigente naqueles Estados foi maciçamente propagandeado como demonstração do “fim do socialismo” e do “fim da história”, ou seja, vitória definitiva do capitalismo.
Essa propaganda foi usada como arma política para desarticular a resistência dos trabalhadores às políticas neoliberais. Desprovidos de uma alternativa histórica ao capitalismo, as organizações da classe trabalhadora, como partidos e sindicatos, aceitaram o “livre mercado” como horizonte definitivo de organização da vida social, incorporando-se à sua administração e abrindo caminho para o ataque da burguesia contra as condições de vida da classe.
Esse ataque prosseguiu pelas décadas de 1990 e 2000, nas quais a burguesia impôs o desemprego estrutural, a retirada de direitos trabalhistas, a precarização geral das condições de trabalho, as terceirizações e subcontratações, o trabalho temporário, informal, etc. Essas transformações estruturais criaram dificuldades ainda maiores para a organização dos trabalhadores enquanto classe, desarticulando os instrumentos de resistência coletiva e empurrando os trabalhadores para a busca de soluções individuais para os seus problemas.
Somou-se a esse ataque diretamente político a propaganda ideológica em torno do conceito de “globalização”, vendido como um processo “inevitável” e supostamente benéfico de formação de uma “aldeia global” na qual haveria a “livre circulação” de mercadorias, pessoas e idéias, promovendo uma nova era de prosperidade ilimitada e “ao alcance de todos”.
O verniz ideológico da globalização tenta apresentar como natural o processo social de aprofundamento do neoliberalismo, que corresponde a um período particular da história do capitalismo em crise estrutural. Os ataques contra a classe trabalhadora são parte da ofensiva geral da burguesa para se libertar de qualquer forma de regulamentação estatal da atividade econômica, sejam trabalhistas, contábeis, ambientais, de saúde pública, etc., vistas como obstáculos para o lucro. A desregulamentação geral acompanhou a liberalização financeira como uma das características centrais da realidade econômica nas últimas duas décadas.
A desarticulação política e ideológica dos trabalhadores e a ausência da devida resistência da classe operária ao neoliberalismo propiciou à burguesia a oportunidade de potencializar a extração de mais-valia, tanto absoluta (extensão da jornada) quanto relativa (aumento da produtividade), no novo cenário de um mercado mundial de força de trabalho em que os custos salarias e também indiretos (direitos, benefícios e proteções sociais) tendem a ser nivelados por baixo.
Além de servir para derrubar a resistência política dos trabalhadores nos países imperialistas e na periferia capitalista, a queda dos regimes do leste europeu serviu também para abrir terreno ao capital para a incorporação de um novo e vasto território econômico no qual a burguesia havia sido expropriada. A mão de obra barata e qualificada, os recursos naturais e as forças produtivas da antiga URSS e dos seus satélites ficaram à disposição do capital mundial para serem explorados em associação com a nova burguesia que se formou nesses países composta pelas máfias e pelos restos da antiga burocracia. A reconquista desses territórios foi também um fator importante para auxiliar na recuperação e na expansão do capitalismo mundial na década de 1990.

A DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E OS FUNDAMENTOS DA ATUAL CRISE

    A atual crise, no seu aspecto puramente econômico, apresenta uma tripla dimensão de: 1º) esgotamento do padrão de acumulação criado nos anos 1970; 2º) crise do modelo neoliberal iniciado na década de 1980 no centro do sistema e generalizado para a periferia na década de 1990; 3º) fechamento do último ciclo periódico de crescimento iniciado em 2002 e encerrado com a crise de 2008.
O último ciclo periódico carrega em si as contradições que vinham se acumulando desde o início dos anos 1970 e que se agudizaram a partir da hegemonia neoliberal. A reconfiguração do sistema capitalista mundial impulsionada pelos Estados Unidos nas últimas quatro décadas teve como resultado a formação de uma determinada forma de relação entre as diversas economias nacionais que constituem o conjunto do sistema, uma forma específica de divisão internacional do trabalho entre os países e continentes. É essa forma específica que também entra em crise com o fechamento do atual ciclo.
O capitalismo está atualmente estruturado em torno da condição dos Estados Unidos de emissor da moeda de reserva mundial e simultaneamente maior mercado consumidor. Os Estados Unidos emitem a moeda com a qual pagam pela importação de mercadorias cuja produção impulsiona o crescimento do restante da economia mundial. Outros centros do capitalismo como Europa e Japão também possuem importantes mercados internos, mas o núcleo dinâmico de seu crescimento está nas exportações para o mercado estadunidense. As exportações para os Estados Unidos não são realizadas apenas diretamente, mas também em boa medida através da Ásia, em especial da China, para onde se deslocaram grande parte das corporações estadunidenses, européias e japonesas que fazem a montagem industrial final dos produtos, aproveitando-se da mão de obra barata. As matérias-primas que alimentam esse circuito produtivo provém da América Latina (minérios e alimentos), do Oriente Médio (petróleo) e em menor medida da África, componentes periféricos do circuito.
A capacidade dos Estados Unidos de absorverem as exportações mundiais depende da capacidade dos seus trabalhadores de se endividarem. Esse endividamento tem se aprofundado nas últimas décadas, com os trabalhadores assumindo dívidas muito maiores que a sua renda, culminando na atual crise do mercado imobiliário. A crise do endividamento dos trabalhadores é simultaneamente uma crise do mercado financeiro, cujo crescimento artificial nas últimas décadas estava baseado precisamente na hipótese do crescimento infinito do endividamento dos trabalhadores e das empresas que lhes fornecem bens de consumo (como as montadoras de automóveis estadunidenses severamente debilitadas).
O endividamento dos trabalhadores e das empresas, tanto produtivas quanto financeiras, é em última instância garantido pelo endividamento do próprio governo estadunidense. Para salvar os bancos e entidades financeiras atingidos pela atual crise o governo estadunidense teve que desembolsar trilhões de dólares em pacotes de salvamento. Na falta de uma receita fiscal suficiente para cobrir esses pacotes de salvamento, mesmo porque a própria retração econômica vai reduzir a arrecadação de impostos, o governo estadunidense terá que apelar para a emissão de títulos do tesouro.
Os investidores que adquirem esses títulos estão na verdade emprestando ao governo estadunidense com base na confiança de que o governo terá os dólares para resgatar esses títulos no seu prazo de vencimento.
Dentre os investidores que detém a maior parte dos títulos do tesouro estadunidense estão justamente os bancos centrais dos países que exportam para os Estados Unidos: China, Japão e tigres asiáticos. Esses países recebem em dólares pelos produtos que vendem aos Estados Unidos, e usam esses dólares para comprar títulos denominados em dólar. Recebem dólares no presente que usam para comprar títulos que representam o direito sobre dólares futuros.
Isso faz com que essas economias exportadoras dependam da continuidade do funcionamento do atual circuito de consumo-endividamento-especulação centralizado pelo mercado estadunidense. Essa continuidade está ameaçada pela eclosão da atual crise.

ESGOTAMENTO DO CICLO PERIÓDICO

    O sistema capitalista é uma unidade na qual se articulam os processos de produção e circulação de mercadorias. O próprio desenvolvimento da produção origina crises de superprodução que são expressão das dificuldades crescentes da realização da mais-valia e do processo de reprodução ampliada do capital como um todo. Para contornar estas dificuldades desenvolveram-se mecanismos de crédito e geração de capital fictício, que resultaram num aumento do endividamento. Esses mecanismos criam uma ilusão de autonomia do capital financeiro com relação à produção (o que seria “economia real”) e uma falsa percepção de que as crises têm origem no mercado financeiro (“economia virtual”); quando na verdade trata-se da expressão das contradições do funcionamento do capitalismo enquanto uma totalidade.
Cada crise econômica é provocada pelas próprias soluções que foram encontradas pela burguesia para contornar a crise anterior. A burguesia na realidade é incapaz de solucionar as crises do capitalismo, pois isso equivaleria a dissolver o próprio modo de produção e dissolver-se enquanto classe dominante.. As soluções burguesas para administrar as crises são sempre medidas parciais, que deslocam os problemas para frente e preparam a eclosão de crises cada vez mais catastróficas no futuro. A atual crise tem origem nas soluções que foram encontradas pela burguesia estadunidense para administrar a crise precedente em 2000-2001.
Em 2000 aconteceu a quebra da NASDAQ, a bolsa de valores que negociava ações das empresas de alta tecnologia, quando se percebeu que essas empresas jamais seriam capazes de gerar um lucro capaz de compensar o valor pelo qual suas ações eram negociadas. Essa incapacidade era mais uma vez determinada pelo fenômeno clássico da superprodução, na medida em que havia uma superprodução de bens de consumo duráveis, em especial automóveis, computadores e bens de consumo eletroeletrônicos, resultado do deslocamento de boa parte da produção de tais mercadorias para os países de mão de obra barata como a China.
Para tentar recuperar a taxa de lucro, a burguesia estadunidense reagiu em duas frentes: 1º) lançando a “guerra ao terror” em resposta aos ataques de 11/09/2001; 2º) baixando drasticamente as taxas de juros, de modo a estimular os trabalhadores a continuar se endividando e consumindo.
A “guerra ao terror” serviria como estímulo para a economia de duas formas: a) garantindo o fornecimento de petróleo barato dos países subjugados no Oriente Médio; b) estimulando a produção nos setores ligados ao complexo industrial-militar. O fato é que nem a primeira hipótese se verificou, pois a resistência no Iraque e Afeganistão forçou as tropas de ocupação a permanecer por muito mais tempo do que o planejado, encarecendo tremendamente o empreendimento, endividando o Estado e provocando o aumento dos preços do petróleo; e nem as encomendas do Estado ao complexo industrial-militar foram suficientes para estimular a economia como um todo.
Na outra ponta, a queda da taxa de juros provocou uma explosão do endividamento e da especulação. Os trabalhadores fizeram empréstimos hipotecando suas casas como garantia. As empresas do mercado imobiliário que fizeram as hipotecas venderam os títulos que lhes davam direito ao recebimento desses empréstimos como “ativos” negociáveis nos mercados financeiros. Os bancos de investimento compravam esses títulos e os repassavam aos seus investidores, com a garantia das seguradoras contra o risco da inadimplência. Entre esses investidores estavam os mercados financeiros internacionais, os bancos e fundos de pensão.
A possibilidade de se auferir altos lucros com empréstimos baseados em imóveis transformava as casas em investimentos. A procura por títulos lastreados em empréstimos imobiliários fez com que se valorizassem artificialmente os preços dos imóveis. A valorização dos imóveis gerou um “boom” do mercado imobiliário e da construção civil, que foi a base do crescimento econômico estadunidense no período de 2002-2007. As famílias hipotecavam suas casas pela segunda ou terceira vez. Famílias que não tinham condições de adquirir imóveis recebiam empréstimos facilitados para comprá-los.
Esse ciclo de crescimento chegou ao fim quando já não havia pessoas capazes de adquirir casas nem de hipotecá-las por uma segunda ou terceira vez (hipotecas “subprime”), ou seja, o fenômeno clássico da superprodução se manifestou na superprodução de imóveis. Os trabalhadores começaram a não poder pagar as prestações das hipotecas. A inadimplência provocou uma reação em cadeia que começou com a falência das financeiras que negociavam hipotecas “subprime” (2007), alastrando-se para os bancos de investimento que vendiam títulos lastreados nessas hipotecas (ou em dívidas de cartão de crédito, empréstimos automobilísticos, crédito estudantil, etc.), passando para as seguradoras que garantiam esses títulos (como a AIG), chegando aos mercados financeiros globais em meados de 2008.
A crise do mercado financeiro tornou impossível para as empresas produtivas rolarem suas dívidas. Na ausência de um mercado consumidor capaz de absorver “naturalmente” a superprodução de mercadorias, as empresas facilitavam o crédito para que os trabalhadores consumissem seus produtos. As montadoras de automóveis como a GM faziam empréstimos a juros praticamente zero. Com a emergência da crise financeira, é precisamente esse crédito que deixa de existir. A ausência de crédito obriga as empresas a reduzirem a produção, fecharem fábricas, demitirem seus empregados, cortarem salários e benefícios dos trabalhadores, etc. O desemprego e a redução do poder de compra da classe trabalhadora reduzem ainda mais a possibilidade de escoamento da produção, porque não há compradores, e assim sucessivamente, num círculo vicioso que é a própria materialização da crise.
A crise financeira é ao mesmo tempo causa e conseqüência da crise econômica geral, devido à articulação dialética precisa e ao mesmo tempo irracional entre os setores produtivos e financeiros do capital.

ESTADOS UNIDOS

Em face da eclosão da crise a primeira reação da burguesia foi a eleição de Barack Hussein Obama. Com sua condição de primeiro presidente negro e descendente de um muçulmano queniano, Obama serve para desviar o foco de atenção das questões estruturais da crise que dizem respeito ao próprio funcionamento irracional do modo de produção capitalista, e colocar em discussão as “virtudes” da democracia burguesa e sua versão peculiar do “sonho americano”, com sua pretensão da “igualdade de oportunidades”. Esta característica do novo presidente serve para unificar a população estadunidense em torno da ilusão da possibilidade de mudanças que resgatem o capitalismo, como se somente o governo anterior fosse responsável pela eclosão da atual crise.
No plano externo, a escolha de um presidente com este perfil responde à necessidade de mudar a forma de exercício da hegemonia imperialista estadunidense, do unilateralismo de Bush para uma forma de “soft power”, ou gestão “negociada”, baseada no “convencimento”. Essa mudança visa romper o isolamento político em que os EUA se colocaram por conta da conduta truculenta do governo Bush perante a comunidade internacional, exemplificada pela invasão do Iraque realizada à revelia da ONU, a não adesão ao Protocolo de Kyoto, o não reconhecimento do Tribunal Internacional, etc.
A despeito das esperanças de mudanças do eleitorado, o governo Obama desde o seu início tomou todas as medidas para assegurar a continuidade das políticas estratégicas para a burguesia estadunidense. Esta continuidade se manifestou em dois setores: 1º) manutenção das guerras imperialistas no Oriente Médio, das bases militares espalhadas pelo mundo, do aparato de segurança, de espionagem, de repressão, tortura, etc; 2º) operações de “ajuda” ao mercado financeiro, que a partir de setembro de 2008, gastaram entre 8 e 10 trilhões de dólares, entre empréstimos, desoneração fiscal, compra de ações e ativos “podres” e doação pura e simples de dinheiro.
Apesar dos pacotes de ajuda, a crise se alastrou para todos os outros setores da economia, atingindo de forma particularmente dura a indústria automobilística, que vem sendo um do pilares do modo de produção capitalista desde o início do século XX. Foram feitos empréstimos às grandes montadores GM e Chrysler, com a condição de que recuperassem a sua “viabilidade”, o que se traduz por cortes de custos, o que significa fechamento de fábricas, demissão de trabalhadores, redução de salários e benefícios, etc. Os trabalhadores da indústria automobilística são o setor do proletariado estadunidense que tem mais conquistas sociais acumuladas (apesar das perdas já ocorridas em várias reestruturações recentes), de modo que a remoção das conquistas deste setor em particular prenuncia um retrocesso generalizado nas condições de vida da classe trabalhadora como um todo.
A recessão está se aprofundando, tendo produzido mais de 600 mil desempregados por mês desde o final de 2008, num total de 10 milhões nos últimos 12 meses, o que representa uma taxa de 8,5% de desemprego, maior índice desde 1983 (medido pela metodologia de 1930, década da Grande Depressão, o desemprego atual, na verdade, estaria em 19%, sendo que no auge daquele período o índice chegou a um pico de 25%). O endividamento dos trabalhadores equivale a 130% de sua renda anual (em 1980 o índice era de 60%), sendo que a dívida total das famílias chega a 13,9 trilhões de dólares. Os fundos de aposentadoria tiveram o seu patrimônio reduzido de 20, 6 trilhões de dólares para 12,1 trilhões em 2008 por conta das perdas no mercado financeiro. A previsão é de 3,4 milhões de trabalhadores percam as suas casas em 2009 por falta de pagamento das hipotecas. 5,3 milhões de trabalhadores dependem do seguro-desemprego para sobreviver. 50 milhões de pessoas não têm cobertura de saúde.
Apesar desta deterioração acelerada das suas condições de vida, a classe trabalhadora ainda não está reagindo por meio da luta. Os seus principais organismos, como os sindicatos e as demais entidades de negros, mulheres, índios, imigrantes, direitos civis, etc, estão todos atrelados ao partido democrata, tendo apoiado Obama durante a sua campanha eleitoral e tendo se mantido hoje como obstáculo para impedir que os trabalhadores desenvolvam a consciência de que o atual governo continua a serviço da burguesia. Um setor particularmente fragilizado é o dos imigrantes, que representam uma parcela importante da força de trabalho sem contar com quase nenhuma proteção social, sendo que muitos inclusive são criminalmente perseguidos.
Em todas as crises precedentes a classe trabalhadora estadunidense foi relativamente poupada das conseqüências mais destrutivas pela capacidade do país de impor os malefícios de cada crise sobre os outros centros capitalistas e a periferia. Nas atuais circunstâncias os EUA não dispõem de legitimidade moral, ideológica política e militar para intervir em outros continentes e se impor pela força com a mesma facilidade de antes, por uma série de razões, como o próprio fracasso da política de “guerra ao terror” de Bush, a sua condição de epicentro difusor da atual crise, a existência de contrapesos geopolíticos mesmo que limitados nas figuras da Europa, Rússia e China, a existência de uma consciência anti-estadunidense na América Latina, etc.
Ao mesmo tempo em que funcionam como contrapeso geopolítico aos EUA, as outras potências dependem da recuperação dos Estados Unidos para a sua própria sobrevivência. O dólar continua sendo a moeda de reserva mundial, mas a sua condição está questionada pelo déficit público dos EUA, que experimentou uma violenta aceleração no último período, com a previsão de déficit de 1,75 trilhões de dólares em 2009. De certa forma o conjunto do sistema capitalista está refém da capacidade dos EUA de preservar o dólar por meio das intervenções imperialistas.
O próprio perfil da intervenção no Oriente Médio no governo Obama tende a ser determinado por esta necessidade de cooperação, ou coordenação com outras potências e com os aliados da região, sem que isso signifique abrir mão dos interesses estratégicos. Da mesma forma, em relação à América Latina, a postura do governo Obama tende a ser pautada por uma busca do “diálogo” como forma de contornar o sentimento anti-estadunidense vigente no conjunto do continente, sem também abrir mão de questões chave, como o projeto de mudança de regime em Cuba e a contenção dos governos ditos “de esquerda”.

    EUROPA

    A Europa foi atingida pela atual crise sem que tivesse tido condições de consolidar a sua unidade política e econômica. A União Européia não é um sujeito político com vida própria e independente dos Estados nacionais que a constituem. A utilidade da UE para as burguesias nacionais estaria em criar condições para que o continente como um todo pudesse fazer frente ao imperialismo estadunidense. Neste sentido, um determinado grau de unidade é desejável, especialmente no que se refere a nivelar por baixo as conquistas da classe trabalhadora européia, como salários, relações trabalhistas, aumento da jornada de trabalho, etc. Para além do ataque comum à classe trabalhadora européia, as várias burguesias nacionais preservaram um grau significativo de controle sobre os respectivos Estados.
Com a chegada da crise, as burguesias nacionais secundarizam o projeto da união em função dos seus interesses particulares imediatos, exigindo dos Estados nacionais medidas protecionistas para garantir os seus lucros. Dentre estas medidas estão os pacotes de “ajuda” aos bancos, “estímulo” à retomada do crescimento, baixa dos juros, etc., adotados por quase todos os países.
No interior na UE a Alemanha apresentou resistência e conseguiu impedir o desembolso de pacotes de ajuda mais vultosos, em nome da necessidade de preservar o equilíbrio orçamentário dos Estados que fazem parte da Zona do Euro, que é o próprio fundamento do euro como moeda comum. A Alemanha conseguiu também que a UE se apresentasse unificada nas reuniões do G-20 contra os EUA, tanto no que se refere a limitar os pacotes de ajuda, quanto a exigir medidas de regulamentação do mercado financeiro. Cabe destacar o papel da Inglaterra como elemento divergente do bloco europeu e alinhado aos EUA nas duas questões.
Além desta diferença política, existem diferenças importantes entre as várias economias do continentes e na forma como cada uma assimila os impactos da crise. No caso da Inglaterra a crise chega quase simultaneamente à sua deflagração nos EUA por conta do comprometimento do sistema financeiro inglês com operações especulativas. No caso da Alemanha, a crise se manifesta num momento posterior com a queda das exportações, que constituem o centro da atividade econômica do país.
Fora da Zona do Euro os países do Leste Europeu acumulam dívidas que chegam a U$ 1,6 trilhão, sendo que US$ 1,5 trilhão foram contraídos junto a bancos da Europa Ocidental. A desvalorização das moedas desses países multiplica as dívidas na relação com o euro e arremessa vários deles numa condição de quase falência. O agravamento da situação econômica provoca uma crescente instabilidade social, que já levou à queda de vários governos por força das mobilizações populares. Os Estados Unidos, aproveitando-se desta situação, fornecem empréstimos aos países do leste europeu via FMI, vinculando-os a adesão à OTAN, buscando por um lado isolar economicamente a Europa e por outro isolar política e militarmente a Rússia.
No último período a Rússia, apesar de atingida pela crise pela via da queda do preço do petróleo, vem tentando restabelecer o seu controle sobre os países que compunham a ex-União Soviética, fornecendo auxílio financeiro e reconstruindo alianças, entrando em choque com os interesses estadunidenses na Ásia Central.
A Europa é o continente onde a classe trabalhadora vem protagonizando as maiores lutas desde o início da crise (greves gerais na França, levante da juventude na Grécia, queda de governos em países do leste europeu, etc.). Por outro lado são lutas defensivas, conduzidas por direções ligadas a várias vertentes políticas, todas desprovidas da perspectiva de superação do sistema capitalista.
Um obstáculo que dificulta o avanço da consciência da classe trabalhadora em direção a essa perspectiva de superação do sistema é a política econômica nacionalista impulsionada pelas burguesias, com a colaboração inclusive de direções sindicais, jogando a culpa do desemprego na concorrência dos trabalhadores estrangeiros e também dos imigrantes em cada país. Isto pode ser a base para o surgimento de movimentos organizados de cunho neofacista, como é o caso das “rondas cidadãs” insufladas pelo governo de Berlusconi na Itália, que sob o pretexto de reforçar a “segurança pública”, atacam os imigrantes, moradores de rua, homossexuais, etc.

    ÁSIA

    O impacto da crise na Ásia foi mediado pelo fato de que sua primeira manifestação se deu na esfera financeira, a cujas distorções especulativas o continente, de modo geral, estava pouco exposto. Tendo sua economia voltada a produzir para o mercado externo, a Ásia só seria afetada num momento seguinte, quando acontece a queda do consumo nos Estados Unidos. A existência de um intervalo de tempo entre o primeiro e o segundo momento da crise deu origem à ilusão de que seria possível um “descolamento” das economias da região com relação à economia global (ilusão que contaminou inclusive a América Latina).
Ao contrário do “descolamento” da crise, o que se verificou foi que, a partir do último trimestre de 2008, as maiores economias da região (China, Japão, Coréia do Sul, etc.) tiveram uma queda drástica nas suas exportações e na sua produção industrial, que se manteve nos primeiros meses de 2009, provocando uma onda de demissões em massa, e uma reação em cadeia que transmitiu a recessão para os países fornecedores de matérias-primas.
Por conta da inexistência de uma rede de proteção social na maior parte dos países do continente, o desemprego (apesar de ser numericamente modesto em relação aos Estados Unidos ou Europa) traz conseqüências mais graves, pois deixa os trabalhadores desamparados, sem direitos a cuidados básicos, como assistência médica, ou até mesmo sem moradia, como é o caso peculiar do Japão.
Na China, o desemprego afeta principalmente os trabalhadores que migraram recentemente para a cidade, atraídos pelo grande crescimento dos empreendimentos voltados para a exportação. Muitos deles são a principal fonte de renda de suas famílias que ficaram no campo. Ao perderem seus empregos e serem obrigados a voltar às suas regiões de origem, os migrantes agravam o problema social na zona rural. Muitas empresas não apenas demitem, mas simplesmente fecham sem sequer pagar salários e direitos devidos aos trabalhadores, que não têm a quem recorrer. A ocorrência dessa situação, ou similares, tem levado a ações radicalizadas, como manifestações, ocupações de prédios públicos e até enfrentamento com o aparato de repressão. O controle da informação pela burocracia impede que se tenha uma dimensão exata desse fenômeno e de suas possíveis conseqüências políticas.
O Japão havia acabado de sair de uma recessão que havia durado quase toda a década de 1990, tendo para isso precarizado grande parte de sua força de trabalho, através do uso de imigrantes (como os dekasseguis) e da extensão dos contratos de trabalho por tempo determinado e com salários bem menores para uma parcela da própria classe trabalhadora japonesa. A recuperação da economia, baseada na exportação de bens de consumo para os Estado Unidos e de bens de produção para a China, foi paralisada pela atual crise. O movimento operário japonês, que havia sido domesticado pela concessão de contratos de trabalho em que o emprego é praticamente vitalício, volta surgir em cena em manifestações contra o desemprego, tendo inclusive provocado um crescimento significativo do Partido Comunista Japonês.
A Índia, outro gigante asiático, é um país muito extenso territorialmente, com uma diversidade muito grande de etnias, religiões e línguas. Há uma grande diversidade de condições sociais, expressa pela convivência de um sistema de castas com uma democracia representativa nos moldes ocidentais. Somente 5% da população indiana tem um nível de vida comparável ao europeu. A grande maioria da população ainda está no campo e tem sido vítima de uma desorganização da economia camponesa por conta da integração ao mercado agrícola mundial. Nas cidades a grande maioria vive em favelas sem a menor infra-estrutura. Com todas essas desigualdades a Índia é uma potência econômica emergente e possuidora de arsenal nuclear.
Em comum os três maiores países asiáticos possuem uma dependência com relação aos Estados Unidos no que se refere às suas exportações, ao mesmo tempo em que têm a pretensão de exercer papéis de liderança geopolítica compatíveis com o tamanho de suas economias e seu rápido crescimento. Por outro lado, os três também convivem com conflitos regionais nos quais os Estados Unidos também exercem algum tipo de interferência (Coréia do Norte, Taiwan, Paquistão).

    AMÉRICA LATINA

    A crise econômica chegou com força no continente a partir do último trimestre de 2008. Pelo fato de se tratar de economias periféricas, que insertas de modo específico na divisão social do trabalho mundial, basicamente fornecem matérias primas (algumas ainda mantém plantas industriais de empresas dos países imperialistas tanto europeus quanto estadunidenses), passaram a sentir a crise a partir do momento em que os países centrais e a China não podiam mais absorver a produção continental.
No entanto, há três cenários diferentes de comportamento na conjuntura mundial de crise:1-realidade de toda a América do Sul e México; 2-Cuba; 3-Haiti.
No México, a classe trabalhadora está entre as mais vulneráveis em relação aos efeitos da crise econômica no continente, pois 84% de sua atividade econômica é escoada para os EUA e Canadá, por conta do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), justamente o epicentro da crise econômica atual. Embora os índices de desemprego no país estejam entre os mais baixos do continente, isso tem um custo para a classe trabalhadora, que é a alta precarização do trabalho: 50% dos empregos mexicanos são temporários, com salários extremamente baixos (o salário mínimo compra apenas a metade da cesta básica); o trabalhador só tem direito a 5 dias de férias por ano completo de contrato de trabalho, não existe a hora-extra. O contrato de trabalho está condicionado à apresentação de certidão de gravidez e de casamento.
No campo, a situação é mais dramática. Somente 15% das terras são cultiváveis e mesmo nestas terras a agricultura não têm como lograr êxito por conta da invasão dos produtos agrícolas dos EUA a preços muito baixos (em decorrência do NAFTA), fazendo com que o México importe alimentos. Esta é a evolução da importação de gêneros alimentícios do país desde a assinatura do tratado de livre comércio em 1994: 440% de carne de boi, 280% de aves, 210% de suínos e 85% de milho.
Tal descalabro social no campo e na cidade provoca reações de repúdio ao NAFTA e às demais políticas neoliberais do atual governo mexicano. Em Janeiro de 2008 houve uma marcha de 200 mil trabalhadores do campo e da cidade contra o tratado de livre comércio. Em fevereiro de 2009 aconteceu a marcha contra a privatização da estatal do petróleo (PEMEX).
Apesar de um razoável grau de mobilização, quem lidera as lutas (ou surfa nelas) é Andrés Manuel Lopez Obrador (AMLO), que perdeu a disputa pela presidência em 2006 por meio de fraude e desde então se apresenta como o legítimo presidente do país, polarizando as lutas e fazendo oposição ao neoliberalismo e ao presidente Felipe Calderón. Diante disso, tudo indica que AMLO esteja cotado para ser uma alternativa de governo (“dentro da lei” como ele próprio salienta).
Na América do Sul a reação à crise econômica foi semelhante em menor ou maior grau. As demissões, renegociação das relações trabalhistas (redução da jornada de trabalho com redução de salário, férias coletivas, etc) e outras conseqüências foram sentidas com mais força a partir do último trimestre de 2008. A alta dependência econômica da exportação de produtos primários e/ou manufaturados de pouco valor agregado para os países centrais, no centro da crise, dita o ritmo do desenvolvimento dos seus efeitos. Em todos os países, os preços das matérias-primas sofreram quedas drásticas na cotação internacional, como o petróleo e seus derivados (Venezuela, Equador, Brasil e Bolívia), cobre (Chile), minérios de ferro e aço (Brasil), agronegócios (Argentina). Trata-se de um continente tomado pelos governos de “esquerda”, ou de “frente popular” que contam com a confiança dos trabalhadores por conta da origem proletária de seus governantes (Lula, Evo Morales) e/ou também pelo projeto de nacional-desenvolvimentismo (Hugo Chavez, Fernando Lugo, Rafael Correa). Todos estão a serviço do capital e funcionam como um obstáculo à evolução da consciência de classe do proletariado, pois os trabalhadores realmente acreditam que tais governantes resolverão tudo e extirparão o neoliberalismo de seus respectivos países. Para piorar, o movimento sindical e outros movimentos populares apóiam ou mesmo fazem parte dos governos “de esquerda”, que se utilizam da cooptação da direção sindical burocrática para atacar a classe trabalhadora e impedir a eclosão de lutas.
A Colômbia merece destaque pela atuação de grupos paramilitares na condução do Estado. Há dois grandes grupos armados em ação no país: de um lado as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), de orientação “socialista”; e de outro a AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), de direita. Ambos os grupos usam o narcotráfico como fonte de financiamento e recrutam homens, mulheres e crianças dentre a população, nem sempre de forma voluntária. A diferença é que a AUC, além de fazer parte do governo de Álvaro Uribe, recebe dinheiro de multinacionais para reprimir movimentos populares de ocupação de terras ou massacrar o movimento sindical. A Colômbia foi denunciada diversas vezes na ONU acerca do alto índice de assassinato de líderes sindicais e de movimentos sociais. É o caso da multinacional da produção de bananas Chiquita Brands, dos EUA, que foi condenada pelo Judiciário estadunidense por comprar “proteção” de suas propriedades aos paramilitares, massacrando camponeses que ocupavam suas terras, ou eram obstáculo para aquisição de mais terras. O resultado da atuação dos paramilitares é a população refugiada em função do conflito armado. Oficialmente são 2,5 milhões de pessoas vagando pelo território colombiano, expulsos de suas casas e de suas terras, mas acredita-se que seja 4 milhões de pessoas tendo em vista que nem todos os refugiados estão registrados.
Cuba e Haiti são casos à parte desta realidade apresentada.
O Haiti é o país mais pobre das Américas e o segundo mais pobre do hemisfério ocidental, e sofre uma invasão internacional capitaneada e coordenada pelo Brasil (a mando do imperialismo estadunidense, ocupado com a invasão do Iraque) denominada de “força de paz”, desde 2004, quando os EUA deram um golpe no governo de Jean Bertrand Aristide.. A função principal das “forças de paz” é controlar a atuação dos grupos mafiosos e reprimir qualquer tentativa de levante popular. Em abril de 2008, houve diversas manifestações de protesto do povo haitiano, por conta da carestia dos alimentos, que derrubaram o primeiro ministro da época Jacques Edouard Alexis.. Nesta ocasião, as “forças de paz” mataram cinco trabalhadores. Se Cuba tivesse uma política conseqüente com o internacionalismo, seria ideal algum tipo de intervenção no país, afinal, são apenas 130 quilômetros de distância pelo mar, mas isso não faz parte do projeto da burocracia cubana.
Em Cuba os efeitos da crise são bem menores em relação aos demais países latino-americanos. Mas isso não quer dizer que não sofrem os efeitos do colapso econômico mundial. O preço do níquel, que é o principal ítem de exportação da ilha, caiu 41% em 2008, o crescimento econômico foi de 4,3% em 2008 (a estimativa do governo era de 8%, mas falta precisar o impacto dos três furacões que passaram pela ilha) e a atividade turística diminuiu. Diante disso, o governo “socialista” decretou que os trabalhadores paguem pela crise que não causaram: não haverá aumento de salários em 2009 e foi aumentado em 5 anos o tempo exigido para o trabalhador se aposentar.
No que pese tais efeitos da crise global, o principal debate em curso no país é sobre as medidas de reforma econômica implantadas pelo governo de Raul Castro, como o restabelecimento da desigualdade entre salários e o arrendamento das terras estatais para camponeses individuas ou organizados em cooperativas permitindo a participação do trabalhador na produção. Discute-se se tais medidas indicam ou não a restauração do capitalismo.
Se por um lado tais medidas são elementos de uma economia de mercado, isso não quer dizer, necessariamente, que o capitalismo foi restaurado em Cuba ou está em vias de ser restaurado. É necessário interpretar os acontecimentos dentro de uma totalidade considerando as suas contradições. A justificativa da burocracia foi de que tais medidas foram tomadas para estimular a produção de elementos de primeira necessidade, lembrando em parte o que foi a NEP para a Revolução Russa. Mas as reformas combinadas com a dependência econômica de Cuba com a Venezuela e o possível fim do embargo econômico não deixam dúvidas: a ilha caminha para uma restauração do capitalismo.
A única forma de se evitar que isso ocorra seria que a burocracia cubana impulsionasse a “exportação” da revolução para o resto do continente como elemento crucial para a consolidação da revolução cubana. Está provado historicamente que não é possível sustentar o socialismo num só pais.

    ÁFRICA

    A economia africana é basicamente de agricultura de subsistência. A maior parte da população do continente está na zona rural (63%). Em relação ao capitalismo, trata-se de uma área pouco desenvolvida neste sentido. Somente África do Sul, Egito, Marrocos e Líbia tem alguma expressão econômica.
Do ponto de vista geral, a África é a periferia do mundo em termos de participação no comércio mundial, com peso de apenas 1%. A pouca produção industrial que há no continente é basicamente extrativista (petróleo, ouro e pedras preciosas como o diamante) e ainda assim explorada por multinacionais européias que mandam toda a riqueza gerada pelo proletariado africano para os países europeus.
O pouco desenvolvimento do capitalismo no continente poderia levar à conclusão errônea de que a crise se daria de forma mais branda no continente. A afirmação não procede, pois o desemprego tende empurrar o proletariado incipiente para as três alternativas disponíveis: 1- voltar para o campo, onde as condições de sobrevivência são nulas pelo precário modo de produção; 2- engrossar os contingentes da guerra civil africana, ou o contrário, 3- engrossar o contingente dos deslocados no continente.
A África, berço da humanidade, é de longe o continente em que os camponeses e operáriosforam mais oprimidos. Na medida em que se desenvolvia o capitalismo na Europa, aumentava a intervenção branca na África. No começo era “apenas”comércio de escravos, para que depois se chegasse à exploração direta no continente, aproveitando os antagonismos entre as nações africanas.
A Conferência de Berlim, em 1884, selou a sorte do povo africano. As potências imperialistas colocaram no mesmo território nações inimigas, e mesmo após o movimento de independência dos países no século XX os limites impostos pelas potências européias não foram desfeitos. E mais, manteve-se a dependência econômica, política e tecnológica da civilização ocidental. Após a Segunda Guerra mundial, a África foi objeto de disputa entre as superpotências, isso, paralelamente ao movimento de independência formal. Entram em cena as guerras civis entre grupos militares apoiados ou pelos EUA ou a URSS.
Com o fim da guerra fria, por meio do desmantelamento do bloco soviético, o imperialismo estadunidense não via mais motivos para fornecer ajuda aos povos africanos. Apesar das guerras civis serem sangrentas, havia algum controle das superpotências evitando-se um agravamento ainda maior. Sem a interferência estrangeira no continente, os camponeses e operários ficaram no fogo cruzado da disputa fratricida pelo poder por grupos, sem qualquer viés de classe.
A guerra civil no continente africano é o maior produtor de flagelados. São praticamente mais de 20 milhões de pessoas vagando pelo continente, sem ter para onde ir. São 20 milhões de pessoas que não são ideologicamente disputadas pela esquerda mundial.
O fato de não haver um capitalismo desenvolvido no continente não quer dizer que não é possível um programa de disputa ideológica sobre os camponeses e operários africanos. A esquerda mundial poderia começar em não marginalizar o estudo sobre a África.

    CRISE POLÍTICO-IDEOLÓGICA

    Ao encerrar o último ciclo periódico da economia capitalista (e com ele o padrão de acumulação vigente nas últimas quatro décadas), a atual crise esgota também as alternativas políticas que vinham sendo usadas pela burguesia para administrar o sistema. O keynesianismo/desenvolvimentismo havia sido considerado ultrapassado pela crise que começou na década de 1970 e vinha sendo substituído pelo neoliberalismo nas décadas de 1980 e 90. Agora, o próprio neoliberalismo está também ultrapassado pela crise que ajudou a produzir.
O discurso de “retirada do Estado da economia” usado para retirar a proteção social aos trabalhadores e para que o capital pudesse se apropriar da mais-valia gerada por setores estratégicos até então sob controle público, precisa ser esquecido no momento em que se dá a ação de salvamento financeiro da burguesia pelo Estado. O Estado capitalista assume os prejuízos das falcatruas privadas, socializando os custos do fracasso do “livre-mercado” neoliberal. Revela-se assim o caráter de classe do Estado burguês, a sua função primordial de garantidor da ordem capitalista e dos interesses da classe dominante nesse sistema.
Esse “retorno” do Estado obriga a burguesia a retirar de cena o discurso neoliberal. Entretanto, o eclipse do neoliberalismo não significa necessariamente um retorno automático ao velho keynesianismo/desenvolvimentismo, pelo simples fato de que essa alternativa também já havia sido esgotada. O keynesianismo/desenvolvimentismo pressupõe a capacidade do Estado de se endividar para fornecer o impulso à economia, gerando uma demanda capaz de desencadear a retomada da produção. O problema é que os resultados desse endividamento tendem a ser cada vez mais precários e provocar contradições mais graves no futuro.
A dificuldade de provocar a retomada do crescimento por meio do endividamento nas atuais condições de deterioração do crédito público da quase totalidade dos Estados capitalistas é uma limitação material, mais do que uma debilidade ideológica. Tanto o dólar como o euro, as principais moedas mundiais, estão tendo a sua viabilidade questionada, em função do grau de endividamento dos Estados Unidos e da União Européia, processo que se agravou com a atual crise e os pacotes de ajuda dispensados à burguesia financeira.
No contexto de desmoralização do neoliberalismo e na remota possibilidade de uma retomada do keynesianismo/desenvolvimentismo, a burguesia se encontra num “beco sem saída” político-ideológico. Sob esse aspecto a crise representa a auto-negação do sistema capitalista. A ausência de uma saída material imediata para as dificuldades econômicas e de sua correspondente doutrina teórico-política de legitimação obriga a burguesia a apelar para a pura ideologia, a fé e a psicologia. A função dos políticos e ideólogos capitalistas passa a ser difundir a crença de que “os mercados” podem se recuperar, de modo que a classe trabalhadora aceite dar sua cota de sacrifício e suporte passivamente os custos da crise.
O que existe de acordo no âmbito das forças que participam do jogo político institucional é a convergência em torno da necessidade de salvar o capitalismo via ações do Estado e dentro da institucionalidade burguesa, impedindo a todo custo a entrada em cena da classe trabalhadora.

    CRISE DA FORMA ESTADO

    A falência das alternativas político-ideológicas burguesas tanto keynesianas/desenvolvimentistas como neoliberais de administração do capitalismo é o sintoma de uma crise na própria forma do Estado burguês.
O sistema do capital funciona como uma totalidade hierárquico-conflitivamente estruturada, sujeita a contradições constantes. O sistema capitalista é um só enquanto lógica econômica unitária a reger as relações internacionais, mas existem vários Estados capitalistas particulares disputando o seu controle político.
O Estado é o “comitê gestor dos negócios da burguesia”, na definição de Marx. Mas os negócios da burguesia adquiriram uma escala que ultrapassa as fronteiras dos Estados-nação particulares e se desenrolam hoje num cenário global que nenhum Estado isolado tem poderes para gerir. O capitalismo mundial necessita de um Estado, mas o que ele tem são vários Estados nacionais de porte desigual. Nenhum Estado é capaz de funcionar hoje como um “Estado mundial do sistema do capital”. O fundamento do Estado, reconhecido pelos próprios teóricos burgueses desde o século XVII, é o monopólio do uso da força no interior do seu território como garantia da propriedade da classe dominante.
Nenhum Estado capitalista hoje detém esse monopólio. Nem mesmo os Estados Unidos, com uma capacidade militar maior do que a de todos os demais países do planeta juntos (além de ser a maior economia, o maior mercado consumidor, o emissor da moeda de reserva mundial e de deter a hegemonia na cultura mundial), são capazes de desempenhar esse papel, por mais que se esforcem para sê-lo. A perseguição dos interesses particulares da sua burguesia o empurram para essa posição de “polícia global do capital”, que tem sido exercida por meio da “guerra ao terror”, mas cuja legitimação tem se tornado cada vez mais problemática.
Essa auto-atribuída condição dos Estados Unidos de poder de polícia global não é aceita tranqüilamente pelas demais potências, que reagem a cada um dos seus passos com a ameaça de uma retomada da corrida armamentista. União Européia, Rússia e China são militarmente inferiores aos Estados Unidos mesmo consideradas em conjunto, mas tem suficiente força dissuasória para impedir agressões estadunidenses diretas aos seus interesses estratégicos mais vitais mesmo consideradas individualmente.
Dada essa situação do equilíbrio de forças, um Estado mundial do capital só poderia se impor, no limite, com base na destruição física das burguesias rivais e de amplos setores da classe trabalhadora mundial, constituindo-se como uma ditadura militar global sobre os escombros nucleares de um planeta devastado.
Ao não desencadear essa solução bárbara, os diversos Estados nacionais, inclusive os Estados Unidos, permanecem impotentes para controlar através dos seus instrumentos políticos convencionais as determinações inerentemente anárquicas da realização do capital mundializado. Diversos Estados imperialistas não constituem automaticamente em seu conjunto um único “Império” capitalista global capaz de exercer de forma coordenada a regulação da reprodução mundial do capital. As formas de coordenação precárias desenvolvidas através dos organismos internacionais (ONU, G8, G20, OMC, FMI, etc.) estão elas mesmas minadas pelas rivalidades interimperialistas.
O fracasso das reuniões de cúpula entre os dirigentes dos Estados capitalistas que tem sido encenadas desde a emergência da atual crise (11/2008 e 04/2009) ilustra a impossibilidade dessa coordenação. Os Estados Unidos exigiam da Europa maiores gastos públicos em pacotes de salvamento das finanças privadas, enquanto a Europa por sua vez exigia dos Estados Unidos um maior controle sobre as operações fraudulentas dessas mesmas finanças. Por trás dessa divergência, está a disputa entre as burguesias estadunidense e européia para descarregar uma sobre a outra uma parte dos custos da crise e também para se beneficiar privilegiadamente da recuperação capitalista que necessariamente só poderá se dar transferindo-se a maior parte desses custos para a classe trabalhadora mundial.
Os maiores Estados imperialistas estão eles próprios comprometidos com os interesses imediatos e particulares dessas frações parasitárias e rentistas da burguesia financeira mundial, a ponto de não poderem desenvolver estratégias coordenadas racionais do ponto de vista do capital como um todo no interesse de preservar a longo prazo o funcionamento do sistema.
Os Estados periféricos, por sua vez, perderam qualquer margem de ação para iniciativas autônomas de regulação e estruturação dos seus espaços econômicos internos tal como a que vieram a deter em determinados períodos do século XX. A política desses Estados não apresenta nenhuma alternativa real aos seus cidadãos em termos de formas de gestão da riqueza social que possam vir a se opor minimamente aos interesses imediatos do capital global. O capital financeiro internacional diretamente elege ou veta os governantes. Dissolve-se a autonomia relativa do Estado em relação à economia. A determinação da política pela economia se transforma em subordinação direta e quase sem mediações.
Na impossibilidade de dar vazão às rivalidades interimperialistas por meio da guerra convencional, o Estado precisa se voltar contra ameaças difusas, sem localização precisa no espaço e no tempo. A utopia tecnocrática burguesa do controle social total se materializa na paranóia da “guerra ao terror”, que pode se voltar contra qualquer alvo ao sabor das contingências. O Estado se entrega à ambição irracional de poder perseguir qualquer indivíduo no planeta como ameaça potencial. A condição de “inimigo público” pode ser atribuída a qualquer indivíduo ou setor de classe.
Quanto mais subalterno aos interesses da burguesia, mais o Estado se torna autoritário na relação com as demais classes. Os pretextos de “guerra ao terror”, “guerra às drogas”, “combate à violência”, se convertem em formas de legitimação para a construção de aparatos de repressão cuja função em última instância é conter os movimentos de resposta da classe trabalhadora à agudização da crise.
Ao mesmo tempo, a própria decomposição social precipitada pelas crises provoca um processo de lumpenização social que arremessa certos setores da população em atividades informais ou abertamente ilegais. Atividades ilegais proliferam nas margens da concorrência capitalista formal, empregando setores que pertenciam ao proletariado no contrabando, pirataria, tráfico de drogas, de armas, de órgãos, de imigrantes, exploração da prostituição, etc., enquanto a burguesia se encarrega da lavagem de dinheiro e da corrupção do Estado.

    CRISE AMBIENTAL

    Na ausência de uma coordenação racional por parte dos Estados capitalistas, que é na realidade impossível, a reprodução do capital impõe a sua dinâmica anárquica e irracional sobre todas as dimensões da realidade social.
Do ponto de vista do capital, o fato de que as mercadorias satisfaçam ou não alguma necessidade humana concreta é indiferente. Tanto alimentos quanto bombas atômicas são igualmente veículos para a realização do valor.
Para contornar as crises de superprodução, o capitalismo desenvolveu uma série de formas de consumo, estimulando a sociedade a adquirir uma ampla variedade de mercadorias que não correspondem a nenhuma necessidade real. Dentre essas formas de consumo podemos destacar:
1º) O consumo de armamentos pelo Estado. Quer sejam de fato utilizados em guerras ou apenas estocados em arsenais apocalípticos de altíssimo custo, os armamentos propiciam uma importante fonte de demanda para absorver de modo perdulário e irracional a capacidade produtiva crescente;
2º) O consumo de artigos de luxo pela burguesia, tais como mansões, iates, carros de luxo, jóias, alta costura, alta gastronomia, viagens, etc.;
3º) O consumo individualizado de bens de alto valor pela classe trabalhadora (casas, carros, eletrodomésticos, etc.), ao invés do uso racional de serviços públicos;
4º) A criação de novas necessidades (computadores individuais, telefones celulares com câmera fotográfica, TVs de plasma, etc.) em ritmo constante, de modo que haja sempre uma corrida dos consumidores, até mesmo dos trabalhadores mais pobres, para se “atualizar” em relação aos lançamentos e novidades do mercado.
Esse acúmulo escandaloso de objetos supérfluos é absurdamente considerado natural mesmo que a grande maioria da humanidade ainda não tenha sequer suas necessidades básicas atendidas e sua sobrevivência material assegurada, o que expressa dramaticamente a brutal inversão de valores e prioridades vigente nessa sociedade;
5º) A taxa de utilização decrescente das mercadorias. A criação de novas necessidades caminha paralelamente com a subutilização e a desvalorização precoce dos objetos existentes. Antes mesmo de terem sua utilidade concreta esgotada pelo consumo, as mercadorias são substituídas por novos artigos. Esses novos artigos, por sua vez, já contém em sua constituição a obsolescência programada: são produzidos para durar pouco e serem por sua vez precocemente substituídos por objetos ainda mais novos. Isso configura mais um aspecto da forma especificamente capitalista de produção destrutiva;
As conseqüências do funcionamento destrutivo do modo de produção capitalista se manifestam numa série de sintomas deletérios:
1º) Esgotamento dos recursos naturais como minérios, matérias-primas em geral, fontes de água doce, terras férteis, etc., por conta da exploração predatória;
2º) Esgotamento das fontes de energia, em especial dos combustíveis fósseis;
3º) Deterioração das condições de vida nas grandes cidades (favelização, colapso do transporte, barbárie social);
4°) Degradação ambiental (acúmulo de lixo, poluição das águas, do ar, aquecimento global, desordens climáticas, ondas de frio e calor, secas e inundações, destruição de florestas, extinção de espécies animais, perda de biodiversidade, etc.);
O recente reconhecimento do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU de que a emissão de gases provocada pela queima de combustíveis fósseis é responsável pela elevação da temperatura média no planeta (efeito estufa) não foi acompanhada de nenhuma medida prática para mudar a matriz energética mundial. Não existe autoridade política nacional ou internacional no interior do sistema capitalista capaz de impedir que a burguesia mundial continue explorando essa matriz energética ou dando curso a diversas outras práticas de produção destrutiva, sacrificando o futuro da humanidade ao seu lucro imediato. Apenas a destruição do capitalismo e a construção do socialismo pode sustar a atual destruição do meio ambiente global, remediar os estragos de dois séculos de capitalismo e estabelecer formas racionais de aproveitamento dos recursos naturais.

    CRISE ENERGÉTICA

    Um dos limites estruturais mais importantes dos quais o sistema capitalista se aproxima é o da exploração das fontes de energia. A economia capitalista se estruturou nos últimos dois séculos em torno do aproveitamento de fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis (carvão e petróleo) não-renováveis. Além dos problemas ambientais que o uso desse tipo de combustível acarreta, a sua utilização esbarra na disponibilidade física das reservas naturais economicamente aproveitáveis.
No caso específico do petróleo, além de fonte de energia, trata-se também da matéria-prima básica de uma enorme diversidade de produtos (borracha sintética, materiais de construção, tubulações, plásticos, utensílios domésticos, embalagens, tecidos, remédios, cosméticos, tintas, etc.) que se tornaram essenciais para a vida cotidiana, com conseqüências ambientais também problemáticas.
A crise econômica atual foi antecedida pelo 3º choque dos preços do petróleo (tendo os dois primeiros ocorrido em 1973 e 1979), que trouxe novamente à discussão a aproximação do fim das reservas economicamente aproveitáveis. Ainda que o choque de 2008 tenha tido componentes especulativos (assim como a alta dos preços dos alimentos no mesmo período) conjunturais, teve também um componente estrutural relacionado à proximidade do esgotamento das reservas.
Trata-se de uma questão particularmente dramática pelo fato de que as fontes alternativas de energia, sejam renováveis (solar, eólica, hidrelétrica, biocombustíveis) ou também não-renováveis (nuclear), não possuem viabilidade econômica para exploração em massa nos marcos das relações capitalistas de produção, mesmo que já possuam viabilidade técnica.
A impossibilidade de substituir a matriz energética da humanidade por fontes de energia renováveis e não poluentes por conta da vigência das relações capitalistas é mais um elemento estrutural poderoso que depõe contra a continuidade desse modo de produção.

    CRISE ALIMENTAR

    Em que pese o aumento bruto da produção mundial de alimentos, as formas especificamente capitalistas de distribuição impedem que uma parte significativa da humanidade tenha a condição de adquirir os alimentos básicos para sua sobrevivência.
Segundo reportagem da ALAI (Agência Latino americana de Informação) de 05/01/2009, até a década de 1960 os países da Ásia, África e América Latina produziam excedentes agrícolas exportáveis da ordem de US$ 7 bilhões anuais, num sistema em que a maior parte das terras, das sementes e do processo de produção e distribuição era controlado por pequenos camponeses. No final da década de 1980 esse excedente já havia desaparecido. A causa dessa inversão está no controle das grandes empresas transnacionais sobre a produção de alimentos. Atualmente 82% do mercado de sementes está controlado por patentes comerciais, sendo que 67% pertencem a um grupo de apenas 10 empresas. As produtoras de sementes são as mesmas empresas que controlam 89% do mercado de agrotóxicos. Essas mesmas empresas, por sua vez, controlam também 63% do mercado de medicina veterinária.
No terreno da distribuição, as 10 maiores processadoras de alimentos controlam 26% do mercado mundial, e 100 cadeias de supermercados controlam 40%. Esses números vem crescendo aceleradamente, passando de US$ 29 bilhões (sementes), US$ 259 bilhões (processadoras) e US$ 501 bilhões (distribuidoras) em 2002 para 49, 339 e 720 bilhões em 2007, respectivamente. A rede Wall Mart sozinha é a 26ª maior economia do planeta, com um porte maior do que o PIB de países inteiros como Dinamarca, Portugal, Venezuela e Cingapura, receptora de 10% do total das exportações da China.
A maior parte dessas corporações é controlada por fundos especulativos, cujos gerentes individualmente receberam uma média de US$ 588 milhões em 2007, cifra 19 mil vezes maior do que a remuneração anual de um trabalhador estadunidense médio, e 50 mil vezes a de um latino-americano.
O resultado dessa concentração e especulação foi um aumento de 31% nos preços do milho, 74% do arroz, 87% da soja e 130% do trigo, em 2008. A carestia e a fome provocaram rebeliões populares em 30 países. Os preços retrocederam depois desse pico, mas permanecem muito acima dos níveis de 2007. No início de 2009, um informe da FAO publicado em 30/03 numa conferência da ONU na Tailândia revelou que 32 países enfrentam situações de emergência alimentar, ameaçando um total de 963 milhões de pessoas (1/7 da população mundial) com desnutrição ou fome.

    CRISE CIVILIZACIONAL

    A crise econômica iniciada em 2007-2008 é a primeira crise do modo de produção capitalista plenamente mundializado. É uma crise da economia-mundo, que se inicia no núcleo do sistema capitalista e cujas ondas concêntricas se irradiam sobre todos os rincões do planeta, sem exceção. Todas as sociedades sentem o seu impacto e estão confrontadas com os impasses que a crise impõe.
Através dos vasos comunicantes da economia a crise se espalha mundialmente e se materializa num momento em que uma série de outras contradições vêm à tona e colocam em evidência a crise do modo de produção capitalista tomado como uma totalidade.
O fato de que a crise tenha explodido nos Estados Unidos, o próprio centro do sistema, demonstra que o seu “modelo” de sociedade não é viável.
O fato de que os economistas tenham se mostrado impotentes para conter a crise demonstra a falência ideológica da teoria e do projeto político neoliberal.
O fato de que as autoridades políticas mundiais não tenham chegado a um acordo sobre formas conjuntas de administrar a crise e se coloquem em aberta rivalidade na defesa dos interesses particulares de cada burguesia nacional demonstra que o Estado burguês não pode servir como instrumento eficaz para gerir as questões de interesse da humanidade.
O recente reconhecimento da relação entre a queima de combustíveis fósseis e o efeito estufa é só mais um exemplo dos inúmeros e graves danos ambientais que o capitalismo está causando ao planeta e que precisam ser urgentemente revertidos.
A elevação dos preços do petróleo pouco antes da eclosão da crise trouxe o alerta sobre a necessidade de mudar a atual matriz energética.
A alta dos preços dos alimentos quase no mesmo momento provocou revoltas em 30 países e demonstra a irracionalidade de um sistema econômico capaz de fazer a abundância produtiva conviver com a ameaça da fome que paira sobre quase um bilhão de pessoas.
Não é apenas a economia, mas também a política, a ideologia e o meio ambiente que se defrontam com sérios problemas. Todos esses fenômenos quase simultâneos vieram se somar à guerra, à miséria, à doença, à violência, à neurose e às diversas outras formas de barbárie com que convive a maioria da humanidade. Como se já não houvesse provas suficientes do fracasso do capitalismo enquanto forma de organização da vida social, a atual crise veio acrescentar toda uma nova série.
O pensamento dominante, oriundo da lógica social burguesa, sendo incapaz de explicar a realidade e sua crise, precisa refugiar-se na negação pura e simples da própria existência da realidade. A negação de qualquer sentido para a ação humana no mundo, individual e coletiva, é o conteúdo das filosofias irracionalistas do pós-modernismo, em suas diversas variantes. Experimenta-se uma crise da ciência, da arte, da literatura, da cultura de modo geral, que com raras exceções são hoje incapazes de fornecer respostas e comunicar um conteúdo em que o humano possa se reconhecer como humano. Isso abre espaço para o crescimento dos fundamentalismos religiosos e para diversas formas de pragmatismo, cinismo, ceticismo e niilismo, que inclusive abrem terreno para soluções políticas autoritárias de cunho neo-fascista.
O fracasso do capitalismo se projeta também no plano das relações humanas mais elementares. O estranhamento, a indiferença, a apatia, a insensibilidade, a solidão, a depressão, a frustração, o ódio indiscriminado são os sentimentos dominantes. Os assassinatos em série, suicídios, estupros, pedofilia, crueldade, sadismo, atos de barbárie e loucura são sintomas de uma ordem social incapaz de fornecer um sentido para a vida.
A simultaneidade e a articulação entre os diversos fenômenos, a profundidade dos problemas e a multiplicidade de níveis da realidade que estão sendo atingidos permitem dizer que não é apenas a economia capitalista mundial que está em crise, mas o conjunto da civilização. O capitalismo somente se reproduz por meio da ação humana, de modo que é a própria humanidade que está em crise.

    CRISE DA ALTERNATIVA SOCIALISTA

    As crises anteriores do sistema capitalista já provocaram catástrofes como as duas guerras mundiais, em que se sobressaem pesadelos como o holocausto nuclear e os campos de concentração. Não há limites para a burguesia em termos de barbárie quando se trata de defender seus interesses. Novas ondas de barbárie podem estar reservadas para o futuro conforme a crise se aprofunde e haja uma polarização da luta de classes.
A contra-revolução latente se projeta no presente na forma dos espectros da guerra, da militarização dos conflitos, da multiplicação dos aparatos de repressão, espionagem, vigilância e controle social, das medidas de criminalização do movimento social, da perseguição aos ativistas e lideranças. A contra-revolução só pode ser detida por meio do avanço da revolução.
A revolução se apresenta como uma necessidade objetiva. Milhões de trabalhadores estão perdendo seus empregos, tanto nos países centrais como na periferia, confrontados com a iminência da miséria. Ao mesmo tempo, a falsidade e a hipocrisia dos discursos políticos, nos quais se pede que os trabalhadores suportem “sua cota de sacrifício” para que se possa “sair da crise”, enquanto os especuladores embolsam impunemente seus milhões de dólares, tornam cada vez mais transparente o caráter de dominação e exploração inerentes ao sistema. A burguesia se demonstra incapaz de gerir a crise, respondendo por meio da mistificação e da violência.
O fato de que a decomposição do capitalismo tenha se tornado evidente na forma do fenômeno multifacetado da crise civilizacional não é por si só uma garantia automática de que esse sistema venha de fato a desaparecer. E muito menos assegura que, caso sobrevenha essa desaparição, quer ela tome a forma de violentas convulsões, quer de uma prolongada e calma putrefação, isso seja o sinônimo da afirmação automática de um sistema societário alternativo viável e auto-constituinte. A construção de uma alternativa societária global ao capitalismo só pode se dar por meio da ação política coletiva, consciente e organizada da classe trabalhadora mundial.
O maior problema está em que a crise do capitalismo coincide com a crise da alternativa socialista. O socialismo está ausente da consciência das massas como um projeto a ser construído a partir da transformação da realidade presente. O descrédito do projeto socialista provocado pela queda da URSS e pelo fracasso dos demais regimes burocratizados que lhe seguiram o exemplo se transformou em descrença na capacidade da ação humana de transformar a realidade, reforçados pela propaganda maciça das soluções individuais pautadas na lógica burguesa da competição.
Os organismos de luta da classe trabalhadora, partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais, estão integrados à administração da ordem estabelecida e canalizam a insatisfação dos trabalhadores para o beco sem saída da colaboração de classes com a burguesia.
Os setores que defendem uma saída socialista e revolucionária se encontram organizativamente fragmentados, entregues à miopia das disputas sectárias e o que é mais grave, incapazes de se conectar com a realidade do proletariado e se comunicar com os trabalhadores. As lições da derrota das experiências do século XX ainda não foram tiradas, o que impede as organizações de alcançar uma consciência adequada da realidade e das tarefas que estão colocadas. As organizações continuam atuando com métodos herdados das experiências derrotadas, religiosamente aferradas a palavras de ordem fossilizadas e profundamente avessas ao exame crítico e auto-crítico.
Nos períodos de crise os enfrentamentos se multiplicam e também a possibilidade dos saltos de consciência, individuais e coletivos. Aumenta também a possibilidade de ganhar os trabalhadores com a propaganda do socialismo. Mas para que isso aconteça é fundamental que os socialistas demonstrem na prática o funcionamento de suas idéias. Os meios tem que ser compatíveis com os fins. O respeito aos métodos da democracia operária se torna crucial para ganhar a confiança dos trabalhadores e resgatar a própria idéia de ação política e o projeto do socialismo do descrédito em que se encontram.
A reconstrução do projeto socialista passa pela edificação de uma referência organizativa, de caráter nacional e também no plano internacional, que funcione como uma direção em que os trabalhadores possam se sentir representados e por meio da qual possam se tornar os autores da própria emancipação.

    PROPOSTA DE RESOLUÇÃO POLÍTICA INTERNACIONAL

    1 A crise econômica segue se aprofundando, com uma tendência à depressão se desenhando no horizonte. As tentativas da burguesia de contenção da crise por meio de medidas econômicas, como a injeção de quantidades massivas de dinheiro no mercado, têm o efeito de adiar momentaneamente a aceleração da crise. Entretanto, uma solução mais profunda para a crise, do ponto de vista da burguesia, só pode se dar no plano da luta de classes, da disputa política, de um ataque brutal contra a classe trabalhadora mundial. A burguesia precisa reverter todas as conquistas sociais do proletariado, de modo a extrair quantidades ainda maiores de mais-valia e retomar o processo de valorização do capital deteriorado em seu poder. Estão na alça de mira da burguesia os empregos, os salários, as condições de trabalho e os direitos conquistados pelos trabalhadores em séculos de luta.
2 O imperialismo não dispõe hoje da capacidade política para desencadear, no curto prazo, um ataque na escala daquele que seria necessário. A crise irrompe e se irradia justamente a partir da maior potência imperialista, que são os Estados Unidos. Isso fragiliza a capacidade de iniciativa dos Estados Unidos, que já vinha sendo desgastada pelos processos de resistência contra as ocupações militares no Oriente Médio e contra as políticas neoliberais na América Latina (ainda que distorcidos pelo nacionalismo burocrático). Os Estados Unidos já não podem impor unilateralmente a sua política e ao mesmo tempo as outras personificações do capital, como a burguesia européia e a burocracia chinesa também apresentam resistência aos ditames estadunidenses, em nome de seus próprios interesses. A impossibilidade de coordenação do imperialismo diante da crise, as rivalidades entre as diversas burguesias e a resistência dos povos configuram uma situação de crise da dominação imperialista.
3 A crise econômica atual representa a culminação de uma série de processos no decorrer dos quais os diversos modelos capitalistas de administração da vida social, do keynesianismo ao neoliberalismo, demonstraram materialmente a sua inviabilidade. O capitalismo aparece nessa crise como um sistema ideologicamente derrotado. A consumação da ascendência histórica do capital, a sua afirmação como um sistema mundializado, tem como resultado a sua auto-negação. A crise econômica coincide também com a crise ambiental, energética, alimentar, cultural. Todas essas facetas da crise atual se articulam e configuram o esgotamento do modo de produção capitalista como uma totalidade, ou seja, uma crise civilizacional, que aponta para a necessidade cada vez mais evidente de superar o capitalismo.
4 A crise da dominação imperialista, a crise ideológica do capitalismo, a crise civilizacional da humanidade, são fenômenos de largo alcance histórico que se tornam nítidos no decurso de uma crise econômica que tende para a depressão. O significado desses fenômenos é uma mudança no caráter da situação histórica, a emergência de uma nova situação revolucionária em nível mundial. As personificações do capital não dispõem das ferramentas teóricas e práticas para administrar o sistema em crise. E a crise do sistema colocará para amplos setores do proletariado mundial a necessidade de entrar em luta para defender sua própria sobrevivência, uma luta que só poderá ser bem-sucedida se apontar para a superação do capital.
5 O sistema capitalista mundial convive com a existência de uma multiplicidade de Estados nacionais, que respondem aos interesses das frações nacionais da burguesia. A crise tende a agravar as rivalidades interimperialistas, em função da disputa pelas fontes de matérias-primas. Tal disputa forçará o imperialismo a aprofundar os processos de recolonização direta da periferia. Nesse processo devem se agravar as guerras de ocupação imperialistas, as guerras civis fomentadas pelo imperialismo, a escalada dos regimes autoritários, a militarização dos conflitos sociais e o fortalecimento dos aparatos repressivos. A escalada de militarização e repressão coloca no primeiro plano a defesa do direito à autodeterminação dos povos, a luta contra as ocupações imperialistas, e no plano interno, a defesa das liberdades democráticas, do direito de greve, do direito de organização política, da liberdade de expressão, e contra a criminalização dos movimentos sociais.
6 Do ponto de vista ideológico, o imperialismo precisa justificar suas intervenções apresentando as oposições à política da burguesia como expressões da barbárie e do irracional. O imperialismo precisa criar um falso adversário – o terrorismo, por exemplo – para desencadear um ataque real contra a classe trabalhadora. Nesse contexto se enquadra também a perseguição aos imigrantes nos países imperialistas, a divisão do proletariado em função de rivalidades étnicas, religiosas, lingüísticas, culturais. Esse tipo de divisão dá a oportunidade para o reaparecimento político da xenofobia, do racismo, do nacionalismo e do fascismo.
7 A mundialização do capital dissolve o controle do Estado burguês sobre a organização interna dos espaços territoriais sob sua jurisdição. Esses espaços precisam ser formatados para o usufruto do capital no quadro de uma divisão internacional do trabalho específica. Tanto os Estados imperialistas quanto os periféricos têm um papel específico a cumprir nessa tarefa, com um sentido global de forçar a classe trabalhadora a aceitar níveis maiores de exploração. Esse imperativo tende a esvaziar as alternativas disponíveis no interior da democracia burguesa, em direção a uma uniformidade no perfil político dos dirigentes do Estado. Todos os partidos convergem nas formas de administração dos interesses do capital, reduzindo as eleições a uma farsa sem conteúdo. Os casos de Obama nos Estados Unidos e Lula no Brasil são paradigmáticos desse esvaziamento da democracia burguesa, em que os dirigentes implementam políticas opostas àquelas pelas quais seus eleitores os escolheram.. Para além desse esvaziamento, a democracia burguesa experimentará a necessidade de reprimir os conflitos sociais provocados pela agudização da crise, recorrendo a mecanismos cada vez mais autoritários.
8 Além de incorporar os partidos ditos de oposição e cooptá-los para tarefas inclusive de repressão, a democracia burguesa coloca em crise também as organizações tradicionais da classe trabalhadora. A ofensiva política e ideológica da burguesia se aprofundou até o ponto de transformar os instrumentos de defesa da classe em órgãos auxiliares de ataque sobre a classe. Os sindicatos deixaram de apresentar oposição à degradação das condições de vida do proletariado e passaram a ser fóruns de homologação e legitimação das demissões, reduções salariais e retirada de direitos, tudo isso em nome da necessidade de colaborar para a superação da crise. Essa situação é o resultado de uma política secular de limitação do sindicalismo à luta economicista, desprovida de uma perspectiva política de superação do capitalismo.
Para além da degeneração política dos sindicatos, a sua atuação está comprometida também por uma corrosão mais estrutural, que diz respeito ao esvaziamento da sua função essencial de negociar o preço da força de trabalho. A existência de um mercado mundial de força de trabalho permite à burguesia comprar essa mercadoria pelo preço que lhe for mais favorável, retirando qualquer poder de negociação dos trabalhadores. Isso traz a necessidade de superar o limite da atuação sindical em direção a ações radicais, que questionem a propriedade dos meios de produção, por meio das ocupações de fábrica e exigências de encampação dos empreendimentos capitalistas que ameacem fechar ou se deslocar para outros países. A crise atual já provocou algumas ações desse tipo, que no entanto não se generalizaram.
9 No plano da política mais geral, a oposição ao imperialismo vinha sendo monopolizada pelo nacionalismo burocrático, fenômeno tipicamente latino-americano, do qual o chavismo é o protótipo. Essa alternativa não rompe com o capitalismo, mas faz concessões às massas, garantindo respaldo eleitoral. Em face da crise do capitalismo, a burocracia procurará preservar seu controle sobre o Estado, garantindo sua base de sustentação social, recorrendo se preciso a medidas autoritárias contra os trabalhadores mais mobilizados, mas mantendo também distância do imperialismo. Isso significa, de um lado, um avanço das nacionalizações chavistas, e de outro uma redução do ritmo da restauração capitalista na China ou em Cuba. Em ambos os casos, as burocracias precisarão impedir o desenvolvimento de alternativas políticas anti-capitalistas e socialistas entre as massas.
10 A questão mais imediata com a qual está defrontado o proletariado mundial é o emprego. A primeira reação da burguesia diante da crise é a extinção de empregos. E os surtos de recuperação do mercado de ações (tido pela imprensa burguesa como prova da recuperação da economia) que ocorrem no interior da crise acontecem sem que haja uma retomada do emprego. O capitalismo aprofunda cada vez mais a prevalência do trabalho morto sobre o trabalho vivo. A defesa do emprego passa pela negação da lógica do capital, através da reivindicação de redução de jornada sem redução de salário, para que haja emprego para todos, e que os trabalhadores se beneficiem dos avanços tecnológicos hoje apropriados pela burguesia.
11 O controle da produção de alimentos pelo capital, na figura das mega-corporações transnacionais da indústria alimentícia, é uma das questões cruciais com as quais estará enfrentado o proletariado no próximo período. A alta dos preços dos alimentos e as revoltas em dezenas de países, imediatamente antes da crise, foram provocados pelo controle do latifúndio e do agronegócio sobre a produção de alimentos, o que demonstra a incapacidade do capitalismo de atender as necessidades humanas. A defesa da vida, da produção de alimentos saudáveis e de forma sustentável, passa pela defesa do controle da terra pelos trabalhadores.
12 A crise tende a colocar as massas em movimento em defesa de suas condições de vida. Trabalhadores já se mobilizam em todos os continentes, com ritmos e intensidades diferentes, em defesa do emprego, dos salários, dos direitos sociais ou até mesmo pelo simples acesso a alimentos. Entretanto, as lutas de resistência estão atomizadas, limitadas a setores particulares da classe em cada país, sem atingir a massa crítica suficiente para mobilizar o conjunto do proletariado e impulsionar uma ruptura da ordem. As lutas são limitadas pela ausência de uma perspectiva de superação do capitalismo. Faz-se sentir com todo o peso o retrocesso na consciência dos trabalhadores das últimas décadas, a crise da alternativa socialista.
13 A crise do capitalismo é uma crise que afeta a totalidade do modo de vida. A resposta da classe trabalhadora precisa também, além de defender as condições imediatas de vida, repensar a totalidade do processo de reprodução social. O atual padrão de consumo perdulário e destrutivo precisa ser substituído por uma forma racional de gestão dos recursos naturais e tecnológicos, que coloque a produção a serviço das necessidades humanas, e contemple inclusive a reversão dos danos ambientais provocados pelo capitalismo, a busca de fontes de energia renováveis em substituição aos combustíveis fósseis, e a garantia do fornecimento de uma alimentação saudável e produzida de forma sustentável para todos os seres humanos.
14 A crise do capitalismo coincide com a crise da alternativa socialista. As organizações políticas revolucionárias a quem caberia a tarefa de desenvolver a consciência socialista se encontram numa situação de marginalidade social e política, sem inserção e influência junto à classe. A esquerda em nível mundial não se recuperou da derrota política provocada pela queda da URSS e do seu modelo. Esse estado de prostração se deve à incapacidade de explicar os motivos da derrota do socialismo na URSS e à persistência de concepções fossilizadas e métodos auto-proclamatórios em substituição a uma explicação real. A reconstrução do projeto socialista passa pela superação do desafio teórico de explicar as derrotas do socialismo no século XX, mas acima de tudo pelo desafio prático de reconstruir o projeto socialista como alternativa política, social e civilizatória para a classe trabalhadora.
O movimento operário carece de uma direção conseqüente. Nos locais em que as lutas estão mais avançadas, os governos burgueses derrubados pela mobilização popular foram sucedidas por outros governos burgueses. Não há avanço na consciência. Os partidos revolucionários, com o fetiche da construção da organização a qualquer custo, transformam o movimento em sua propriedade. O crescimento da organização deve estar serviço do crescimento do movimento. Isso não significa que se deve secundarizar o papel e a importância do partido.
15 As lutas defensivas da classe trabalhadora contra os efeitos da crise precisam superar a ausência de uma alternativa organizativa que sirva como referência política e ideológica do socialismo. A alternativa organizativa não se constitui apenas de um ou vários partidos ou organizações que reivindiquem o socialismo, mas para além disso, de uma instância capaz de organizar o setor de vanguarda da classe, na forma de uma frente unitária dos trabalhadores em luta. Essa frente precisa ser capaz de aglutinar as organizações sindicais, estudantis, camponesas e populares, conforme a realidade de cada país, com um programa classista e anti-capitalista. É preciso que a classe desenvolva uma alternativa unitária e autônoma em relação aos governos de plantão e aos órgãos do Estado burguês, capaz de desenvolver a disputa política e ideológica contra a burguesia e em defesa do socialismo.
16 A defesa do socialismo vai além do combate contra a anarquia da produção capitalista no plano econômico ou mesmo ambiental. O desenvolvimento de uma alternativa civilizatória precisa dar conta também dos aspectos culturais e subjetivos da vida, sem os quais os indivíduos não encontram motivação psicológica e moral para se envolver em qualquer projeto. A despeito de toda a sua irracionalidade, destrutividade e miséria, o capitalismo mantém um fascínio sobre os indivíduos, capaz de mantê-los atados a suas falsas promessas de realização e felicidade. É preciso combater esse fascínio por meio da construção de ambientes e horizontes reais de emancipação e superação de todas as formas de alienação.
17 A abertura de uma nova situação revolucionária em nível mundial pode ser resolvida pela burguesia por meio da contra-revolução. Para que a situação seja resolvida em favor da classe trabalhadora, é preciso que o movimento socialista recoloque em discussão a questão do poder. A superação do capitalismo e a construção do socialismo precisarão passar pela destruição do poder político da burguesia e pela edificação de um contra-poder operário. Essa deve ser a tarefa dos socialistas em cada país, como parte de uma revolução socialista mundial.

    PALAVRAS DE ORDEM

    – Direito à auto-determinação dos povos. Que os povos de cada país sejam livres para decidir seu destino, sem a interferência de outros Estados.
– Fora todas as tropas de ocupação imperialista ou a seu serviço em qualquer território. Retirada dos Estados Unidos do Iraque e do Afeganistão. Fora Israel de Gaza e da Cisjordânia. Destruição do muro que isola os povos palestinos. Fora tropas de ocupação, inclusive do Brasil, do Haiti e do Líbano. Retirada de todas as bases militares estrangeiras. Retirada das bases militares estadunidenses de todos os países. Retirada das bases da OTAN do leste europeu. Expulsão dos agentes de espionagem e de contra-informação imperialistas e burgueses.
– Defesa da soberania dos países, considerados pelos EUA como “Eixo do Mal” (Irã, Coréia do Norte e Cuba) Contra qualquer sanção, retaliação ou invasão a esses países.
– Todos os povos têm o direito de defender seu território. Nenhum povo pode ser obrigado a se desarmar enquanto as potências imperialistas dispuserem de arsenais nucleares e de destruição de massa e de sistemas de espionagem e contra-informação imperialistas e burgueses.
– Desarmamento de todas as potências nucleares. Desmantelamento dos arsenais de armas de destruição em massa. Desmantelamento das armas nucleares, das armas químicas e bacteriológicas. Desmantelamento dos sistemas de espionagem e contra-informação.
– Punição a todos os criminosos de guerra em tribunais internacionais permanentes dos trabalhadores, independentemente do país de origem. Fim da tortura e punição para todos os seus praticantes.
– Dissolução do Estado de Israel. Por um Estado laico, democrático e que congregue o proletariado multi-étnico no território da Palestina. Por uma confederação socialista do Oriente Médio.
– Soberania inviolável de todas as nações. Cada povo é senhor de seu território e das riquezas correspondentes e tem o direito de dispor sobre elas como melhor atender suas necessidades. Solidariedade aos povos dos países com recursos escassos.
– Controle de cada país sobre os empreendimentos estrangeiros em seu território. Fim da remessa de lucros. Estatização do capital financeiro, sob controle dos trabalhadores.
– Solidariedade às lutas dos trabalhadores em todos os cenários onde elas são travadas, independentemente de qual seja o país, religião, etnia ou gênero dos envolvidos.
– Pelo não pagamento das dívidas externas e internas, contra a servidão dos povos e dos trabalhadores ao capital financeiro. Os países imperialistas devem reparar os países colonizados e oprimidos pelos anos de saque de suas riquezas naturais e exploração de suas populações. Indenização aos países africanos pelos anos de escravização dos negros.
– Reparações pelos Estados Unidos e demais países imperialistas aos países vítimas de crimes de guerra, prática de tortura, abusos das transnacionais, crimes ambientais, crimes contra a saúde pública, etc.
– Punições, multas e expropriação das transnacionais de qualquer procedência que violarem a legislação de cada país, suas normas trabalhistas, ambientais, fiscais, etc.
– Revogação de todos os paraísos fiscais, pois executam a lavagem de dinheiro da máfia, da sonegação fiscal e da corrupção. Que todo o dinheiro depositado em contas secretas seja revertido para os países de origem sob controle de seus povos.
– Dissolução da ONU. Por uma organização internacional dos trabalhadores.
– Regulamentação dos direitos trabalhistas para todos os trabalhadores do mundo: duração da jornada, condições de trabalho, salário mínimo.
– Fim de qualquer perseguição em função de crenças religiosas, traços culturais, cor da pele, etc.
– Igualdade de direitos para homens e mulheres.
– Livre circulação dos trabalhadores pelas fronteiras de qualquer país. Fim da perseguição aos imigrantes, plena integração às sociedades onde vivem, direito ao trabalho, livre acesso a todos os serviços sociais.
– Fim da xenofobia e da perseguição dos imigrantes.
– Destruição imediata do muro levantada pelo imperialismo na fronteira dos EUA e México.
– Legalização de todos os imigrantes. Direitos e salários dos negros e imigrantes iguais aos dos demais trabalhadores.
– Fim do trabalho escravo e do tráfico de seres humanos. Fim do trabalho infantil.
– Fim da exploração sexual de mulheres e crianças. Fim da exploração sexual de transexuais, homossexuais e travestis.
– Redução da jornada de trabalho sem redução de salário, para garantir o pleno emprego.
– Não ao confisco das propriedades dos trabalhadores e da classe média. Anulação das dívidas dos trabalhadores e da classe média com os bancos.
– Estabelecimento de metas de redução da poluição do ar, da água e do solo, de reciclagem do lixo, de produção orgânica e ambientalmente sustentável, com expropriações a todas as empresas que as descumprirem, com punição dos responsáveis.
-Pelo uso racional dos recursos naturais, isto é, de acordo com as necessidades humanas, como no caso do petróleo e da água
– Direito de cada nação de preservar sua cultura por meio da limitação de entrada, sob controle dos trabalhadores, de produtos culturais estrangeiros. Subsídios para a cultura local, defesa da língua, da literatura e da tradição de seu próprio povo.
– Formação de uma Organização Internacional dos Trabalhadores, estruturando-se a partir das lutas concretas do proletariado em cada país.. Que essa Organização Internacional seja armada de um programa de ruptura do capitalismo e de construção da revolução socialista mundial.
– Por um poder socialista dos trabalhadores. Por uma Sociedade Socialista Internacional.