Boletim 19 – Declaração do Espaço Socialista contra os ataques a Gaza
25 de fevereiro de 2009
No dia 27 de Dezembro de 2008 as Forças Armadas de Israel (cinicamente denominadas Força de Defesa) lançaram um ataque contra a população palestina de Gaza, primeiro por meio de bombardeios aéreos, seguidos logo depois por uma invasão por forças de infantaria. Os ataques provocaram até agora, segundo a imprensa burguesa, mais de mil mortes e milhares de feridos. Mas, pelo poderio bélico do exército israelense e pelo seu desejo de sangue, o número de mortos na realidade o número deve ser bem maior. Os ataques atingem pesadamente a população civil, destruindo residências, escolas e hospitais (inclusive da ONU), matando indistintamente homens, mulheres, crianças e idosos. O pretexto alegado para o ataque seria a repressão aos combatentes do Hamas, cujos ataques ao sul de Israel com mísseis caseiros provocaram a morte de 5 civis. Na realidade, foi o exército de Israel quem rompeu o cessar-fogo de seis meses, recusando-se a levantar o bloqueio contra Gaza e atacando integrantes do Hamas no dia 4 de Novembro, data das eleições estadunidenses.
A população de Gaza, cerca de 1,5 milhão de habitantes, se comprime num exíguo território de 360 km², e ao longo dos últimos anos tem sido vítima de constantes incursões armadas do exército israelense, que tem feito das chacinas uma rotina diária. Como se não bastasse isso, a economia da região tem sido asfixiada pelo bloqueio israelense. Os palestinos sobrevivem praticamente às custas da ajuda humanitária internacional. As instalações elétricas e de tratamento de água tem sido sistematicamente destruídas por Israel. Faltam comida, remédios e água potável. Hospitais, escolas e prédios públicos também tem sido atacados e as instituições da sociedade palestina estão em colapso.
O governo do primeiro-ministro israelense Ehud Olmert está paralisado por denúncias de corrupção e enfrentará eleições em fevereiro. Nada melhor para desviar a atenção do público do que mais uma guerra contra os povos árabes. Desde sua criação Israel desobedeceu dezenas de resoluções da ONU e zombou do direito internacional e das regras democráticas mais elementares, apoiado no seu poderio militar e no respaldo dos Estados Unidos.
A guerra atual também satisfaz a cúpula das Forças Armadas, humilhadas pela derrota frente ao Hizbolá na guerra que devastou o sul do Líbano em 2006. A política israelense é controlada por uma camarilha militar. Os setores da população israelense que são contra a ocupação dos territórios palestinos são socialmente marginalizados e politicamente impotentes. Ex-generais ocupam quase todos os postos importantes na administração civil e estão em todos os partidos. O serviço militar por dois anos é obrigatório para ambos os sexos. Com uma população de menos de 7 milhões de habitantes, Israel possui um dos maiores e mais bem armados exércitos do mundo, graças também ao apoio incondicional dos Estados Unidos. O recém-eleito presidente estadunidense Barack Obama já sinalizou em sua campanha que manterá esse apoio incondicional.
A constituição de Israel como um Estado teocrático, em que a cidadania é garantida por filiação religiosa e o expansionismo ilimitado é interpretado como um dever religioso fundado na Bíblia, obedeceu aos interesses dos Estados Unidos de criar um enclave no Oriente Médio, região rica em petróleo. A formação de um tal Estado não teve nada a ver com a luta dos judeus contra o anti-semitismo que os perseguiu durante séculos e que teve sua culminação no Holocausto perpetrado pelos nazistas. Hoje Israel conduz seu próprio Holocausto contra a população palestina.
Os 1,5 milhão de palestinos que vivem em situação de miséria e degradação em Gaza são parte dos mais de 4 milhões de palestinos expulsos de suas terras desde a formação de Israel em 1948 e obrigados a viver como párias e mendigos em campos de refugiados no Líbano e na Jordânia. Nesses mais de 60 anos os palestinos tem sido expulsos de suas terras, privados do acesso à água e às condições elementares de vida. Seus líderes tem sido encarcerados, torturados e mortos. Os palestinos tem sido sistematicamente descritos pela mídia como fanáticos e terroristas, enquanto Israel, uma ditadura militar governada por religiosos de extrema-direita, é apresentado como farol da democracia no Oriente Médio.
Israel e seu mandante, os Estados Unidos, posam de defensores da democracia, mas se recusam a reconhecer o Hamas, que foi democraticamente eleito para administrar os territórios palestinos. Ao invés disso, reconhecem como dirigente dos palestinos o empresário Mahmoud Abbas (que fornece cimento para a construção dos muros israelenses na Cisjordânia), do corrupto partido Fatah. O imperialismo e a mídia querem fazer do Hamas o culpado pelas mortes. Para isso contam com a colaboração dos governos burgueses dos países árabes, em especial do Egito e da Arábia Saudita, marionetes servis do imperialismo, opressores ferozes de seus povos e temerosos da ascensão de grupos radicais islâmicos.
Nós do Espaço Socialista discordamos da linha política do Hamas e de outros grupos e governos fundamentalistas islâmicos, bem como discordamos do terrorismo como método de luta. Como socialistas, consideramos que apenas a mobilização e a auto-organização dos trabalhadores pode trazer uma solução para o povo palestino. Entretanto, reconhecemos o direito dos palestinos à resistência armada e repudiamos a agressão israelense. O governo de Israel repete os nazistas e a luta dos palestinos em Gaza repete a luta dos judeus no gueto de Varsóvia.
A solução dos problemas do povo judeu não está na formação de um Estado Nacional baseado na expulsão e massacre de outro povo. Essa falsa solução transformou o povo judeu, antes elemento de progresso e cultura, em instrumento da barbárie. O povo judeu, que produzia gênios humanistas e cosmopolitas como Marx, Einstein e Freud, depois da criação de Israel passou a produzir monstros como Ariel Sharon, que não deve nada em crueldade aos carrascos nazistas. O nacionalismo e as guerras apenas beneficiam as classes dominantes. São sempre os trabalhadores e o restante do povo que morrem e sofrem, seja nas trincheiras, seja como vítimas dos danos colaterais.
Uma coisa é o povo judeu no mundo inteiro, os trabalhadores judeus, seu passado, sua cultura, sua luta, a tragédia do Holocausto; outra coisa é a burguesia judia e seu Estado de Israel, uma entidade política que não foi criada no vazio, mas construída sobre a base da expulsão, massacre, tortura e degradação de outro povo, que não tem o objetivo de proteger os judeus que para lá foram atraídos, mas de cravar uma adaga no coração do Oriente Médio a serviço da burguesia internacional, em especial estadunidense, judia e não-judia, ligada ao complexo industrial-militar e ao setor petrolífero.
A burguesia judaica estadunidense, que controla parte das finanças e da mídia do principal país imperialista, continuará tranquilamente instalada em Wall Street e em Hollywood, beneficiando-se da pilhagem capitalista do restante do mundo, promovendo uma guerra na qual os outros irão morrer e sofrer, explorando sentimentos religiosos e promessas bíblicas em pleno século XXI. A solução dos problemas dos trabalhadores do mundo inteiro não está nas guerras entre povos por falsos pretextos como religião e territórios, mas na guerra de classes contra a burguesia, pela destruição do capitalismo e pela emancipação humana de todas as formas de alienação.
Não somos contra o povo judeu, somos contra a burguesia e o capitalismo mundial. Somos a favor dos trabalhadores, sejam eles judeus, muçulmanos ou cristãos, na Palestina e no restante do mundo. O Estado de Israel é uma armadilha para os próprios trabalhadores judeus, obrigados a viver em guerra constante contra seus vizinhos palestinos e árabes. Só pode haver paz na região para os trabalhadores judeus e palestinos por meio da derrubada desse Estado e de sua ditadura militar-religiosa e pró-imperialista. Isso só pode acontecer por meio de uma revolução socialista conduzida pelos trabalhadores judeus e palestinos. Defendemos portanto o fim do Estado de Israel e a formação de um Estado palestino laico e multi-étnico, governado por organizações dos trabalhadores judeus e palestinos.
Exigimos o fim dos ataques israelenses a Gaza, o fim do bloqueio econômico aos territórios palestinos. Defendemos o direito dos palestinos de se auto-organizarem e se defenderem da agressão israelense.
O governo Lula, coerente com seu caráter burguês e pró-imperialista, mantém uma ocupação no Haiti por tropas brasileiras tão criminosa quanto a de Gaza por Israel. O governo brasileiro criou um incidente com o Equador para proteger as transnacionais brasileiras associadas ao capital imperialista naquele país. Entretanto, esse mesmo governo se recusa a romper com o Estado terrorista de Israel, que promove crimes contra a humanidade em Gaza. Os trabalhadores brasileiros precisam ser solidários aos seus irmãos no mundo inteiro e isso significa se colocar contra o governo Lula. Os trabalhadores precisam se mobilizar para exigir a retirada das tropas brasileiras do Haiti, a ruptura das relações diplomáticas com Israel, o fim dos acordos comerciais do Mercosul com aquele país, e também construir a mais ampla defesa e solidariedade internacional para com o povo palestino.
Fora as tropas isralelenses da Palestina!
Fora as tropas estadunidenses do Iraque e do Afeganistão!
Por uma Palestina laica, multi-étnica e socialista!
Por uma Federação Socialista dos Povos do Oriente Médio!
Espaço Socialista, Janeiro de 2009