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Ciência a Serviço do Racismo


3 de janeiro de 2009

Eduardo Rosa – Coletivo de Resgate Afro Rosas Negra

 

Depois de seqüestrar mais de seis milhões de homens e mulheres de seus países de origem, em África, para escravizá-los a sociedade mundial, em específico a brasileira tenta se livrar da possibilidade de um eventual acerto de contas.

Durante 350 anos, no Brasil, africanos e seus descendentes foram escravizados e obrigados a construir a riqueza desse imenso país, de características continentais. São mais de três séculos de torturas, estupros e os mais variados tipos de humilhações.

Teorias “cientificas” foram desenvolvidas ao redor do mundo para provar a superioridade do “homem branco” europeu em relação aos homens não “brancos”, principalmente africanos e seus descendentes.

Em Maio de 1888, quando assinada a “Lei Áurea”, que pôs fim à escravidão legal, não foi garantida a indenização financeira pelos 350 anos de trabalho. O trabalho assalariado, distribuído entre imigrantes europeus, foi negado aos negros e negras livres, que passaram a ser os primeiros desempregados, sem tetos, sem terras e sem identidades. Fomos finalmente libertados, mas para morrer de fome, frio ou exterminados pelos poderes repressivos constituídos à época.

Como o número de negros nos centros urbanos era muito alto foi necessário encontrar meios não apenas de nos retirar dos grandes centros, mas de acabar com qualquer possibilidade de luta por reparações ou por um simples emprego assalariado. No entanto, a repressão não foi suficiente. O chicote e a tortura não tiraram do nosso povo o sonho de liberdade. Foi necessária uma política sistemática de desqualificação da população negra. No início, foi trabalhoso convencer os negros, da época, de que tendo construído as riquezas do país e impulsionado a economia européia, não poderiam ser preguiçosos e desqualificados para o trabalho assalariado.

Dessa situação nasceram os diversos mitos: O de que o negro é preguiçoso, de que no Brasil não existe racismo, de que somos todos iguais, o de que discriminação no Brasil é contra o pobre e não contra o preto, etc. E para dar seqüência à política de exclusão do povo negro e minar sistematicamente nossa resistência, se construiu mais um: o de democracia racial, que afirma sermos todos iguais com oportunidades iguais, ou seja, “ninguém é deixado de lado pelo fato de ser preto, são os pretos que não são suficientemente esforçados”. Concomitante a isso se construiu a “teoria do embranquecimento”, que afirma sermos todos iguais, entretanto, “quanto mais claro melhor”. Essas duas políticas são demasiadas cruéis e puderam criar as condições necessárias para que a burguesia nos mantivesse fora dos mais variados seguimentos da sociedade.

Num breve giro podemos observar que a sociedade mundial é “sócia majoritária” do Brasil tanto no processo de escravidão de homens e mulheres africanos, quanto na segregação em escala mundial.  Os Estados Unidos exterminou milhares de negros para não lhes “conceder” direitos civis mínimos, além de fornecer-lhes, direta ou indiretamente, armas para o auto-extermínio. A Inglaterra enquanto “pressionava” o Brasil, último país a pôr fim a escravidão legal, promovia guerras fratricidas e a partilha da África, além de manter Mandela na prisão por quase 30 anos. A Bélgica promoveu a destruição em Ruanda com a guerra entre Hutus e Tutsi, etc. No entanto, esses fatos não podem servir para retirar da burguesia brasileira a sua responsabilidade.

Agora a inovação ao ataque, contra os negros brasileiros, conta novamente com o apoio da Biologia. Utilizada anteriormente para tentar provar a “superioridade branca” e para tentar afirmar que a única raça existente é a “raça humana”, tenta utilizar, neste momento, os estudos do genoma humano para tentar mostrar que os negros brasileiros têm mais genes europeus do que africanos. O que está por trás dessa discussão é a tentativa de livrar a sociedade brasileira de possíveis reparações, ações afirmativas,  e da adoção de cotas proporcionais de inclusão para negros, em todos os seguimentos sociais.

Num estudo realizado pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, a pedido da  BBC-Brasil (Inglesa!!), foi traçado o perfil genético de nove famosos negros brasileiros através da análise de seu DNA, como parte do projeto Raízes Afro-brasileiras. A pesquisa mostrou, por exemplo, que o Neguinho da Beija-Flor, sambista carioca, é geneticamente mais europeu do que africano. De acordo com essa análise, 67,1% dos genes de Luiz Antônio Feliciano Marcondes, o Neguinho, têm origem na Europa e apenas 31,5%, na África.

Outro exemplo é o da ginasta Daiane dos Santos. Segundo o estudo a atleta gaúcha tem 39,7% de ancestralidade africana, 40,8% européia e 19,6% ameríndia. Dos nove indivíduos analisados, foi Daiane quem apresentou as proporções mais equilibradas entre os três principais grupos que deram origem à população brasileira.

O estudo afirma que o brasileiro é um dos povos mais miscigenados do mundo. Mas, o que é indiscutivelmente “puro”, no Brasil, é o racismo que exclui social, política e economicamente metade da população brasileira, a metade negra. Isso sim desmascara o “modelo democracia racial”.

Diversas conclusões podem ser tiradas desta iniciativa da BBC, com amplo apoio da rede Globo “fiel escudeira” na luta contra as políticas de ações afirmativas. Mas uma conclusão não pode deixar de ser feita: a Ciência só poderá cumprir totalmente o seu papel quando estiver a serviço da vida e for controlada por quem realmente trabalha e produz riqueza.

Infelizmente não nos surpreendemos com determinadas pesquisas, pois esta miscigenação defendida de forma tão “romantizada” pela burguesia racista brasileira é a mesma que teve seu início, nada romântico, com o estupro de mulheres negras, escravizadas e indefesas. O objetivo desse tipo de pesquisa, além de “romantizar” a miscigenação é o de tentar adiar o “acerto de contas”. Temos a convicção de que retardarão, mas não evitarão, é uma questão de tempo!