O teto de gastos ameaça desabar sobre as nossas cabeças
22 de outubro de 2018
A proposta de Emenda Constitucional, que limita por vinte anos os gastos com serviços públicos (incluindo salários de profissionais, admissão de novos servidores e toda a infraestrutura), é nomeada como PEC 241 na Câmara dos Deputados e PEC 55 no Senado Federal. Popularmente, a proposta aprovada pelo governo Temer em 2016 ficou conhecida simplesmente como a PEC do Teto.
Muitos desabamentos simbólicos têm caído sobre as vidas dos trabalhadores de forma avassaladora desde então, tais como o enorme contingente de terceirizados nos serviços públicos que ficaram meses sem salários, chegando muitos a morar na rua, nunca tendo recebido os atrasados e os próprios servidores de estados como Rio de Janeiro e vários municípios com atrasos salariais que incorreram em dívidas.
Jovens sem aulas na rede Faetec, por exemplo, devido à falta de terceirizados que nem seus salários de fome tinham para voltarem ao trabalho, em alguns períodos em 2016 e 2017, e a suspensão da refeição nas escolas por falta de insumos.
Na UERJ, uma das maiores universidades do país, a falta de recursos causou problemas similares, porém com impacto ainda mais desastroso para a população, pois uma universidade não oferece apenas formação para seus estudantes, por ofertar serviços como hospital, escritório modelo, atendimento psicológico e odontológico, teatro e muito mais à população.
Este é o cenário que comprometeu no Rio de Janeiro, na esfera estadual, um dos direitos básicos da infância e da juventude: a Educação.
O corte de gastos com o Ministério da Cultura foi de 43% em 2017 e a crise de governabilidade do MDB de Temer, sustentado pela compra de deputados e troca de favores, levaram à demissão do Ministro Roberto Freire, do PPS, e sua substituição por João Batista de Andrade. A pasta da Cultura era basicamente do PPS, partido que abandonou a base do governo passando a defender o afastamento do presidente.
O atual ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, demonstrou descontentamento quando, em junho deste ano, Temer anunciou, através da MP 841, a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública. Os recursos para tal fundo são conseguidos através das loterias federais, que também destinam valores para o Fundo Nacional de Cultura. No “toma lá da cá” dos bastidores do governo brasileiro, Sá Leitão acabou reiterando seu apoio ao presidente e a importância do investimento em segurança (lógico, quanto menor a democracia social que o setor da Cultura representa, maior a necessidade de reprimir a violência semeada pela desigualdade e retirada de oportunidades!).
Crime, destruição e a necessidade de apagar a História
Menos de três meses depois a política equivocada do MDB e seus comparsas viria a ser desmascarada de maneira inequívoca com o incêndio que fez ruir o maior museu da América Latina, que abrangia áreas como antropologia, arqueologia, paleontologia, história, taxodermia, zoologia e muito mais.
O Museu Nacional, destruído por um incêndio na noite de 2 de setembro deste ano, tinha 200 anos e era o mais antigo do país. Funcionava na Quinta da Boa Vista, antiga residência da família real portuguesa. Para uma população treinada para ler sua História a partir do apagamento das iniciativas da massa trabalhadora, privilegiando a percepção de que a elite concedeu independência e liberdade, o Museu parecia um local de status da classe dominante. A vocação turística do Rio de Janeiro sempre contabilizou os atrativos do Bairro de São Cristóvão, no entorno da Quinta, conhecido como Bairro Imperial. Porém, o que é privilegiado como mais lucrativo para o turismo do Rio de Janeiro são as atrações da Zona Sul e da Barra da Tijuca (praias, Pão de Açúcar e seu bondinho, Cristo Redentor, restaurantes, boates). Da Zona Norte, legada ao papel de residencial, uma breve passada pela Quinta da Boa Vista e uma foto em frente ao Maracanã, estádio localizado bem próximo.
O desaparecimento do Museu, porém, acabou por mostrar que muitos cariocas o visitaram. Ao menos com a escola, quando estudantes, já que boa parte das famílias da classe trabalhadora não se imagina numa exposição com seus filhos. Aquele que era visto como elitizado foi ressignificado em seu fim, reconhecido como patrimônio de todos.
E de fato era. O Museu não tinha apenas 200 anos de História como declarou Temer logo após o incêndio. Não espanta seu desconhecimento quanto ao fato de lá haver um acervo com múmias egípcias milenares, o fóssil mais antigo da América (Luzia, de 11 mil anos) e meteoritos como o Bendegó, descoberto há quase dois séculos e meio. Os meteoritos resistiram obviamente ao calor das chamas, mas houve um, exatamente, que não foi encontrado nas buscas autorizadas. Como todo e qualquer produto da expropriação de povos, o Museu Nacional constituía valores em potencial para novas pilhagens. Quem quer que tenha o pequeno meteorito desaparecido tem em mãos uma fortuna a ser desfrutada oportunamente.
Se houve um lado bom na tragédia anunciada é a certeza que a população brasileira adquiriu de que os pesquisadores da UFRJ mantinham uma instituição respeitada em âmbito internacional.
E qual a solução arquitetada por Michel Temer para tentar evitar que a negligência quanto à manutenção de outros museus públicos (lembrando que o conceito de “museu” atualmente abrange parques e jardins como zoológicos, botânicos e centros culturais) leve a desastres similares? A extinção do IBRAM e criação da ABRAM.