A eleição de Obrador é resultado da insatisfação popular
5 de agosto de 2018
Sabemos que nada muda por eleições, mas muitas vezes na história as eleições se tornam a forma de a classe trabalhadora manifestar sua desilusão e descontentamento com a situação a que está submetida.
Dessa forma, as eleições são utilizadas como um recado e como forma de expressar o seu descontentamento.
No caso do México a insatisfação está relacionada à precarização do trabalho, desigualdade social, pobreza, violência e ao poder do narcotráfico, do qual são os pobres as maiores vítimas.
As pessoas veem o governo Enrique Peña como o grande o responsável por tudo isso, o que faz dele um dos governos mais impopulares e dá elementos importantes para Obrador conseguir um resultado tão expressivo.
Um cenário econômico e social de caos
Nos últimos anos as notícias sobre o México têm girado em torno de assassinatos de jovens, de altos índices de violência contra a população em geral e do fortalecimento econômico-militar do narcotráfico.
Além disso, há outros muitos dados que a mídia nada fala.
Sobre desemprego e empregos: Pelos dados oficiais, a taxa de desemprego é de aproximadamente 4%. Uma taxa que, a primeira vista, parece pequena, mas que na verdade esconde outros problemas como: o fato de ser considerado desempregado somente quem está procurando emprego; o trabalho informal; empregos sem direitos e sem proteção legal ou em condições precárias; em jornada e salário parciais; trabalho por tempo determinado e aquilo que, no Brasil, chamamos de “bico”.
Nessas condições estão mais de 30 milhões de trabalhadores(março/18), 5 milhões a mais em relação ao ano 2012. Esse aumento não é por acaso. É resultado da Reforma Trabalhista – realizada em 2012 sob pressão de organismos internacionais como Banco Mundial e a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) – para garantir os lucros da patronal mexicana. Reforma esta muito parecida com a ocorrida no Brasil.
Em relação às desigualdades sociais: Pelos dados da OXFAM, em 2017 e em comparação com ano 2000, as desigualdades aumentaram. Apenas 1% dos mais ricos concentram 28% da riqueza nacional, em 2000 detinham 24%. Se observarmos os 10% mais ricos, a concentração da riqueza sobe para próximo a 75%. Os 10 mexicanos mais ricos detém o mesmo que 50% da população mais pobre.
O aumento das desigualdades tem sido resultado da intensificação da exploração sobre a classe trabalhadora, da retirada de direitos e redução de salários. Tudo isso se completa com menor investimento em serviços públicos e com um Estado completamente a serviço dos empresários. No México, como exemplo, há um sistema tributário com vários mecanismos para reduzir os impostos pagos pelos ricos.
Importante destacar o fato de que entre os mais ricos estão grupos empresariais e pessoas diretamente favorecidas pelas privatizações ou pelo poder regulador do Estado como extração de petróleo e comunicações.
Sobre a pobreza: Essa é outra questão alarmante. Em 2016 eram 53.4 milhões de pessoas na condição de pobreza. Isso representa mais de 43% da população do país. Desse número, 20 milhões são crianças e adolescentes.
A fome: Esse é outro grave problema em que 25 milhões de pessoas têm carência de alimentos. Os órgãos oficiais admitem que esse problema poderia ser pior, já que outros tantos milhões de pessoas têm acesso a algum programa social.
A violência: Outro fator com graves consequências contra a população pobre, praticada pelo narcotráfico e também por agentes do Estado alinhados com os cartéis. Nos últimos 12 anos, durante os governos de Vicente Calderón e Enrique Peña, foram 235 mil mortos. Somente em 2017 foram aproximadamente 30 mil. Ao considerarmos que familiares e amigos também sofrem as consequências dessas mortes, podemos dizer que as vítimas são mais de um milhão de pessoas.
A violência não poupa nem as crianças: a cada dia são 3 assassinadas.
Ayotzinapa ainda está sem solução: Foram 43 estudantes assassinatos, da escola rural de Ayotzinapa, estado de Guerrero, em 2014. Após repressão policial, para dispersar um protesto contra a mulher do prefeito da cidade de Iguala, os 43 foram presos e até hoje não sabemos o destino.
Mais de 3 anos depois o caso ainda está sem solução e com várias medidas do Estado para impedir o prosseguimento das investigações que poderiam apontar para a participação de forças policiais junto com traficantes de drogas da região.
Entre os povos originários (10% dos mexicanos) estão os maiores índices de violência, pobreza e exclusão. O aumento da exploração de minério e da industrialização são as principais causas do aumento de assassinatos e desaparecimentos entre os povos que resistem à destruição de suas terras. Não é coincidência o fato de ter sido a partir da Reforma Energética de 2015 que, com investimento estrangeiro na indústria petrolífera mexicana, as terras das comunidades indígenas com essas riquezas têm sofrido ainda mais com esses ataques.
Foi nesse cenário econômico e social que ocorreram as eleições de julho.
Monopólio do PRI e o bipartidarismo
O México foi governado durante 70 anos pelo mesmo partido, que perdeu a eleição em 2000. O Partido Revolucionário Institucional (PRI) foi fundado em 1929, como parte do projeto político da burguesia mexicana para “acabar com o período de instabilidade” que vinha desde a Revolução de 1910.
Durante esse tempo tiveram governos do PRI de todo tipo: Nacionalista como Cárdenas, que tomou medidas de nacionalização da malha ferroviária e do petróleo. Concedeu exílio para Trotsky e vários militantes espanhóis perseguidos pela ditadura de Franco; Como Díaz Ordaz, responsável pelo “massacre de Tlatelolco” em que 200 estudantes foram assassinados pelo exército durante manifestação na Cidade do México.
Mas nas últimas décadas se firmou na gerência do Estado com práticas clientelistas (por exemplo oferecendo emprego para os apoiadores), fraude eleitoral e corrupção.
Esse controle do Estado pelo PRI foi substituído pelo bipartidarismo a partir do ano 2000 quando o Partido de Ação Nacional (PAN) ganhou as eleições com Vicente Fox. Em 2006 o PAN conseguiu se manter no governo ao eleger Calderón e já em 2012 o PRI retornou ao governo com a eleição de Enrique Peña.
A alternância no governo entre o PRI e PAN nunca representou ruptura com o modelo neoliberal implementado no México. Não por acaso chamam esse período de bipartidarismo de “PRIAN”, junção das siglas.
A eleição de Obrador também foi muito simbólica por romper com esse bipartidarismo, impondo principalmente ao PRI uma derrota histórica.
Qual o programa de Obrador?
As ilusões da população quase nunca correspondem ao projeto real dos eleitos. As campanhas atuais têm muito marketing e slogans genéricos normalmente falando daquilo mais sentido pelas pessoas. Foi o caso dessa eleição.
O programa apresentado por Obrador foi basicamente: pacificar o país, apostar no mercado interno para crescer e em programas sociais de distribuição de rendas.
Para pacificar o país terá basicamente que restabelecer a unidade entre os setores da burguesia que se dividiu nesse processo eleitoral. As recentes experiências no continente, como no Brasil, demonstram a impossibilidade de conformação de um mercado interno pela dependência estrutural da economia mexicana ao mercado mundial. Em relação a distribuição de renda, na prática, é distribuir migalhas, ou seja, o que sobra dos lucros dos capitalistas.
Até onde vai Obrador?
Não é a primeira vez na América Latina que processos eleitorais escancaram contradições profundas. Para citarmos dois: Chile na década de 70 e mais recentemente Venezuela com o chavismo. Ambos apostaram na possibilidade de mudar as coisas por dentro das instituições do Estado e falharam. O processo chileno, mais radicalizado, foi derrotado pelo golpe de Pinochet. O venezuelano, apesar do discurso, continua com as melhores relações com a burguesia.
Agora é a vez do México. Pelas primeiras manifestações de Obrador não haverá ruptura, deverá seguir um caminho a “la PT brasileiro”. Deverá manter os lucros dos capitalistas e fazer de forma negociada algumas concessões sem comprometer o modelo econômico mexicano.
Logo depois da eleição, Obrador foi rápido em garantir que não tomará medidas “radicais” para enfrentar os problemas econômicos e sociais dos mexicanos. Chamou a “reconciliação de todos os mexicanos”, o que evidentemente incluiu os responsáveis pela situação de pobreza do povo.
Também fez questão de tranquilizar o empresariado. Primeiro, nomeou o empresário Alfonso Romo para a chefia de seu gabinete. Segundo, fez várias declarações em tom conciliador com o empresariado, inclusive se reunindo com a direção da entidade patronal. Ao final do encontro declarou “Quero expressar minha satisfação com a atitude do setor empresarial e agradecê-los por sua atitude responsável e de confiança mútua.”
Em relação ao NAFTA (Bloco de livre comércio entre México, EUA e Canadá com obvias desvantagens aos mexicanos) seus assessores econômicos garantiram lutar pela permanência do México no bloco. Com a ofensiva protecionista de Trump e a dependência mexicana nas exportações para os Estados Unidos certamente o imperialismo estadunidense vai exigir que o México ceda ainda mais.
A promessa de colocar fim à corrupção é impossível de ser realizada sem uma ruptura radical com o sistema político mexicano em funcionamento há décadas. As relações de muitos políticos, da polícia e do Judiciário com o narcotráfico é uma mostra da força da corrupção nas instituições mexicanas. Como acabar com a corrupção se não romper com ela?
Nós somos solidários aos anseios da classe trabalhadora mexicana por mudanças, mas também alertamos que Obrador não vai realizar de fato medidas para acabar com as desigualdades sociais, com a violência e com a exploração sobre a classe trabalhadora. O caminho será de conciliação.
Problema apenas de gestor ou do capitalismo?
Os problemas econômicos e sociais existentes no México são causados pelo capitalismo, a fome, desemprego, violência, favelas, falta de serviços públicos, enfim, todos os males sociais que atingem a maioria da população. Isso ocorre porque a riqueza produzida vai parar literalmente nas mãos de meia dúzia de pessoas.
No entanto, se a burguesia, os políticos burgueses e seus ideólogos reconhecessem esse fato teriam que deixar de enganar as pessoas, principalmente durante as eleições. Mas, nesse momento, os candidatos ficam se acusando, atribuindo os problemas sociais à incompetência humana, pela falta de vontade, pela má gestão do Estado, etc.
Acusam uns aos outros para fugir da verdade. Esses problemas não são apenas defeitos, má gestão ou imperfeições do sistema que poderiam ser corrigidos a depender do administrador. É a essência do capitalismo. A miséria da maior parte da população é o outro lado da riqueza de uma pequena parte.
Então, por maior esforço a ser feito, nenhum gestor, nem mesmo políticos “de esquerda” vão transformar essa situação por dentro das instituições. As experiências (brasileira, boliviana, etc.) mostram que o máximo onde se pode chegar é na adoção de políticas assistencialistas, que jogam o problema para frente.
Um importante processo de lutas
A crítica ao processo eleitoral e ao governo Obrador não pode significar fechar os olhos para um importante processo objetivo que existe no México.
Primeiro que esse processo é marcado, como dissemos acima, pelo repúdio às condições sociais vigentes e contra os partidos tradicionais.
Segundo que têm ocorrido muitas lutas nos últimos anos como a dos professores em 2016 contra a Reforma Educacional
Essa reforma abriu a privatização da Educação e limitou a ação sindical. Foi sem dúvida uma luta das mais importantes pela abrangência e pelo apoio popular e foi impulsionada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, um setor mais à esquerda dentro do sindicato que é o maior da América Latina com 1,2 milhão de membros.
Essa luta sofreu uma dura repressão por parte do governo Enrique Peña, com várias prisões e outras tantas mortes.
O movimento estudantil também retomou com forças suas lutas, com o mais importante “soy o 132”. Foi impulsionado desde base e sem ligação com os movimentos tradicionais. Destacamos a manifestação na Cidade do México com 50 mil pessoas e uma assembleia na UNAM (uma das mais importantes da América Latina) para preparar uma pauta unificada que contou com a presença de 5 mil estudantes.
No movimento sindical também tem ocorrido lutas e greves, ainda que isoladas. Destaca-se os telefônicos que enfrentam um dos homens mais ricos do planeta Carlos Slim, os mineiros do estado de Durango e os trabalhadores de limpeza do estado de Puebla. A importância dessas lutas junto com a dos professores deve-se também por terem enfrentado a burocracia/direções sindical mexicana completamente comprometida com o projeto econômico da burguesia.
Organização e radicalização das lutas: a única saída
O avanço das lutas e da consciência de classe trabalhadora mexicana poderão avançar para reivindicações anticapitalistas que, superarão as propostas de Obrador, poderão significar e impulsionar mais lutas na América Latina contra as políticas implementadas atualmente e que estão nos levando para uma situação de aprofundamento da condição de dependência em relação aos imperialismos.
Só a existência de lutas criam as condições necessárias para a classe trabalhadora completar a experiência com as políticas institucionais que, mesmo com um discurso pretensamente radical, na prática, significam mais experiências capitalistas e consequentemente maior exploração.
Nesse sentido é fundamental que a esquerda revolucionária identifique, divulgue e apoie as lutas e ações radicalizadas e independentes realizadas pela classe trabalhadora, a única que efetivamente oferece alternativa anticapitalista e socialista para essa crise.
Crise do sistema partidário mexicano
Obrador conseguiu obter a maior votação da história eleitoral do México. Além de ter obtido 53% dos votos, também elegeu a maioria dos senadores e deputados, garantiu o controle das duas casas legislativas. Na Cidade do México, estado mais importante e onde o PRI sempre dominou eleitoralmente, a coligação também teve uma vitória esmagadora e ganhou em 55 cidades e nos 9 estados com eleição, ganhou em 5.
Essa gigantesca votação não só garantiu a eleição de Obrador como colocou em xeque o sistema partidário mexicano. A votação do PRI e do PAN (próximos de 15% e de 23%, respectivamente) jogou para dentro desses partidos uma crise profunda que muitos colocam em dúvida a própria existência deles, rompeu um sistema que foi fundamental para a burguesia mexicana implementar o seu projeto nas últimas décadas.
Quem é López Obrador?
Andrés Manuel López Obrador (chamado também pelas iniciais AMLO) foi eleito pela coligação “Juntos faremos história”, formada pelos partidos MORENA (Movimento Regeneração Nacional), Partido dos Trabalhadores (PT) do México e o Partido Encontro Social (PES), este último majoritariamente evangélico. No final da campanha e com quase certeza de vitória muitos grupos do PRI se juntaram no apoio.
A imprensa o tem caracterizado como de esquerda, inclusive várias correntes políticas e partidos no Brasil têm essa mesma caracterização. PT e PC do B o saudaram com “novos ventos”. Maduro da Venezuela e Morales da Bolívia seguiram o mesmo caminho do PT e do PC do B. Até mesmo Guilherme Boulos o saudou como “sinal importante para a América Latina”.
Não podemos nos enganar com Obrador e por isso não o vemos como governo de esquerda, nem mesmo antineoliberal. Em nenhum momento na campanha eleitoral fez críticas a esse modelo econômico.
Entendemos que se tata de mais um gestor do capital que aparece em tempos de crise e de perigo de convulsão social, se pinta de esquerda para atrair a classe trabalhadora à institucionalidade e, assim, garante a continuidade do capitalismo.
Para quem tem dúvida basta ler a plataforma do MORENA em que não há uma linha sobre acabar com o capitalismo. Diz textualmente que se propõe “lutar pela via pacífica para mudar o regime de injustiça, corrupção e autoritarismo que governa o México”.
Mesmo em relação ao imperialismo não vai mudar a situação de submissão aos Estados Unidos, isso desagradaria a burguesia mexicana que mantem negócios com as empresas estadunidenses. Também significaria abrir conflito tanto com empresas mexicanas quanto com o imperialismo estadunidense que lucram muito com esses negócios. A carta a Trump demonstra bem esse tom de submissão que pediu “respeito, amizade e centrado na cooperação para o desenvolvimento”.