O X Congresso do PC(b)R – 1921
4 de fevereiro de 2018
Sergio Lessa
O X Congresso do Partido Comunista (bolchevique) da Rússia é um dos marcos do final do processo revolucionário aberto em fevereiro de 1917. Se, em 1917, o avanço do movimento de massas, muitas vezes espontâneo, foi o combustível que conduziu a revolução avante, se nos anos da Guerra Civil (1918-1920) o apoio dos trabalhadores, operários e mesmo camponeses foi decisivo para a derrota dos brancos, a partir de 1921 o desenvolvimento russo deixou de contar com esse impulso. Pouco mais de três anos depois, abre-se a disputa entre os stalinistas e seus opositores no PC, disputa que conduzirá ao período stalinista que associará um elevado desenvolvimento econômico e social com uma forte repressão política exercida pela burocracia estatal.
Por isso encerramos essa série de artigos sobre a Revolução Russa com o que ocorreu no X Congresso.
Frente à crise econômica do final da Guerra Civil, as revoltas camponesas e greves operárias, ante o crescimento da Oposição Operária e a eclosão da Revoluta de Kronstadt, o X Congresso do PC(b)R tomou uma série de resoluções que jogaram importante papel na evolução posterior da Rússia soviética.
No plano econômico, a medida mais importante adotada, já no final do X Congresso, é a decisão de se modificar a política econômica seguida até aquele momento, dando início à Nova Política Econômica (NEP). As decisões a esse respeito garantirão a liberdade de comércio de grãos, substituindo a política de requisição dos produtos agrícolas por um imposto em espécie, permitindo ao camponês comercializar o excedente. Outras medidas permitirão o funcionamento de pequenas oficinas e artesanatos com o objetivo de inserir em alguma tarefa produtiva os milhares desempregados, melhorando sua situação, e ao mesmo tempo incentivando o comércio através do aumento da oferta de mercadorias.
São aprovados também as negociações feitas com os países capitalistas europeus para que estes invistam capitais na Rússia. Estes investimentos eram considerados indispensáveis para a retomada da economia soviética.
As decisões organizativas
No plano político, as divergências internas do partido serão tratadas com uma série de medidas repressivas.
A análise que Lênin apresenta ao X Congresso sobre as divergências que surgiram no interior do partido a respeito das medidas adotadas e a serem adotadas no futuro tendo em vista a organização da sociedade soviética começa por caracterizar a conjuntura política que vivia o poder soviético como muito instável e perigosa. “Em um país como a Rússia, o enorme predomínio do elemento pequeno-burguês e a devastação, o empobrecimento, as epidemias e a má colheita, a extrema agilização da miséria e as penúrias do povo como resultado inevitável da guerra, engendram flutuações do povo como resultado pronunciadas no estado de ânimo das massas pequeno-burguesas e semiproletárias. Estas flutuações tendem primeiro a fortalecer a aliança dessas massas com o proletariado, e logo a restaurar a burguesia. A experiência de todas as revoluções dos séculos XVIII, XIX e do século XX mostra com a maior clareza e evidência que o único resultado possível dessas flutuações – se debilita ao mínimo a unidade, a força e a influência da vanguarda revolucionária do proletariado – é a restauração (ressurgimento) do poder e da propriedade dos capitalistas e proprietários de terras”. (Lenin, 1977, vol XII, 13-14)
Para Lênin, naquela conjuntura, o perigo de restauração da contrarrevolução se encontrava numa contrarrevolução pequeno burguesa, na qual as massas semiproletárias funcionariam como o primeiro estágio de uma contrarrevolução dos capitalistas e latifundiários. A única saída que possibilitaria uma vitória para o proletariado era a unidade máxima de sua vanguarda e o fortalecimento da influência da mesma.
Dessa perspectiva, portanto, a própria existência de divergências e da expressão orgânica dessas divergências – as frações – já eram um fato negativo em si.
Para Lênin, bem como para a maior parte dos bolcheviques, manter (ou aumentar) a influência do partido equivalia a não abrir mão do direito de nomear os principais dirigentes políticos e econômicos de cada localidade ou setor da economia em favor de um maior poder de influência das massas sobre o aparelho administrativo e econômico. Para os bolcheviques, a ditadura do proletariado era inconcebível se implicasse uma diminuição das prerrogativas e a redução do poder de fazer nomeações que o partido possuía.
Por essa razão, a exigência feita pela Oposição Operária, e também pelos revoltosos de Kronstadt, de que o processo de nomeações e cooptações fosse substituído pelo processo de eleições livres (com escrutínio secreto, acrescentaria Kronstadt) dos funcionários e dirigentes pelos próprios trabalhadores, era identificada como uma forma de enfraquecer a influência do partido e assim auxiliar a contrarrevolução burguesa a penetrar sorrateiramente revolução adentro.
Da mesma forma, a reivindicação de que o poder econômico fosse entregue a um Congresso dos Produtores de Toda a Rússia, era considerada um desvio anarcosindicalista (portanto, pequeno-burguês) pelas camadas dirigentes do partido bolchevique e como tal combatida em favor do aprofundamento das medidas tomadas no sentido de aumentar a centralização (a “eficiência”) dos organismos dirigentes. Era necessário acabar com os questionamentos da política seguida pelo CC.
Lênin com a palavra:
Não seria de temer um pequeno desvio sindicalista, ou semi-anarquista. O partido adquiriria consciência dele com rapidez e decisão e poderia corrigi-lo. Mas se esse desvio está relacionado com o predomínio gigantesco do campesinato no país, se este campesinato está mais descontente a cada dia com a ditadura do proletariado, se a crise da propriedade camponesa está chegando ao extremo ( .) não é este o momento de dizer claramente: não permitiremos debates sobre desvios, tem-se que por fim a isso. O Congresso do partido pode e deve fazê-lo, deve tirar daqui as lições pertinentes e agregá-las ao informe político do CC, respaldá-las, referendá-las e convertê-las numa obrigação, em uma lei para o partido. O ambiente de discussão se vai fazendo perigoso, em alto grau, se vai convertendo em uma ameaça direta à ditadura do proletariado. (Lenin, 1977, vol XII, 15)
Ao mesmo tempo, Lênin, para combater as ideias da Oposição Operária e depois de Kronstadt, afirma que a ameaça de contrarrevolução pequeno-burguesa que pesa sobre a Rússia é mais ameaçadora do que as forças recém derrotadas na Guerra Civil. Os pequeno-burgueses querem entrar no PC da Rússia e impulsionar de um ou de outro modo a contrarrevolução, entregando o poder à tendência política mais propensa a aparentar que reconhece o Poder soviético. Esta propaganda deveria também explicar a experiência das revoluções anteriores, ”quando a contrarrevolução apoiava os grupos oposicionistas mais próximos ao partido revolucionário extremo, para fazer vacilar e derrubar a ditadura revolucionária, abrindo com ele o caminho para a posterior vitória completa da contrarrevolução dos capitalistas e dos latifundiários”.
O ponto 4 começa a estabelecer as novas bases dentro das quais deverá acontecer a luta de opiniões no interior do partido. “Há que organizar a crítica absolutamente necessária dos defeitos do partido de modo que toda proposta prática se exponha com a maior claridade possível e seja submetida, no ato, sem papelaria alguma, ao exame e decisão dos organismos dirigentes locais e do organismo central do partido”. Ou, em outras palavras, a crítica “necessária” deveria ser feita diretamente aos organismos dirigentes locais e centrais, e não mais aos organismos de base ou célula ao qual o militante pertence. Além disso, as críticas deveriam levar em consideração a “situação do partido entre os inimigos que o rodeiam”, de modo a que não adquira formas “capazes de favorecer os inimigos de classe do proletariado”. Quais são essas formas, e quem deveria julgar se a forma que uma crítica eventual assumisse estaria auxiliando ou não a contrarrevolução não é explicitado.
Continua o ponto 4: “Toda análise de pauta geral do partido, ou a apreciação de sua experiência prática, a comprovação do cumprimento dos acordos do mesmo, o estudo dos métodos para corrigir os erros de modo algum devem ser submetidos à discussão prévia dos grupos que se formam com qualquer “plataforma”, etc, senão que devem ser submetidos exclusivamente à discussão direta de todos os membros do Partido”. Ou seja, toda a discussão prévia sobre os pontos essenciais da vida partidária em grupo era proibida); toda crítica deveria ser enviada aos órgãos dirigentes locais, ou centrais, os quais a resolução não obriga a remetê-las ao conhecimento do resto do partido.
O ponto 5 aponta a necessidade de se continuar a luta contra a burocracia e a necessidade de depuração do partido dos “elementos não proletários e inseguros”, como havia apontado a Oposição Operária. Neste mesmo ponto, o Congresso rejeita o “desvio sindicalista e anarquista” do “grupo da chamada Oposição Operária”.
Ponto 6: “Pelas razões expostas, o Congresso declara dissolvidos e prescreve dissolver imediatamente todos os grupos, sem exceção, que se tenham formado com tal ou qual plataforma (a saber: ”Oposição Operária”, “Centralismo Democrático”, etc). O não cumprimento deste acordo do Congresso acarretará a imediata e incondicional expulsão do partido”.
Sem dúvida alguma, este ponto da resolução é o ponto que maior tem causado a maior controvérsia nas análises que são feitas das resoluções adotadas pelo partido bolchevique nesta fase de sua história. Apesar de Lênin, numa resposta a Riazánov, afirmar que “não podemos privar o partido e os membros do CC do direito de apelar ao partido em caso de discrepâncias fundamentais”, na prática de um partido regido pelo centralismo democrático, a proibição das frações equivale exatamente a isso. Na história desses partidos, toda luta interna sempre se desenvolveu através da formação de frações (declaradas ou não), onde os elementos de opiniões semelhantes se aproximam com o objetivo de lutar para que seu ponto de vista prevaleça em todo o partido.
A trajetória política de Lênin, na construção do partido bolchevique é um exemplo vivo disso. Inúmeras foram as ocasiões em que ele organizou parcelas do partido para agir contra as decisões adotadas pelos órgãos dirigentes (não só do CC, como também contra resoluções do próprio Congresso do Partido, antes de 1917). Estas restrições, somadas àquelas adotadas pelo IX Congresso do Partido, no ano anterior, de que a crítica somente poderia ser feita, depois de cumprida a resolução, fazem com que a crítica aos órgãos dirigentes se torne cada vez mais rara.
Além disso, a proibição das frações aumenta ainda mais o desequilíbrio natural, que já existe numa estrutura regida pelo centralismo democrático, em favor do CC em relação a todo o resto do partido. Numa estrutura centralista democrática o CC é o único organismo partidário que possui acesso imediato e facilitado a todas as informações, no que diz respeito à vida interna do partido e à situação do país. Isto faz com que o grupo que forma o CC funcione como um grupo privilegiado no interior da estrutura partidária pelo nível de informações muito superior que possui sobre o resto do partido. Mas não só isso. Depois do X Congresso é o único grupo de militantes autorizados a discutir em grupo os assuntos em pauta, ao redor ou não de um documento prévio e desta forma é, na realidade, a única fração autorizada a funcionar no interior do partido.
A “resolução sobre a Unidade do Partido” faz aumentar ainda mais o peso do CC no interior do partido bolchevique àquela altura dos acontecimentos, afastando e dificultando ainda mais a influência da base do partido e da classe operária sobre os órgãos dirigentes.
Ponto 7: Com objetivo “de implantar uma severa disciplina no seio do partido e em todo o trabalho dos sovietes ( .) o Congresso concede ao Comitê Central, no caso que se infrinja a disciplina e ressurja ou tolere o fracionismo, todas as sanções ao alcance do partido, inclusive a expulsão de suas fileiras ( .)”. Esta medida somente poderia ser aplicada se uma maioria de 2/3 da assembleia de todos os membros do CC mais a Comissão de Controle votasse por essa medida. Ou seja, se concede o direito ao CC de expulsar qualquer elemento do partido, inclusive membros eleitos no Congresso para o CC. A medida seria aplicada no ato e não seria possível de ser recurso ao congresso do partido, já que este mesmo havia concedido este direito ao CC. (Lenin, 1977, vol XII, 4- 29)
Esta foi a primeira vez que uma resolução do partido foi mantida secreta para os seus membros. O ponto 7 da resolução somente seria tornado público em 1924, depois da morte de Lênin, durante a XIII Conferência do PC(b)R no contexto da luta de Stalin contra Trotsky. O direito de todos os membros do partido criticarem as resoluções do Congresso, direito sagrado no período anterior à Revolução de Outubro, passa a ser ainda mais limitado pelo precedente de um Congresso adotar resoluções secretas sobre seu funcionamento interno.
Na época de sua doença, Lênin pagará um alto preço a esse precedente Seu testamento político, que recomendava a retirada de Stalin da Secretaria Geral do Partido, bem como desautorizava a política que a Rússia seguia em relação às pequenas nações do antigo império czarista, será mantido secreto de todo o partido até 1956. As consequências da resolução sobre o funcionamento interno do partido para o posterior desenvolvimento da revolução russa não serão pequenas. A ameaça contrarrevolucionária pequeno-burguesa que Lênin aponta com tanta insistência em 1921, não era só um artifício para conseguir do Congresso a aprovação da “Resolução Sobre a Unidade do Partido”. Era uma realidade: a pressão que a massa camponesa e a pequena burguesia urbana exerciam sobre o partido e o Estado Soviético era enorme.
Esta pressão era fortalecida pelas posições que a pequena burguesia ocupava dentro do aparelho de Estado e do partido russo e as posições ocupadas por dirigentes burgueses e técnicos burgueses nos organismos dirigentes da economia russa. Dessas posições, podiam realizar uma aplicação distorcida das medidas adotadas pelo partido ou por Lênin; podiam ainda nomear e transferir quadros do partido e do Estado russo para postos que favorecessem sua penetração política. Assim, o parelho estatal e partidário vai se contaminando com um espírito pequeno-burguês de funcionamento, uma rotina que vai lembrando o antigo aparelho estatal czarista.
A análise que faz Charles Bettelheim desse processo acentua que todas as pessoas que, ocupavam postos de responsabilidade ou subalternos no aparelho estatal ou do partido bolchevique e que trabalhavam de forma a reforçar as relações ideológicas e as práticas burguesas no interior desses aparelhos eram aliados objetivos das massas camponesas e pequeno-burguesas. Com isso, exercendo enorme pressão sobre o governo soviético, lutavam para extinguir os traços socialistas da revolução. Nesta conjuntura, a única força social que estava realmente interessada em modificar este quadro era a classe operária. Os camponeses e a pequena burguesia sentiam suas posições se fortalecerem cada vez mais com o passar do tempo no interior do Estado Soviético. Para essas camadas da sociedade, com o passar dos anos, a vida estava se “normalizando”. Descontente estava o proletariado, que assistia sua influência sobre o partido e o governo soviéticos diminuir a cada dia, entravado que estava pela atuação, no seu interior, dessa camada de pequenoburgueses e técnicos formados no czarismo.
A Oposição Operária e a Revolta de Kronstadt, bem como as greves operárias do inverno de 1920/21 são legítimas manifestações de setores da classe operária contra este seu afastamento do poder de uma revolução do qual foi a principal protagonista.
Sem poder contar com a liderança do partido bolchevique para sistematizar e clarificar seus anseios, as massas operárias russas, sentido o peso de séculos de atraso, não conseguiram produzir uma plataforma política e econômica acabada capaz de se transformar numa alternativa à política implantada pelo governo bolchevique. E tiveram que contar para auxiliá-las nesse processo com elementos provenientes do anarquismo, notadamente daquelas correntes de esquerda do anarquismo que haviam conquistado o respeito das massas ao participar da revolução e da guerra civil. O vazio deixado pelo partido bolchevique junto à classe operária tinha que ser preenchido de alguma forma. E, em certa medida, o foi pelos anarquistas, que naqueles momentos exprimiam o profundo desejo das massas russas de que fossem respeitados os preceitos da democracia operária, tal como Lênin havia expressado em “O Estado e a Revolução”.
A atitude assumida pelos bolcheviques em relação a todas as oposições que surgiram no seu interior e principalmente em relação à Oposição Operária e à Revolta de Kronstadt, taxando-as pura e simplesmente de contrarrevolucionárias e de penetração da ideologia burguesa no interior do partido, ao mesmo tempo em que respondia suas exigências de maior democracia com o aumento da centralização das decisões políticas, não poderia mais que afastar as massas operárias dos sindicatos, dos comitês de fábricas e do próprio partido. Com isso o partido perde a única base social de apoio que poderia contar para derrotar a penetração da pequena burguesia e da ideologia burguesa no seu interior via aparelho burocrático do Estado e do Partido.
A revolta de Kronstadt e a Oposição Operária talvez pudessem servir como pontos de apoio para a direção bolchevique iniciar uma violenta luta de massas contra a burocracia, pois, elas expressavam, ainda que de forma confusa e ideologicamente pouco estruturada, os anseios de maior participação tanto das bases partidárias como da classe operária na gestão do Estado.
Isto teria implicado numa profunda mudança da concepção sobre o relacionamento do partido e as massas que dominava os dirigentes bolcheviques. Teriam que ser abertos novamente os canais de participação política direta das massas trabalhadoras. A luta política no interior das organizações de democracia proletária deveria ser estimulada, principalmente a eleição dos dirigentes pelas bases.
No entanto, o universo ideológico bolchevique fazia inconcebível a concessão de um maior espaço de participação política para as organizações de massa e para as bases do partido, num momento em que era necessário fazer grandes concessões ao campesinato e à pequena burguesia. Para Lênin, a única garantia de que a Revolução Russa não perderia seu caráter proletário estava, naquele momento, na concentração dos poderes de decisão nas mãos da velha guarda do partido.
Em 1922, Lênin diria no XI Congresso do partido: “O Estado não tem funcionado como esperávamos. E como vem funcionando? O veículo não obedece. Um homem está sentado ao volante e parece dirigi-lo, mas o veículo não segue a direção desejada, ele vai para onde o dirige uma outra força. ” Segundo Charles Bettelheim, esta outra força é a dos capitalistas, dos especuladores e dos aparelhos administrativos que estão sob a influência da burguesia. (Bettelheim, 1976,264)
Ainda neste Congresso, Lênin afirmaria: “Se considerarmos Moscou – 4700 comunistas responsáveis – e a máquina burocrática, esta massa enorme, quem dirige, e quem é dirigido?” “Na verdade, não são eles (os comunistas) quem dirige. Eles é que são dirigidos”. (Bettelheim, 1976,265)
Em 1921 surge em Praga, organizado por um russo branco chamado Ustrialov, uma compilação de textos intitulados “Smiena Viekh” (Mudança de Direção). Para esse grupo de emigrados, partidários do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, a “revolução de Outubro teve o imenso mérito de fazer surgir e mobilizar os “adversários mais corajosos e impiedosos do antigo regime czarista apodrecido; eles (os bolcheviques) destroçaram os setores intelectuais apodrecidos da intelligentsia que só sabiam falar em Deus e no Diabo, movimentaram as camadas populares”, de modo “que abriram o caminho à criação de uma nova burguesia”. Uma burguesia que, através de múltiplas provas, “fortaleceu sua vontade e seu caráter e agora entra em cena, mais jovem, mais enérgica, mais americana”.
“Denunciando a via traçada pelos Smenovekhoctsi, Bukharin mostra como a burguesia ”apoia” de maneira muito peculiar o poder soviético, “penetrando pouco a pouco nos poros do aparelho”, introduzindo aí seus elementos, transformando lentamente, mas com perseverança, as características do Estado Soviético.” Bukharin continua afirmando que, se não se detivesse essa penetração: “Chegaríamos a uma situação em que todas as declarações, o canto da Internacional, a forma soviética de governo seriam mantidos exteriormente, enquanto que o conteúdo interior de tudo isso já estaria transformado Esse conteúdo corresponderia à expectativa, aos anseios, às esperanças e aos interesses dessa nova camada burguesa que cresce, constantemente e se torna cada vez mais forte, e que, por meio de mudanças lentas e orgânicas conseguiria modificar todas as caraterísticas do Estado Soviético e colocá-lo, pouco a pouco, nos trilhos de uma política puramente capitalista. A antiga burguesia apodrecida, que vivia das esmolas do governo czarista seria então substituída, graças à Revolução Russa, por uma nova burguesia, que não recua diante de nada, que abre seu caminho sob o signo do nacionalismo para avançar no sentido de uma nova Rússia capitalista e burguesa, grande e poderosa”.
No final de sua vida, particularmente em 1923, em algumas ocasiões Lênin percebe a necessidade de se contar com as massas para derrotar esse enorme aparelho burocrático, infiltrado de burgueses, que estava esmagando a revolução russa. Chega mesmo a propor que fosse incluído um número de operários, saídos diretamente da fábrica, no CC, numa tentativa de aumentar a influência da classe operária sobre o governo russo. No entanto, depois de tantos anos de revolução, guerra civil e dificuldades para participar da direção do país (muitos deles colocados pelos próprios bolcheviques), a classe operária entra em profundo descenso e descrença de sua força. Seja pela razão que for, o fato é que ela não fornecerá a base social de apoio para que, depois de 1921, por longos anos surjam movimentos de massas trabalhadoras, no interior da Rússia soviética, dispostos a lutar até o fim contra a burocracia e por um Estado de fato controlado pelas massas operárias.