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Revolução Russa: Guerra Civil


1 de outubro de 2017

Sergio Lessa

No Jornal Espaço Socialista de agosto, vimos que, ao chegarem ao poder em Outubro de 1917, os bolcheviques se defrontaram com uma situação histórica jamais considerada: a vitória de um partido revolucionário em um único, isolado e atrasado país. Nem mesmo Lenin e os bolcheviques consideravam possível manter o poder sem a vitória da revolução na Europa – até que essa possibilidade foi se concretizando ao longo dos poucos meses entre junho de 1918 e março de 1921. Neste artigo veremos o início da adaptação da Revolução Russa a essa nova situação durante o período da Guerra Civil, e, nos últimos 3 artigos dessa série sobre a Revolução Russa, veremos como o Partido Bolchevique foi impactado por essa situação, em seguida, a Rebelião de Kronstadt e, no último artigo, o X Congresso do Partido Bolchevique, em março de 1921.

O agravamento da situação econômica da Rússia soviética no período da Guerra Civil teve como principais consequências a paralisação da produção industrial, a desvalorização da moeda e a decorrente paralisia do comércio.

Nas cidades, a falta de combustíveis, agravada pela ocupação das minas de carvão do sul e dos Montes Urais pelos exércitos brancos e a queda do abastecimento de matérias-primas devido à interrupção dos transportes ferroviário e fluvial, levaram a um verdadeiro colapso das atividades industriais. A produção industrial naqueles anos era muitas vezes inferior à de antes da guerra. Muitas plantas industriais estavam paradas e sem qualquer manutenção.

No campo, a situação não era melhor. A agricultura russa daquele período se caracterizava pela existência de pequenos e médios proprietários que conquistaram suas terras com a Revolução. Eles produziam de acordo com a possibilidade de comercializar sua produção ao final da safra. Ou seja, eles produziam de acordo com a quantia de produtos que a cidade tinha a lhes oferecer em troca de sua produção agrícola. E a desvalorização da moeda fazia com que os camponeses não vissem com bons olhos a perspectiva de receber em troca de seus produtos o papel moeda que se desvalorizava rapidamente.

A situação era agravada pela atuação dos especuladores, que escondiam parte dos produtos agrícolas para forçar uma alta artificial nos preços.

A paralisação industrial, com o desemprego que a acompanha, a desvalorização da moeda e o declínio do comércio fizeram com que as grandes cidades russas começassem a passar fome. O racionamento de alimentos – seguido do mercado negro – foi a consequência imediata. A fome e o frio ameaçavam a cada inverno fazer mais vítimas entre a população urbana do que no ano anterior.

Milhares de trabalhadores urbanos migraram neste período para os seus locais de origem no campo – a classe operária vivia um processo de extinção. De 11 milhões de operários, em 1922 somente restariam 4,6 milhões, dos quais 1,2 milhões eram operários agrícolas.

A guerra civil colocou um pesado ônus sobre essa economia já desestruturada. O preço da guerra, a alimentação, o transporte e o armamento do Exército Vermelho (dificuldades essas agravadas pela opção de se montar um exército tradicional, e não um exército guerrilheiro que poderia se sustentar) deterioraram ainda mais a situação. Os privilégios que gozavam os altos funcionários (em geral de origem burguesa) e os oficias do Exército Vermelho continuavam a aumentar. A escala de salários foi sucessivamente modificada favorecendo as camadas mais altas da administração do Estado e do partido bolchevique.

Nessa situação, o poder soviético decide recorrer à requisição dos produtos agrícolas dos camponeses, como única forma de evitar o desaparecimento das cidades e a fome no Exército Vermelho. Destacamentos militares, muitas vezes comandados pela Checa (a polícia secreta), se dirigiam ao interior para tomar os produtos agrícolas dos camponeses. Ao mesmo tempo, o comércio de grãos e alimentos foi proibido e o mercado negro severamente perseguido com o objetivo de melhorar o abastecimento e evitar a especulação.

O quanto essas medidas descontentaram os camponeses não é difícil de imaginar. Para conter tal descontentamento, e levar a cabo as medidas adotadas, foi necessário um reforço ainda maior do aparelho repressivo-burocrático em patamar nunca até então atingido. Era necessário impedir a todo custo uma revolta camponesa que se transformasse em aliada dos Exércitos Brancos. As medidas repressivas, acompanhadas de intensa propaganda feita pelos bolcheviques da necessidade imperiosa das requisições para evitar a derrota da revolução, aliadas ao temor que as massas camponesas tinham do retorno do regime czarista; todos esses fatores fizeram com que se adiasse a eclosão de um revolta camponesa até o inverno de 1920/21. A consequência “militar” desse descontentamento e desconfiança dos camponeses em relação aos bolcheviques é a inviabilização da formação de um exército de milícias que defendesse a república soviética empregando a tática de guerrilha. A partir de então, a única saída que restava era seguir o caminho da construção do exército vermelho como foi feito: mantendo muitas das características e relações de exército burguês.

Uma ideia de como era profunda a desconfiança e o descontentamento dos camponeses em relação ao poder soviético é dada pela substituição, nos sovietes rurais, dos delegados mencheviques, sociais-revolucionários e anarquistas na medida em que esses grupos são colocados na ilegalidade pela revolução. No lugar desses delegados são eleitos outros sem partido, fazendo com que diminuísse a porcentagem de delegados bolcheviques eleitos para esses sovietes, que caiu de 61%, em 1918, para 43% em 1920, e 44% em 1921(1).

O descontentamento que grassa no campo acaba por atingir também as cidades. O desemprego, o aviltamento dos salários com a inflação, o racionamento de alimentos, a perda de poder efetivo dos operários sobre os aparelhos de Estado, onde altos funcionários e os oficiais militares possuíam cada vez mais regalias, aliado ao esvaziamento do poder de influência dos operários dentro das fábricas – todos esses fatores lançaram a classe operária russa numa enorme onda de descontentamento, desânimo e apatia: caiu a produção, decresceu a produtividade etc.

Essa onda de descontentamento vai ter sua primeira grande expressão por ocasião do VIII Congresso do PC(b)R que se realizou entre 18 e 23 de março de 1919. O crescente poder do aparelho burocrático sobre as massas operárias que tem como contra partida o esvaziamento dos órgãos soviéticos, fez com que as decisões fossem tomadas “cada vez mais frequentemente pelos membros do partido que trabalham no aparelho soviético”.

A Oposição de Esquerda, que surgiu no decorrer de 1918, se pronunciou principalmente através de Osinski, um velho militante do tempo da clandestinidade. Critica a pouca influência da classe operária sobre o poder soviético, o aumento do poder dos burocratas tanto dentro do aparelho estatal quanto no interior do partido; e propõe, entre outras coisas, que sejam admitidos um número suficiente de operários no CC para proletarizá-lo A Oposição de Esquerda pede que o Congresso respeite as normas de democracia proletária e retorne ao método de eleição dos funcionários a cargos dirigentes, e que seja abandonada a prática habitual de nomeações desde acima.

Essas reivindicações feitas pela oposição de esquerda têm mais uma razão de ser se nos lembrarmos das resoluções adotadas no II Congresso Panrusso dos Sindicatos no começo de 1919, que aumentavam sobremaneira o poder de coerção do aparelho burocrático sobre as massas. A primeira resolução adotada pelo II congresso Panrusso dos Sindicatos afirma que as decisões do Comitê Executivo dos Sindicatos são obrigatórias para todos os membros dos sindicatos, e a desobediência significa a exclusão. Com essa resolução, passa a vigorar um regime no interior dos sindicatos muito semelhante ao que vigorava no interior do partido bolchevique. A possibilidade que os membros dos sindicatos tinham de reverter uma resolução ficava cada vez menor na medida em que tinham que passar por cima de um aparelho burocrático estruturado de cima para baixo – e mais que isso – no processo de luta contra a resolução adotada, não poderia desobedecer ao executivo, pois isso significava a exclusão. Outro aspecto significativo dessa decisão é que as resoluções do executivo (não as do congresso) é que eram obrigatórias para todos os membros. Nesse Congresso ocorrem protestos contra o fato de que o Conselho Central e outros órgãos centrais tenham anulado a eleição de delegados sindicais realizadas pela base dos sindicatos. Segundo esses protestos, a eleição de delegados que não defendessem o ponto de vista oficial bolchevique implicava na anulação dessas eleições e, não poucas vezes, a nomeação de delegados pelas instâncias superiores como representantes dos trabalhadores.

O eco que essas críticas encontram na base da estrutura partidária, principalmente entre os operários, faz com que seja aprovado pelo congresso um novo programa do partido bolchevique, que no ponto 5 de sua parte econômica afirma que a direção da economia deveria ser entregue aos sindicatos.

Não obstante, a argumentação levantada pela direção do partido de que era necessário aumentar a centralização para enfrentar a crise que atingia a jovem república soviética encontra muitos partidários no interior do Congresso. Não podemos nos esquecer do prestígio que gozavam os dirigentes bolcheviques entre as massas, prestígio esse angariado durante o ano de 1917. Além disso, os dirigentes bolcheviques faziam crer em seus discursos que essas medidas eram provisórias e, uma vez que superada a crise, deveriam ser abandonadas. Ninguém ainda defendia que essas medidas eram próprias de um longo período de transição para o socialismo, que não eram simples medidas provisórias, como ocorrerá mais tarde no correr do ano de 1920.

Com essa argumentação, a direção do partido consegue que o VIII Congresso do PC(b)R aprove uma resolução afirmando que as decisões da direção somente poderiam ser questionadas depois de cumpridas – o que é uma clara limitação ao direito (pelo menos formal) que os membros do Partido até então tinham de questionar abertamente as decisões tomadas pelos órgãos de direção, como Lênin fez inúmeras vezes durante sua vida de militante político.

Além disso, o Congresso cria três novos organismos que centralizarão ainda mais o poder em seu interior: o Politburo, o Orgburo e o Ouchaspred. O primeiro se converteria no depositário de todo o poder do CC, que passa a reunir com todos os membros em espaços de tempo cada vez maiores. O segundo e o terceiro passam a controlar um enorme fichário com informações sobre todos os quadros partidários e se torna o responsável pela maior parte das transferências e nomeações que faz o partido.

“… entre abril e novembro de 1919, o Ouchraspred faz 2.182 nomeações, contra 544 efetuados pelo Orgburo (organismo eleito). De abril de 1920 a meados de fevereiro de 1921, o Ouchraspred nomeia 40 mil funcionários”. “Em novembro de 1921, o Ouchaspred dispõe de relatórios sobre cerca de 23.500 quadros do partido… Alguns meses mais tarde, o Ouchraspred tem um fichário organizado de 26 mil quadros, o que lhe permite seguir e determinar amplamente uma ‘carreira’. Em junho de 1922, após a sua fusão com o Orgotdel (órgão encarregado da organização e da regulamentação), aquele órgão toma-se ainda mais poderoso. O Orgotdel dispõe daí por diante, de seu próprio Estado-Maior de ‘instrutores’, encarregados de inspecionar as organizações locais do partido e com acesso a todos os documentos e a todas as reuniões, inclusive as realizadas secretamente. Os instrutores podem formular todas as recomendações a fim de modificar as decisões dos comitês provinciais, embora estes preservem o direito de apelar para o Comitê Central”.

Dessa forma, o controle deste órgão burocrático se converte numa formidável ferramenta de luta interna no partido: controlar o Orgotdel significa ter o poder de transferir membros “descontentes” para regiões distantes ou onde suas ideias encontrarão pouco eco e, ao mesmo tempo, fazer nomeações que fortaleçam esta ou aquela posição.

No correr do ano de 1919, e no começo do ano de 1920, continua o processo de centralização administrativa e de crescimento do aparelho burocrático. As intervenções da Checa no interior do partido bolchevique, afastando os militantes “descontentes” ou “investigando conspirações” vão se tornando cada vez mais fortes. Em junho, são recriadas as cadernetas de trabalho para os operários em Moscou e Petrogrado, com o objetivo de aumentar a eficácia do controle dos trabalhadores. Essas cadernetas haviam sido abolidas no correr do ano de 1917 pelos próprios operários, que as consideravam uma forma de dominação capitalista. No início de 1920, um relatório do III Congresso dos Sindicatos, chegará a lamentar o desaparecimento da máquina policial czarista que sabia como fichar e classificar as pessoas, tanto na cidade como no campo.

No segundo semestre de 1919, explode uma enorme discussão no seio do partido bolchevique sobre a questão da militarização do trabalho e o problema do dirigente único na fábrica.

A militarização do trabalho, cujo principal defensor era Trotsky, contará com o apoio de Lênin no decorrer do ano de 1919 e boa parte em 1920. Constava de uma série de medidas que forçariam os operários a trabalhar onde, como, quando e no que determinassem os órgãos centrais; medidas que legalizariam a prática do partido poder destituir dirigentes sindicais eleitos que não se ajustassem às novas orientações e substitui-los por dirigentes mais “compreensivos”; e também medidas criando campos de concentração para os operários que se negassem a se submeter às novas condições de trabalho, que seriam considerados como desertores.

A questão do dirigente único na fábrica é a proposta de Lênin para substituir a direção coletiva das fábricas. Este administrador individual seria nomeado “de cima” e responsável não perante os operários e os comitês de fábrica, mas sim às instâncias centrais de decisão na Rússia soviética. O argumento utilizado a favor do dirigente único é que ele seria mais eficiente – a mesma argumentação utilizada para justificar a estruturação do Exército Vermelho da forma como se deu e para extinguir o poder dos comitês de fábrica no interior das indústrias.

Em dezembro de 1919, Trotsky apresenta ao CC, para ser discutido somente no seu interior, as “Teses sobre a Transição da Guerra à Paz”. Nela, Trotsky argumentava que a requisição, o estabelecimento do princípio da direção única nas fábricas e a militarização do trabalho eram medidas que deveriam se estender por um longo período de tempo, partes integrantes que eram do processo de transição do capitalismo para o socialismo. Nesta mesma linha, Bukarin argumentará que o desaparecimento do comércio e a desvalorização da moeda, com a introdução das trocas naturais – manifestações da agudeza da crise econômica naquela momento – eram sinais de que avançavam em direção ao socialismo. Opinião semelhante possuía Lênin.

No dia seguinte, por “engano”, Bukarin, redator do Pravda, publica suas teses tentando desmoralizar as posições de Trotsky e o debate vem a público.

Entre 10 e 21 de janeiro de 1920, reúne-se o 3o. Congresso dos Conselhos Econômicos. Alguns dias antes Lênin e Trotsky apresentam a proposta do dirigente único e da militarização do trabalho para a fração bolchevique na reunião do Conselho Central Panrusso dos Sindicatos, e toda a fração se manifesta contrária a ela.

O 3o. Congresso dos Conselhos Econômicos aprova uma resolução a favor da direção coletiva na indústria, contra a posição de Lênin, quem afirmou: “… O princípio colegiado (isto é, direção coletiva)… é algo rudimentar, que pode ser necessário numa primeira etapa, quando se tem que construir partindo do zero. (…) A passagem a um trabalho prático está ligada à autoridade individual. É o sistema que melhor garante a utilização dos recursos humanos.” Já em 1918, lembremos, Lênin pregava a adoção de “inúmeros aspectos progressistas e científicos do taylorismo”.

Em fevereiro, a oposição no interior do Partido à proposta do dirigente único e à militarização do trabalho é grande. As conferências do Partido em Karkov e Moscou aprovam resoluções contrárias a elas. Tomski redige suas teses, afirmando que o “princípio fundamental que serve de guia ao trabalho de diversos organismos que dirigem e administram nossa economia é o princípio vigente: o da direção coletiva”. As teses de Tomski conquistam uma simpatia cada vez maior entre os ativistas sindicais e na base do partido.

Nas fileiras partidárias, neste período que se estende do início de 1919 até o X Congresso em março de 1921, se vive um misto de surpresa e desânimo, principalmente entre os setores mais próximos ao proletariado. As medidas aprovadas pelo partido durante a guerra civil, fortalecendo o aparelho burocrático, o aparelho repressivo e os meios de controle sobre a massa e sobre os militantes sindicais e do partido; o fortalecimento dos órgãos centrais e dos de decisão em detrimento dos órgãos locais e dos princípios da democracia operária; tais medidas que inicialmente eram apresentadas como provisórias, começavam a se revestir de um novo caráter. Agora são medidas que deveriam perdurar por um longo período de tempo e que garantiriam a transição para o socialismo. O fim do poder operário dentro das fábricas, agora nas mãos dos dirigentes únicos nomeados pelos órgãos centrais do governo; o soldado russo tendo que se submeter a um regime de disciplina semelhante ao do exército burguês, sem poder contar com a força dos comitês de soldados para defender seus direitos e vendo seus superiores – muitas vezes declarados czaristas que combatiam a revolução – com privilégios sempre crescentes; o camponês russo tendo que se submeter ao odiado funcionário público, que durante o velho regime lhe cobrava altos impostos e agora, sob regime soviético, lhe retirava parte da produção sem compensação alguma – essa situação toda provocava um profundo descontentamento entre as massas trabalhadoras que se afastam paulatinamente do poder soviético.

Em março de 1920, o 2o. Congresso Panrusso dos Trabalhadores em Alimentação aprovou uma resolução “censurando o partido bolchevique por haver instaurado uma dominação ilimitada e incontrolada sobre o proletariado e o campesinato, e haver levado até o absurdo uma centralização espantosa (…) destruindo todo elemento de espontaneidade e de vida do país”. “A chamada ditadura do proletariado é na realidade uma ditadura sobre o proletariado do partido, e até de uns quantos indivíduos”.

Apesar deste descontentamento, o aparelho burocrático funciona. Transferências são realizadas, a Checa investiga “atividades suspeitas” de tal forma que o IX Congresso do PC(b)R aprova as teses de Lênin e Trotsky, que conta agora com o apoio de Radek: “A classe operária organizada deve superar o preconceito burguês da liberdade do trabalho, tão cara ao coração dos mencheviques e conciliadores de toda espécie”.

O trabalho obrigatório é mantido, assim como o racionamento estrito sobre os bens de consumo, o salário em espécie, a requisição dos produtos agrícolas e a proibição sobre o comércio. O Congresso aprova a substituição do “princípio da eleição” dos dirigentes econômicos e industriais com base na sua eficiência “técnica”. A direção coletiva é taxada de “utópica”, “nada prática” e “nociva”, o Congresso se propõe a lutar “contra a presunção ignorante (…) de elementos demagogos (…) que crêem que a classe operária pode resolver seus problemas sem utilizar especialistas burgueses nos postos de maior responsabilidade. Não pode haver lugar nas fileiras do partido do socialismo científico a demagogos que atiçam este tipo de preconceitos nos setores mais atrasados da classe operária”.“O IX Congresso decide explicitamente que nenhum grupo sindical pode intervir diretamente na gestão industrial e que os comitês de fábrica devem consagrar-se a assuntos de disciplina no trabalho, de propaganda e educação dos operários”.

Por fim, o IX Congresso confere o poder ao Orgburo, composto por 5 membros do CC, de transferir os quadros do partido sem submeter o assunto ao Politburo. Essa resolução vem na verdade legalizar uma prática que já vinha acontecendo em maior ou menor escala.

Durante todo o primeiro semestre continua a luta de Lênin, Trotsky e Bukarin a favor da militarização do trabalho e da instituição do dirigente único que, não obstante a aprovação pelo IX Congresso, continua encontrando resistência nas bases para sua aplicação. Para Trotsky, o princípio da direção coletiva é um preconceito “menchevique”. Em abril ele é nomeado para o Comissariado dos Transportes, que se encontrava à beira de um colapso. “O Politburo (promete) … apoiá-lo sem reservas em qualquer decisão que tomasse, por mais rigorosa que fosse”.

Lênin neste semestre se vangloria de ter sido partidário do dirigente único desde o primeiro momento. Já em 1918, segundo ele, “havia assinalado a necessidade de admitir a autoridade ditatorial de indivíduos isolados, se queria a realização do ideal soviético”.

Para Bukarin, “resolvido no essencial o problema da consolidação da posição de classe do proletariado”, não há mais necessidade de “dar ênfase à transformação das relações de produção, e sim à adoção de uma forma de gestão que garanta o máximo de competência. O Princípio de uma ampla elegibilidade pela base (ordinariamente pelos próprios operários de uma fábrica) é substituído pelo princípio da seleção cuidadosa que leva em conta a competência. para o pessoal técnico e administrativo”.

O segundo semestre do ano de 1920 se inicia prometendo grandes lutas políticas. A vitória certa do poder bolchevique contra os exércitos brancos e o estabelecimento dos primeiros laços com os países capitalistas para a realização de um comércio regular entre a Rússia e o resto do mundo, melhoraram sensivelmente as expectativas para os bolcheviques. Os trabalhadores e os membros do Partido se sentem mais à vontade para dizerem o que pensam.

O descontentamento no campo continuava aumentando e na passagem do ano de 1920/21 eclodiram diversas revoltas camponesas que forçaram o fim da política das requisições dos produtos agrícolas. Nas cidades, uma onda de greves atingirá os principais centros industriais em fevereiro e janeiro de 1921. Nos últimos meses de 1920 a Oposição Operária consegue se fortalecer nos centros operários mais importantes.

Ao nos aproximarmos do final da Guerra Civil, com a vitória bolchevique no horizonte próximo, a situação na Rússia havia se transformado profundamente. A Revolução Russa, iniciada em fevereiro de 1917 com um poderoso movimento de massa, em pouco mais de quatro anos via esse mesmo movimento em seu ocaso. A carência econômica e a Guerra Civil estão na base da crescente centralização que tornava cada vez mais poderosa a burocracia que se desenvolve após 1917. O Partido Bolchevique não fica imune a essa tendência: isso veremos no próximo mês e, poderemos, então, adentrar ao período decisivo para a evolução posterior do processo histórico iniciado em 1917: os primeiros meses do ano de 1921.

(1) As informações aqui citadas são de Maurice Brinton, Os Bolcheviques e o controle operário (várias edições), de A oposição operária, de Alexandra Kollontai (idem), de Betelheim, C. A Luta de Classes na União Soviética (1917-1923) Ed. Paz e Terra, 1976, de Lenin, Obras completas E. H. Carr, History of Soviet Russia além de Fernando Claudin, A crise do movimento comunista e L. Trotsky, História da revolução russa.