Jornal 99: Governo Temer: impopular, mas ainda no controle das ações
6 de maio de 2017
Entender a correlação de forças na luta de classes é fundamental para construirmos vitórias e não continuarmos seguindo os caminhos das derrotas. Atribuir fragilidade a Temer, no atual momento, desarma a classe trabalhadora sobre o tamanho dos desafios para derrotar a Reforma da Previdência e os outros ataques aos direitos que estão em andamento.
Após a derrota de Temer na votação de “Urgência na Tramitação da Reforma Trabalhista” alguns setores concluíram apressadamente que se tratava de um governo em crise e isso o enfraqueceria para levar adiante as reformas do capital.
No entanto, a Reforma Trabalhista foi aprovada na Câmara sem demoras, assim como já haviam sido a Lei da Terceirização e da Restrição dos Gastos Públicos.
O governo tem atuado de forma sistemática e vem conseguindo organizar a base parlamentar para garantir a aprovação de tudo isso e, fundamentalmente, da Reforma da Previdência.
Não temos dúvidas que estamos diante de um governo dos mais impopulares dos últimos anos. Mas, que expressa ao mesmo tempo, para os vários setores da burguesia e de seus partidos no Congresso, a possibilidade de unificar as bancadas parlamentares para aprovarem todos os projetos dos capitalistas contra os trabalhadores e o rebaixamento de suas condições de vida.
Superar sem repetir os mesmos erros
Entendemos, no entanto, que o projeto da burguesia para o país de empobrecimento da força de trabalho, neste momento através da aprovação das reformas, não é somente de Temer e Meirelles, é do capital.
Com a crise econômica nessas proporções a burguesia não vai desistir de tentar impor essas e outras medidas para retomar as taxas de lucro e consequentemente sua lucratividade.
Portanto, é importante afastar qualquer ilusão de que em um eventual retorno de Lula em 2018 esses ataques irão acabar. Aliás, sob os governos petistas, várias medidas contra a classe trabalhadora foram adotadas como duas Reformas da Previdência, a mudança no Seguro Desemprego e a continuidade no pagamento da Dívida Pública, dentre outras.
Além disso, esse discurso do retorno de Lula em 2018 também canaliza as lutas para a via parlamentar e busca criar a ilusão de que o problema é de quem está no governo e não de quem realmente governa. Para nós, o parlamento e o executivo são órgãos de dominação da classe burguesa e todas essas votações ocorridas para aprovação dessas leis demonstram isso.
Essa crise mundial também nos faz reafirmar que não há saídas para a classe trabalhadora por dentro do capital e a nossa luta por sobrevivência necessita cada vez mais ser anticapitalista para realmente conquistarmos vitórias e avançarmos no sentido de construirmos a sociedade socialista em que o poder estará nas mãos da classe trabalhadora para podermos pôr fim a todas as formas de exploração.
O exemplo das empreiteiras como necessidade do sistema
A imprensa, o judiciário e os políticos têm tratado as delações da Odebrecht e demais empreiteiras como se fossem casos isolados. Não é. O sistema eleitoral e político burguês têm como pressuposto a manutenção do poder sob controle dos capitalistas.
As doações aos partidos e aos parlamentares da ordem são partes desse processo de garantir que os políticos comprometidos com o projeto da burguesia sejam eleitos e possam aplicar os planos exigidos pelos capitalistas.
E por esse caminho encontramos os vários setores do capital: burguesia industrial, financeira, agrária, etc. financiando as campanhas de seus candidatos como vimos o envolvimento do setor financeiro nacional e mundial (depositando grandes quantias não controladas pela justiça eleitoral), do setor de bebidas, da indústria de armas, das seguradoras, etc.
A corrupção nas empreiteiras é, portanto, somente uma ponta do iceberg. Como já dissemos em outras edições: a corrupção é inerente ao funcionamento do capitalismo. E na concorrência (considerando um mesmo nível de desenvolvimento tecnológico) entre as empresas é a forma de gestão de seus negócios.
Um Brasil com condições de trabalho da China, Índia, etc.
O atual processo político e econômico no Brasil somente pode ser compreendido tendo em conta a crise mundial e a tentativa, dos capitalistas, de frear a tendência de queda do lucro e retomar maiores taxas.
Para isso necessitam reduzir os custos de produção e têm como foco central a redução do valor da força de trabalho. Essa tem sido a razão de várias empresas mudarem sua produção para outros países onde o valor da força de trabalho é menor.
A China e a Índia são exemplos disso. Nos últimos anos a economia chinesa alcançou altas taxas de crescimento econômico, as maiores do mundo. O que permitiu essas taxas foi a chegada de várias plantas fabris de multinacionais que foram atrás de força de trabalho barata e abundante.
Além dos baixos salários, nesses países, a força de trabalho não tem direito à greve, organização sindical e possui longas jornadas de trabalho. Assim, vários setores do capital internacional alcançam taxas mais altas de lucro.
No entanto, estamos em uma crise mundial e profunda, o que faz a disputa pelo mercado mundial ainda mais acirrada e a própria condição de reprodução de riqueza em cada país ainda mais difícil.
Criar condições parecidas com as da China, Índia e outros países – em que o valor da força de trabalho é muito baixo, em que se possa reduzir os custos da produção, em que a classe trabalhadora não possua direitos e que aceite tudo isso diante da decadência das próprias condições de vida – não é coincidência. É o projeto da burguesia.
E é exatamente esse projeto do capital que o governo brasileiro busca atender. E é para cumprir todas as exigências e concorrer com esses países, na tentativa de atrair empresas multinacionais que buscam essas condições, que o governo busca rebaixar direitos, salários, reduzir gastos públicos, etc.
Portanto, é esse o sentido da aprovação dessas leis – como a da Terceirização (que precariza ainda mais as relações de trabalho); a Reforma Trabalhista (com garantias legais às empresas para aumentar a jornada de trabalho, limitar direitos trabalhistas com a negociação direta entre sindicatos e empresas); a PEC do Gasto Público e a Reforma da Previdência – que também tornarão o Estado brasileiro mais enxuto, com menos gastos públicos e mais possibilidades de benefícios fiscais para as empresas.
E quem decide?
Quem vê o mundo pelas aparências pode pensar que os parlamentares atuam de forma independente e de acordo com suas vontades, mas isso não é verdade.
O parlamento, nesse caso deputados e senadores, como um dos pilares de poder da burguesia é o local onde dão legalidade às decisões tomadas pelos capitalistas.
Vejamos as reformas em andamento no país, todas visam garantir aos capitalistas melhores condições para a lucratividade. Os empresários dizem aos parlamentares (e em alguns casos os parlamentares também são empresários) o que precisam e eles elaboram as leis.
Uma questão importante passou “despercebida” pela imprensa no depoimento do dono da Odebrecht: Ele disse que nos anos 90 (época do governo FHC) a Odebrecht e a Globo criaram um grupo privado (“três ou quatro empresas”) para quebrar o monopólio das telecomunicações, petróleo e “outras coisas”. Isto é, na prática, eles decidiram que quebrariam o monopólio, quais mercadorias e como fariam.
Para isso várias Medidas Provisórias (MP), antes de serem editadas, foram discutidas com as empresas interessadas. Gerdau, Banco BTG Pactual, OAS, Odebrecht foram empresas, nesse momento, que tiveram revelada a compra de leis que as favoreceram. Ou seja, muitas leis aprovadas por esses políticos, que dizem defender os interesses do povo brasileiro, foram compradas por empresários.
A Emenda Constitucional da Reforma da Previdência é outra que está sob suspeita, mas a mídia silencia e busca não divulgar que o economista Marcelo Caetano (Secretário da Previdência Social) até outro dia era conselheiro da Brasilprev, uma das maiores empresas de previdência privada no Brasil, interessada e que será beneficiada com Reforma da Previdência.
Dessa forma, podemos entender que é justamente dos donos dos meios de produção, os capitalistas ou empresários, que vêm as ordens do que deve ser votado e aprovado no parlamento (que também já foi eleito de acordo com cada um desses interesses, isto é, do empresariado, do agronegócio, etc.).
Por isso, para a classe trabalhadora obter conquistas via parlamento a luta deve ser intensa e também contra a burguesia, pois o parlamento somente vota leis favoráveis à classe trabalhadora quando as lutas avançam no sentido de derrotar aqueles que realmente decidem e mandam. E é assim que necessitamos lutar contra essas reformas.
O fundo do poço das burocracias sindicais
Outro aspecto importante para compreendermos esse momento da crise e a correlação de forças na luta de classes é o movimento dos organismos da classe trabalhadora. E para nossa surpresa também aparecem nas delações as propinas direcionadas aos dirigentes sindicais da CUT, Força Sindical e outras. Novo é o fato de assumirem publicamente. Mas, para nós não foi nenhuma novidade pois, não fazem nada além de negociações para perder menos.
Desde muito o Espaço Socialista tem polemizado com várias correntes sobre a natureza da decadência da CUT e de outras centrais sindicais pelegas. E essa decadência não se deve somente ao apoio aos governos de plantão. CUT (e outras) com Lula e Dilma e Força Sindical (e outras) agora com Temer.
O apoio aos governos e aos patrões é somente uma faceta desse processo. Trata-se de uma adesão e incorporação à gestão do capital.
Defendem o banco de horas nas empresas (garantindo às empresas aumentar a jornada de trabalho sem custos quando aumentar a produção), apoiam as empresas na disputa de mercado (com o incentivo aos trabalhadores para consumirem determinadas marcas de produtos), defendem a concessão de benefícios fiscais para a instalação ou mudança de plantas mesmo que isso resulte em desemprego e, claro, a defesa de políticas econômicas pró-capital.
E isso se dá até mesmo como orientação dentro das empresas com atitudes que parecem insignificantes: os dirigentes de base e até mesmo algumas Comissões de Fábricas, muitas vezes, criticam os trabalhadores por “enrolar” no serviço, não cumprir toda a jornada, faltar ao trabalho, etc. Ou seja, começam ali mesmo a fazer o papel de capatazes.
Como não dizem abertamente que estão juntos com os patrões, buscam dar uma “cara de esquerda” para sua adaptação à gestão do capital.
A CUT, por exemplo, defende a tese do “neodesenvolvimentismo”, segundo a qual, as empresas aumentando a produção geram empregos e melhores salários para os trabalhadores.
A própria realidade brasileira desmente essa tese, pois “nunca na história desse país” o capital lucrou tanto e olhando ao nosso redor vemos desemprego, baixos salários, empregos precarizados, etc.
Não há como fugir da lógica de quanto mais produção e exploração, mais os capitalistas acumulam, mais concentram riqueza e mais miséria produzem.
Recuperar os sindicatos para a luta! Lutar contra as burocracias!
Tudo isso serve muito bem aos patrões, pois quando os trabalhadores entendem tudo isso se afastam desses organismos porque passam a relacioná-los com a defesa da empresa.
E nesse momento de Reforma Trabalhista, em que o negociado pode prevalecer em relação ao legislado, o enfraquecimento da organização sindical da classe trabalhadora interessa e muito à patronal, que vai poder impor a redução de direitos e até mesmo a redução salarial (isto é, a redução do valor da força de trabalho).
Por isso é fundamental o apoio com toda a nossa força às iniciativas de organização independente de trabalhadores nos locais de trabalho e nas categorias. Também é fundamental a organização de grupos de oposição e de unidade de oposições de esquerda para varrer das entidades sindicais os pelegos que escondem e mentem para a classe trabalhadora sobre seu atrelamento ao governo e favorecimento aos patrões.
E as saídas para a crise…
Nas crises política e econômica a questão de qual saída construir é fundamental. A burguesia, a depender da correlação de forças e do caráter político da mobilização da classe, pode apostar em construir um candidato até mesmo que indique saídas para a crise de tipo fascista.
Para nós, da classe trabalhadora, o caminho sempre deve ser o da luta contra o capitalismo, o da destruição do poder burguês, o da revolução.
Há neste último ano no movimento todo um debate sobre as propostas da esquerda revolucionária, principalmente no caso de se efetivar a saída de Temer. Entre as propostas há eleições diretas, eleições gerais com novas regras e assembleia constituinte livre e soberana.
Não compactuamos com essas bandeiras. Primeiro, são bandeiras que levam a luta, inicialmente, para a disputa eleitoral e institucional. Segundo, o papel da esquerda socialista e revolucionária não é ajudar a burguesia estabilizar o seu regime. Terceiro, a tendência é que setores pró-capital ainda sejam maioria e sigam com os mesmos ajustes sobre a classe trabalhadora. Portanto, com essa correlação de forças e a consciência geral, com novas eleições quaisquer que sejam as regras, apresentar-se-ão ainda a tendência de que setores mais conservadores se mantenham fortalecidos e aplicando essas e outras medidas contra a classe trabalhadora.
Importante observar que há momentos da luta de classes que é correto os revolucionários defenderem bandeiras democráticas como eleições e assembleia constituinte, mas é exceção. No Brasil na luta contra a ditadura militar a massiva campanha pelas “diretas já” cumpriu um papel importante para derrotar a ditadura, trata-se de uma questão tática. Não é esse o momento atual.
Em relação ao “Fora Temer” também não temos adotado essa palavra de ordem, mesmo com toda popularidade, por entendermos que a saída de Temer não arquivará as reformas e nem resolverá o problema da classe trabalhadora, quem o substituir (na linha sucessória da própria democracia burguesa) seguirá os planos, pois não existe uma alternativa, neste momento, construída nas lutas e que represente os interesses da nossa classe. Além disso, a maioria dos que defendem o “Fora Temer” buscam ou seguem o caminho de estabilização da situação política.
No entanto, é evidente que a derrubada de Temer pela ação revolucionária da classe trabalhadora é fundamental e para isso o fortalecimento das lutas, das greves, das ações diretas são essenciais.
É no calor das lutas que a questão do poder político alternativo classista se realiza e poderá se consolidar. Portanto, seguimos dizendo que confiamos no endurecimento das lutas contra as reformas e não temos nenhuma confiança nas instituições burguesas. Lutamos pelo poder da classe trabalhadora e pelo socialismo!