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Jornal 99: A carne é fraca e o sistema é podre


6 de maio de 2017

“[…] Se se considera que muitos casos permanecem impunes, dada a extensão dos mercados às margens das principais ruas, e escapam às raras investidas da fiscalização (de outro modo, como se explicaria o despudor com que essas peças inteiras de gado são postas à venda?); se se pensa que a tentação de vender carne estragada deve ser enorme, uma vez que as multas (como vimos acima) são incompreensivelmente pequenas; se se imagina, enfim, em que condições devem estar a carne para ser apreendida pelos fiscais como absolutamente imprópria para o consumo – se se leva em conta tudo isso, é impossível acreditar que, em geral, os operários possam comprar uma carne saudável e nutritiva.” (A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Engels)

O Brasil tem uma economia com exportação principalmente de produtos primários, agrícolas e de baixo valor agregado (as commodities), mantendo sua posição de país periférico, ou seja, submete sua produção às regras do mercado mundial e às políticas econômicas dos países imperialistas. Essas mercadorias são especuladas na bolsa de valores com grandes chances de lucro, pois os bancos compram e as revendem, gerando assim especulação e rendimento às custas da fome das pessoas.carne

Assim, percebemos que os alimentos que consumimos não são produzidos para a soberania e para a segurança alimentar e nutricional, mas sim para garantir o lucro do capital. No capitalismo, não há problemas em utilizar agrotóxicos, sementes transgênicas e injeção de hormônios que aumentem o volume da carne produzida, mesmo sem considerar os malefícios que isso causa à nossa saúde, desde que haja o constante aumento do lucro dos empresários da indústria agropecuária. A saúde dos trabalhadores está, pois, cotidianamente ameaçada pela comida por eles mesmos produzida e, pelo capital, envenenada.

A operação Carne Fraca, realizada pela Polícia Federal e deflagrada em 17 de março deste ano, é mais um episódio deste circuito de corrupção e esquemas de garantia da “eficiência” na produção de carnes no Brasil.

Gigantes do setor como JBS (Friboi, Seara e Swift) e BRF (Sadia e Perdigão) foram alvo de denúncias de violações sanitárias e fraudes na fiscalização. Além dessas, outras empresas menores são investigadas por suspeitas de comercializar carnes estragadas e/ou adulteradas destinadas ao consumo humano, a partir do pagamento de propina aos fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

As investigações ainda não foram concluídas, mas devemos compreender que a possível punição por esses crimes deve recair sobre os proprietários dos frigoríficos, seus técnicos e demais funcionários públicos denunciados na operação. Afinal, os trabalhadores dessas empresas não são os responsáveis pela adição de ácido ascórbico à carne, a fim de mascarar o seu prazo de validade, ou pela água adicionada à carne de frango, conforme consta no relatório da operação. Tampouco são eles os responsáveis pelo uso de cabeça de porco na fabricação de embutidos nem pela carne infectada com salmonela. Tudo isso são as políticas dessas empresas, com vistas à diminuição do valor de produção e o possível consequente aumento de sua lucratividade.

Estamos em defesa dos mais de 400 trabalhadores que foram demitidos do frigorífico Peccin, após a interdição de suas duas unidades, de Curitiba e de Santa Catarina, desde o início da operação. Do mesmo modo, não podem ser punidos os trabalhadores das fábricas JBS do Mato Grosso, os quais receberam “férias coletivas” após as investigações.

Diferentemente dessas grandes empresas investigadas, provavelmente financiadoras de campanhas eleitorais (monopólios devido aos investimentos de recursos públicos provenientes do BNDES ao longo dos governos petistas), os trabalhadores demitidos não receberam indenizações pela interdição dos frigoríficos. Os operários são sempre os mais prejudicados!

Não podemos cair na artimanha de setores petistas e dos deputados conservadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (integrantes da bancada da Bíblia, da Bala e do Boi na câmara federal) que buscam questionar a operação em defesa das “indústrias nacionais”, para inviabilizar o processo como forma de impedir seu andamento, visto que essas empresas têm fortes ligações com figuras destes partidos.

Porém, também é importante refletir acerca do papel do judiciário enquanto braço do Estado, o qual não vai a fundo nas investigações em defesa dos interesses da classe trabalhadora, mas sim em defesa de interesses dos setores da burguesia que competem no mercado. Quando as alianças são retomadas entre os capitalistas, para garantir a sua lucratividade, logo começa a já conhecida morosidade judicial que não leva à punição de nenhum grande empresário. O sistema pode ter suas desavenças, mas sabe se unir para explorar e acabar com a saúde do trabalhador quando for necessário.

Então, sempre precisamos repudiar qualquer medida que implique na deterioração dos alimentos da nossa mesa, mas infelizmente precisamos compreender que essa é a regra e não a exceção. Os alimentos que consumimos não são produzidos para manter a saúde da população. A produção industrial possui o objetivo maior de manter o lucro dos grandes empresários. Enquanto for assim, nunca teremos acesso a uma nutrição de fato saudável. Medidas individuais como plantação caseira, hortas comunitárias e afins parecem ser boas alternativas, mas elas não possibilitam um acesso pleno a uma alimentação 100% saudável à grande massa de trabalhadores, visto que não há como produzir toda a variedade de alimentos por meio de pequenas plantações. Além do mais, saídas individuais não resolvem um problema que é eminentemente social e não somente de algumas pequenas comunidades.

Precisamos construir um novo modo de produção, no qual as nossas necessidades vitais sejam prioridades, sem que haja, portanto, a classe burguesa parasitária. Por isso, necessitamos de uma revolução socialista!

Nota: Para conhecer a cruel realidade da superexploração dos trabalhadores dos frigoríficos brasileiros, sugerimos o documentário Carne, Osso (Direção: Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros), disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=887vSqI35i8

Emancipação humana versus emancipação animal?

Carlos Eduardo Costa

Há um debate intenso sobre a relação que se estabelece entre o consumo da carne e a tomada de uma posição política frente a restrição do uso deste produto. Não existe a possibilidade de desenvolver profundamente esse debate neste texto, porém, é possível destacar alguns elementos principais.

O vegetarianismo e o veganismo não possuem uma unidade teórica de modo a direcionar o debate sobre a relação entre os seres humanos e o restante dos animais. Então, muito do que será colocado aqui pode ser contrário à opinião de pessoas que aderem à essas práticas ou pode não corresponder por completo a certas análises.

Muito se diz sobre o sofrimento causado aos animais na produção de alimentos humanos, cosméticos, roupas etc. Tal sofrimento passa a ser a justificativa básica para a restrição ao uso desses produtos. Todos os ramos do agronegócio têm prejudicado o meio social, na medida em que os grandes empresários e banqueiros utilizam a alimentação como mais uma forma de girar altas quantias de capital no mercado mundial. As consequências para o solo e para todos os seres vivos são enormes, tanto ambientais quanto nutricionais. Assim, assumir uma posição vegetariana/vegana crítica implica em reconhecer que o problema alimentar está para além do consumo de carnes, mas também é reconhecer o antagonismo entre produção capitalista e equilíbrio ecológico.

Precisamos destacar uma premissa importante: o especismo que faz com que a humanidade se assuma como espécie superior aos outros animais, colocando-se na posição de ter mais direitos por suas características sencientes. Dessa forma, o consumo de animais pelos humanos, diferente de outras espécies (que são carnívoras), existe mais em função do desejo de consumo, tradição e herança cultural etc. do que em função de reais necessidades nutricionais. Há poucas análises críticas sobre esse consumo atualmente, em que o desenvolvimento das forças produtivas já alcançou um nível em que poderíamos descartar esse recurso como fonte de alimentação. Ressalta-se ainda que a maioria dos animais têm sistema nervoso e diversos níveis de senciência. A matança, inevitavelmente, acaba gerando muito sofrimento para eles e para os humanos, mesmo que nós apenas os objetifiquemos como “alimento” sem levar em consideração as suas vidas.

Logo, assumir uma posição política de combate ao consumo de carne (e derivados), ainda que seja uma posição individualista e, portanto, limitada, significa romper com certo status quo sobre as nossas relações sociais com os outros animais. Ainda que a dieta vegetariana/vegana não supere o sistema do capital em si, ela é uma necessidade para lidar com as contradições desse sistema e útil para discutir com a classe trabalhadora os malefícios ecológicos do mercado da matança animal.