Jornal 95: A insustentabilidade da Revolução Verde: o agronegócio e a mercantilização da terra e das sementes
6 de novembro de 2016
Vitória Gomes
Em 1940 os países vencedores da Segunda Guerra Mundial, viram acabar suas fontes de lucros oriundas das indústrias de armamento e ainda que, com o início da guerra fria há a retomada da produção em massa de armamentos, dando a esse setor lucros fabulosos, essas industrias na tentativa de manter os altos ganhos como os obtidos durante o período de conflito, procuraram fontes alternativas para manter sua atuação no mercado.
O resultaram foi um projeto para a agricultura, em que utilizaram no campo boa parte do aparato tecnológico desenvolvido na guerra: os materiais de explosivos viraram adubos sintéticos e nitrogenados; os gases mortais, agrotóxicos; e os tanques de guerra, tratores.
Sob o discurso da necessidade da produção de alimentos para a erradicação da fome, iniciou-se um projeto de utilização de máquinas no campo para que aumentasse a produtividade, seguido de pesquisas em sementes para se obter alto rendimento, além do uso de pesticidas, irrigação e fertilização do solo.
Utilizada pela primeira vez em 1966 em uma conferência em Washington, a expressão Revolução Verde, cujo nome a principio parece remeter a algo positivo, na verdade conceitua um processo em que a agricultura é colocada na lógica de produção massificada, ou seja, industrial, alterando radicalmente sua estrutura e causando gigantescos impactos para o meio ambiente e para o trabalhador do campo.
Para isso foi necessário que esse projeto obtivesse diversos financiamentos, citamos como um dos mais beneficiados, o grupo Rockefeller, que colaborou na consolidação da Revolução verde ao expandir seu mercado consumidor, com vendas de verdadeiros pacotes de insumos agrícolas (que podem ser biológicos, como os adubos; químicos como agrotóxicos e fertilizantes; e mecânico como tratores), para países como Índia, México e Brasil.
Sua implantação e consolidação pode ser dividida em três fases onde a primeira se deu através da introdução desse modelo de produção em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento; a segunda fase foi sua disseminação para os demais países; e a terceira e atual fase, caracteriza-se pelo desenvolvimento de pesquisas e experimentos em corporações do ramo da biotecnologia e da nanotecnologia, que utilizam o material biológico de plantas e animais e as modificam geneticamente, tornando mais resistentes a diferentes tipos de pragas e doenças – os transgênicos.
Como resultado houve de fato o aumento da produção de alimentos (154%) que se deu numa porcentagem maior, que o aumento da população mundial (111%). Entretanto, ao atender a interesses mercadológicos que desconsideraram a preocupação com o meio ambiente ou com o trabalhador do campo, as consequências tem se mostrado devastadoras.
Nessa terceira fase, se estabelece um modelo de produção causador de uma forma de desigualdade ainda mais violenta baseada na presença de latifúndios, monocultivos, uso de insumos químicos e endividamento do trabalhador do campo e gera:
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O esgotamento do solo que desencadeia processos de erosão;
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Diminuição e seca de rios e aquíferos, pelo uso desordenado na irrigação;
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Envenenamento do solo pelo uso de pesticidas, herbicidas e insumos;
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Aumento do número de pragas agrícolas, uma vez que insetos e ervas daninhas desenvolveram resistência a maioria dos produtos químicos utilizados;
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Desenvolvimento de câncer e danos ao sistema nervoso e hormonal, em seres humanos e animais que tem contato com substâncias tóxicas presentes nos pesticidas;
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Contaminação da água potável pelos fertilizantes, eutrofizando1 lagos e rios, além de criarem o poluente ozônio, extremamente danoso à agricultura e as florestas;
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Diminuição da variedade de sementes, em decorrência da sua modificação genética pelas grandes corporações;
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Endividamento do trabalhador do campo: para conseguir crédito, se exige a receita de utilização de agrotóxico e uma garantia (geralmente a terra que possuem), com o crédito compra-se a semente com certificação (transgênica), mas essas sementes são repassadas com altos custos (royalties) para o trabalhador do campo que se transforma num ciclo progressivo e ininterrupto de dívidas, que geralmente termina com a perda da posse da terra para saldar ou amortizar as dívidas.
Comprova-se então que a Revolução Verde aprofunda-se um modelo econômico e tecnológico de exploração, que destrói todo o equilíbrio ecológico, expulsa milhares de agricultores do campo e entrega para as multi e transnacionais o controle da produção agrícola em âmbito mundial: três empresas controlam 53% do mercado mundial de sementes, seis empresas de agrotóxicos dominam 76% do setor, e dez corporações controlam 41% do mercado de fertilizantes.
A alta concentração do monopólio no mercado de alimentos leva a uma grande insegurança no sistema alimentar global. Já se observa que hoje, essas empresas vem homogeneizando a dieta da população, com a oferta de produtos que as interessam, no que se refere à aplicação de determinados agrotóxicos e insumos.
No Brasil, a falta de oferta de sementes crioulas (não modificadas) obrigou os agricultores a consumir sementes que grandes corporações como Monsanto, impõe no mercado.
Aliado a bancada ruralista e do agronegócio presente no congresso brasileiro, que se beneficia dessas corporações em seus latifúndios e no financiamento de campanhas eleitorais, se estabelece uma verdadeiro cartel em torno dos transgênicos que pressiona o agricultor a submeter-se à essa lógica e impõe a população à padronização de uma dieta alimentar envenenada. Além de ter que comprar as sementes ainda há a obrigação de pagar pelos royalties(licença para uso da semente).
Se faz urgente com o que foi apresentado, a organização e resistência dos movimentos sociais e organizações de esquerda, frente às imposições dessas corporações que limitam, controlam e destroem a soberania alimentar dos povos e promove o desequilíbrio ambiental, com suas práticas devastadoras e insustentáveis.
Fica explícito que nem de longe o modelo adotado, teve por objetivo garantir a produção de alimentos necessária para a erradicação da fome. Deve-se considerar ainda que boa parte da produção do agronegócio se destina a produtos que nem vão servir de alimentação para humanos, pois são destinadas a ração ou produção de combustível.
Prova disso, é que produzimos muito além do que o necessário para abastecer a população mundial e, no entanto os índices e números acerca da fome continuam altos, já que é a falta de recursos para comprar comida e não a falta de alimentos, que impede o acesso a mesma.
Esse modelo já se mostrou insustentável, pelas desigualdades, pela busca do lucro acima das necessidades humanas. Como alternativa, se faz urgente a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, para que garantir formas de manejos sustentáveis da terra como agroecologia, permacultura e agricultura orgânica dentro de uma perspectiva classista, e com ela a soberania alimentar e a garantia da preservação da biodiversidade e do equilíbrio ecológico.
1 Água excessivamente rica em nutrientes minerais e orgânicos provocando o crescimento desequilibrado de espécies vegetais aquáticas que desequilibram o ecossistema.