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Jornal 93: Capital, genocídio indígena e agronegócio no Mato Grosso do Sul


10 de setembro de 2016

Rafael Rossi

Desenvolvimento capitalista e agricultura no Brasil

3O genocídio indígena em nosso país não é exclusivo da atualidade. À época da chegada dos portugueses, estima-se que haviam entre 3 a 4 milhões de indígenas e, hoje, são algo em torno de 300 a 400 mil habitantes. Boa parte dos fatores históricos que se relacionam a essa chacina se referem à maneira como a agricultura, historicamente no Brasil, obedeceu às demandas de cada momento da reprodução do capital em escala internacional. Desse modo, para entendermos a barbárie que ocorre não só com os indígenas em Mato Grosso do Sul, mas, em todo território nacional com a classe trabalhadora, devemos associar esta discussão à gênese do agronegócio e sua vinculação com o capital.

É preciso compreender que o agronegócio não é apenas uma “técnica” de agricultura ou um “modelo”. Trata-se da dinâmica mais propícia para garantir na atualidade as necessidades de reprodução do capital na agricultura.

Quando falamos em agronegócio é preciso associá-lo, sempre, à 1) concentração de terra e renda; 2) concentração de poder político parlamentar; 3) alto nível de mecanização das lavouras com intensivo uso de agrotóxicos (venenos); 4) concentração de poder ideológico.

Não é por um acaso qualquer que a intelectualidade burguesa aponta o agronegócio como “o” único “modelo de desenvolvimento” agrário possível, já que esse corresponde plenamente à ordem societária vigente. Vejamos isso mais de perto: o Brasil, desde 2008, é o maior consumidor de agrotóxicos em escala global, inclusive, vários deles são proibidos em todo o mundo e, aqui, comercializados e utilizados nas plantações livremente. Em média, cada brasileiro consome por ano 8 litros de agrotóxicos presentes na água, nos alimentos e até no ar que respiramos.

Não é falta de conhecimentos técnicos ou científicos que justifica esse alto índice de consumo de venenos em nossas vidas. Ao contrário, durante a maior parte da história da humanidade os homens desenvolveram a prática da agricultura sem utilizar uma gota de veneno e, ainda hoje, isto é mais possível do que nunca.

O que ocorre é que a ciência e a tecnologia estão intimamente articuladas às relações sociais de produção. Toda sociedade necessita transformar a natureza para produzir as condições materiais da existência social. Pois bem, as relações sociais de produção são justamente as relações sociais que os homens estabelecem entre si no processo de transformação da natureza.

No capitalismo, tais relações sociais de produção estão baseadas na extração da mais-valia (veja jornal Espaço Socialista nº 81). Isto quer dizer que tais relações sociais de produção possuem em sua essência uma estrutura baseada na desigualdade real a partir da forma concreta do trabalho assalariado.

O capitalismo é o modo de produção historicamente construído mais favorável ao desenvolvimento incontrolável – nos dizeres de Mészáros – do capital. Com efeito, a ciência e a tecnologia serão determinadas pelas relações sociais de produção capitalistas e elas irão desenvolver suas funções para atender ao capital.

Essa é uma discussão completamente abandonada na maioria das análises que defendem a agroecologia, por exemplo. Querem, seus defensores, uma “agricultura saudável, sustentável e justa” em prol da “soberania alimentar” etc., todavia, acreditam ser possível fazer isso dentro da sociabilidade capitalista e, portanto, sem romper com o trabalho assalariado, com o Estado e com a exploração do homem pelo homem. O que estas análises se equivocam é imputar uma autonomia absoluta da ciência e da tecnologia frente às relações sociais de produção capitalistas, quando na verdade, esta autonomia é sempre relativa, isto é, trata-se de uma autonomia em razão do campo de possibilidades delineado pelo próprio capital.

As raízes históricas do agronegócio se relacionam àquilo que se convencionou chamar de “revolução verde”. Resumidamente, podemos dizer que a revolução verde foi o processo histórico pelo qual o capital fez com que, não só no Brasil, mas na América Latina como um todo, o uso extensivo de agrotóxicos e da agricultura passassem a atender uma lógica cada vez mais intensa e extensa de produzir para o mercado internacional.

Esse processo contou, em nosso caso, com apoio maciço da ditadura militar e teve como consequência a perseguição e o assassinato de vários trabalhadores rurais que, por diversas vezes, se organizavam em movimentos camponeses de luta pela terra. Um contingente populacional enorme não teve como se manter em suas terras e foram expulsos do campo tendo que se submeter a trabalhos informais e vender sua força de trabalho nas cidades. Foi isso que, costumeiramente, se denominou pelo eufemismo de “êxodo rural”.

Agronegócio: um modelo a serviço do genocídio indígena

Sem a intervenção direta do Estado o agronegócio jamais poderia ter adquirido tamanha força material e ideológica como ocorre em nossos dias. O resultado é uma crescente destruição ecológica e de milhões de vidas humanas. Anualmente, no Brasil, 400.000 mil pessoas são contaminadas por agrotóxicos e 4.000 chegam a óbito.

Em relação ao Mato Grosso do Sul, as regiões com maior nível de concentração da propriedade da terra são o pantanal e centro-sul do estado. Justamente nessa última está localizada a maior concentração de reservas indígenas e de assentamentos rurais e, dessa forma, também é uma das regiões com maior genocídio dos indígenas e de trabalhadores rurais por jagunços dos latifundiários.

De acordo com dados levantados pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI – ao menos 500 indígenas foram assassinados na última década e durante os governos de Lula e Dilma houve o menor número de demarcações de terras. Desde 2006 em torno de 50 indígenas são mortos por ano em todo o país e a maioria ocorre em MS, sendo o estado que registrou a maior violência em todo o país.

Importante notar que são dois processos que ocorrem ao mesmo tempo e articulados pela mesma necessidade de reprodução do capital em nosso momento e contexto histórico.

Em primeiro lugar temos cada vez menos terras indígenas sendo demarcadas, com um aumento do assassinato e do suicídio de suas populações. Em 2013, ainda de acordo com dados do CIMI, 73 indígenas cometeram suicídio, sendo a maioria do povo Guarani-Kaiowá entre 15 e 30 anos de idade. Em segundo lugar, a bancada ruralista financiada pelo agronegócio faz avançar as legislações necessárias para aumentar o consumo de agrotóxicos, aumentar a destruição ecológica com avanço dos diversos cultivos em áreas que, até então, eram consideradas de preservação permanente e, além de tudo isso, a apropriação ilegal – por meio de grilagem de terras, principalmente – de vastas extensões territoriais por grandes multinacionais internacionais que se apropriam, inclusive, das reservas de água disponíveis no estado.

Um dado alarmante para termos dimensão do nível da barbárie que o capital opera em Mato Grosso do Sul através do agronegócio: a área total desse estado é de pouco mais de 35 milhões de hectares. Os Guarani-Kaiowás ocupam algo ao redor de 35 mil hectares do estado. De acordo com dados do CIMI, as terras reivindicadas pelos indígenas totalizam algo perto de 900 mil hectares, portanto, menos de 2,5% do território de Mato Grosso do Sul.

A conclusão não poderia ser outra: sob a lógica do capital sempre haverá mais terras para pasto para atender as necessidades da pecuária desenvolvida pelas classes dominantes do que terras para famílias de trabalhadores ou de indígenas criarem seus filhos.

O genocídio das populações indígenas não será resolvido por movimentos sociais, sindicais ou ONG´s que apenas intentam a criação de políticas públicas e mais recursos para os pequenos agricultores, numa clara postura reformista que acredita na “ampliação democrática do Estado”. A luta socialista, também aqui, precisa estar orientada pela superação total do capital, do Estado, da propriedade privada e das classes sociais. É preciso repetir incansavelmente que: “Abandonado o horizonte comunista, todos os gatos tornam-se pardos” (S. Lessa).

Informações disponíveis em:

BOAS, K. V. Mato Grosso do Sul concentra mais de 60% dos assassinatos de indígenas do Brasil. 2016. Disponível em: http://migre.me/uN1kq. Acesso: ago. 2016.

CÉZAR, J. Agrotóxicos contaminam 400 mil pessoas por ano no Brasil. 2013. Disponível em http://migre.me/uN1qA. Último acesso: ago. 2016.

MST. Dez empresas são donas de 73% das sementes de todo o mundo. 2014. Disponível em: http://migre.me/uN1ug. Acesso em: ago. 2016.

MULLER, I. Ao menos 50 indígenas são assassinados ao ano no Brasil, mostram dados do CIMI. 2013. Disponível em: http://migre.me/uN254. Acesso: ago. 2016.