Jornal 93: A ofensiva mundial do capital e a desvalorização da força de trabalho
10 de setembro de 2016
Hoje vivenciamos uma série de ataques do capital contra os direitos dos trabalhadores. Para todos os lados que olhamos (Alemanha, Espanha, Itália, Grécia, França, Canadá, etc.) há reformas trabalhistas sendo viabilizadas por governos comprometidos unicamente com os interesses da burguesia. É preciso refletir sobre o sentido mais profundo dessas reformas.
O que está ocorrendo atualmente é que para aumentar ou manter seus lucros, especialmente em tempos de crise, o capital promove uma grande pressão no sentido de rebaixar o valor da força de trabalho. E é isso que vem ocorrendo de forma bastante explicita desde a crise, ainda não superada, de 2008. E é sobre esse processo que gostaríamos de fazer algumas observações.
Nos últimos anos acompanhamos como o capital tem intensificado seus esforços para rebaixar o valor da força de trabalho empenhando-se em buscar meios de explorá-la sem oferecer, em retorno, o mínimo suficiente para sua reprodução. O trabalho torna-se, então, uma mercadoria supérflua. Há vários meios que o capital pode lançar mão para realizar esse objetivo.
Para começarmos podemos falar do desemprego. A existência de um enorme contingente de trabalhadores que não conseguem uma colocação no mercado de trabalho, ao contrário do que afirmam os ideólogos do capital, não é um problema passageiro que o capitalismo possa resolver. O chamado exército industrial de reserva além de aumentar a concorrência entre trabalhadores, desarticula e inibe os sindicatos e as lutas por melhores salários e condições de trabalho. Assim, o desemprego serve como meio de regular o mercado de trabalho (sempre garantido uma alta oferta) e, consequentemente, pressionar os salários para baixo. Serve, então, como forma de desvalorização da força de trabalho.
Outra maneira de desvalorização do trabalho é a elevação significativa do número de trabalhadores que vivem de forma tão precária que aceitam trabalhar recebendo menos do que o valor “real” de sua força de trabalho. Porém, como, historicamente, o capital conseguiu realizar a “superexploração”? Valendo-se de trabalhadores estrangeiros.
Uma economia desenvolvida busca explorar trabalhadores de países mais pobres. Ou indo se instalar nestas regiões, ou trazendo os trabalhadores para seu território. Essa foi a essência de toda colonização desde o século XVI até os dias de hoje. Atualmente isso ocorre de maneira bem mais sofisticada do que no período Colonial, porém com idêntico caráter desumano. Basta olharmos o significado da tragédia da imigração na Europa.
E nesse processo de desvalorização do trabalho o Estado e os diversos governos vêm cumprindo papel central. A constatação de que “o governo (qualquer que seja ele) não passa de um comitê para gerir os negócios comuns de toda classe burguesa” revelou-se bastante atual.
No pós-guerra a necessidade do capital de se reerguer, depois de um perigoso conflito entre nações imperialistas, a escassez de trabalho, o fortalecimento dos organismos de luta da classe trabalhadora e a guerra fria obrigaram muitos governos, na administração dos interesses do capital, a fazer concessões que tinham como resultado uma importante valorização da força de trabalho.
Porém, a partir dos anos 1970 diante de uma nova conjuntura, de crise estrutural, essas concessões foram paulatinamente sendo eliminadas. E atualmente o que vemos é uma enorme ofensiva contra a classe trabalhadora para retirar os direitos sociais que ainda restam e rebaixar ainda mais o valor da força de trabalho. Isso significa aumento da exploração do trabalho. Esse é o único meio que o capital possui para manter a taxa de lucro e, portanto, sua própria reprodução.
Em cada país e em cada luta, derrotar o capital
Em 2010 a Alemanha realizou sua Reforma Trabalhista. Facilitou as demissões, aumentou a idade para aposentadoria, reduziu o valor dos benefícios sociais, dentre outras medidas. O resultado foi que diminuiu o desemprego, mas rebaixou os salários a tal ponto que recentemente o governo alemão foi obrigado a estabelecer um mínimo. Além disso, a Alemanha é um dos países mais interessados em receber imigrantes. Não por humanidade, mas sim para “integra-los” no mercado de trabalho recebendo menos que o mínimo estabelecido para os nativos.
Em 2012 foi a vez da Espanha. Aqui também a Reforma Trabalhista facilitou demissões, além disso reduziu benefícios aos desempregados e possibilitou demissões no setor público, tal como faria a Grécia mais tarde que demitiu 30% do quadro de funcionários. Na Espanha o resultado foi o mesmo da Alemanha. Um enorme contingente de trabalhadores desempregados que aceitaram trabalhar recebendo menos do que historicamente foi estabelecido como mínimo no país.
Este ano foi a vez da França. Mesmo com grande reação da população em geral, e dos jovens em particular, o governo atropelou o legislativo, manobrou e conseguiu aprovar na Assembleia Nacional a Reforma Trabalhista em 20 de julho deste ano. Em um dos piores ataques à classe trabalhadora os gerentes do capital estabeleceram a prevalência de acordos firmados por cada empresa com seus empregados sobre o código geral do trabalho e sobre os acordos coletivos, firmados entre sindicatos e empresas.
Além disso, também aqui, facilita-se a demissão, reduz-se o teto para pagamento de hora extra (de até 50% para 10%), libera as empresas para criar jornadas de trabalho “alternativas” com semanas de até 48h e jornadas diárias de até 12h e, ainda, deixa para a empresa o poder de determinar horários para que os trabalhadores se desliguem de aparelhos eletrônicos (smartphones, laptops, etc.) deixando o trabalhador disponível para o patrão praticamente o dia inteiro, ou quando está em casa!
E é bom ressaltar: tudo isso foi imposto pelo governo francês mesmo com inúmeras greves e gigantescas manifestações populares, talvez as maiores das últimas décadas na Europa.
Isso nos leva a duas questões: a) as reformas e medidas adotadas por governos na defesa dos interesses do capital não dependem simplesmente da vontade ou da personalidade de quem está à frente do poder executivo. São as próprias leis de funcionamento do capital que determinam estes ataques. Diante delas podemos apenas nos defender, mas nunca mudá-las; b) os limites das lutas parciais e de reivindicação por demandas imediatas: Ocorreram greves gerais, bem organizadas e executadas, os protestos, muitas vezes violentos, as centrais sindicais articuladas, a população disposta a brigar, juventude nas ruas, enfim, toda uma conjuntura favorável a uma vitória emblemática dos trabalhadores. Contudo, as principais reivindicações não poderiam ser atendidas no atual contexto da crise do sistema capitalista.
As leis próprias da ordem social do capital, citadas no item a), impediam qualquer possibilidade de atendimento de tais demandas. E tais leis não estão sujeitas a mudanças superficiais ou reformas.
Mas, se elas não podem ser controladas ou adaptadas aos interesses dos trabalhadores, elas podem ser destruídas. Isto porque são construções históricas, produto da ação dos homens. Assim, os homens não podem reformar o capitalismo, mas podem superá-lo e em seu lugar edificar uma nova ordem social que seja regida por novas leis de funcionamento. Porém, só há um caminho para destruir a estrutura de funcionamento do capital: a revolução. Ou seja, uma mudança nas estruturas mais profundas da sociedade, que signifique a substituição do trabalho assalariado pelo trabalho associado.